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segunda-feira, 5 de junho de 2023

Violências amazônicas

 Bruno Araújo e Dom Phillips: vítimas de uma violência histórica e cotidiana da Amazônia

Batida policial na periferia de Rio Branco, capital mais violenta do país em 2017 (Foto: Douglas Barros)

 

Por Fabio Pontes 

Dos Varadouros de Rio Branco

Nesta semana o Brasil e o mundo lembram o um ano do inominável crime cometido contra o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips. Assassinatos bárbaros que chocaram e revoltaram a todos nós. Ficamos (e ainda estamos) estarrecidos. A revelação da forma covarde e brutal de como as vidas deles foram tiradas nos deixou em estado de choque. Para mim, enquanto colega de profissão de Dom Phillips, o episódio continua muito marcante. Fez-me criar uma sensação de insegurança, medo e precaução no exercício do jornalismo. Afinal de contas, sou um jornalista amazônida, que vive na Amazônia, e estou a toda hora lidando com a cobertura de temas perigosos, numa região historicamente violenta.


Dom Phillips e Bruno Pereira foram vítimas desta violência histórica que nos cerca aqui na Amazônia há décadas. À época do crime, tentou-se restringir os assassinatos apenas ao contexto político do Brasil, já que vivíamos um pleno desgoverno com Jair Bolsonaro ocupando o Palácio do Planalto. Nossa situação, que já era de pavor com a guerra travada entre PCC e CV pelo controle das rotas do tráfico nas fronteiras amazônicas, ficou pior com um governo que empoderou o crime organizado na Amazônia, facilitando o acesso a armas e a garantia de impunidade aos criminosos ambientais.  

O desmonte de todas as políticas públicas promovido por Bolsonaro - incluindo a ambiental e a indígena - levou as facções criminosas vindas do Sudeste a não ficar só em suas áreas tradicionais de atuação - o tráfico de drogas e de armas. Elas também penetraram em práticas delituosas ambientais típicas da região amazônica, incluindo a extração ilegal de madeira, a grilagem com a venda de lotes, além da atuação no garimpo - sendo este último o crime mais fomentado pelo governo passado, e cujas maiores vítimas são as populaçoes indígenas.

Além de impor o terror para as populações urbanas do Norte brasileiro, essas facções estão embrenhadas nos mais longínquos pontos de nossa zona rural. Das comunidades ribeirinhas às extrativistas, dos projetos de assentamento às aldeias indígenas. Sim, nem mesmo as populações indígenas da Amazônia estão livres da influência de tais organizações. Aqui no Acre já há algum tempo acompanho a situação desta consolidação territorial do crime organizado. A sensação é a de que o Estado perdeu o completo controle da situação.

O assassiato de Dom Phillips e Bruno Araújo é o retrato desta omissão histórica do Estado brasileiro na garantia de sua presença nas fronteiras mais remotas da Amazônia. Se essa omissão é perceptível nos nossos centros urbanos, o que dirá nas cabeceiras dos rios. Não se sabe se o mandante (ou os mandantes) da execução de Dom e Bruno estão associados ao CV ou PCC. O que posso afirmar é que a forma brutal como ela foi feita lembra os casos cotidianos de assassinatos cruéis na nossa região. Em geral, as vítimas destas organizações sofrem torturas de todos os tipos antes do último suspiro. Notícias como essas nos são semanalmente apresentadas. 


Em 2017, o Acre ocupou a segunda posição entre os estados mais violentas. Naquele ano, CV e PCC estavam no auge da guerra pela conquista desta tríplice fronteira Bolpebra: Bolívia, Peru e Brasil. Foram quase 64 assassinatos pra cada grupo de 100 mil habitantes. Segundo o Anuário da Violência do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rio Branco foi a capital com a maior ocorrência de mortes violentas intencionais do país, com 83,7 assassinatos por 100 mil pessoas. Após uma certa consolidação de território pela facção criminosa, as mortes foram diminuindo, mas as sequelas de pânico e insegurança persistem. A violência está em nosso cotidiano. Os mais pobres, moradores dos bairros nas periferias, são as maiores vítimas.


O Anuário da Violência 2022 mostra que um terço das cidades mais violentas do país estão nos estados que formam a chamada Amazônia Legal. Na região, a taxa de violência letal é 38% superior à média nacional. Pelos números temos uma perspectiva do estado de caos e de terra sem lei que vivemos por aqui. E, infelizmente, as estatísticas oficiais não contabilizam as “mortes silenciosas” cometidas pelo tráfico nas áreas mais remotas da selva. Como diz a população local, jovens que viram “comida de onça” ou “prato de piranhas” nos rios. A Floresta Amazônica não pode ser considerada um paraíso.

Um ano após a morte de Dom Phillips e Bruno Araújo, além de representar o pouco avanço na responsabilização dos envolvidos e as possíveis omissões do Estado, mostra que nada mudou nas nossas fronteiras amazônicas em termos de retomada territorial por parte do Estado na região. Ao contrário. A cada dia, as facções consolidam sua hegemonia, deixando todos nós constantemente ameaçados pela violência que elas praticam. As populações rurais, por conta da invisibilidade em que etão mergulhadas, são as mais expostas à truculência do “estado paralelo”.

O governo Lula precisa voltar suas atenções para uma política de fronteira da Amazônia. O crime na nossa região não se resume apenas a estereótipos do grileiro, do garimpeiro, do madeireiro ilegal. O buraco é mais profundo. Os 30 milhões de brasileiros da Amazônia precisam de paz. Há décadas somos vítimas de uma violência que muitos não enxergam - incluindo a violência social, da exclusão, aquela que deixa milhares na miséria. Nossa posição geográfica com os maiores produtores de drogas do continente agrava o cenário.

Infelizmente, Dom e Bruno são apenas mais duas vítimas desta mazela amazônica, que é a violência. A ausência do Estado - passando pela omissão dolosa dos últimos quatro anos - cria o ambiente propício para os criminosos.   

Justiça por Dom e Bruno!

Justiça por todos os invisíveis assassinados diariamente nestas regiões esquecidas e abandonadas do Brasil.  

 

 

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domingo, 4 de junho de 2023

Política na Floresta (podcast 2)

 Os povos indígenas não vão ter sua história apagada, diz a liderança do povo Ashaninka Francisco Piyãko, em entrevista ao podcast Política na Floresta. Neste episódio falamos sobre marco temporal e o novo-velho ambiente político do país e do Accre. Para ele, postura da bancada do Acre, de votar em sua maioria favorável ao marco temporal, era esperada. Segundo Piyãko, apesar de um novo momento proporcionado pelo governo Lula,  movimento indígena não pode baixar a guarda ante um Congresso bolsonarista. "Eles [a classe política do AC] não querem essa vocação que a gente tem. Eles não querem os povos da floresta, os povos indígenas, não querem as reservas extrativistas, o parque nacional."


sexta-feira, 2 de junho de 2023

Rondonização à esquerda

O buraco é mais embaixo, seu Jorge; saco de bondade bancário só contempla os grandes


No rio Madeira, em Porto Velho, soja é embarcada para exportação; grãos também avançam sobre o AC



MONTEZUMA CRUZ
Dos varadouros de Porto Velho


Ninguém segurou o entusiasmo do ex-governador do Acre Jorge Viana (PT), atual presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), durante a Feira RR Show deste ano, em Ji-Paraná. “O Acre tem que aprender com os produtores daqui”, ele proclamou. “Qualquer um de nós tem que olhar pra Rondônia com o olhar da admiração, de um estado que se tiver o apoio do governo federal, que eu acho que tá precisando ter, pra cuidar dessa BR ser duplicada o quanto antes para todos nós sermos atendidos.”


E assim prosseguiu no velho discurso que classifica a BR-364 como “espinha dorsal.” Obviamente, 100% de nós todos desejamos pista dupla nessa estrada. “Isso tem que nos unir, isso tem que ser a nossa bandeira, porque o resto o nosso povo sabe fazer”, disse seu Jorge sem mover as pestanas.


Esse olhar de admiração do ex-governador, senador e diretor da empresa brasileira de helicópteros não pode ser engolido simplesmente como um grande apoio; implica análise mais rigorosa. Vamos condensá-la em breves observações 


1) Essa Feira hoje nasceu do esforço e da organização da agricultura familiar, algo que o Acre sabe existir, pois possui sua Central de Abastecimento (Ceasa) abastecida por chacareiros entre Cruzeiro do Sul e Rio Branco. São eles os menores tomadores de dinheiro, uma vez que os seus empréstimos são feitos com parentes, compadres ou vizinhos.


2) A cultura não exportadora, somada às micro e pequenas empresas, dá de comer às pessoas, especialmente aos alunos de quase todas as escolas públicas de Rondônia. Pode ser igual no Acre? Pode.
 

3) Seu Jorge, seria impossível ignorar que a cada ano a quitação bancária de grande parte dos massivos financiamentos rurais é empurrada com a barriga. Sempre bondoso com os grandes, o Banco do Brasil destinou R$ 200 bilhões para a Safra 2022/23, dos quais, R$ 24,4 bilhões para agricultores familiares.
 

4) Proposta elaborada por uma comissão externa da Câmara dos Deputados e que debateu o endividamento do campo privilegiou devedores de insumos, fertilizantes, e tradings – empresas que intermedeiam a safra dos produtores com o mercado.
 

5) Uma linha de crédito de até R$ 5 bilhões possibilitou a renegociação das dívidas. Os débitos poderão ser pagos em até 20 anos! com prazo de carência de dois anos. Os encargos financeiros se resumem a uma Taxa de Longo Prazo (TLP) acrescida de 1% ao ano.
 

6) Então, seu Jorge, seu olhar de admiração passaria por aí, uma vez que o senhor desconsidera esse aspecto e vai direto ao elogio, mesmo sabendo que pequenos dificilmente passam pelas portas do BB e do Banco da Amazônia S/A (Basa).
 

7) Quarenta e cinco anos atrás, o BB acenava ao extinto território federal com recursos para financiar lavouras de pequenos agricultores durante o governo do general de Exército Ernesto Geisel. Mas Rondônia não havia ingressado no vagão da ansiedade exportadora, do lucro sobre lucro e da “patriótica” motosserra que avança sobre governos, sejam eles de quais siglas forem.
 

8) Sob a batuta dos bons ministros da agricultura de Geisel e seu sucessor, o também general João Baptista de Oliveira Figueiredo autorizava-se o funcionamento da Comissão de Financiamento da Produção (CFP) e Empréstimos do Governo Federal (EGFs), numa distância oceânica do enorme saco de bondades hoje concedido ao agro.
 

9) Hoje, o sistema bancário, mesmo vendo o rondoniense produzir inhame para exportação, não empresta um real a essa gente. Suas reservas se destinam totalmente ao agro, notadamente a uma parcela mal-intencionada sempre no risco de fraudar projetos.
 

10) E até mesmo o furibundo Banco do Povo de Rondônia, seu Jorge, aquele que financiava pequenos clientes, foi sufocado por ávidos assessores chefes governamentais. Vive hoje de quireras dos pagamentos dos tomadores desses microcréditos, só os recebendo porque, ao contrário de muitos sojicultores e pecuaristas, pobres costumam pagar religiosa e estatutariamente suas contas.
 

11) Seu Jorge lança um olhar de admiração, vendo Rondônia como exemplo. Exemplo de quê, brother? Da exploração ilegal de madeira nobre em diferentes regiões do estado, e das sucessivas falsificações de guias de transporte de produtos florestais? Com as invasões das Terras Indígenas Karipuna e Uru-eu-au-au, diante de mortos e feridos, mais de 50 milhões de metros cúbicos foram roubados de 20 anos para cá.
 

12) Entra e sai governo, esses fatos são repetições do que já ocorreu com os povos Arara, Gavião, Paíter Suruí, Nambikwara e Piripikura entre os anos 1970 e 1980.
 

13) Um dos governadores, Confúcio Moura, entre 2015 e 2016 se disse impotente com a situação dos Uru-eu. Até mandou publicar seu desabafo, no qual recorria a Brasília contra o assalto à mão armada à terra indígena.
 

14) Fala em “aprender com Rondônia.” É de se reconhecer exceções honrosas de bons pagadores de contas de empréstimos e detentores de títulos definitivos de terras. Infelizmente, mesmo corretos, eles são convenientemente usados pelo governo numa mistura com a raça malandra e caloteira.
 

15) A "rondonização" [termo criado uma década atrás] picou o novo “chapeludo” pela mente e costados, a ponto de o seu Jorge enfatizar um lado do progresso e omitir as mazelas de outro.
 

16) A omissão política é uma das mais nocivas em vigor no País.
 

17) Em seu passeio pela RR Show, talvez educadamente – e não era mesmo o momento – o senhor não perguntou a respeito dos esgotos rondonienses, fontes duradouras de nossas moléstias cotidianas.
 

18) Exemplo de saneamento? Nenhum. Na Capital Porto Velho, o esgoto corre a céu aberto há décadas, espalhando a fedentina por toda parte.  A meca do consumo representada pelo único shopping que o diga, pois corre ao lado um desses extensos canais venenosos.
 

19) Tanto o Acre quanto Rondônia estão naquela faixa amazônica de míseros 8% de saneamento básico. Felizmente, algumas saídas podem ser buscadas ainda neste Milênio. Os próximos viventes desfrutarão desse bem público.
 

20) Mas nem tudo está perdido. Limitemo-nos a Rio Branco, que em matéria de abastecimento d'água é privilegiada: seu aquífero abasteceria 1 milhão de habitantes.
 

21) Seu Jorge: ao mesmo tempo em que é agora obrigado judicialmente a falar inglês para exercer tão alta e bem paga função pública, poderia incorporar o aprendizado da história do Guaporé antes da chegada do marechal Rondon e dos milhares de migrantes procedentes de todo o País até os anos 1980. Nesse período foi avassalador o movimento incontrolável um dia autorizado pelo ex-presidente Getúlio Vargas – a Marcha para o Oeste.
 

22) Aleixo Garcia, Hernán Cortez e Francisco Pizarro não fariam igual. No século em que caminharam aqui na Terra não havia caminhões paus-de-arara, nem ônibus da Eucatur.
 

23) Aprenderia, senhor presidente da ApexBrasil, que tanto o Acre quanto Rondônia dispõem – não usam! – do sistema denominado Integração Floresta e Pecuária, pelo qual plantariam o que quisessem sem a necessidade de aumentar derrubadas de árvores nativas, criando desertos semelhantes aos que destruíram grande parte de Mato Grosso e a maior parte do Paraná por todo e sempre.
 

24) A ciência é aliada do agro em Rondônia e no Acre. Falta acordar para isso e ver que, acima da ganância, há lucros palpáveis e contínuos.


25) Ao elogiar Rondônia, seu Jorge, perceba também a necessidade de o Plano Plurianual (PPA) participativo, uma iniciativa do governo federal que busca trazer a sociedade para a sua elaboração, mobilizando diretamente cidadãos, conselhos, associações, sindicatos, grupos, movimentos ou organizações não governamentais. Nesse aspecto, seu estado é que serve de exemplo para Rondônia, pois conseguiu manter milhares de copas de árvores em pé, contendo a fúria exportadora por assim dizer.
 

26) Se leu este texto até aqui entenderá perfeitamente que o agro, “pop e tech” enche barrigas, sim, do gado europeu. O agro e a produção de commodities não matam a fome do povo. 


27) Que tal mudar um pouco a faixa desse disco? O senhor sabe que no regime de consultas participativas (sobre dimensão estratégica, visão de futuro, valores, diretrizes e eixos temáticos), o PPA reuniu 3,2 mil representantes da sociedade civil e de diversos conselhos – ligados a todos os ministérios e entidades vinculadas, mediante fóruns e 120 oficinas temáticas que projetaram 88 projetos.


28) Com a influência e o papel de colaborador que o senhor tem, que tal apoiar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) a cuidar da produção de alimentos e, consequentemente, de quem mais precisa de comida no prato? Parece claro que a Conab deve estar subordinada ao MDA. O combate à fome e a garantia de comida na mesa dos brasileiros dependem do abastecimento de alimentos de quem produz para a população.


29) Vamos ao Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (Pnud Brasil, IPEA e FJP): o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Acre em 2021 situava-se em    0,710 (16º).  O IDH (2021) de Rondônia, 0,700 (18º).


30) Que a “rondonização” seja menos traumática e possamos conter os ímpetos daqueles cujos horizontes só permitiriam uma tênue “acreanização”. Logo ela, tão necessária nesta encruzilhada da vida do norte brasileiro a oeste.


31) Menos teimosia, menos deslumbre e clareza fazem bem ao espírito.  O restante é tertúlia flácida para adormecer vacum a um custo altíssimo e perigoso.


A "rondonização" permitirá?
Cuide-se, Acre.




quarta-feira, 31 de maio de 2023

A bancada motosserra

 MPF quer demarcação “na marra”; bancada federal do Acre prefere a boiada 

 



Por Fabio Pontes - dos Varadouros de Rio Branco 

Eleitos por um estado da Amazônia que ainda mantém de pé 86% de sua cobertura florestal, os deputados federais do Acre votaram, em sua maioria, favoráveis ao projeto do marco temporal. Ou seja, eles se posicionaram contra a demarcação de novas terras indígenas no país, incluindo TIs no Acre, apenas para atender a interesses da ala mais reacionária do agronegócio. A posição de tais parlamentares não causa nenhum espanto para quem acompanha a política local. O Acre é um dos redutos mais fortes do bolsonarismo no país, e eles foram eleitos na esteira do que há de mais arcaico e retrógrado no ambiente político acreano.   


Na votação desta terça, 30, do PL 490, apenas a deputada Socorro Neri (PP) e seu colega Zezinho Barbary (PP) manifestaram-se contrários ao projeto do marco temporal. Integrante da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, a ex-prefeita de Rio Branco é a menos associada a este movimento reacionário da extrema-direita acreana. Está no PP apenas por sobrevivência política. Já Barbary pode ter ido contra apenas por interesses eleitorais, para não perder o voto dos indígenas de Porto Walter, município de onde foi prefeito. 


E enquanto a maioria dos parlamentares atua para suprimir os direitos dos povos indígenas - sendo muitos deles eleitos com votos destes mesmos indígenas - aqui no Acre o Ministério Público Federal (MPF) faz uma atuação exemplar para que as populações que ainda não estão com seus territórios homologados obtenham, na Justiça, o direito à demarcação.

Um dos povos mais vulneráveis neste cenário são os Jaminawa de Sena Madureira, cuja deputada federal eleita pelo município, Meire Serafim (União), esposa do prefeito Mazinho Serafim, votou Sim ao marco temporal. Há décadas esperando pela demarcação de suas terras na Bacia do Purus, os Jaminawa vivem em plena insegurança nas aldeias no entorno de suas terras pleiteadas, além de estarem em extrema vulnerabilidade social na periferia de Sena Madureira.

Entre os territórios que ainda estão à espera de demarcação no Acre está a TI Riozinho do Iaco, reivindicada pelos Jaminawa e Manchineri. Ela está localizada entre os municípios de Sena Madureira e Assis Brasil.  No começo de maio, a partir de ação movida pelo MPF, a Justiça Federal determinou o imediato início do processo de demarcação da área pela Funai. Essa é a segunda vez que o Ministério Público aciona a Justiça. A primeira foi há seis anos. À época, o Judiciário deu prazo de dois anos para que a Funai iniciasse o processo; até hoje, nada.    

Alegou-se motivo de impedimento por, em 2020, o Supremo Tribunal Federal ter determinado a suspensão de todos os processos de demarcação de novos territórios. “Refutando esse argumento, a Justiça Federal afirmou que a decisão da Suprema Corte foi proferida na época da pandemia causada pela covid-19 e tinha como objetivo evitar que esses processos, com risco de determinação de reintegração de posse, colocassem os indígenas, repentinamente, em vulnerabilidade, sem condições mínimas de higiene e isolamento para minimizar o risco de contágio pelo coronavírus. O Juízo ressaltou que a decisão não retirou os direitos territoriais dos povos indígenas”, diz nota do MPF.

Outras duas terras reivindicadas pelos indígenas de Sena Madureira são a Jaminawa do Rio Caeté e a Caiapucá. Todas elas estão há anos paradas nos corredores burocráticos da Funai. Pressões políticas também são apontadas como motivo para a demarcação nunca ter ocorrido. A região é de alto interesse para explorações econômicas, incluindo a de madeira.

De acordo com dados da Comissão Pró-Índio (CPI), o Acre possui 35 terras indígenas reconhecidas pelo governo. Delas, 24 estão com seus processos de demarcação concluídos. As outras 11 estão na fila de espera. Segundo a CPI, as terras indígenas - incluindo as não homologadas - correspondem a 14,5% do território acreano. Além de assegurar a manutenção da floresta em pé, as terras indígenas são a garantia de sobrevivência dos 25 mil indígenas acreanos. Dentro destas áreas protegidas eles têm sua segurança alimentar e preservam a relação ancestral-cultural com a floresta.

Agora, infelizmente, com o apoio da maioria da bancada do Acre, a Câmara coloca em risco a manutenção da mais importante floresta tropical do mundo, e deixa em risco a vida de milhares de indígenas que se encontram em situação de vulnerabilidade. Expulsos de seus territórios décadas atrás, eles voltam a ver o próprio Estado brasileiro atuar para destruir seus direitos.

A depender dos deputados federais do Acre, nossos indígenas vão continuar nas periferias das cidades, e a boiada vai ocupar as terras que são deles de direito. Não sabemos se o MPF terá força suficiente para conter essa boiada. Não custa nada tenar.

Ainda há o Supremo Tribunal Federal, a instituição mais odiada pela extrema-direita, para barrar a boiada com seu marco temporal.

É o Acre rumo às trevas….  

 

Leia também: 

A autodemarcação Nawa 

Cansados de espera, povo Nawa do Acre realiza a própria demarcação

 

terça-feira, 30 de maio de 2023

Marco Temporal Não!

 Noke Koi bloqueiam BR-364, em Cruzeiro do Sul, em protesto contra PL 490

 


Leandro Altheman - dos Varadouros de Cruzeiro do Sul

O povo Noke Koi, da Terra Indígena Katukina do rio Campinas, no município de Cruzeiro do Sul, bloqueou a BR-364 na manhã desta terça, 30, em protesto contra a tramitação do projeto de lei (PL 490) no Congresso Nacional. A rodovia federal corta ao meio o território indígena, causando inúmeros impactos sobre a segurança das aldeias. O bloqueio faz parte de manifestações realizadas em todo o país contra a aprovação da medida.    


O PL institui a chamada tese do marco temporal, que  restringe a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição federal. A aprovação da matéria é defendida pelos setores mais conservadores do Parlamento brasileiro, em boa parte ligada aos interesses do agronegócio contrário à demarcação de terras indígenas.

Segundo as lideranças e entidades ligadas ao movimento indígena, o marco temporal não leva em consideração que muitos povos tiveram de deixar suas terras tradicionalmente ocupadas para fugir de massacres e perseguições que ocorreram ao longo da história do país.

“Estamos nos manifestando neste dia 30 de maio contra o PL 490 que institui o marco temporal na demarcação das terras indígenas”, disse Levi Hoshonawá, presidente da Associação Geral do Povo Noke Koi.

“Somos contra o PL 490, pois ele instaura uma insegurança jurídica para os povos originários. O marco temporal viola os nossos direitos e o que está na Constituição Federal brasileira. Queremos manter nossa floresta em pé, nossas águas e a nossa biodiversidade”, disse Pea Noke Koi, liderança do povo Povo Noke Koi.

A Terra Indígena Katukina do rio Campinas tem 33 mil hectares para uma população próxima aos mil habitantes. Está localizada nos municípios de Cruzeiro do Sul e Tarauacá (66 km do centro de Cruzeiro do Sul) e é cortada pela BR 364 que liga o noroeste do estado à capital Rio Branco.

A tese de que os povos indígenas são os melhores mantenedores da floresta pode ser comprovada na Terra Indígena Katukina do rio Campinas: enquanto ao longo da BR-364 a Floresta Amazônica foi praticamente toda derrubada, a TI Katukina é uma das últimas áreas de mata preservada.

A fim de evitar maiores transtornos, as lideranças fizeram a comunicação prévia do bloqueio às autoridades e à população dos municípios próximos. Porém, o tráfego na BR-364 está praticamente interrompido devido às péssimas condições de trafegabilidade da rodovia, o que já vem se acumulando ao longo dos últimos seis anos, de modo que o bloqueio acaba tendo mais valor simbólico do que efetivo.


Como se posiciona a bancada federal


Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou por maioria do voto dos parlamentares (324 favoráveis e 131 contra) o pedido de urgência para a tramitação do PL 490. Com a urgência aprovada, o PL não precisa passar pela análise das comissões temáticas da Casa, o que poderia atrasar sua votação final. De acordo com levantamento feito pelo Observatório Socioambiental, dos oito deputados federais do Acre, seis votaram a favor da proposta. O único voto contrário foi da deputada Socorro Neri (PP). O deputado Coronel Ulysses (União) se absteve.




segunda-feira, 29 de maio de 2023

O rastro do fogo

Amazônia em Chamas: incêndios florestais passam a ser recorrentes no Acre



Bombeiro combate fogo no entorno de Rio Branco; desde 2019, Acre tem níveis recordes de focos de queimada (Foto:Sérgio Vale/Amazônia Real)

 

Fabio Pontes - dos Varadouros de Rio Branco 

O desmonte das políticas ambientais promovido em sintonia entre os governos de Gladson Cameli (PP), no Acre, e de Jair Bolsonaro (PL), no plano nacional, levou o estado a apresentar níveis recordes tanto no registro de áreas desmatadas, quanto no focos de queimadas ao longo dos últimos quatro anos. A partir de 2019, com a chegada do atual governador ao poder, o Acre apresentou o que se chama de “ponto de virada” nos resultados de suas políticas de enfrentamento aos crimes ambientais. Se até aquele ano havia certo controle do desmatamento e do fogo, a partir de então a porteira foi aberta, e a boiada passou descontrolada. O ano de 2022, por exemplo, foi o pior no registro de focos de queimada, bem como de “cicatrizes do fogo” - ou seja, o rastro de destruição deixado pelas chamas.


É o que aponta o “Relatório Executivo - Queimadas 2022 no Estado do Acre”, elaborado pelo Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (Labgama), do Campus Floresta, em Cruzeiro do Sul, da Universidade Federal do Acre (Ufac). Para agravar a situação, a intensificação das mudanças climáticas - com o atraso no início do período chuvoso e a intensificação das secas com elevadas temperaturas - provoca o aumento dos incêndios florestais no Acre. Antes restrito a áreas agrícolas, o fogo passou a entrar, com mais frequência, dentro da floresta.    

Os incêndios florestais passaram a ser observados até mesmo no Alto Rio Juruá, região do Acre que ainda mantém intacta uma imensa área do bioma amazônico, e que, em tese, não enfrentaria o problema por conta da elevada umidade típica destas regiões tropicais.

“O fogo está entrando para a floresta, e mesmo sem ser aqueles anos tipicamente secos, de eventos climáticos extremos. Está entrando na floresta e não está sendo só aquela queimada de borda de floresta. Antes o fogo entrava alguns metros, mas depois conseguiu se extinguir por conta da umidade”, diz Sonaira Silva, pesquisadora coordenadora do Labgama.

E ela alerta: para 2023, as projeções apontam um cenário nada favorável diante de um novo fenômeno climático extremo, ocasionado pelo aquecimento das águas do oceano Pacífico, o El Niño. Para ela, é necessário que as autoridades se antecipem às ações de enfrentamento às queimadas, sobretudo na educação ambiental da população. Os riscos são da ocorrência de grandes incêndios florestais, como os ocorridos na Resex Chico Mendes, em 2005. Sonaira ressalta: depois que o fogo entra na floresta, o combate é extremamente difícil.

Leia a entrevista concedida por ela ao Varadouro  


Varadouro: Findado o governo Bolsonaro, qual foi o rastro do fogo na Amazônia acreana nos últimos quatro anos?

Sonaira:
Foi terrível. Com certeza terrível. Se a gente olhar os dados históricos, tanto de desmatamento quanto de queimadas, parece que 2019 foi um ponto de virada surpreendente. Nós chegamos a patamares nunca vistos, e que não consegue baixar. Mesmo ano passado, em meio ao momento de transição política, a gente não vê redução de nenhum dos dois, muito pelo contrário. Em 2022 o desmatamento aumentou, nem tanto, mas aumentou alguns hectares. Só que em relação ao fogo foi muito pior. As queimadas aumentaram mais de 30% em relação a 2021. O ano passado foi o pior desde 2005 (ano de seca extrema). Os últimos quatro anos deixaram um rastro muito ruim para o Acre, muita destruição. Em 2022 o ambiente estava tão frágil que registramos muitos incêndios florestais. Tivemos muitos danos, o nível de queimadas estava alto, mais de 200 mil hectares. Nós até podemos dizer que os chamados pontos de virada mais locais podem estar ocorrendo já no Acre. A gente teve incêndios florestais de mais de 600 hectares dentro da [Resex] Chico Mendes e de mais de 400 hectares em Porto Walter. Essa é uma região muito isolada, que não tem fragmentação. Isso mostra que a questão do clima piora a situação do descontrole ambiental.  

Varadouro: Sim, nós estamos falando de uma região do Acre com bastante floresta preservada, com muita umidade e chuvas que é o Vale do Juruá, diferente da bacia do rio Acre, quase toda já desmatada.

Sonaira: Exatamente. Aqui a gente ainda acorda com aquela neblina de água. Isso é comum em todo o estado, mas aqui é bem mais intenso. Mas, mesmo assim, ano passado, provavelmente por causa das altas temperaturas, uma onda de calor muito forte, tivemos este incêndio florestal. Enfim, o clima está mudando e a floresta já não está mais sendo aquela barreira que ela era. Ano passado foram mais de 322 mil hectares de áreas queimadas. Isso é quase quatro vezes o total de floresta desmatada no Acre ano passado.


Varadouro: Ou seja, as queimadas feitas para limpar roçados, pastos, áreas recém-desmatadas estão entrando na floresta?

Sonaira:  Está entrando para a floresta, e mesmo sem ser aqueles anos tipicamente secos, de eventos climáticos extremos. Está entrando na floresta e não está sendo só aquela queimada de borda de floresta. Antes o fogo entrava alguns metros, mas depois conseguiu se extinguir por conta da umidade. Agora a gente está vendo que a floresta não está funcionando como barreira, e o fogo está entrando. Tivemos um grande incêndio dentro da Chico Mendes que detectamos e acionamos ICMBio, Bombeiros. Eles fizeram um trabalho de combate mas o fogo não foi extinto. Só acabou após uma chuva. Isso é muito preocupante porque depois que ele passa os limites de borda, ultrapassa uns 10 metros, é muito difícil de combater. As ações de combate ao fogo acabam fracassando.


Varadouro: Em 2005 a Resex Chico Mendes foi severamente impactada por incêndios florestais. O trabalho dos bombeiros se mostrava em vão. Aquele era um ano de evento climático extremo. Para 2023 também temos previsões de uma seca severa por causa do El Niño. Qual cenário nós temos?       

Sonaria: Realmente as projeções não são muito boas. O último ciclo de inverno [chuvas amazônicas] demorou muito para chegar. Em dezembro a gente ainda tinha registros de fogo. Temos um maio chuvoso, o que é bom. A previsão é que os El Niños ocorram no mês de dezembro, e se estendam até a metade do ano seguinte. Mas esse ano temos projeções de que o El Niño já pode estar se formando. No Acre as consquências do fenômeno preocupam, mas nem tanto. Mas se este El Niño for tão forte quanto o de 2016, quando tivemos quase 30 mil hectares de incêndios florestais e 200 mil de queimadas agrícolas, e não tivermos uma ação de combate e de educação, a gente pode esperar muito mais fumaça do que o ano passado, muito mais áreas queimadas e de incêndios florestais. Isso é o mais preocupante, pois o fogo vai matar um monte de árvores, muitos animais.


Varadouro: Quais são os impactos do fogo para o interior da floresta?      

Sonaira: A gente ainda não tem uma estimativa de quanto de fauna nós estamos perdendo, mas em termos de flora, a partir de estudos nas áreas de floresta queimadas em 2005, 2010 e 2016, é uma estimativa de 30% de perda, de mortalidade das espécies vegetais. Algumas florestas, como essas aqui da região do Juruá, que não são tão adaptadas ao fogo, e essa é a nossa preocupação, ficam muito impactadas, incapaz de regenerar. Uma dessas áreas pegou fogo em 2010, e ela simplesmente desapareceu. Virou um cemitério de árvores. Dependendo do tipo de floresta onde o fogo entra, a gente pode ter de 30% a 100% de perda de árvores.


Varadouro
: Quais são as suas recomendações aos órgãos de governo diante do cenário de queimadas para 2023?

Sonaira:
Primeiro que é para evitar ao máximo o fogo, o desmatamento ilegal. Mas o ponto que eu gostaria de destacar é a de campanhas sobre a conscientização do uso do fogo. Se o agricultor realmente precisa queimar, espera dar uma chuva, não faça naquele momento mais quente do verão. Espera para queimar ali mais pra perto do fim do verão. Mesmo se ele for deixar pra usar o fogo naquele momento crítico da seca, no famoso 7 de Setembro, no mês de setembro, é bastante complicado pois temos observado que o período de chuvas tem começado cada vez mais tarde. Este fogo feito na época mais crítica vai sair do controle, vai incendiar a área do vizinho. O risco de o fogo sair do controle e entrar na floresta é muito grande. E quanto mais esse fogo acontecer longe do período de chuvas, mais complicado será a ação de combate. Então é preciso campanhas educativas que realmente alcancem as pessoas, não ficar só nas formas convencionais. É conversar com o produtor.


Varadouro: Há alguma perspectiva de alento para 2023 com a retomada da política ambiental brasileira pelo governo Lula, após quatro anos de devastaçao sob Bolsonaro? Afinal de contas, o Ibama voltou…

Sonaira:
Eu acho que vai ser sim melhor, mas ainda será muito complicado. São tantos problemas acumulados. Eles [órgãos federais] se organizando, tendo um planejando melhor, com ações de combate, podem amenizar os danos. Mas o que foi feito no passado, muita coisa se perpetua. Houve a mudança no plano federal, mas há as instâncias do governo estadual, das prefeituras, nas câmaras municipais, deputados estaduais. Nós sabemos que muitos deles ainda incentivam práticas ilegais, e isso certamente vai continuar tendo consequências importantes. Eu tenho um otimismo, mas ainda vai ser difícil. Eles [governo federal] têm que fazer um trabalho muito forte com os estados e os municípios. Ficar só na esfera federal acho que não vai funcionar.     

 

 

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sexta-feira, 26 de maio de 2023

A Política na Floresta (podccast1)

Em tempos de constantes ataques à agenda ambiental do país, a atuação de um jornalismo amazônico, de dentro da Amazônia, faz-se ainda mais necessário. É por isso que no Acre o jornal Varadouro, criado na década de 1970 para defender a floresta e suas populações, está de volta. Neste primeiro episódio do meu podcast Política na Floresta, converso com o Elson Martins, fundador do Varadouro. Ele resume: os desafios do jornalismo na Amazônia são tão atuais quanto aqueles na época da ditadura. 


Assista

terça-feira, 23 de maio de 2023

notícias da floresta

 Andorinhas voltam todo ano; Varadouro faz o voo do retorno

Varadouro: jornalismo em defesa da Amazônia

 

Montezuma Cruz* - dos Varadouros de Porto Velho

Desde que o jornalista Fábio Pontes começou a publicar textos encimados pelo fortalecimento do logotipo original, cresce a expectativa pela volta do jornal Varadouro, o mais notável mensário em circulação em bancas do Acre e em diversas capitais brasileiras entre maio de 1977 e dezembro de 1981 (edição nº 24). O rico e inesquecível conteúdo desse jornal abriu verdadeiramente os olhos dos governantes, e os influenciou para aceitar a construção do Estado do Acre com a participação da consciência popular. Na conhecida fase da bovinização, a grilagem massacrou antigos seringais, quando trabalhadores defendidos na mente, no peito e na raça pelos saudosos Wilson Pinheiro e Chico Mendes organizaram-se sob sua emblemática liderança.


Varadouro deixou de circular há pouco mais de três décadas carregando o legado de impulsionar a própria Justiça, pois nascera durante a proliferação do jaguncismo armado. Apenas um juiz federal atendia às demandas do Acre e de Rondônia.


Muita gente não acredita, mas existem histórias que se repetem: tempos atrás, mesmo sob o novo “império do boi”, o Acre voltou a extrair o látex para atender à indústria brasileira. E em Rondônia, silenciosamente, empresas do Rio Grande do Sul, da França e do Irã (!) vêm buscá-lo há alguns anos.
Daqui posso afirmar que raríssimas pessoas conhecem atualmente o preço do quilo da borracha. Seu Osvaldo Castro de Oliveira, maior apoiador da classe dos seringueiros, morreu aos 65 anos em maio de 2021, deixando órfãos nesse delicado comércio.


Contou-me a pesquisadora Rosalina Dias naquela ocasião: “Olha, quando éramos jovens na década de 1990 abraçamos o movimento social ambiental; foi um tempo de muita luta para a criação das reservas extrativistas e pela melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem nessas áreas preservadas, este foi o grande legado de Oswaldo.”


Em 2008, quando a Polícia Federal apurava a “legalização” de cerca de cem mil hectares dentro de áreas ambientais na região do Guaporé, inclusive as fronteiriças à Bolívia, o saudoso defensor dos seringueiros denunciava declarações fraudulentas de posse e títulos de domínio de terras.


Em tempos de crédito de carbono, velhos seringais remanescentes dos anos 1930 até 1970 são ainda invisíveis nas pautas e nos observatórios econômicos do capital mantidos por governos lá e cá. No entanto, eles dão sinais de ressurreição após o chamado ciclo das hidrelétricas. Notável, né?


No embalo da propaganda exaustiva do televisivo “agro pop e tec”, os governos criam câmaras de grãos, da pecuária, do leite, e enxergam de novo a existência de suas imensuráveis reservas de metais, pedras, minérios e gases. Cadê as câmaras do minério e do látex?


Isso só acontece porque o rebuliço em Brasília é crescente no sentido de a Agência Nacional de Mineração (ANM) ter condições de fato para fiscalizar as atividades de exploradores de minérios comuns e estratégicos. Para criá-la de maneira capenga, mais no papel do que na prática, o ex-presidente Michel Temer acabou com o antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).


Em síntese, o setor mineral brasileiro vive a esculhambação.  E olhe que empresas multinacionais voltaram a Rondônia, sendo recebidas com tapetes vermelhos em palácios!


Acredito que o Varadouro digital irá desenterrar caveiras e opinar a respeito dos rumos econômicos de estados amazônicos, auxiliando sua gente a ser reconhecida no direito a ter água potável e todo saneamento básico que merece.


O Senado Federal rediscute o papel da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). O que ela fez por essa gente, senão encher os pastos de bois? 


O jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto lembra que no II Plano Nacional de Desenvolvimento, entre 1975 e 1979, os 18 bilhões de cruzeiros de incentivos fiscais comprometidos pela Sudam com 561 projetos aprovados por seu Conselho criariam menos de 92 mil empregos. As 326 fazendas contempladas incrementariam o êxodo rural, aumentando a disputa por empregos nas cidades.
 

“Esses projetos absorveriam 11 bilhões dos 37 bilhões de cruzeiros de investimento total e 7,5 bilhões dos 18,5 bilhões de incentivos fiscais comprometidos, mas ficariam com quase metade dos oito bilhões que foram efetivamente liberados até então. Dos 10,8 bilhões de investimentos públicos programados para o quinquênio, 8,5 bilhões eram destinados a projetos agropecuários”, ele assinala.


Nada contra a exportação brasileira de carne, mas a realidade nos revela dolorosamente: ainda temos gente esquálida, à míngua e analfabeta, das capitais até o Lago do Ceará, em Marechal Thaumaturgo (AC), por exemplo. 


Os IDHs palpitam nossos corações. A floresta e o asfalto precisam muito mais do que o incentivo ao seu artesanato.


Microsoft Bing nos informa que, a cada ano, o trajeto de milhões de andorinhas-azuis é o mesmo. Elas saem do hemisfério norte, do Canadá e Estados Unidos, se encontram no rio Mississipi e atravessam o Golfo do México rumo ao hemisfério sul, quando chegam ao nosso território. 


No Brasil, elas entram pela Amazônia. Assim, aproxima-se o momento de o jornal Varadouro ressurgir a partir da alimentação de bravas asas digitais capazes de mostrar ao mundo o cotidiano amazônico descrito por profissionais que aqui vivem e trabalham.


Anos a fio abnegados jornalistas do Acre, entre os quais os fundadores daquele jornal – Elson Martins à frente – vislumbraram o momento de ele deixar o repouso nas bibliotecas para novamente circular. O fator custo do impresso e a total modificação do modo de leitura das novas gerações derrubaram sonhos e projetos.


Oxalá, antigos e novos tenham saúde e memória suficientes para oferecer o melhor a tão importantes leitores destes anos 2000. É preciso desnudar certas histórias e trazê-las a limpo com seus ingredientes públicos ou acadêmicos. Nada substitui os olhos do repórter. Vivemos, apesar do “envenenamento” sofrido entre 2018 e 2022. E resistiremos.



(*) Jornalista desde 1969. Chegou ao extinto Território Federal de Rondônia em 1976. Em sua trajetória trabalhou nos estados do Amazonas, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo e Maranhão. Incursionou ainda à Argentina, Bolívia e Paraguai.

 

 

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segunda-feira, 22 de maio de 2023

Política na Floresta

Das pererecas à foz do Amazonas: as crises ambientais de Lula 



Por Fabio Pontes - dos Varadouros de Rio Branco  


Após dias de glamour ao lado dos líderes das maiores potências do mundo, Luiz Inácio Lula da Silva retorna ao Brasil com muitos abacaxis acumulados no Palácio do Planalto para descascar. O mais complicado deles, com certeza, é o que diz respeito ao controverso processo de licenciamento ambiental para a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. O episódio coloca o presidente da República entre a cruz e a espada; melhor dizendo, entre Marina Silva e sua defesa de respeito às decisões técnicas do Ibama, e Randolfe Rodrigues, líder do governo no Congresso, com a retórica desenvolvimentista de que a postura do órgão trava o crescimento do Amapá. Mais uma vez, a dualidade entre preservação ambiental e desenvolvimento econômico travam um cabo-de-guerra em governos petistas.


A crise política provocada pela negativa do Ibama em conceder licença de operação para a Petrobras explorar a chamada Margem Equatorial, se não bem tratada, tende a abalar a já não muito sólida relação entre Lula e Marina Silva. Por mais de uma década, os dois estiveram politicamente afastados. Os atritos foram consequência de desgastes ocasionados pelas primeiras passagens da ex-senadora acreana pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), entre 2003 e 2008.

O principal fator para essa ruptura? O Ibama. Já naqueles idos, o órgão federal responsável pela emissão de licenças era acusado, pela ala desenvolvimentista do governo petista, de travar a economia, ao “atrasar” ou até mesmo impedir o início de obras tidas como vitais para o país. Entre elas estavam usinas hidrelétricas aqui na Amazônia, incluindo Belo Monte, no rio Xingu, e de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira.

O próprio presidente Lula criticava publicamente o Ibama, cobrando a emissão das licenças. Tudo isso para acelerar a execução de obras que turbinariam (em muitos sentidos) a campanha eleitoral de sua sucessora na Presidência, a então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff - vista como a principal responsável pela queda de Marina do MMA.

Um dos episódios mais famosos e lembrados daqueles tempos foi quando Lula culpou uma espécie rara de perereca por travar a entrega de licenças para a construção de viaduto num trecho da BR-101, no Rio Grande do Sul. Ao acusar o “sapinho” de emperrar o início da obra, o caso virou motivo de chacotas. E o discurso era sempre o mesmo: a “burocracia ambiental” emperra o progresso da nação brasileira.

Outra situação emblemática envolveu as usinas do rio Madeira, em Rondônia. Os técnicos do Ibama mostravam preocupação com os impactos que as barragens de Jirau e Santo Antônio poderiam ocasionar numa espécie de bagre amazônico, a dourada. As barragens poderiam afetar a reprodução das mais diferentes espécies de peixes do Madeira, que migram para as partes mais altas do rio nestes ciclos. Para Lula e Dilma, isso não poderia justificar o atraso ou a recusa na emissão de licenças para construir hidrelétricas na Amazônia, que forneceriam energia para o … Sudeste.     

E foi nesse cabo-de-guerra entre rigores técnico-científicos na emissão de licenças ambientais e a ânsia desenvolvimentista de Lula e outros companheiros petistas que Marina se viu politicamente insustentável no governo. Pediu demissão do MMA, e se desfiliou do PT. Na época, ainda tinha a função de senadora pelo Acre. O desenrolar da história ainda nos lembramos. Ela concorreu três vezes à Presidência, mas não venceu. Tornou-se um dos nomes mais influentes no Brasil e no mundo nos debates sobre meio ambiente e Amazônia.

A tragédia ocasionada pelo bolsonarismo reaproximou Marina de Lula. No meio da disputa presidencial de 2022, Marina - que concorria a deputada federal por São Paulo - declarou apoio ao petista. Em troca, pediu que ele assumisse uma série de compromissos no processo de reconstrução da agenda ambiental. O apoio de Marina era o “selo verde” das promessas de Lula para o meio ambiente, em especial para a Amazônia.

Afinal de contas, a Floresta Amazônica tinha sido o bioma mais devastado pelo governo Bolsonaro, motivo de preocupação da comunidade internacional. A entrada de Marina na campanha e no terceiro governo Lula era a garantia de que o Brasil adotaria uma nova postura na proteção do bioma, bem como no combate às mudanças climáticas. A Amazônia é hoje o principal capital político do governo Lula na retomada das relações internacionais do Brasil.

Tanto assim, que a questão amazônica foi um dos principais temas debatidos por Lula com os líderes do G7 no Japão. Em todas as viagens internacionais, Lula fala de Amazônia, e em algumas leva Marina Silva junto. A ministra é sinônimo de credibilidade. Seu prestígio ressuscitou o Fundo Amazônia.

Desta vez, enquanto estava do outro lado do mundo, sua ministra do Meio Ambiente era fritada por aliados do presidente, incluindo seu líder no Congresso Nacional, Randolfe Rodrigues. Lula tem a inteligência política necessária para saber que Marina Silva é um dos mais importantes nomes da Esplanada. Também sabe que emitir uma licença apenas para atender a caprichos eleitorais, sem levar em conta aspectos técnicos para uma região tão sensível quanto a Foz do Amazonas, seria um desastre para seu governo - e, obviamente, para o meio ambiente.

O que está em jogo, agora, não são apenas pererecas e/ou douradas; não que essas espécies não sejam tão importantes quanto a foz do imponente rio Amazonas. Não estamos mais na primeira década dos anos 2000, onde os interesses econômicos sempre prevaleciam acima de tudo e de todos. Os tempos são outros. Não há a menor dúvida da necessidade da geração de renda e riquezas para as populações amazônicas, o que sempre defendo aqui. Mas não podemos desconsiderar os danos de uma política desenvolvimentista inconsequente, feita a qualquer custo.

Se olharmos bem, a Amazônia tem recursos naturais que podem gerar, de forma sustentável, riquezas para seus moradores tão ou mais vantajosas do que o petróleo. O mundo já não suporta tanta queima de combustível fóssil. Energias limpas e renováveis é uma urgência global - e o Brasil (Petrobras) tem toda capacidade para assumir este protagonismo.     

 

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sábado, 20 de maio de 2023

muitas Amazônias

 A Amazônia invisível para quem não está na Amazônia 

Ponte sobre o rio Envira, no município de Feijó (AC) (Foto: Fabio Pontes)


 

Por Fabio Pontes - Varadouro

Os trágicos quatro anos de desgoverno Jair Bolsonaro colocaram, pela primeira vez, os estados que formam a chamada Amazônia Legal no centro do noticiário nacional e internacional. E infelizmente foi da pior forma possível. Afinal de contas, graves problemas históricos vividos por nós, moradores da Amazônia, foram potencializados pela agenda de destruição dos direitos ambientais e sociais tocada pelo bolsonarismo não só fincado em Brasília, mas também (e sobretudo) o regional. Desmatamento, queimadas, garimpo, grilagem e outras práticas criminosas foram empoderadas. O resultado foi um período de devastação, insegurança e ameaças.


Para muitos, sobretudo para quem está fora da região e nada conhece da realidade local, a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a Presidência da República transformou a Amazônia num Jardim do Éden. Não é bem assim. É lógico que o ambiente político hoje é muito melhor do que antes. Como se diz, não entramos no paraíso, mas pelo menos saímos do inferno. A posse de Lula transmite uma sensação de alívio, de segurança para nós que estamos na linha de frente em defesa da floresta e suas populações tradicionais.

Todavia, paz não é a palavra certa para definir o que seja a Amazônia pós-Bolsonaro. Nossas mazelas históricas sobrevivem. Os problemas da Amazônia não estão restritos apenas a derrubar centenas de hectares de floresta, e fazer comparações dos dados Inpe/Imazon com o tamanho de São Paulo. Não se resumem aos malvados grileiros e garimpeiros que tantos danos fazem. Todo este pacote de maldades é apenas a ponta de uma lança, consequência de décadas de políticas desastrosas para a região - incluindo as adotadas pelos governos petistas.  

Olhar para a Amazônia como um santuário ecológico é desconsiderar que aqui temos 30 milhões de pessoas. E não, a maioria não mora no meio do mato. A maioria está nas periferias das cidades - sejam metrópoles como Manaus ou Belém, até cidades médias, indo de Rio Branco a Macapá,  e de Porto Velho até Boa Vista.  

Enquanto cria-se muitos clichês e estereótipos para falar da Amazônia à distância, nós que vivemos nos centros urbanos do Norte brasileiro, vivemos outras duras realidades. A violência do campo que mata homens e mulheres corajosos como Wilson Pinheiro, Chico Mendes, Dorothy Stang, entre tantos outros anônimos, é a mesma que nos aterroriza em nosso cotidiano urbano. De jagunços aos “soldados das facções”, o medo nos cerca.   

Desde 2015 vivemos um banho de sangue pelas nossas cidades. Foi a partir daquele ano que Comando Vermelho e PCC “descobriram” as fronteiras amazônicas como as melhores rotas para “importar” a droga produzida nos países vizinhos: Bolívia, Colômbia e Peru.  

Para deter o monopólio destes caminhos, as duas facções vindas do Sudeste travaram uma guerra. Aqui por Rio Branco e cidades do interior acreano, dois ou três eram executados à luz do dia - e em plena via pública, aos olhos de qualquer um. O mesmo ocorria em Manaus e Boa Vista. Toques de recolher eram impostos. Ninguém sai de casa. Ônibus incendiados, prédios atacados. Tudo isso fez as cidades do Norte ocuparem as primeiras posições nos rankings de homicídio no país.

De lá para cá, após muito terror, o CV obteve o domínio territorial das fronteiras amazônicas. O PCC se aliou a facções locais para sobreviver. Passou a atuar como o braço armado dos crimes ambientais - garimpo e grilagem. No Acre, por exemplo, há casos de membros de facções comercializando lotes de terra dentro de assentamentos do Incra.

O crime está presente desde os bairros nas periferias até os pontos mais remotos da selva. É por entre rios e trilhas abertas na selva que há o transporte da droga.  Eles também tentam aumentar seu poder de influência na política local. A cada eleição, a polícia descobre candidatos financiados pelas facções.

Também enfrentamos as mazelas ocasionadas pelos eventos climáticos extremos, cuja catástrofe se resume a ser exibida em poucos segundos dentro da previsão do tempo do Jornal Nacional. As enchentes, por exemplo, a cada ano ficam mais intensas e ocorrem com mais frequência. Mais e mais pessoas são afetadas pelas inundações de rios e igarapés, em especial os mais pobres.

Famílias carentes que constroem suas casas em áreas de risco, às margens dos mananciais. Elas sabem que ali são áreas alagadiças, de deslizamento, mas não há outra opção. Como costumo dizer, é até redundante falar em “famílias mais pobres” tratando-se de uma região profundamente marcada pela pobreza e pelas desigualdades sociais.

Na estiagem, a água nos fica escassa, além de termos que conviver com a poluição extrema das queimadas, que traz doenças respiratórias, além das temperaturas elevadíssimas. Sim, tudo isso representa uma violência para a Amazônia e suas populações. Estereotipar a mais importante floresta tropical do mundo a grileiros, garimpeiros e madeireiros é empobrecer o debate. Uma miopia. A Amazônia é uma região bastante complexa. Nem nós que somos seus filhos a entendemos por completo.

Há várias Amazônias invisíveis, esquecidas em nossas periferias - a Amazônia real. A Amazônia onde o bolsonarismo floresceu com bastante força, e dela parece não querer sair tão cedo. Muito mais do que comemorar o “Ibama voltou” - não enalteça isso para um agricultor da região - é preciso pensar a Amazônia em toda a sua complexidade. Pensar em políticas públicas que respeitem a diversidade da região, que de fato assegure uma melhor qualidade de vida para quem vive na … Amazônia.

São as pessoas que vivem aqui que fazem toda a diferença entre a preservação ou a destruição da floresta. De nada adianta espernear desde a avenida Paulista ou o Central Park. É preciso que os próprios amazônidas entendam o valor e a importância desta região para o mundo.  Criar um sentimento de orgulho entre os nativos.

É por meio deste trabalho de conscientização, mais a aplicação de políticas que assegurem o combate às desigualdades com geração de emprego e renda, que fará com que a Amazônia Legal deixe de ser um reduto do bolsonarismo, elegendo, a cada eleição, o que há de mais retrógrado e reacionário na política local.

O resto é ambientalismo barato e conversa para boi dormir - e como tem boi aqui por essas bandas invisíveis do Brasil.     
 


 

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quinta-feira, 18 de maio de 2023

A Política na Floresta

 A distopia de Bocalom

 


Por Fabio Pontes

A entrevista concedida por Sebastião Bocalom (PP) ao colega jornalista Luciano Tavares, no podcast Papo Informal, consolidou as suspeitas de que o prefeito de Rio Branco é um indivíduo que vive uma vida totalmente fora da realidade. Mesmo já entrando para a história como um dos piores prefeitos da capital acreana, ele acredita ser um “grande gestor”. Mesmo com as ruas e avenidas destruídas por crateras, e após ter colocado sucatas para fazer o transporte coletivo, Bocalom chegou ao cúmulo do ridículo de comparar Rio Branco com cidades europeias. Talvez de tanto viajar à Europa, ficando vislumbrado com o glamour do Velho Mundo, Bocalom acredite viver numa Copenhague amazônica.  


É por essas e tantas outras razões - como se achar no direito de pintar o patrimônio público municipal na cor de seu partido, o PP - que eu afirmo que Sebastião Bocalom vive num universo particular chamado Bocalândia. Ele não é prefeito de Rio Branco, mas de Bocalãndia, onde ele acredita ser um senhor feudal, um tirano, onde todos e todas devem se curvar aos seus caprichos e delírios. Ele acredita viver num reino encantado, com fadinhas e duendes vivendo no alto das luminárias pintadas de azul. Onde a Branca de Neve e os sete anões atravessam as ruas (esburacadas) com faixas de pedestre pintadas de azul.    

Logo mais, Bocalom vai retirar a estátua do herói da Revolução Acreana, Plácido de Castro, da praça em frente ao prédio da prefeitura (pintado de azul) para colocar uma dele, com a placa “Grande Gestor”. Quem por ela passar e não se prostrar, estará sujeito à guilhotina em praça pública.

Saindo da distopia de Bocalom e vindo para a nossa dura realidade, o fato é que a capital acreana nunca passou por dias tão terríveis como os atuais - com exceção daquele trágico período pré-1999. Além de termos uma gestão municipal desastrosa, o governo estadual, atolado em escândalos de corrupção, só piora a situação. Apesar de serem do mesmo partido e se identificarem com o bolsononarismo reacionário, Bocalom e Gladson Cameli são adversários políticos. Só vivem para um puxar o tapete do outro nas disputas eleitoreiras.

Prefeitura e governo não sentam à mesa para discutir os problemas da cidade. Não há ações conjuntas entre eles por ações que melhorem a qualidade de vida dos rio-branquenses, assegurar infraestrutura nos bairros, políticas para a juventude, de economia solidária, de combate à violência, de cultura (aí já é pedir muito, né?) O prefeito em seu universo distópico só pensa nas eleições de 2024; o governador em se ver livre da Polícia Federal.

Oficialmente, não é dever do governo estadual executar responsabilidade do município, mas como Rio Branco é a capital do estado e toda a estrutura dos três Poderes aqui está, é dever, sim, do Executivo também zelar pelas boas condições urbanas.

Aqui vivem os acreanos de todos os demais 21 municípios. Aqui é a porta de entrada para quem vem ao Acre, seja para negócios ou fazer um retiro espiritual nas aldeias indígenas, um ecoturismo naquilo que ainda sobrou de floresta. Portanto, também é dever do governo estadual cuidar da infraestrutura da capital. A melhor impressão é aquela que fica.

Até antes de Gladson Cameli ser eleito governador, os antigos ocupantes do Palácio Rio Branco exerciam um pouco a função de “prefeito” da capital. Ao assumir o governo, uma das primeiras medidas de Cameli foi passar para a prefeitura os serviços de zeladoria exercidos pelo Estado nos espaços construídos pelo Estado, como o Parque da Maternidade, do Tucumã, do Ipê, a Via Chico Mendes. Cameli assim o fez alegando não ser função do governo. Na verdade, não queria assumir responsabilidades, como lhe é peculiar.

Até quando a prefeitura estava sob o controle de Socorro Neri - outra derrotada para o nosso bolsonarismo reacionário - as coisas funcionavam. Com Bocalom no poder, a primeira coisa que fez foi pintar todos estes espaços de azul. Destruiu a infraestrutura da Via Chico Mendes, e seu sonho é tirar o nome do líder seringueiro da avenida.

Como bom bolsonarista que é, sua missão é destruir a história e a memória do povo acreano. Aliás, estudar a História é algo que não passa pela cabeça dessa gente. Segundo Bocalom, Neutel Maia, o fundador de Rio Branco, era um político qualquer. Lógico que Neutel Maia é irrelevante, pois quem fundou Bocalândia foi … Bocalom.

Em 2024 temos eleições municipais. Que a sociedade rio-branquense tenha se livrado um pouco mais do ódio ao PT, o antipetismo doentio que tanto nos afunda neste abismo. Não podemos mais viver no fundo deste poço azul. Não podemos mais viver de memórias dos bons tempos que tínhamos - e não faz tanto tempo assim.

A capital acreana não merece viver dias tão ruins. A oportunidade de fazermos a mudança está chegando. Nosso reencontro com as urnas está próximo. Será a chance de, daqui mais uns anos, olharmos para trás e vermos que Bocalândia foi apenas uma distopia, um pesadelo. Que venham dias melhores…

 

 

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terça-feira, 16 de maio de 2023

água é vida

 MPF quer segurança hídrica para comunidades indígenas do Acre

 

Após cheia do Envira, Huni Kuin busca água no Envira, o que coloca em risco saúde humana (Foto: Divulgação 2021)


Fabio Pontes - Varadouro 

Uma ação civil pública (ACP) movida pelo Ministério Público Federal (MPF) quer assegurar que os povos indígenas do Acre, cujas aldeias estão na bacia do rio Envira, tenham acesso à água potável garantido por meio da abertura de poços artesianos. A medida se faz necessária em meio aos crescentes impactos que as populações tradicionais da Amazônia vêm sofrendo com eventos climáticos extremos, sejam as enchentes da época chuvosa, ou a falta de água durante os meses da estiagem. Com muitas das aldeias do rio Envira distantes dias de viagem do centro urbano mais próximo, a cidade de Feijó, a possibilidade de seus moradores ficarem sem água para consumo é bastante elevada.  


O município de Feijó (distante 360 km de Rio Branco) tem a maior população indígena do Acre (Censo 2010), e também a mais diversa. Às margens do Envira vivem os povos Shanenawa, Huni Kuin, Kampa (Ashaninka), Madijá (Kulina), além dos Xinane, de recente contato, e os isolados. A região do Alto Rio Envira, na fronteira com o Peru, é conhecida por abrigar uma das maiores quantidades de indígenas em isolamento voluntário - e que também são impactados pelos eventos climáticos.  

A ACP é assinada pelo procurador Lucas Costa Almeida Dias, que recorreu ao relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil 2021”, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O documento aponta as aldeias do rio Envira como uma das mais vulneráveis no acesso à água potável e de serviços de saneamento básico.

“A falta de água devidamente tratada traz vários prejuízos, pois a comunidade adota o racionamento de água e limita suas atividades diárias e laborativas, além da exposição diária a doenças transmissíveis, o que também afeta a subsistência e saúde daqueles que vivem nas terras indígenas”, afirma o procurador.

Na ação, Lucas Dias lembra que, desde 2019, há projetos para a construção ou manutenção de poços artesianos pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai); no entanto, até o momento, tudo está no papel. Antes de recorrer à Justiça, o procurador fez indagações à Sesai, à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e ao Serviço de Água e Esgoto do Acre (Saneacre) sobre estimativas de quando tais serviços seriam executados. A resposta? Não há perspectivas.

E, dessa forma, à medida que o “verão amazônico” se aproxima e o acesso à água de qualidade fica ainda mais comprometido, os indígenas de Feijó encontram-se em situação de vulnerabilidade. Toda esse cenário ocorre após as aldeias do Envira terem sido seriamente impactadas pelas enchentes do manancial de 2021 e 2022, que destruiu seus roçados, as criações de animais e os poucos poços artesianos de que dispõem.

Desde 2021 tenho escrito reportagens (links abaixo) sobre os impactos dos eventos climáticos extremos para as populações indígenas do Acre. Quando não são as enchentes que deixam um rastro de destruição, são as estiagens que secam os poços e outras fontes de água potável, comprometem a navegação (ampliando o isolamento), além do risco de queimadas em propriedades rurais vizinhas adentrarem aos seus territórios.

É desta forma que as populações indígenas da Amazônia lutam pela resistência e pela sobrevivência. Desamparados historicamente pelo Estado brasileiro, também sofrem com as consequências da ação desastrosa da chamada “civilização” sobre o clima do Planeta. Nem eles, isolados e invisíveis no meio de uma floresta que tanto lutam para manter em pé, estão livres de sofrerem com os impactos das mudanças climáticas - quiçá nós, em nossa selva urbana. 



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segunda-feira, 15 de maio de 2023

passaporte verde

A Política na Floresta 

 

Cameli em evento sobre bioeconomia na Flórida (Foto:Agência Acre)

 

O retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República transformou - graças a Deus - o governador bolsonarista do Acre, Gladson de Lima Cameli (PP), no maior aliado na preservação da Floresta Amazônica - isso, lógico, depois de seu colega paraense Helder Barbalho (MDB). Aliado incondicional de Jair Bolsonaro até 30 de outubro do ano passado, Cameli seguia à risca a mesma cartilha do ex-presidente para a política ambiental brasileir: ou seja, não ter uma política de proteção ao meio ambiente. E, assim, o Acre registrou as maiores taxas de desmatamento da Amazônia durante o primeiro mandato de Cameli.


A eleição de Lula fez o governador acreano passar por uma metamorfose ambulante - e ponha ambulante. Por aqui, ele é conhecido por adorar fazer viagens internacionais na primeira classe, com todas as despesas pagas pelo (adivinha?) ontribuinte. Mesmo conduzindo uma agenda ambiental devastadora para o Acre, Cameli sempre faz questão de embarcar para todos os encontros globais sobre preservação ambiental e combate às mudanças climáticas.

Enquanto que na prática seguia a cartilha bolsonarista de deixar a boiada passar, lá fora, aos gringos, apresentava-se quase como um defensor incondicional da floresta. Tudo demagogia. Na verdade, Gladson Cameli aproveita estes eventos apenas para um passeio zero oitocentos.

Em março passado, durante a terceira fase da operação Ptolomeu, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a apreensão do passaporte do governador do Acre. A medida foi um pedido da Polícia Federal, que coloca Cameli no centro das investigações de uma organização criminosa que teria desviado alguns milhões de reais. Ele nega todas as acusações, e diz estar aberto às investigações.

Viajante de primeira categoria, Cameli deve ter ficado desesperado ao ficar sem o passaporte. Tanto assim, que entrou com recurso junto ao STJ para que o documento lhe fosse devolvido. O governador alegou a necessidade de fazer viagens internacionais como chefe do Poder Executivo para tratar de assuntos de interesse do Acre, incluindo, vejam só, a proteção da Floresta Amazônica.

Relatora do processo da operação Ptolomeu, a ministra Nancy Andrighi atendeu ao pedido. Porém, cada vez que for fazer uma viagem oficial para o exterior, Gladson Cameli deve fazer pedido prévio ao tribunal onde é julgado. A PF solicitou a retenção do passaporte como forma de evitar que Cameli fuja do Brasil.

Com a benção de Nancy Andrighi, o governador esteve, na semana passada0 nos Estados Unidos para participar de agendas na área de preservação ambiental. Em Washington e Miami, repetiu a mesma cartilha e lenga-lenga que fala para quem não conhece a realidade local. Como desconhece e não domina o debate sobre a proteção à natureza, mesmo sendo governador de um estado amazônico, Cameli não tem muito ou nada a apresentar. Para ele, viagens do tipo são apenas uma forma de descontração.      

Porém, é melhor termos este governador com uma nova roupagem para a proteção da Amazônia - e devemos agradecer ao bom velhinho barbudo hoje no Planalto. Que Gladson Cameli realmente entenda que a discussão sobre meio ambiente, preservação da floresta não é coisa de petista, de comunista. É uma questão de sobrevivência. Que o ambientalismo do governador do agronegócio é apenas por conveniência e sobrevivência política isso não há menor dúvida.  Todavia, antes esteja ele assim, do que foi durante os quatro primeiros anos de desgoverno.  

Que Gladson Cameli compreenda que o Acre - mesmo esquecido e invisível ante o resto do país -  tem papel de protagonista nos debates internacionais sobre o futuro da Humanidade. E que sim, usando uma linguagem capitalista, podemos ganhar muito dinheiro com isso - sem a necessidade de devastar nossa maior riqueza.  Que Cameli entenda que as agendas internacionais de discussão sobre meio ambiente e mudanças climáticas não são apenas uma forma de passear pelo mundo só para passear, e postar fotinhas no Instagram.  

 

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sexta-feira, 12 de maio de 2023

Retomada de território

Operação entre Polícia Federal, Ibama e Funai inicia processo para retirada de invasores da TI Karipuna 


Área de floresta desmatada na TI Karipuna; madeireiros e grileiros impactam território (Foto: Alexandre Cruz Noronha/Amazônia Real)



Fabio Pontes - Varadouro


Após passar os últimos quatro anos sob fortes pressões de invasores, a Terra Indígena Karipuna, em Porto Velho (RO), enfim é alvo de uma grande operação desencadeada nesta sexta, 12, por órgãos federais para garantir a proteção do território. Liderada pela Polícia Federal e acompanhada pelo Ibama e Funai, a ação teve como alvo madeireiras e serrarias localizadas no entorno da terra indígena. De acordo com a PF, ao menos 80 agentes vão atuar nos 12 maiores pontos de desmatamento detectados dentro da TI. O combate à grilagem também está entre os objetivos principais.


Apesar de proibida, a comercialização de madeira retirada do interior do território Karipuna, de acordo com a Polícia Federal, ocorre por meio de um esquema criminoso de fraude no Sistema de Documento de Origem Florestal, o SISDOF. Segundo as investigações, a madeira é “esquentada” por meio de “emissões e transferências simuladas de créditos virtuais”. Essas fraudes no sistema aconteceriam por meio do uso de laranjas e de planos de manejo madeireiros.

Além da invasão da TI Karipuna para roubo de madeira, a PF investiga a prática de comercialização de lotes de terra dentro do território, a conhecida grilagem - outra prática criminosa bastante intensificada nos últimos anos em Rondônia. A TI Karipuna é vizinha à Reserva Extrativista Jacy-Paraná, cuja área de floresta já foi quase toda derrubada por invasores, formando hoje médias e grandes propriedades rurais.

Com o entorno de Porto Velho e municípios vizinhos ocupados pelas fazendas de gado e grãos, as unidades de conservação e territórios indígenas são as últimas áreas de floresta ainda em pé, tornando-se alvo preferencial de madeireiros ilegais e grileiros. A grilagem, muitas das vezes, é fomentada pela própria classe política local. Rondônia é um dos principais redutos do bolsonarismo na Amazônia Legal.

“Eu gostaria de agradecer a todas as instituições envolvidas neste trabalho de retirada dos invasores, mas isso ainda não é o suficiente. A nossa esperança é que um dia o nosso território esteja realmente protegido. Nós queremos que exista uma base de fiscalização permanente”, disse-me, por mensagem de WhatsApp, a liderança André Karipuna.

Em novembro de 2021, o repórter-fotográfico Alexandre Noronha e eu estivemos na TI Karipuna para acompanhar de perto o trabalho quase solitário de André para defender o território de seu povo contra os invasores. Por conta disso, a liderança já sofreu vários tipos de ameaças. O resultado dessa visita pode ser visto na reportagem especial Rondônia Devastada, produzida para a Amazônia Real.

Para André Karipuna, o trabalho dos órgãos federais tende a ser desafiador, já que a quantidade de invasores no interior da TI é muito grande. “A gente sofre os impactos ambientais, os impactos sociais, as ameaças. Afeta a nossa vida culturalmente, espiritualmente. A nossa esperança, nós Karipuna, é que tenham muitas outras fiscalizações iguais a essa, e que tenha uma base permanente”, afirmou ele.

De acordo com a Polícia Federal, todas as pessoas encontradas praticando crimes dentro da Ti serão autuadas e levadas para a superintendência em Porto Velho. Já os maquinários - como tratores, motosserras, caminhões - bem como eventuais estruturas já montadas vão ser inutilizados - ou seja, destruídos. Entre elas estão as pontes construídas, de forma clandestina, pelos invasores para facilitar o acesso ao território indígena.

Em 2023, além das pressões ocasionadas pelas invasões, os Karipuna foram impactados pela cheia do rio Jacy-Paraná, afluente do Madeira. A TI Karipuna está localizada na margem esquerda do manancial. Quase todas as casas da aldeia ficaram submersas, além dos roçados e criações de animais estarem comprometidos. Para as lideranças Karipuna, a construção das hidrelétricas do rio Madeira (Jirau e Santo Antônio) é a responsável pelas inundações frequentes na região. O consórcio das empresas nega interferência das barragens.             

Com 153 mil hectares, a TI Karipuna se espalha pelos territórios de Porto Velho e Nova Mamoré. Ela é uma das últimas áreas de floresta em região fortemente cercada por fazendas de gado e soja, além da atividade madeireira. Restritos a uma população de pouco mais de 60 pessoas após quase terem sido exterminados no processo de “marcha para o oeste”, os Karipuna encontram dificuldades para conter os invasores.

Ano passado, o desmatamento dentro da TI Karipuna foi de 17,41 km². Ela foi a quarta TI mais desmatada na Amazônia Legal. Entre 2019 e 2022, a área de Floresta Amazônica derrubada no interior do território Karipuna foi de 43,28 km². Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).