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terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

o caminho da devastação

Municípios influenciados pela BR-319 concentram 16% da área desmatada na Amazônia em 2022 

 

Promessas do governo Bolsonaro de repavimentar rodovia entre Manaus e Porto Velho podem ter fomentado impactos na região; ano passado, licença prévia chegou a ser emitida pelo Ibama 

 

 

Ampliação de desmatamento na BR 319, em Canutama, Amazonas, em 11 de setembro de 2021. (© Nilmar Lage / Greenpeace)

 

Os 13 municípios localizados na área de influência da BR-319, entre Manaus (AM) e Porto Velho (RO), foram responsáveis por 16% do desmatamento registrado em toda a Amazônia Legal, em 2022. Dos 1.053.311 hectares de floresta derrubada ao longo do ano passado, quase 169 mil foram detectados no traçado da rodovia federal, cuja repavimentação esteve entre uma das principais promessas políticas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).


Em julho do ano passado, às vésperas das eleições, o governo, por meio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), emitiu licença prévia para o início das obras, o que pode ter contribuído para o aumento dos impactos ambientais na região. 

O desmatamento observado, em 2022, na zona da BR-319, foi o maior da série histórica, iniciada em 2010. Tanto o Amazonas quanto Rondônia apresentam, desde 2019, aumentos expressivos em suas contribuições para o aumento da devastação do bioma amazônico. Na comparação com 2021, a área desmatada no Amazonas aumentou 24%.

Os dados fazem parte do relatório “Retrospectiva 2022: desmatamento e focos de calor na área de influência da BR-319”, produzido pelo Observatório BR-319 (OBR-319), organização sediada em Manaus e que desde 2010 acompanha os impactos da estrada. As análises são feitas a partir de dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), elaborado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Já o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é a fonte para apontar a quantidade de focos de calor. Em 2022, segundo o estudo, também ocorreram os maiores registros de queimadas na área avaliada: 14.183 focos. Ao todo, são 12 municípios do Amazonas analisados, mais a capital de Rondônia, Porto Velho. No caso de Autazes e Lábrea, apesar de não serem “cortados” diretamente pela rodovia, estão a ela conectados por meio da AM-254 e a BR-230, a Transamazônica, respectivamente.

Localizado no sul do Amazonas, na divisa com Rondônia, Lábrea foi o que registrou a maior área desmatada em 2022: 55.333 hectares. Em seguida aparecem Porto Velho (43.403 ha), Manicoré (20.903 ha), Canutama (18.788 ha) e Humaitá (15.264 ha). Juntos, estes municípios foram responsáveis por 94% de todo o desmatamento detectado na zona de influência da BR-319.

Para Fernanda Meirelles, secretária-executiva do OBR-319, não é possível atribuir apenas à emissão da licença prévia para a recuperação da estrada o registro recorde da devastação na sua zona de influência. Para ela, as sucessivas sinalizações feitas pelo governo Bolsonaro de retomada das obras contribuíram para o aumento recorde dos impactos.

“O simples anúncio de que a rodovia seria asfaltada, logo no início do governo, isso tudo gera a especulação fundiária, aumento da procura pelas terras por conta da valorização. Eu não diria que isso começou com a licença prévia, mas no início do governo com esses anúncios”, afirma ela.

A expansão da fronteira agrícola – em especial da pecuária – para essa região da Amazônia também pode ser vista como fator de elevação dos danos ambientais. A presença da rodovia contribui para a abertura de novas e do trânsito de caminhões boiadeiros.   

 

UCs e terras indígenas impactadas 

 A Retrospectiva 2022 elaborada pelo OBR-319 aponta que até as unidades de conservação (UCs) e terras indígenas (TIs) localizadas nos municípios analisados não deixaram de sofrer impactos. Ao todo, 8.225 hectares de floresta foram destruídos nos limites de 25 UCs monitoradas pela entidade. Em comparação com 2021, houve redução de 30%.

Sozinha, a Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná teve levados ao chão 4.254 hectares de floresta. Não é de hoje que a UC, localizada em Porto Velho, sofre com o desmatamento, impulsionado pela grilagem de terras públicas. Em segundo lugar está a Floresta Estadual Tapauá, no Amazonas, com 1.830 hectares. O Parque Nacional Mapinguari vem em terceiro, com 1.176 hectares de sua cobertura florestal destruída. A UC federal abrange os territórios do Amazonas e Rondônia.

Vizinha à Resex Jaci-Paraná, a TI Karipuna foi a campeã em registro de desmatamento no ano passado: 1.733 hectares. Na sequência entre os territórios indígenas mais desmatados estão a TI Sepoti, com 482 hectares; e a TI Tenharim/Marmelos (Gleba B), com 429 hectares.

 

Reportagem produzida para ((o)) eco 



sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

a serviço da resistência

Não fosse a resistência dos servidores, a situação estaria bem pior, diz ex-chefe da Resex Chico Mendes

 

Perseguido e ameaçado por seu trabalho numa das áreas protegidas mais pressionadas pelo agronegócio, Flúvio Mascarenhas fala sobre a atuação do ICMBio na região durante os 4 anos do governo Bolsonaro

 

Flúvio: a gente só queria sair do inferno (Foto: Fabio Pontes)

O analista ambiental Flúvio Mascarenhas, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), pode ser definido como uma das melhores personificações do que foi a vida dos servidores ambientais durante os quatro anos do governo Jair Bolsonaro (PL). Há 13 anos exercendo a função no Acre, Flúvio foi perseguido pelos superiores, demitido duas vezes da chefia da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes – uma delas diretamente por Ricardo Salles – e também ameaçado de morte por infratores ambientais insatisfeitos com o seu trabalho, numa das unidades de conservação da Amazônia mais desmatada no período 2019-2022: 305 km2, segundo o INPE. 

Ele e os colegas sofreram perseguições e assédios morais por parte de seus chefes, muitos deles policiais militares indicados pelo ex-ministro do Meio Ambiente. “A missão deles lá dentro, não falo de todos, era perseguir, desmobilizar e desaparelhar. Essa era a missão que eles tinham. Era ligar para o servidor para passar recado”, diz Flúvio.

Ele viu colegas serem demitidos pelas questões mais simples possíveis, no exercício legal de suas funções, e que retornaram aos cargos graças a sentenças judiciais. Muitos deles, afirma, ficaram traumatizados, enfrentaram perrengues, ficaram desmotivados e doentes, necessitando de ajuda psicológica. “Eu costumo dizer que a gente não queria estar no paraíso, mas só sair do inferno mesmo. A sensação de normalidade dentro do serviço após as eleições já te deu até um ganho de qualidade de vida.”  

Formado em engenharia florestal pela Universidade Federal do Acre (Ufac) e mestrado em Gestão de Áreas Protegidas da Amazônia, pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Flúvio conhece como poucos a realidade da Resex Chico Mendes. Demarcou a reserva com seus quase um milhão de hectares de ponta a ponta. Foi o chefe da UC por duas ocasiões: entre novembro de 2018 a julho de 2019, e abril a julho do ano passado. Em todos os casos, demitido por pressões políticas.

Após quatro anos de anonimato e falando sempre em off com jornalistas, enfim Flúvio se sente à vontade e seguro para mostrar a cara e conversar com ((o))eco, em Rio Branco. Ele faz uma análise do que foi ser um servidor ambiental no Brasil durante o governo Bolsonaro, e o que espera, agora, com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência da República.


((o))eco: O que foram, ou o que representaram, estes últimos quatro anos de governo Jair Bolsonaro para os servidores ambientais do Brasil?

Flúvio Mascarenhas: Representaram um pesadelo que se acabou no dia 30 de outubro de 2022, com a eleição do presidente Lula, ganhando as eleições declarando apoio a todos os servidores que realmente lutaram e que foram de resistência no combate aos ilícitos ambientais; não fomos poucos. A gente tinha uma noção que os quatro anos de governo Bolsonaro iam ser um inferno, iam ser um deus-nos-acuda, e de fato foram. Perseguição com achincalhamento, personalização e perseguição de servidores. Os servidores eram tolhidos de falar. Então, os servidores ambientais foram os que mais sofreram porque estavam na linha de frente no combate ao desmatamento, ao garimpo ilegal. Não podia destruir equipamento, não podia fazer notificação de saída para os invasores de terras públicas. Foi uma série de sofrimentos que esses funcionários passaram. Teve muita gente que adoeceu, muita gente que passou por perrengues. Teve muita gente que foi demitida e que voltou graças à Justiça, mas ficaram traumatizadas. Teve muito assédio. Foram quatro anos de lutas, mas houve muita entrega também. Muita entrega por parte dos servidores que têm a causa ambiental, que reconhecem as populações tradicionais lá dentro [das unidades de conservação], e colocaram isso na linha de frente. Nessa época, as pessoas mais humildes dentro das reservas extrativistas não tinham voz, elas ficaram invisíveis. Elas não existiam para essas pessoas que ficaram no poder durante esses quatro anos. Eu costumo dizer que a gente não queria estar no paraíso, mas só sair do inferno mesmo. A sensação de normalidade dentro do serviço após as eleições já te deu até um ganho de qualidade de vida.   


Leia a entrevista completa em ((o)) eco

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

parlamento insustentável

Agenda antiambiental deve permanecer como um dos riscos na Assembleia de Rondônia


Extinção de áreas de proteção esteve como principal proposta apresentada por parlamentares para a área ambiental; mudança no zoneamento ecológico é o próximo alvo do legislativo 

 

 

Resex Jaci-Paraná, desafetada por deputados de RO (Foto: Alexandre Noronha/Amazônia Real)

A nova Assembleia Legislativa de Rondônia, empossada no começo do mês, tende a apresentar (e aprovar) projetos de lei no sentido de enfraquecer as normas ambientais do estado, além de acabar ou reduzir o tamanho das unidades de conservação. Assim, a atual legislatura eleita em 2022 deve manter inalterada a agenda antiambiental característica do parlamento rondoniense, cuja boa parte das 24 cadeiras é ocupada por políticos ligados ao agronegócio.


“Houve uma renovação de deputados, mas a gente não sabe muito bem o que esperar desses novatos. Alguns já são conhecidos por estarem ligados ao agronegócio e ao desmatamento da forma mais agressiva possível. A tendência é a a Assembleia Legislativa de Rondônia continuar com seus atentados contra as questões amnientais”, avalia Paulo Henrique Bonavigo, presidente da Ação Ecológica Guaporé (Ecoporé). 

De acordo com ele, nenhum dos parlamentares eleitos em outubro de 2022 tem alguma ligação com a pauta do meio ambiente no estado. A que apresenta um perfil mais próximo é a deputada Cláudia de Jesus (PT). Ex-vereadora do município de Ji-Paraná – o segundo mais populoso do estado – sua atuação política foi construída junto aos pequenos e médios agricultores, a agricultura familiar.

Em um ambiente predominantemente masculino e bolsonarista, a petista diz ser um grande desafio o exercício de seu mandato. Segundo ela, não fosse a eleição de Lula para presidente, as condições postas seriam bem piores.

“Até o momento os demais deputados têm tratado a gente com respeito, mas a gente entende que vai ser desafiador. Eu tenho colegas que são extremistas. Tem um deputado que chega a ser extremista. Isso já demonstra que vamos ter muita luta. A gente vem pra cá porque temos pautas importantes a debater”, diz Cláudia de Jesus ao ((o))eco.

Sobre a pauta ambiental no estado, ela analisa que a posse de Lula serve como um freio aos ímpetos locais de avanço do agronegócio sobre as áreas de floresta. A deputada do PT afirma que estará atenta ao movimento de projetos relacionados ao meio ambiente, para quem “é um dever de todos proteger”. Mas com a maioria de seus colegas com visão contrária, de fato a atuação parlamentar caminha para ser bastante desafiadora.

Com o governador bolsonarista Marcos Rocha (União Brasil) reeleito, a perspectiva é que a ofensiva legislativa contra os mecanismos de proteção ao meio ambiente tenha o aval do poder Executivo. 

A “dobradinha” antiambiental entre governo e assembleia já aconteceu nos últimos quatro anos, quando Rocha enviou para a Assembleia Legislativa o projeto de lei complementar (PLC 80/2020) que desafetou a Reserva Extrativista Jaci-Paraná e o Parque Estadual Guajará-Mirim. O texto foi aprovado pela Casa e sancionado pelo governador. 


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Leia também o Especial Rondônia Devastada 

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

forças econômicas

 Força política e econômica do garimpo em RR são desafios para desintrusão da TI Yanomami


Em duas operações de combate à lavagem de dinheiro, PF aponta que atividade movimentou quase meio bilhão de reais em cinco anos; bolsonarismo resistente faz garimpo ser bem visto por parte da sociedade 

 

A desintrusão da Terra Indígena (TI) Yanomami desencadeada há uma semana revela que os desafios do governo Lula para retirar mais de 20 mil garimpeiros que invadiram a área não estão restritos aos campos operacionais e de logística, mas também no território econômico e político roraimense, onde o bolsonarismo sobrevive com bastante força. As fortes e históricas relações de lideranças políticas e econômicas locais com o garimpo levam as operações tocadas pelo governo federal encontrar resistência não só por quem sobrevive da atividade ilegal, mas também de uma parcela da população local. 

No centro de Boa Vista, o monumento do homem com a peneira em mãos garimpando a terra em busca do precioso ouro simboliza bem a força que a mineração possui na construção de Roraima.

As votações dadas a Jair Bolsonaro (um dos maiores entusiastas da atividade garimpeira do país) nas duas últimas eleições presidenciais expõem a vitalidade não apenas do garimpo, mas também do agronegócio – e consequentemente uma agenda antiambiental – entre os cidadãos roraimenses. No segundo turno das eleições de 2022, Bolsonaro obteve 76% dos votos válidos em Roraima.

A reeleição folgada em primeiro turno do governador Antônio Denarium (PP) é outro claro sinal disso. Nos primeiros quatro anos de mandato, Denarium adotou medidas pró-garimpo, como a sanção ao projeto de lei que impedia as forças estaduais de segurança de destruírem maquinários durante as operações ambientais.

Com ou sem a lei, é pouco difícil saber se agentes estaduais teriam disposição para queimar equipamentos de garimpeiros. Em dezembro do ano passado, o secretário de Segurança Pública de Roraima, o coronel da PM Edison Prola, foi acusado de vazar uma operação de desintrusão na TI Yanomami. Já naquela época, ((o))eco mostrava que a retirada de garimpeiros da região seria o primeiro desafio do então presidente eleito Lula numa Amazônia bolsonarista.

Desde agosto de 2022, aliás, ((o))eco acompanha de perto o processo eleitoral na região, mostrando que em Roraima, até mesmo candidato do PV ao governo apresenta projetos simpáticos à mineração. 


Os lucros do garimpo

Já agora no poder, o presidente Lula precisa ter muito mais do que bases militares para garantir a retomada do território Yanomami pelo Estado brasileiro, mas também bases políticas locais sólidas. Apenas a força do aparato federal parece ser insuficiente. A divulgação de áudios mostrando a disposição de garimpeiros para voltar à TI tão logo a poeira baixe retrata o desafio para que Brasília não fique apenas a enxugar gelo.

Os elevados lucros proporcionados pela extração criminosa de ouro em terra indígena alimenta a indústria garimpeira – que se baseia desde a venda de combustível, comida, ferramentas, até o aluguel de aeronaves e retroescavadeiras.

Nesta terça-feira (14), a Polícia Federal voltou a fazer operações cujo alvo é o sistema financeiro que fomenta o comércio ilegal de ouro roubado da TI Yanomami. Ao todo, segundo as investigações, a quadrilha é suspeita de movimentar R$ 422 milhões nos últimos cinco anos. A Justiça expediu 16 mandados de busca e apreensão cumpridos em Roraima, São Paulo e Goiás. A PF ainda pediu o bloqueio de bens dos investigados.

Na sexta passada, dia 10, a PF tinha deflagrado a primeira operação cujo objetivo era o combate ao esquema de lavagem de dinheiro envolvendo o ouro extraído da TI Yanomami. Entre os investigados estão a irmã do governador de Roraima, Vanda Garcia de Almeida, e um sobrinho de Denarium. Segundo a polícia, a organização movimentou outros R$ 64 milhões em dois anos. Os valores divulgados dão uma dimensão do capital proporcionado pelo garimpo dentro do território indígena.     

Já no campo do combate operacional ao garimpo, cujas operações são lideradas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), dragas, aeronaves e maquinários são destruídos. De acordo com balanço divulgado na segunda-feira (13), até agora quatro aeronaves, seis balsas e um trator de esteira foram inutilizados – ou seja, queimados. Embarcações, combustíveis (seis mil litros) e geradores foram apreendidos.

Essa uma semana de operações de desintrusão da TI Yanomami é apenas o começo para a retomada de uma vasta área do bioma amazônico controlado pelo crime. A outra frente é a recuperação do estado de saúde das crianças e adultos Yanomami afetados pela desnutrição e malária, cujas imagens chocaram todo o mundo.

A retomada do território Yanomami está apenas no começo, assim como o governo Lula e suas promessas de reconstrução da política ambiental brasileira. A herança do governo Bolsonaro para a gestão ambiental ainda precisa de muito tempo e articulações políticas com as forças locais para ser desfeita.  


Reportagem produzida para ((o)) eco

sábado, 11 de fevereiro de 2023

mundo amazônico

Preservação da Amazônia é tema central em encontro de Lula com Biden

 

Adesão dos EUA ao Fundo Amazônia está entre temas principais; Lula cobra países por cumprimento de metas na redução de gases poluentes 

 

 

Lula na Casa Branca em visita Biden (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Os compromissos de proteção da Floresta Amazônica e de redução nas emissões de gases do efeito estufa, estiveram entre os temas principais debatidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu colega norte-americano, Joe Biden. Ao fazer críticas ao governo antecessor, de Jair Bolsonaro, a quem acusou de incentivar a devastação da Amazônia, Lula voltou a assumir a meta de zerar o desmatamento ilegal do bioma até 2030.


“Nos últimos anos, a Amazônia foi invadida pela irracionalidade política, pela irracionalidade humana, porque nós tivemos um presidente que mandava desmatar, mandava garimpo entrar nas áreas indígenas, mandava garimpar nas florestas que nós demarcávamos como reserva na Amazônia. E eu assumi um compromisso, de que até 2030, nós vamos chegar a desmatamento zero na Amazônia”, disse Lula a Biden durante reunião na Casa Branca, na tarde desta sexta-feira (10).  

O presidente brasileiro declarou que a proposta não é a de fazer da Amazônia um “santuário da humanidade”, mas de transformar a floresta num centro de pesquisa compartilhado com outros países. Com essa transformação do bioma, aliada ao uso sustentável de sua biodiversidade, completou ele, o Brasil poderá tirar proveito para garantir a melhoria “da qualidade de vida do povo que vive na Amazônia”.

“Cuidar da Amazônia hoje, é cuidar do planeta Terra. E cuidar do planeta Terra é cuidar da nossa sobrevivência”, afirmou Lula. “Uma árvore de 300 anos ela não tem proprietário. Ninguém pode derrubá-la. Ela é um patrimônio da humanidade.”    

O petista relembrou que em 2009, durante a conferência do clima de Copenhague, a COP-15, o Brasil assumiu o compromisso de reduzir o desmatamento da Amazônia em 80%, e de 39% nas emissões de gases do efeito estufa. “E nós cumprimos isso no meu governo e no governo da presidente Dilma”, disse.

Ao presidente da maior potência econômica do mundo, e consequentemente líder na emissão de gases poluentes, Lula defendeu uma governança mundial para que, de fato, as causas do acelerado processo de mudanças climáticas sejam enfrentadas. Para ele, além de se estabelecer metas de reduções, os países também devem ser obrigados a cumpri-las.

“Eu não sei qual é o fórum. Não sei se é na ONU, não sei se é no G20, não sei se é no G8, mas alguma coisa nós temos que fazer para que a gente obrigue os países, o nosso Congresso, os nossos empresários a acatar decisões que nós tomamos a níveis globais. Se isso não acontecer, a nossa discussão sobre a mudança climática ficará muito prejudicada”, afirmou Lula.

Numa fala mais curta, logo na abertura do encontro, o presidente norte-americano disse que Brasil e Estados Unidos compartilham dos mesmos valores nos atuais desafios globais, em especial no que diz respeito às mudanças climáticas. 


EUA no Fundo Amazônia

O encontro entre Joe Biden e Lula também serviu para oficializar a adesão dos EUA ao Fundo Amazônia. De acordo com a Folha de S Paulo, os integrantes da comitiva brasileira – que conta com a participação da ministra Marina Silva – teriam ficado decepcionados com o valor oferecido por Washington; US$ 50 milhões, pouco mais de R$ 260 milhões.

Recriado com o retorno de Lula ao Palácio do Planalto, o Fundo Amazônia tem como seus principais doadores a Noruega e a Alemanha. O combate às emissões de gases poluentes tem sido uma das principais bandeiras políticas de Biden à frente da Casa Branca.

O repasse de recursos para ajudar os países na preservação das florestas é uma das suas promessas. Porém, os valores são considerados baixos diante da força econômica dos EUA, além de ser o maior emissor de gases do efeito estufa na atmosfera.  Joe Biden ainda assumiu o compromisso de convidar os países que reúne as maiores economias do mundo, o G8, a aderirem ao Fundo Amazônia. 


Reportagem produzida para o portal ((o)) eco

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

metamorfose ecológica

Com mudança de postura, governadores do AC e RO iniciam mandatos com agenda mais ambiental

Em 2019, ao assumirem pela primeira vez os governos, os bolsonaristas Cameli e Rocha tinham bandeiras antiambiental e de defesa do agronegócio a todo custo  



Governador do AC, Gladson Cameli, em reunião do GCF, no México (Foto:Secom)

Os governadores do Acre, Gladson Cameli (PP), e o de Rondônia, Marcos Rocha (União Brasil), participaram, essa semana, da 13o Reunião Anual da Força-Tarefa dos Governadores para o Clima e Floresta (GCF Task Force), em Yucatán, no México. A participação da dupla em um evento sobre a defesa do meio ambiente, logo no início de seus segundos mandatos, representa uma mudança radical de postura - quando na comparação com o começo de 2019.


Há quatro anos, os dois assumiram os governos de seus estados embalados pela onda bolsonarista que atingiu o país nas eleições de 2018. Na Amazônia Legal, essa onda foi um tsunami, com o então candidato Jair Bolsonaro recebendo mais de 70% dos votos válidos em alguns estados. Os discursos antiambiental e de fortalecimento do agronegócio também impulsionam, eleitoralmente, as vitórias de Cameli e Rocha.

Se no começo de 2023 os dois dão as caras no encontro do GCF, em 2019 suas agendas estavam muito mais voltadas para a participação em feiras agropecuárias entre as capitais Rio Branco e Porto Velho. Gladson Cameli e Marcos Rocha podem ser definidos como os principais patrocinadores políticos para a proposta de criação da zona de desenvolvimento comum na tríplice divisa Amazonas, Acre e Rondônia, a Amacro.

O plano de uma zona livre para o agronegócio entre os três estados ficou no papel, mas as consequências para a preservação da floresta foram desastrosas. Juntos, Amazonas, Rondônia e Acre chamaram a atenção, ao longo dos últimos quatro anos, pelo aumento recorde das taxas de desmatamento e queimadas - estando parte dessa devastação concentrada na região Amacro.

Com a posse de Lula na Presidência, Cameli e Rocha se veem obrigados a adotar uma postura mais verde, menos agressiva ao meio ambiente. A mudança mais notória está no governador acreano, que passa por uma transformação radical, defendendo a preservação da Floresta Amazônica, com a geração de renda para a população local.

“Estamos aqui para reforçar o nosso compromisso com o desmatamento zero e, ao mesmo tempo, apresentar políticas públicas sustentáveis voltadas ao meio ambiente para a geração de emprego e renda”, disse Cameli em sua fala no México.

“Mais de 85% do nosso território é composto por floresta. Sabemos que não é preciso derrubar mais nenhuma árvore porque a área aberta já é suficiente para o agronegócio sustentável. Temos tecnologia suficiente para aumentar a produtividade”, completou ele, não abandonando por completo sua bandeira política-eleitoral do agronegócio.

Quatro anos atrás, embalado pela força do bolsonarismo e o antipetismo no Acre, Cameli jamais teria um discurso enfático em defesa do meio ambiente - muito pelo contrário. Com o estado dependente das parcerias com o governo federal para sobreviver, o governador se vê obrigado a rezar a cartilha ambiental imposta por Lula.

A fragilidade política do governador, que é investigado por corrupção pela Polícia Federal, também é outro fator a estar mais sintonizado com o atual ocupante do Palácio do Planalto.

Já a conversão ambiental de Marcos Rocha parece seguir uma trajetória “lenta, gradual e segura”. O coronel da PM de Rondônia eleito governador é mais fiel ao bolsonarismo, não se rendendo tão fácil ao presidente petista. O fato de não ser investigado por órgãos federais o deixa numa zona de conforto para não ser taxado de ambientalista num estado dominado pela força do agronegócio.

Contudo, sua simples participação no evento de governadores pelo clima e floresta já representa uma mudança de postura, e a disposição política para não ficar isolado ante Brasília. Em novembro, Rocha e Cameli já tinham participado da COP-27 no Egito - em que Lula também esteve. O governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), outro bolsonarista ferrenho na região, também foi à conferência do clima da ONU.

Na reunião anual da GCF no México, o estado que se apresenta como o celeiro do agronegócio esteve representado pelo vice-governador, Otaviano Pivetta.       

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Futuro Amazônia

Não existirá futuro sem preservar a Amazônia, diz Mercadante ao assumir controle do Fundo Amazônia


Petista diz que uma das prioridades do fundo será reestabelecer o combate ao desmatamento e o apoio às comunidades mais vulneráveis 

 

 

Mercadante, novo presidente do BNDES e gestor do Fundo Amazônia (Foto:AB)
 

Ao tomar posse como novo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em evento com a presença do presidente Lula nesta segunda-feira (6), no Rio de Janeiro, Aloizio Mercadante dedicou parte de seu discurso para tratar do retorno das atividades do Fundo Amazônia e a necessidade de se apoiar uma economia de reduzido impacto ambiental, em meio às emergências climáticas no mundo.

Após ficar desativado nos últimos quatro anos por conta do desmonte da política ambiental promovida pelo governo Jair Bolsonaro (PL), o Fundo Amazônia voltou a existir após a assinatura de medida provisória por Lula, em seu primeiro dia de mandato.  

“Não existirá futuro sem preservar a Amazônia e outros biomas. Essa será a prioridade do BNDES do futuro”, disse Mercadante, ao destacar que a busca pelo fortalecimento de uma economia verde e de baixo carbono será uma de suas prioridades à frente do banco de fomento.

“Nosso planeta não tem chance de sobreviver e de prosperar se o sistema econômico e financeiro não mudar radicalmente para enfrentar a emergência climática e social.”.

De acordo com Aloizio Mercadante, a nova gestão do Fundo Amazônia estará voltada para três diretrizes básicas: restabelecer as condições necessárias para as ações de comando e controle que visem o combate ao desmatamento ilegal; viabilizar projetos econômicos de fomento ao desenvolvimento sustentável da região, com a manutenção da floresta em pé; e desenvolver a infraestrutura, a indústria limpa e a pesquisa científica, gerando novas oportunidades de emprego para os povos da Amazônia.

Criado em 2008, ainda no segundo mandato de Lula, o Fundo Amazônia capta recursos a partir de doações internacionais de governos e empresas. A Noruega e a Alemanha são os dois maiores financiadores. Tanto Berlim quanto Oslo deixaram de enviar recursos devido ao fato do governo Bolsonaro  promover alterações no conselho gestor do fundo, além do fato de o Brasil adotar uma política antiambiental que levou o bioma a registrar taxas recordes de desmatamento e queimadas.

Tão logo Lula foi anunciado vencedor das eleições presidenciais de 2022, a Noruega sinalizou disposição em retomar a parceria com o Brasil – mesma posição adotada pela Alemanha. Em janeiro, o país anunciou o repasse de 35 milhões de euros para o restabelecimento do Fundo Amazônia.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

interesses (nada) estatais

Governador de Mato Grosso quer apoio de Lula para estadualizar o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães

 

Mauro Mendes iniciou ofensiva junto ao Planalto por apoio político; estadualização enfraquece a gestão da unidade, diz deputado 

 

O governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), tem intensificado suas articulações em Brasília para concretizar o pleito de trazer para a gestão estadual uma das mais importantes unidades de conservação do país: o Parque Nacional (Parna) da Chapada dos  Guimarães. A unidade de conservação protege importantes nascentes do bioma Pantanal e é uma das poucas áreas protegidas do Cerrado.


Um dos principais cabos-eleitorais de Jair Bolsonaro (PL) na campanha de 2022, Mendes aproveitou a reunião dos 27 governadores com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na última semana de janeiro, para obter apoio político em Brasília para deixar sob seu controle o parque, gerenciado pela União desde sua criação, em 1989. 

Em outra frente de atuação, na jurídica, o governador anunciou, na quinta-feira (2), que a Procuradoria Geral do Estado (PGE) entrará com recursos para validar a participação de uma empresa estatal na concorrência aberta pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para a concessão do Parna de Chapada dos Guimarães à iniciativa privada.

A proposta apresentada pelo governo foi rejeitada pelo ICMBio. Alegando ter boas propostas de gestão para a UC e um montante de R$ 200 milhões para investimentos, o governador não aceita que a empresa MTPAR (MT Participações e Projetos S/A) tenha sido preterida durante o leilão público. A empresa é uma sociedade anônima de economia mista e capital fechado, que tem como sócio majoritário o Governo do Estado de Mato Grosso, e foi criada com intuito de auxiliar o Estado de Mato Grosso em ações que envolvem investimentos públicos e privados.

O processo de concessão da UC para o setor privado foi iniciado ainda no governo Michel Temer (2016-2018), e concluído na gestão de Jair Bolsonaro (2019-2022). Mas, nem mesmo o presidente aliado de Mauro Mendes repassou a gestão da UC Federal para o âmbito estadual. Em discurso proferido na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, Mauro Mendes promete elogio público ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva caso este efetue a estadualização do Parque de Chapada.

“Pedi durante quase três anos ao Governo Federal. Posso falar isso aqui com muita tranquilidade. Disse ao ministro do Meio Ambiente: pelo amor de Deus, passe esse parque para Mato Grosso. Temos R$ 100 milhões para investir. Não passaram e prosseguiram no processo de licitação e estranhamente nos desclassificaram. Mas, se acaso agora o leilão for desconsiderado e a área passar para nós, iremos investir R$ 200 milhões em quatro anos. Além disso, eu disse ao presidente  Lula: Presidente, se o senhor fizer isso eu quero fazer o primeiro grande elogio público ao governo do senhor, porque eu fiquei dois anos e meio no governo anterior e não consegui”, declarou Mendes.

Conforme fontes em Mato Grosso, que pedem sigilo por conta do clima político tenso no estado controlado por aliados de Bolsonaro, ao menos três fatores influenciam na ofensiva do governo Mauro Mendes: a atividade de mineração, a duplicação da rodovia entre Cuiabá e o município de Chapada dos Guimarães, mais os interesses dos setores imobiliário e de entretenimento no entorno da unidade de conservação.

Os movimentos de Mendes chamam a atenção também porque esse mesmo governo tem tido uma atuação que deixa muito a desejar na gestão das áreas protegidas estaduais. Nem mesmo o projeto para a construção de uma guarita numa das entradas do Parque de Chapada dos Guimarães, fruto de uma parceria entre os governos Federal e Estadual à época da Copa do Mundo de 2014, foi concluído.

 

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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

metamorfose ecologica

 Reeleitos, Lira e Pacheco adotam posturas mais ambientalmente sustentáveis


Tanto presidente da Câmara quanto do Senado abordaram a questão ambiental em seus discursos de posse; Lira acenou ao meio ambiente, sem desagradar ao agronegócio 

 

Arthur Lira, presidente da Câmara

A posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência da República provocou uma metamorfose política nos presidentes reeleitos da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Ao terem suas reeleições confirmadas na última quarta-feira (1o), quando o Congresso Nacional eleito em 2022 tomou posse, ambos adotaram uma postura de compromisso com a proteção ao meio ambiente, seguindo a linha já assumida pelo Palácio do Planalto.

A mudança mais radical pode ser observada em Arthur Lira, que nos últimos dois anos, com o Executivo sob o controle de Jair Bolsonaro (PL), fez avançar pautas consideradas nocivas para a agenda ambiental e aos povos indígenas. Aliado incondicional do então presidente da República, Lira atuou para tramitar projetos de interesse do governo, como o PL 191/20, que regulamenta a mineração dentro das terras indígenas.

Agora, com Lula na Presidência, o presidente reeleito da Câmara adota um discurso de respeito ao meio ambiente e aos povos originários. Ao abordar o tema, o parlamentar alagoano seguiu numa linha moderada para agradar tanto aos ouvidos do governo petista quanto aos da bancada ligada aos interesses do agronegócio. Falando de forma mais macro, defendeu um “ponto de equilíbrio” entre o social e o econômico, e que a regra também vale para a agenda ambiental.

“O mesmo vale quando falamos sobre meio ambiente. Sabemos o valor da preservação da nossa Amazônia, do Pantanal, da Mata Atlântica, de nossos rios, lagoas e mares. Mas devemos, também, olhar para os povos que dependem da exploração correta dessas regiões. Nossos povos originários precisam da mão protetora do Estado, da assistência e solidariedade de todos e todas”, disse Arthur Lira.

Para o agronegócio, o presidente da Câmara pediu um olhar “de !responsabilidade para quem produz, quem planta e colhe o nosso alimento – o agro que nos orgulha e nos fez celeiro do mundo”. “Estabelecer a convivência pacífica, justa, preservacionista e com desenvolvimento é um desafio para o qual vamos debater e encontrar soluções”, completou o deputado.

Em dezembro, quando o PT oficializou seu apoio à reeleição de Lira, ((o)) eco mostrou que a aliança poderia colocar em risco uma das principais promessas do petista durante a campanha eleitoral: a reconstrução da política ambiental do país, após quatro anos de devastação com Bolsonaro. O “passivo ambiental” de Lira durante seu primeiro mandato na presidência da Casa era o que colocava em xeque a agenda de meio ambiente do então governo eleito.

O discurso de Lira, porém, mostra uma mudança de postura para não desagradar ao novo ocupante do Palácio do Planalto, mas também tenta não desagradar a ala majoritariamente mais conservadora da Câmara, em partes ligada ao agronegócio, que é a sua base de sustentação. 
 
 

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

reduto tropical

Bolsonarismo chega como principal força política da Amazônia Legal no novo Congresso Nacional

PL é o partido com a maior bancada de estados da Amazônia Legal, com 19 deputados empossados; junto com União e Republicanos, grupo mais fiel ao ex-presidente  

 

Plenário do Congresso Nacional (Beto Barata/Agência Senado)


A bancada de deputados federais e senadores da Amazônia Legal empossada essa semana tende a atuar muito mais contrária a medidas de preservação da Floresta Amazônica do que o oposto. O fato de seus berços eleitorais estarem em estados que formam o bioma não os relaciona a uma pauta mais ambientalista ou de defesa dos povos indígenas dentro do Congresso Nacional. A nova composição de parlamentares oriunda da Amazônia está muito mais associada aos interesses do agronegócio, ao conservadorismo religioso e, consequentemente, aliada irrestrita do bolsonarismo mais radical.


Conforme levantamento feito por ((o))eco, dos 91 deputados e deputadas federais eleitos em outubro de 2022, mais da metade é de partidos ligados diretamente ao bolsonarismo. O PL, assim como em todo o país, elegeu a maior bancada na Amazônia Legal: 19 parlamentares. Em seguida está o União Brasil, com 18 deputados, e o MDB, também com 18. O Republicanos, outro forte berço bolsonarista, tem 10 eleitos. 

Apesar de oficialmente integrar o governo Lula ao receber ministérios, o União Brasil ainda tem grande parte de seus parlamentares ligados ao ex-presidente da República. A legenda é resultado da fusão do Democratas com o PSL, que em 2018 foi usado por Bolsonaro para se eleger presidente.

Exemplo desta lealdade incondicional ao bolsonarismo mais radical é o do agora empossado senador Alan Rick, do Acre. Mesmo sendo do União Brasil, já declarou que fará oposição ao governo Lula. Assim como na Câmara, a maioria dos senadores eleitos pela Amazônia Legal estava no palanque do então presidente candidato à reeleição.

Dos nove concorrentes vitoriosos, cinco estão alinhados diretamente com a corrente política do ex-presidente Jair Bolsonaro. O União Brasil elegeu a maior bancada, com três senadores na região, seguido pelo PL, com dois. No começo de outubro, ((o))eco já mostrava que o resultado da votação para o Senado representava a grande força do bolsonarismo dentro da Amazônia Legal.   

A composição da Câmara dos Deputados, a reeleição dos governadores bolsonaristas, mais a votação expressiva de candidato derrotado à Presidência também sinalizam a força política deste campo ideológico mais ligado à extrema direita. A maioria dos eleitos apresenta uma pauta conservadora de valores (muitos ligados a igrejas evangélicas) e de defesa do agronegócio como indutor do desenvolvimento local.

Levantamento feito por ((o))eco, em setembro, mostrou que a maioria dos parlamentares eleitos pelos moradores da Amazônia Legal votava favorável às pautas-bombas para o meio ambiente e os direitos dos povos indígenas. Da antiga legislatura, PL, Republicanos, mais o MDB, se configuram como os principais partidos cujos deputados apoiam ou apresentam projetos que fragilizam as leis ambientais.

Dos novos deputados federais empossados, apenas três são do partido do presidente Lula, o PT. A legenda só conquistou cadeiras na Câmara pelo Maranhão e o Pará. Da Amazônia Legal, a esquerda ainda elegeu seis deputados pelo PDT (4), PSB (1) e PCdoB (1).

As demais cadeiras (82) estão todas ocupadas por partidos de direita ou centro. 


Reportagem produzida para o portal ((o)) eco

terça-feira, 31 de janeiro de 2023

A Pan-Amazônia

Após foco na economia, preservação precisa ser meta de Lula para Pan-Amazônia, dizem especialistas


Em duas décadas de governos petistas na região, propostas foram concentradas apenas para o campo econômico, como a abertura da Rodovia Interoceânica 

 

TI do povo Ashaninka na fronteira Brasil-Peru; ameaças dos 2 lados
 

Com a Floresta Amazônica ocupando mais de 60% do território brasileiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer recolocar o país no protagonismo sul-americano de proteção do bioma. Desde sua eleição, o petista fala sobre a importância de se dialogar com os países vizinhos que também têm a floresta em seu território, como a Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, para o desenvolvimento de ações integradas para proteção do bioma.


Com a maior parte dos países do continente hoje controlados por governos progressistas, Lula parece não encontrar resistências para elaborar um plano de preservação da floresta na chamada Pan-Amazônia ou “Amazônia Internacional”.

A proposta de se ter estratégias regionais de proteção da mais importante floresta tropical do mundo surge como um contraponto às propostas passadas discutidas pelos governos, cujo foco estava na integração econômica, com projetos de infraestrutura de elevados impactos sociais e ambientais.  A fronteira Brasil-Peru, por exemplo, é uma das mais ameaçadas neste sentido por conta de novas rodovias internacionais como a Estrada do Pacífico (BR-317).

“Essa integração sul-americana foi pensada apenas através de infraestrutura, de estradas, ferrovias, pensando mais no viés econômico. E isso não tem sido positivo para os povos indígenas que vivem nessas áreas de fronteira”, diz Malu Ochoa, assessora técnica da Comissão Pró-Índio (CPI Acre).

Mas, apesar do discurso do novo presidente, as lideranças locais parecem insistir em velhos erros. Após a pavimentação da Interoceânica, entre os dois países, a partir da fronteira com o Acre, o governador, Gladson Cameli (PP), e políticos do estado agora defendem a abertura de uma nova estrada até o Peru. O projeto é uma ameaça sob  uma das regiões mais bem preservadas da Amazônia – de ambos os lados da fronteira. A nova estrada ainda colocaria em risco a sobrevivência de indígenas isolados e também dos já contactados.

A primeira estrada, a Rodovia Interoceânica, foi planejada e concluída durante os 20 anos de governos petistas no Acre (1998-2018). Luiz Inácio Lula da Silva, durante o seu primeiro mandato (2003-2010), foi o principal financiador da obra dentro  do território peruano.  


Estrada facilitou gado em Unidade de Conservação

As consequências da Estrada do Pacífico são sensíveis para a preservação da Amazônia nos dois países. Do lado do Peru, a extração de madeira e a abertura de grandes garimpos no departamento de Madre de Dios foram as mais perceptíveis. 

Já no Acre, a BR-317 margeia toda a extensão da Reserva Extrativista Chico Mendes, elevando as pressões da agropecuária sobre ela. A abertura de ramais que se conectam à rodovia também favorece a entrada de grileiros e o roubo de madeira. Todo o entorno da estrada está ocupado por grandes fazendas de gado – e aos poucos a soja também já ganha espaço.

Dentro da entidade, ela acompanha as políticas públicas pensadas por Brasília e por Lima para a faixa limítrofe dos dois países. A fronteira brasileira-peruana, do Vale do Acre ao Vale do Javari, no Amazonas, tem as maiores concentrações de povos indígenas em isolamento voluntário do mundo.

Especialistas alertam que novos desmatamentos e pressões na região podem ter um saldo negativo para o Brasil. “Os países amazônicos têm um papel importante para desenvolver projetos positivos na redução dos gases do efeito estufa (GEE). O mundo está de olho em nossa região”, comenta Malu, da Comissão Pró-Índio. 


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segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

barreiras (judiciais)

MP questiona novas estradas em áreas intocadas da Amazônia na fronteira Brasil-Peru

Além de concentrar uma das mais ricas biodiversidades do mundo, novos projetos impactam povos indígenas contatados e em isolamento voluntário 

 

 

 

Definidas como um dos principais vetores para a expansão do desmatamento, as construções de estradas na Amazônia – bem como os projetos – são alvos de ações judiciais para conter seus impactos. Desde 2019, o Ministério Público Federal (MPF) no Acre impetra ações civis públicas (ACP) junto à Justiça contra projetos de abertura de rodovias que têm como promessas tirar municípios do isolamento geográfico com o restante do estado ou o fortalecimento da economia a partir da integração (mais uma) com o Peru.


Com a ascensão do bolsonarismo a partir das eleições de 2018, o poder político acreano foi dominado por lideranças cujo discurso é priorizar o agronegócio como carro-chefe da economia – após duas décadas de “florestania” dos governos petistas –, sendo a abertura de estradas em locais intactos de Floresta Amazônia uma das bandeiras principais bandeiras de “desenvolvimento econômico” para o Acre. 

Entre os projetos mais conhecidos está a interligação de Cruzeiro do Sul, no Vale do Juruá, com a cidade peruana de Pucallpa, departamento de Ucayali, no Peru. A rodovia é tida como uma das maiores ameaças para a preservação de uma das regiões mais intocadas da Floresta Amazônica (tanto do lado do Brasil quanto do Peru). Além de concentrar uma das mais ricas biodiversidades do mundo, ela é moradia para povos indígenas contatados e em isolamento voluntário.

Para facilitar o “tratoraço” de sua construção, a classe política bolsonarista apresentou o projeto de lei (PL 6024/2019) que transforma o Parque Nacional da Serra do Divisor numa Área de Proteção Ambiental (APA). 

O MPF entrou com recurso para anular o processo licitatório do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit), que contratava a empresa que faria os estudos de viabilidade de abertura da estrada. Entre sentenças favoráveis e contrárias, o processo segue em tramitação no Tribunal Regional Federal da 1o Região.

Além da conexão rodoviária com o Peru, outros três projetos apresentam potencial tão devastador quanto. São eles: a abertura de estrada entre os municípios de Rodrigues Alves e Porto Walter, no Alto Rio Juruá; a conexão entre Feijó, no Acre, e Envira, no Amazonas; e a ligação de Santa Rosa do Purus com Manoel Urbano. Todos estes projetos causariam impactos em unidades de conservação e terras indígenas.

Os traçados destas rodovias intermunicipais possuem potencial devastador, deslocando o chamado “arco do desmatamento” para regiões da Amazônia inacessíveis para a indústria madeireira e da grilagem de terras.

Caso suas construções de fato se consolidem, essas estradas se conectariam a um hoje já consolidado vetor de devastação da floresta no Acre: a BR-364. Apesar de atualmente encontrar-se destruída pela falta de manutenção ao longo dos  últimos quatro anos, a rodovia federal, no trecho entre a capital Rio Branco e Cruzeiro do Sul, está consolidada como a nova fronteira do desmatamento. Não por acaso, os municípios localizados às suas margens (Sena Madureira, Tarauacá e Feijó) estão em posição de destaque nos rankings de desmate e queimadas.  

A ação civil pública mais recente movida pelo MPF está relacionada à abertura de um ramal (estradas de chão) entre Santa Rosa do Purus e Manoel Urbano. A obra é ilegal pois, segundo o MPF, acontece sem o devido licencimaneto ambiental, tampouco a consulta aos povos indígenas afetados. A obra é tocada pela prefeitura de Santa Rosa do Purus, que busca ligar o ramal a uma estrada de um projeto de manejo madeireiro.

Santa Rosa do Purus é um dos quatro municípios acreanos cujo acesso só é possível via fluvial ou aérea. Ao abrir o ramal por conta própria, a prefeitura justifica o fim do isolamento como principal justificativa. Porém, para o MPF, a obra é ilegal por descumprir todas as normas de licenciamento ambiental e a prévia consulta aos indígenas.

A mesma situação se dá com a estrada aberta pelo governo estadual entre Rodrigues Alves e Porto Walter. O ramal chegou a ser oficialmente inaugurado em setembro do ano passado, às vésperas das eleições. A região, o Vale do Juruá, é reduto eleitoral do governador reeleito Gladson Cameli (PP). O governo foi quem fez o próprio licenciamento ambiental da obra, alegando que as áreas impactadas são estaduais.

Fontes de ((o))eco junto à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) afirmam que a Terra Indígena Jaminawa, do Igarapé Preto, teve parte de sua área “cortada” pelo ramal. O caso também é apurado pelo MPF, que, em conjunto com o Ministério Público Estadual, pediram à Justiça a anulação da licença emitida pelo órgão do  governo, o Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac).  

 

Reportagem na íntegra disponível em ((o)) eco


quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

revogaço ambiental

Revogaço não é suficiente para reduzir crime que domina Amazônia, dizem ambientalistas


Para dirigentes de ONGs da região, maior desafio passa pela recuperação de territórios hoje dominados pelo crime organizado; reaparelhar instituições será vital  

 

Policiais do BPA em operação no Acre (Foto: Secom/AC)_

A revogação da “herança maldita” deixada pelo governo Jair Bolsonaro na política de meio ambiente do país pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, logo em seu primeiro dia de retorno ao Palácio do Planalto, é necessária, todavia não o suficiente nem a única para o Estado recuperar territórios na Amazônia, hoje dominados pelo crime organizado. Essa é a avaliação feita por dirigentes de ONGs já com algumas décadas de atuação na região, e que presenciaram de perto os efeitos devastadores da gestão passada para a preservação do bioma.


Entre as medidas adotadas pelo novo governo está a que acaba com os chamados “Núcleos de Conciliação Ambiental”, visto como um instrumento para beneficiar os infratores ambientais autuados por Ibama e ICMBio. Na prática, as ações destes núcleos serviam como uma forma de garantir a impunidade de quem fosse flagrado na prática de crimes ambientais.  

O governo Lula também revogou a antiga composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que voltará a ter assentos para a sociedade civil, além de dar nova vida ao Fundo Amazônia.

Para Marquinho Mota, coordenador de projetos do Fórum da Amazônia Oriental (Faor), sediado no Pará, o revogaço feito por Lula aconteceu no exato momento em que precisava ocorrer. “Não tinha que dar tempo, não tinha que esperar nada. Era entrar e meter a caneta mesmo”, diz ele.

Todavia, avalia Mota, muito mais do que medidas administrativas homologadas a partir dos gabinetes de Brasília, o grande desafio do novo governo são os riscos de confrontos armados nos processos de retomada de território.

“Nos quatro anos de Bolsonaro esses criminosos que estão nos garimpos dentro das terras indígenas, que estão derrubando madeira, estão grilando terra pública, eles se fortaleceram muito, tanto do ponto de vista econômico, quanto do ponto de vista armamentista. Esses caras estão super armados, e eu não sei até que ponto essa reação vai ser rápida. Essa reação eu falo por parte do governo, por exemplo, de cumprir a promessa de retirar os garimpeiros de dentro da terra indígena”, comenta ele.

Outra preocupação apontada por ele foi o aparelhamento ideológico das forças de segurança feitas pelo bolsonarismo nos últimos quatro anos. Essa “bolsonarização” das forças policiais ficou evidente durante os ataques terroristas de 8 de janeiro, quando a Polícia Militar do DF praticamente abriu alas para criminosos destruírem os prédios dos três poderes em Brasília.

Com a forte influência de Bolsonaro nos interiores da Amazônia, as chances de omissão ou mesmo desobediência de agentes para cumprir ações para expulsar garimpeiros, madeireiros e grileiros, pode vir a acontecer. “Eu acredito que boa parte do equipamento repressivo e policial do estado, do governo federal, está aparelhado pelo bolsonarismo”.

Outro ponto destacado é a importância da mobilização social para pressionar o governo para de fato executar sua promessa de reconstrução da política ambiental do país. “Eu acredito que vai ser muito importante agora a pressão da sociedade civil para garantir que essas medidas sejam efetivadas, porque se não tiver pressão, vai ser coisa de papel”.

Na análise de Paulo Bonavigo, presidente da Ação Ecológica do Guaporé (Ecoporé), de Rondônia, todas as medidas adotadas pelo governo Lula e pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, são necessárias para conter o processo de devastação que a  Amazônia passa. Rondônia, a propósito, está entre os estados mais impactados pelo desmonte da agenda ambiental realizada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro; é no estado onde o bolsonarismo detém bastante força e prestígio entre o eleitorado.


leia a íntegra da reportagem em ((o)0 eco

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Reportagem Especial

 Marco temporal ameaça terra indígena em 

Santa Catarina

 

A Amazônia Real visitou as aldeias dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, no Alto Rio Itajaí, para conhecer de perto o modo de vida e a história de resistência dos povos originários do Sul do Brasil. A Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, uma área de cerca de 15 mil hectares, ainda não foi homologada por causa do julgamento do marco temporal, um mecanismo jurídico discutido no Supremo Tribunal Federal (STF), e usado pelo governo de Santa Catarina para impedir a demarcação. Eles aguardam o apoio do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para solucionar os conflitos. 

 

(Fotografias de Lucas Amorelli)

 

Florianópolis e José Boiteux (SC)- O tráfego intenso de caminhões transportando madeiras dentro da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ é apenas uma entre as várias pressões a que estão submetidos três diferentes povos do estado de Santa Catarina. Após quase terem sido exterminados ao longo dos últimos cinco séculos por conta do contato com os colonizadores europeus, os Xokleng, os Kaingang e os Guarani hoje são obrigados a dividir uma área inferior a 15 mil hectares – as terras que ocupavam antes da invasão pelos europeus estendia-se pelo o que é hoje o litoral do Sul e Sudeste do Brasil.

O avanço das plantações de eucalipto e pinheiros por madeireiras e moradores não-indígenas no território é outra das pressões sofridas. Em alguns pontos em suas próprias terras, os indígenas têm receio até de transitar. O temor é de conflito com os vizinhos problemáticos. A ousadia dos invasores é tão grande que até uma porteira foi colocada pelos donos das madeireiras, o que impede o livre trânsito dos indígenas entre as aldeias. Capangas armados fazem o controle de quem passa.

Foi este o cenário encontrado pela reportagem da Amazônia Real em maio de 2022 em visita ao território dividido entre Xokleng, Guarani e Kaingang. Localizada no Alto Vale do Itajaí, na região central de Santa Catarina, ele se espalha pelos municípios de José Boiteux, Doutor Pedrinho, Itaiópolis e Vitor Meireles.

E é exatamente o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) desse conflito fundiário envolvendo a TI Ibirama-Laklãnõ que servirá como divisor de águas para os processos de demarcação de territórios indígenas em todo o país: o marco temporal. Para os defensores dessa tese, só podem ser reconhecidas ou reivindicadas como terras indígenas as áreas ocupadas pelos povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição Federal.

A decisão do STF servirá de diretriz a outros processos judiciais referentes a terras indígenas. Caso o julgamento do STF seja desfavorável aos Xokleng, muitas outras TIs reivindicadas depois de 1988 serão prejudicadas. Daí a luta dos indígenas contra a tese do marco temporal, defendida fortemente por grandes grupos econômicos, como fazendeiros, madeireiros, empresas mineradoras, garimpeiros, políticos defensores do agronegócio, entre outros.

Para os indígenas, esse argumento não tem sustentação, pois as populações originárias estavam nessas áreas bem antes da chegada dos europeus ao Brasil, em 1500. Se deixaram algumas dessas regiões foi por causa do brutal processo de expulsão e dos massacres a que foram submetidos desde a chamada “descoberta do Brasil”. Os Xokleng lutam não apenas pelo direito de ter demarcado o último pedaço de chão que sobrou, mas também para ficarem livres das invasões que sofrem até hoje. Eles são o exemplo dessa batalha histórica.

No STF, a tese do marco temporal surgiu, pela primeira vez, no voto do ministro Carlos Ayres Britto, atualmente aposentado, quando foi questionada pelo governo de Roraima a homologação da TI Raposa Serra do Sol, em 2005.  O julgamento no STF só foi finalizado em março de 2009, com a maioria dos ministros votando a favor da demarcação contínua da terra indígena. Mas os ministros estabeleceram condicionantes, gerando brechas para questionamentos nas homologações, como é o caso do território dos Xokleng, Guarani e Kaingang.  


Leia reportagem especial completa e assista ao minidoc na Amazônia Real

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

golpismo amazônico

Terrorismo em Brasília consolida Amazônia Legal como reduto do bolsonarismo

Conforme as primeiras investigações, parte do financiamento para os ataques terroristas contra os Três Poderes partiram de “gente do agro” do Pará, Rondônia e Mato Grosso 

Bolsonaristas golpistas enfrentam a polícia em Brasília (Foto:Joelson Alves?AB)

 

Os estados da Amazônia Legal estão entre as principais origens dos bolsonaristas financiadores e participantes dos ataques terroristas realizados no domingo, 8 de janeiro, nos três prédios-sedes dos Poderes da República, em Brasília. Conforme as primeiras informações divulgadas, parte dos presos declarou ter tido suas viagens até a capital federal bancadas por “gente do agro” do Pará, de Rondônia e de Mato Grosso. Os três estados, não por acaso, são os principais redutos do bolsonarismo na região.


Em Rondônia e Mato Grosso, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi o mais votado nas eleições de 2022. Já no Pará, o petista Luiz Inácio Lula da Silva foi o vitorioso, mas com o interior do estado dando mais votos a Bolsonaro. Também não por coincidência, os três estados são os líderes no ranking da prática de crimes ambientais, nas primeiras posições de desmatamento e queimadas na Amazônia. 

Durante os quatro anos de governo Bolsonaro, o desmonte da política de proteção ambiental – simbolizada pela célebre frase de “deixar a boiada passar”, proferida pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles – facilitou a prática de crimes como invasões de terras públicas para grilagem, o roubo de madeira e o garimpo na Amazônia.

Desde o início da cobertura das eleições de 2022, em agosto, ((o))eco produziu uma série de reportagens mostrando a resistência do bolsonarismo na região. Essa força está consolidada desde as eleições de 2018, quando Bolsonaro já tinha sido o campeão de votos. Em estados como Acre e Roraima, por exemplo, o então candidato do PSL teve mais de 70% dos votos válidos – o que se repetiu no ano passado.

São nestes estados onde também estão identificados os financiadores e interlocutores políticos para as manifestações golpistas em Brasília. Foi também nestes rincões bolsonaristas onde por mais tempo perduram os bloqueios de rodovias e acampamentos montados em frente aos quartéis do Exército.

Em 15 de dezembro, a Polícia Federal foi às ruas de oito estados do país cumprir  81 mandados de prisão contra suspeitos de fomentar e financiar os atos golpistas. Destes, 42 foram cumpridos em estados da Amazônia Legal. Dias antes, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, tinha determinado o afastamento do prefeito de Tapurah, Carlos Capeletti (PSD). 

Ele é acusado de incentivar empresários e fazendeiros a financiarem a ida de apoiadores de Bolsonaro para participar de atos golpistas em Brasília, sobretudo ocupar a frente do Quartel-General do Exército para pedir intervenção militar no país. O acampamento foi desmobilizado por decisão de Alexandre de Moraes, proferida após os atos terroristas na Praça dos Três Poderes, ocorridos no último domingo. Em capitais como Rio Branco (AC), Porto Velho (RO), Belém (PA) e Cuiabá (MT), os golpistas também foram retirados de frente dos batalhões do Exército.

Os ataques de 8 de janeiro aos prédios dos três Poderes agora parecem consolidar os estados da Amazônia Legal como o reduto e fonte de financiamento deste bolsonarismo mais radical – o que não causa nenhuma surpresa para quem acompanha a política regional mais de perto ao longo de, pelo menos, os últimos cinco anos.

Para o cientista político Nilson Euclides da Silva, da Universidade Federal do Acre (Ufac), ao menos três aspectos podem explicar a força do bolsonarismo na Amazônia Legal: o econômico, o cultural e o religioso, por meio do avanço das igrejas neopentecostais.

“Já há algumas décadas a Amazônia é o alvo de avanço do agronegócio, de um agronegócio do século 19 que quer expandir a fronteira agrícola por meio da destruição, da troca da cobertura florestal por pasto. Além do agronegócio há o avanço de outras atividades ilegais como roubo de madeira, o garimpo e a invasão de terras”, afirma Euclides. 

texto completo em ((o)) eco

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

reconstrução ambiental

Decreto de Lula vai revelar nomes de desmatadores da Amazônia


Canetadas de Lula em sua chegada ao Planalto retomam a participação da sociedade civil com restabelecimento do CONAMA e são o primeiro passo para país reconstruir sua política ambiental 


Os decretos assinados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, revogando parte da “herança maldita” da política ambiental de seu antecessor, Jair Bolsonaro, são os primeiros passos para reestruturar as ações de proteção dos biomas brasileiros, em especial da Amazônia, o mais impactado pelo avanço do desmatamento e do fogo ao longo dos últimos quatro anos. Retomar a agenda de preservação da Floresta Amazônica estava entre as principais promessas do então candidato à Presidência, concretizadas logo em seu primeiro dia já no Palácio do Planalto.


Entre as medidas mais importantes está a que acaba com os chamados “Núcleos de Conciliação Ambiental”, visto como um instrumento para beneficiar os infratores ambientais autuados por Ibama e ICMBio. Na prática, as ações destes núcleos serviam como uma forma de garantir a impunidade de quem fosse flagrado na prática de crimes ambientais. 

A “anistia ambiental” foi uma das primeiras medidas adotadas por Bolsonaro ao assumir o cargo de presidente, em 2019. Segundo o decreto nº 9.760, as infrações ambientais passaram a ser analisadas previamente por um “Núcleo de Conciliação Ambiental”. Isto significa que, antes mesmo de qualquer defesa do autuado, os núcleos de conciliação poderiam analisar a multa para confirmá-la, ajustá-la ou anulá-la, caso se entendesse que houvera alguma irregularidade, após pronunciamento da Procuradoria-Geral Federal.

A adoção desta prática acabou por desmotivar a atuação dos agentes ambientais em suas operações de campo, pois sabiam que as multas aplicadas teriam como destino as gavetas. O assédio e perseguição a estes servidores públicos foi outra marca do governo Bolsonaro.

“A questão da conciliação, que era apenas uma enrolação, nós vamos fazer com que esse processo não continue, pois era só um instrumento para protelar as ações, e as multas prescrevem”, disse a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, logo após ser nomeada por Lula, no primeiro dia de 2023.

O retorno do Fundo Amazônia foi outra medida emergencial já adotada pelo novo governo. Logo de cara, o governo da Alemanha anunciou a liberação de 35 milhões de euros que estavam contingenciados durante a gestão Bolsonaro. A Noruega já tinha anunciado a retomada da parceria com o Brasil durante os dois meses de transição.

Por meio do Decreto 11.368, Lula restabeleceu o modelo de governança do Fundo Amazônia, gerenciado pelo BNDES. Os recursos são usados tanto para as ações de comando e controle de combate aos crimes ambientais, quanto para financiar projetos para a produção sustentável entre as comunidades rurais, ribeirinhas e indígenas da Amazônia. 

O revogaço do presidente Lula ainda abrange a reconfiguração do Conselho Nacional de Meio Ambiente, o Conama, cuja composição original foi alterada pelo governo Bolsonaro. Uma das principais heranças malditas da passagem de Ricardo Salles pelo Ministério do Meio Ambiente, a reformulação do Conama retirou praticamente toda a representatividade da sociedade civil, deixando apenas setores ligados ao governo e seus  aliados.  


reportagem completa disponível em ((o)) eco

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Chico vive

 O ICMBio não expressa a herança de Chico Mendes, diz Mary Allegretti

Em entrevista ao ((o))eco a antropóloga, que esteve ao lado do seringueiro durante sua luta e ainda atua pela floresta, defende uma ampla reformulação da autarquia para melhor representar o legado de Chico Mendes, assassinado há 34 anos

 

A antropóloga Mary Allegretti, em Xapuri (Foto: Marcelo Dagnoni)

A antropóloga Mary Allegretti é tida como uma das mais importantes influenciadoras intelectuais de Chico Mendes na luta dos seringueiros do Acre na defesa da manutenção da floresta em pé, durante a década de 1980. Ela viveu de perto, dentro dos seringais, toda a luta de resistência da política da ditadura militar de transformar a Amazônia em fazendas para o gado. Um dos legados desta luta foi a criação das reservas extrativistas que uniram a conservação da natureza ao modo de vida dos povos da floresta.


Graças ao engajamento de Chico Mendes, existem no país 96 reservas extrativistas, segundo o CNUC (Cadastro Nacional de Unidades de Conservação), mantido pelo Ministério do Meio Ambiente. Juntas, elas abrangem uma área de cerca de 15,7 milhões de hectares.

Durante a Semana Chico Mendes (de 15 a 22 de dezembro) Mary Allegretti, que também colaborou com o governo de transição de Luiz Inácio Lula da Silva, esteve por Rio Branco e Xapuri, onde conversou com ((o))eco. Nesta quinta-feira, 22, completam-se 34 anos do assassinato do líder seringueiro em sua casa, quando este se consolidou como uma das primeiras vozes a sair da Amazônia para o mundo em defesa da floresta.

Foi Chico Mendes quem provou  aos bancos internacionais a relação direta entre o desmatamento e os projetos de infraestrutura, ele também foi responsável pela criação de um novo modelo de ocupação da floresta.  Mas, sua morte prematura fez com que grande parte dos entraves permanecesse e sua história fosse aos poucos apagada por quem prega um modelo desenvolvimentista da Amazônia, como o que prevaleceu no governo do presidente não reeleito, Jair Bolsonaro (PL).

Os últimos quatro anos foram os de maiores retrocessos nessa política de proteção da floresta, com as próprias unidades de conservação não passando incólumes pela devastação. Para Allegretti, a reconstrução da política ambiental do país vai além de reestruturar órgãos do setor, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio. Ela prega que precisamos reviver os ideais defendidos pelo seringueiro, que promovia a união dos povos da floresta e a valorização do seu viver, e integrar os jovens a essa proposta.

No caso específico do ICMBio, ela afirma, ser necessária uma redefinição ou recuperação quase existencial do propósito de criação do instituto, herança de Marina Silva – outra parceira de Chico nas lutas em defesa da floresta – em sua passagem pelo Ministério do Meio Ambiente durante o primeiro mandato de Lula (2003-2010).

“O ICMBio perdeu, e talvez já fosse muito fraco isso antes, a identidade que o nome de Chico dá ao órgão. Ele perdeu, então ele não expressa a herança que o Chico deixou. O Instituto é muito mais a parte da conservação da biodiversidade do que a parte Chico Mendes.”, diz Allegretti. 

 

((o))eco: Na década de 1980 você e outros intelectuais estiveram ao lado de Chico Mendes o auxiliando em sua luta de defesa e manutenção da floresta em pé. Desde então, já são 40 anos dessa história de resistência. O que temos hoje como resultado dessa mobilização em defesa da floresta feita por quem vive na e da floresta?

Allegretti: Eu me surpreendo ainda hoje quando me dou conta de que uma ideia que surgiu na floresta por seringueiros tenha tido a força de se tornar uma política pública de tal dimensão que nem os moradores e nem a gente percebe a importância desta iniciativa. Mesmo durante este período crítico dos últimos anos os moradores das reservas se mantiveram em condições muito boas, e voltaram a priorizar a própria sustentação, não ficar dependentes de produtos externos e reforçar a autonomia foi surpreendente porque o número de impactados pela Covid foi muito baixo, então houve uma resiliência. Foi um teste de perceber que este modo de vida tem sua sustentação própria. E este é um elemento chave. Se não tivesse, também não permaneceria em uma área onde durante quatro anos não aconteceu nenhuma política, e no caso da Resex Chico Mendes e várias outras, que ainda sofrem com as invasões. Então a capacidade de permanência como uma proposta concreta na Amazônia é muito forte. Isso é surpreendente, acho que é um fenômeno sociológico porque já não seria possível. 


Leia a entrevista completa no portal ((o)) eco

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

retomadas

Desintrusão de garimpos na TI Yanomami é o primeiro desafio de Lula na Amazônia


Vazamento de operação federal por coronel da PM mostra alinhamento da classe política bolsonarista de Roraima com a atividade clandestina do garimpo dentro do território indígena

Os Yanomami na base de Surucucu, Roraima (Foto: Fernando Frazão/AB)

 

A retirada de ao menos 20 mil pessoas da Terra Indígena (TI) Yanomami que exploram direta e indiretamente a atividade garimpeira se apresenta como um dos principais e maiores desafios do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em sua política de reconstrução da agenda ambiental e indígena do país. Durante os quatro anos de Jair Bolsonaro (PL) na cadeira de presidente, o garimpo avançou de forma descontrolada em toda a Amazônia, com a TI Yanomami, entre Roraima e Amazonas, sendo uma das áreas mais impactadas.  

Com o governo de Roraima permanecendo sob o controle de políticos bolsonaristas simpáticos à causa garimpeira, a missão de devolver o território ao pleno controle dos Yanomami e de outros povos que nele vivem – além do próprio Estado em si – apresenta-se ainda mais desafiador. A denúncia do vazamento da realização de operação de retirada dos garimpeiros, feita pelo secretário de Segurança Pública de Roraima, o coronel da PM Edison Prola, mostra a encrenca política do governo Lula na região amazônica.

Para as entidades indígenas de Roraima, ao antecipar a realização de uma grande operação na TI Yanomami, em janeiro, entre as Forças Armadas, Polícia Federal e Ibama, o secretário de Segurança acabou com todos os fatores do efeito surpresa que ela ocasiona. Informados sobre as pretensões de retomada do território pelo governo, garimpeiros estarão preparados para receber os agentes, criando a possibilidade de graves confrontos com os agentes.

Dentro da Ti Yanomami há a denúncia de que “soldados” de uma das maiores facções criminosas do país operaria na logística do garimpo, incluindo os serviços de “segurança privada”,  com o uso de armas de uso restrito. O vazamento da operação também deixa os indígenas ainda mais expostos à violência dos garimpeiros. Entre 2020 e 2021 várias foram as denúncias de ataques a tiros às aldeias da TI Yanomami como represália às denúncias de atuação do garimpo.

Também na semana passada, o Greenpeace divulgou resultados sobre uma atividade de fiscalização aérea do território. Na ocasião, foi confirmada a abertura de uma estrada de pelo menos 150 km de extensão para facilitar a logística do garimpo, em especial para o tráfego de maquinário pesado. No sobrevoo, foram avistadas quatro escavadeiras hidráulicas no entorno da estrada clandestina. A presença deste tipo de maquinário mostra o poder financeiro da atividade garimpeira dentro de uma terra indígena, que, em tese, deveria ser protegida pelo Estado brasileiro.  

Durante a campanha eleitoral de 2022, ao colocar a retomada da política de proteção da Amazônia como uma de suas principais promessas, o agora presidente eleito e diplomado afirmou que atividades ilegais dentro da região, com ênfase no garimpo, teriam tolerância zero e seriam combatidas de forma dura. 

Para também recuperar a política indigenista do país (ante a desestruturação promovida pelo governo Bolsonaro na Fundação Nacional do Índio), Lula prometeu a criação do Ministério dos Povos Originários, a ser chefiado por um indígena. Até o presente momento, o nome do futuro ministro não foi anunciado.

O vazamento da operação na TI Yanomami mostra como se dará a correlação de forças entre o governo Lula e os governadores bolsonaristas reeleitos na Amazônia Legal, incluindo Antônio Denarium (PP), de Roraima.

Em seus primeiros quatro anos à frente do governo de Roraima, o empresário Antônio Denarium, sancionou dois projetos de lei que tinham como objetivo garantir certo aspecto de legalidade à atividade garimpeira, que tem entre as populações indígenas do estado as mais impactadas pelos danos sociais e ambientais que provoca.  

Tanto nas eleições de 2018 quanto na de 2022, Roraima se consolidou como um dos estados do país mais fiéis ao bolsonarismo. No segundo turno deste ano, por exemplo, Bolsonaro obteve 76% dos votos válidos.


Reportagem feita para o portal ((o)) eco