Páginas

domingo, 31 de outubro de 2021

Cameli poderia não atrapalhar a COP-26

Governo do Acre apresenta na COP-26 o "agronegócio sustentável" que devasta a Amazônia 

 

Apenas em 2 meses deste ano, Acre desmatou 354 km2 de floresta; ordem do governo é não "atrapalhar" (Foto:Divulgação)

As lideranças políticas e empresariais de todo o mundo estão na cidade escocesa de Glasgow para debater os principais desafios de como enfrentar a atual crise climática. Não basta ter boas intenções para o futuro. É preciso mostrar o que já estão fazendo hoje, cada um em suas comunidades, para salvar a Terra da catástrofe. O debate é muito sério e exige o compromisso de todos. Seriedade e compromisso é o que menos irá na bagagem da comitiva acreana que participará da COP-26. A travessia do oceano Atlântico será apenas mais um passeio pago com os recursos do erário.


Até agora não se sabe o porquê do governo de Gladson Cameli (Progressistas) participar da conferência do clima. O seu (des) governo é um dos que mais contribuem para a devastação da Floresta Amazônica nos últimos três anos, cuja preservação é tão essencial para evitarmos o apocalipse climático. O desmonte da política ambiental promovida por ele para beneficiar um tal “agronegócio sustentável” que ele defenderá na COP-26, resultou em mais de 1.200 quilômetros quadrados de mata virgem devastadas desde que assumiu o governo do Acre, em janeiro de 2019.

Gladson Cameli também defende a construção de uma rodovia num dos últimos santuários em biodiversidade da Amazônia, na fronteira do Brasil com o Peru, colocando em risco a sobrevivência de comunidades ribeirinhas, extrativistas, indígenas contactados e isolados no território dos dois países. O governo Cameli apoia o projeto de lei (PL 6024), em tramitação no Congresso Nacional, que fragiliza ainda mais a proteção de duas vitais unidades de conservação no Acre: o Parque Nacional da Serra do Divisor e a Reserva Extrativista Chico Mendes.

Nesta última a devastação está correndo solta, a boiada vai passando impune. Em setembro, segundo dados do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), a Resex Chico Mendes foi a segunda mais desmatada na região, com 25 quilômetros quadrados. Em 2021, mostram dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a reserva é a campeã no registro de queimadas, com 1.132 focos.

A Resex Chico Mendes é uma unidade federal, mas tinha uma série de programas e projetos do governo estadual de fomento ao extrativismo, para amenizar os danos das pressões ocasionadas pelas grandes fazendas de gado que as cercam. A primeira medida adotada por Cameli ao assumir foi deixar de pagar o subsídio que valorizava a produção da borracha, empurrando as famílias para a pecuária. As consequências estão aí: a destruição da reserva idealizada pelo líder seringueiro Chico Mendes.   

Transformar o Parque Nacional da Serra do Divisor numa Área de Proteção Ambiental (APA) atende aos interesses empresariais de explorar madeira, minérios e petróleo na área onde está a UC, além de facilitar, legalmente, a construção da estrada entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, capital do departamento peruano de Ucayali. Uma rodovia que é aguardada com muita expectativa, especialmente, pelo tráfico internacional de drogas, que já opera de forma organizada e forte na região.

Todas essas ações e omissões do governo Gladson Cameli - apoiado por uma bancada parlamentar reacionária no Congresso Nacional - são refletidas no desastre ambiental por que passa o Acre a partir de sua eleição, em 2018. Desde 2019, o Acre apresenta aumentos recordes de desmatamento, após quase 20 anos de controle nas taxas. É o que mostra o Inpe.

Pelo menos desde 2006 o Acre registrava taxas de desmate abaixo dos 400 quilômetros quadrados. Em muitos anos, até 2018, ficou em menos de 200 quilômetros quadrados. A partir das vitórias de Gladson Cameli e de Jair Bolsonaro -  seu pupilo político em quem tanto se inspira para “proteger” a Amazônia -, a devastação só dispara.

Em 2019 foram 682 quilômetros quadrados de mata derrubada. Ano passado, 706 quilômetros quadrados. Ainda não temos os dados consolidados de 2021, divulgados só no início de 2022 pelo Inpe.

Mas os monitoramentos mensais realizados pelo Imazon dão uma prévia de que a devastação não deu tréguas. Apenas entre agosto e setembro são 354 quilômetros quadrados de Amazônia afetadas pela política do governo Gladson Cameli de não “atrapalhar” quem quer investir no Acre, como ele próprio afirmou, sem nenhum pudor, durante o Fórum Mundial de Bioeconomia, em Belém.

No começo de 2022 vamos ter a dimensão real de quanto mais de Floresta Amazônica o Acre vai perder em 2021 para o “agronegócio sustentável”. Mais mata derrubada, mais fogo sendo tocado no campo. As queimadas também subiram nos últimos três anos. Os efeitos são devastadores para a natureza e para a saúde humana. A cada período do “verão amazônico”, respiramos um ar deteriorado pela fumaça das queimadas. Até setembro foram mais de 200 mil hectares de cicatrizes deixadas pelo fogo em solo acreano.

Enquanto vai desmatando sua cobertura florestal, o Acre vê avançar os impactos das mudanças climáticas. Estamos vivendo enchentes cada vez mais fortes e frequentes. O período de seca (nosso “verão amazônico”) está se prolongando cada vez mais com dias muito quentes e as chuvas raras. Em 2021, não fosse a ação da prefeitura, muitas famílias da zona rural de Rio Branco teriam passado sede, pois suas fontes de água secaram.

Sem chuvas, encerramos outubro com rios como o Acre, Yaco e Juruá (na parte alta) em situação de alerta máximo por conta do baixo nível. Noutros tempos, deveríamos estar com o “inverno amazônico” dando as caras. A realidade é outra. Por aqui temos gênios da raça afirmando que tudo isso nada tem a ver com a destruição da natureza, mas, sim, que é a vontade de Deus.   

São com todos estes méritos da devastação que Gladson Cameli e sua trupe desembarcam na Escócia, com um cinismo do tamanho do mundo, falar em combate às mudanças climáticas - quando sua omissão na proteção à Amazônia emite centenas de milhares de gases poluentes na atmosfera, colocando em risco a sobrevivência da floresta e de seus habitantes.

Sem nada ter o que mostrar, o governo da motosserra leva nas malas apenas as políticas e projetos construídos pelos antecessores - e pelos quais ele tanto trabalhou para acabar assim que assumiu a cadeira de governador.  A ida para a COP-26 será apenas uma oportunidade para Cameli reencontrar o amigo e influenciador Marcos Rocha, o governador de Rondônia em quem ele tanto se inspira para fazer do agronegócio a locomotiva da economia acreana.

Em Rondônia, o comandante Rocha apresenta projetos de lei que acabam com unidades de conservação estaduais e premia quem pratica a invasão de terras públicas. A indústria da grilagem de Rondônia atravessa o rio Madeira rumo ao Acre, onde encontra um ambiente político altamente favorável para o roubo de terras públicas - e nada de “atrapalhar” quem quer investir por aqui. A ordem do governador é clara: é desburocratizar, flexibilizar e até mesmo acabar com a fiscalização ambiental.     

É dessa forma que o Acre vai chegar a Glasgow para debater propostas que reduzam os efeitos de desastre ambiental e climático para os quais caminhamos - e em certa medida já vivemos. Com um território pequeno e fácil de cuidar, não estamos fazendo nem nosso dever de casa de proteger e conservar a Floresta Amazônica. É apenas a floresta em pé que nos salvará do pior. E o que estamos vendo aqui são centenas de milhares de hectares de floresta sendo derrubada para dar lugar ao “agronegócio sustentável” do governo Gladson Cameli.    


Ouça meu comentário na CBN Amazônia Rio Branco: 

 

Na COP26- Acre chega devendo muito mais explicações do que apresentando soluções

 
 
 
 
 
 
                                                                            publicidade

domingo, 17 de outubro de 2021

O ilegal pede carona

Carreta ambiental do governo Gladson Cameli legitima devastação da floresta


Já que não há imagens da carreta ambiental, uso da carreta da devastação, mais condizente com o atual governo do Acre (Foto: arquivo pessoal)


Enquanto o Acre registra, desde 2019, aumentos recordes em suas taxas de devastação da Amazônia, não temos visto nenhuma grande resposta por parte do governo Gladson Cameli (Progressistas) de combate aos ilícitos ambientais para amenizar os danos que sentimos dias após dias. Muito pelo contrário. Temos uma omissão muitas das vezes criminosa que acaba por incentivar ainda mais a destruição da Floresta Amazônica. Essa cumplicidade agora ganhou forma por meio de uma tal Carreta Ambiental.


Adquirida pela Secretaria de Meio Ambiente e das Políticas Indígenas (Semapi) por meio de recursos de emenda parlamentar, o veículo tem como proposta oficial aproximar as autoridades ambientais do estado do produtor rural, de quem quer produzir. O governo Gladson Cameli quer fazer uma nova política de meio ambiente. Nada de fiscalização ou punição para quem está derrubando ou queimando a floresta. Se antes órgãos como o Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) eram vistos como vilões do homem do campo, agora são aliados.

Quem já foi punido lá no passado, nem precisa se preocupar em pagar a multa. (relembre aqui o que disse Cameli sobre as multas). Basta fingir que vai fazer uma regularização ambiental de seu passivo, e está tudo resolvido. A ordem do governador Gladson Cameli é desburocratizar, flexibilizar a legislação ambiental ao máximo para destravar o que seria sua política do agronegócio - com a mulher e o homem do campo abandonados, sem apoio em assistência técnica rural e ramais detonados.

Para Gladson Cameli, a melhor política para fomentar a produção agropecuária do Acre é deixar a boiada passar com desmatamento e queimadas sem controle - e impunes. E essa impunidade agora percorre as destruídas rodovias acreanas numa carreta. Além da péssima qualidade do ar que respiramos por conta das queimadas, vem uma carreta movida a combustível para poluir ainda mais.

E o motorista do caminhão é o secretário de Meio Ambiente, Israel Milani, que também vai conduzindo a política de fragilização de proteção da Amazônia, sob a batuta de Gladson Cameli. A carreta foi comprada pelo valor de R$ 1,5 milhão de emenda da deputada federal Vanda Milani (SDD), mãe do secretário. A família Milani é ligada ao setor ruralista do Acre e ambos têm pretensões eleitorais em 2022. Vanda quer voos mais altos, e sonha com o Senado. O filho, talvez, uma cadeira de deputado estadual.

Nada melhor do que usar o desmonte da política ambiental do estado para arregimentar alguns eleitores infratores ambientais. A proposta da carreta é clara: regularizar a situação de quem está encrencado com os órgãos ambientais. Nessa regularização está até a fundiária. Não se sabe como um serviço itinerante em cima de um caminhão vai resolver um problema tão complexo quanto o da posse de terras.

“O nosso trabalho sempre foi voltado para ofertar um atendimento de qualidade ao produtor rural. Aproximando cada vez mais o homem do campo do sistema de meio ambiente de forma descomplicada para que tenham acesso aos serviços e possam investir na produção.” Um desavisado poderia achar que tal fala seria de uma autoridade do setor rural, mas saiu da boca do secretário de Meio Ambiente.  

Regularização fundiária num estado que, a cada dia, tem sofrido com o roubo de terras públicas? A carreta ambiental é para legitimar a grilagem, senhores e senhoras? Regularização fundiária a toque de caixa para ganhar votos? Os Ministério Públicos poderiam questionar a atuação dessa carreta nada ecologicamente correta. Como parte das terras roubadas e floresta desmatada pertence à União, o governo estadual não tem competência legal para “regularizações”.  

Neste fim de semana, a Carreta Ambiental esteve em Assis Brasil, um dos municípios acreanos que mais sofrem com a invasão de terras públicas, desmatamento e queimadas. Na mira dos infratores ambientais estão unidades de conservação, projetos de assentamento e terras indígenas. Terras protegidas essenciais para evitar a destruição do que sobrou de floresta nas cabeceiras do desmatado rio Acre. 

Além dos serviços com burocracia zero, a carreta ambiental ainda leva bastante assistencialismo sobre suas rodas. Durante as agendas pelos interiores do Acre, há a distribuição de cestas básicas - que no bom acreanês chamamos de "sacolão". Nada contra levar comida a quem mais precisa, sobretudo neste momento de extrema pobreza que o desgoverno Jair Bolsonaro mergulha o Brasil. A questão é saber qual a fonte de recursos da Secretaria de Meio Ambiente para a compra de "sacolões", se não for para eventos de emergência diante de desastres naturais. Teria isso alguma conotação eleitoral? 

Ao invés da carreta ambiental da Semapi ser usada quase que para legalizar o que foi feito de forma ilegal, poderia atuar para combater o crime contra a Amazônia, amenizando os efeitos da crise climática que vivemos já hoje. Se não for para este fim, a deputada que quer ser senadora poderia ter destinado a verba para a Secretaria de Agronegócio, e essa sim levar serviços de apoio e assistência a quem está abandonado no campo.

Ainda mais de um governo que cortou R$ 20 milhões de recursos que iriam para o setor rural em 2022. E assim o governo Gladson Cameli, de forma atabalhoada no campo e omissa na proteção à floresta, vai fomentando o agronegócio: nem um setor nem outro de fato funciona. Eis o que se pode esperar de uma gestão que, em três anos,continua perdida e muito bagunçada.

Quando o critério familiar e político do toma lá-dá-cá prevalece sobre o técnico na administração da máquina pública, o resultado que temos é este: o Acre numa esculhambação só. A carreta ambiental com sua carga pesada é o melhor e pior exemplo destes tempos desastrosos que vivemos.        

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

a divisa da devastação

 Amacro: a nova (velha) fronteira do desmatamento na Amazônia

 

Área desmatada para grilagem no município de Boca do Acre (AM) (Foto: Assessoria PF/AC)

 

A realização de duas grandes operações da Polícia Federal, na semana que passou, expôs o grave problema do aumento descontrolado do desmatamento e das queimadas num complexo e delicado ponto da região amazônica: a tríplice divisa entre Acre, Amazonas e Rondônia. Ao mesmo tempo que sofre com as consequências do roubo de terras públicas, a região entre os três estados é cobiçada por políticos locais para se tornar uma zona de desenvolvimento do agronegócio no Norte do país, replicando o modelo do Matopiba: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.


Para isso, o encontro geográfico entre os três estados amazônicos já tem até uma nomenclatura: Amacro, que é a união das siglas de Amazonas, Acre e Rondônia. Todavia, antes de se tornar uma potência do agronegócio, a tríplice divisa vem sendo preparada para receber o boi e a soja por meio do desmatamento, da invasão de terras públicas – incluindo unidades de conservação e terras indígenas –, das queimadas e da extração de madeiras para alimentar um segmento quase que todo ele operando na ilegalidade. 

Essa é a verdadeira realidade da nova fronteira do desenvolvimento amazônico proposta pelas lideranças políticas locais, tendo os governadores do Acre, Gladson Cameli (PP), e de Rondônia, coronel Marcos Rocha (PSL), como principais entusiastas. A dupla, por sinal, sofre de alergia quando o assunto é política de proteção para a Amazônia. Na visão deles, floresta boa é floresta no chão. Só o boi e a soja proporcionam o desenvolvimento econômico, segundo a concepção deles.   

As divisas entre Acre, Amazonas e Rondônia atualmente já possuem terras abertas o suficiente para a criação de gado ou o cultivo de grãos. É verdade que uma parte está com o solo degradado, improdutivo. Porém, basta um pouco de políticas públicas para se investir em tecnologia, que é possível recuperá-las, ampliando a produção agrícola sem a necessidade de novos desmates. Ao invés disso, o mais barato é fazer mais desmatamento. A impunidade está garantida.  

Ao se percorrer a BR-364, entre Rio Branco e Porto Velho, o único cenário encontrado são de grandes fazendas, cujas extensões os olhos não alcançam o fim. Quando não encontramos pasto, há os vilarejos às margens da estrada com serrarias de pátios abarrotados de toras. Saber de onde elas saem de uma área já tão devastada é a questão.

Apesar de toda a fartura de terras disponíveis para fazer da divisa Amacro a potência do agronegócio, mais e mais hectares de floresta são derrubados e queimados a cada nascer do sol – neste nosso tórrido e seco “verão amazônico”.

E não se trata de abertura de áreas feitas por grupos de movimentos sem-terra para ocupar um lote. É gente grande, já dona de verdadeiros latifúndios querendo ampliar suas posses. Foi o que revelou a operação Tayssu, realizada pela Polícia Federal na última quinta-feira (7), que descobriu a existência de uma organização criminosa formada por empresários e um ex-parlamentar do Acre, dono de grandes fazendas, para grilar terras da União no município amazonense de Boca do Acre.

O município do sul do Amazonas já é conhecido pelos intensos conflitos fundiários que, num passado nem tão distante, já resultaram em mortes, tentativas de homicídio e ameaças a quem ousa denunciar a indústria da invasão. E grande parte dessa invasão é feita por fazendeiros cujas propriedades começam no Acre, e cruzam a linha Cunha Gomes, que é o traçado imaginário que separa o estado do Amazonas. Os dois estados estão interligados pela BR-317, cujas margens já viraram pasto já faz muitas décadas.

E essa também não é a primeira grande operação policial feita para combater a grilagem na tríplice divisa. A PF pediu o bloqueio de quase R$ 30 milhões dos investigados. Este é o valor dos danos ambientais causados pela derrubada de 1.600 hectares de floresta que viraram fazendas, cuja posse legal foi “esquentada” graças à participação de servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no esquema.  

Dois dias antes, a operação Mundo Novo, também da Polícia Federal, desarticulou outra quadrilha de grileiros, cuja atuação era se apropriar de terras públicas para, depois, revendê-las. Uma prática bastante comum na região. De acordo com as investigações, ao menos R$ 3 milhões foram “investidos” para levar ao chão 1.900 hectares de Floresta Amazônica.  

A região de mata devastada fica no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Antimary, no município de Sena Madureira (AC). O complexo de florestas do Antimary abarca os dois lados da linha Cunha Gomes; tanto do lado do Acre quanto do Amazonas. Ele é bastante impactado pela grilagem e roubo de madeira por causa da fartura de espécies de alto valor comercial. Nem mesmo a existência de duas unidades de conservação – a Floresta Estadual do Antimary, no Acre, e a Reserva Extrativista Arapixi, no Amazonas – protegem a área da ação dos desmatadores.

Toda a fragilidade e completa ausência de políticas de proteção ambiental pelos governos locais na tríplice divisa estão refletidas nos monitoramentos de desmatamento e queimadas. Conforme o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, o Imazon, dos dez municípios da Amazônia Legal que mais desmataram em agosto, metade está na Amacro: Lábrea (AM), Boca do Acre (AM), Porto Velho (RO), Sena Madureira (AC) e Feijó (AC).  

Neste último, há o projeto da abertura de uma estrada para interligá-lo ao vizinho amazonense Envira. Ano passado, o governador do Acre, Gladson Cameli, chegou a comemorar o início da abertura da rodovia, postando fotos em suas redes sociais mostrando máquinas rasgando a floresta. Sem licença ambiental, a obra foi embargada.

Ao se olhar os dados sobre o registro de fogo ao longo de 2021 na Amazônia Legal, as capitais do Acre, Rio Branco, e de Rondônia, Porto Velho, estão entre os 20 municípios com as maiores quantidades de queimadas. Porto Velho só perde para a vizinha Lábrea no número de focos de calor. Como se sabe, o fogo é usado aqui na região tanto para fazer a limpeza de roçados e pastagens, quanto para consolidar as áreas de floresta recentemente derrubadas.

Juntos, Acre, Amazonas e Rondônia responderam por metade dos 1.606 quilômetros quadrados de Floresta Amazônica desmatada em agosto, segundo detectou o Imazon. Toda essa mata derrubada literalmente vira fumaça enquanto é queimada. E dessa forma, a mais nova fronteira do agronegócio, consolida-se na região Norte impulsionada por um ambiente político bastante favorável à prática de crimes que ficarão impunes. E logo mais, daqui uns anos, toda essa floresta devastada de forma criminosa, será apresentada como o novo celeiro agrícola do Brasil.  



Este artigo foi publicado originalmente no site ((o)) eco

domingo, 3 de outubro de 2021

às caras e às claras

Audiência pública expõe as reais intenções de quem defende nova rodovia com Peru 

 

Imagem desde o pico da Serra do Divisor (Foto:Sérgio Vale/Secom/AC/2009)


A realização de audiência pública organizada pela Assembleia Legislativa no sábado, dois de outubro, em Cruzeiro do Sul, para tratar do projeto de construção da rodovia que conecta a segunda maior cidade acreana a Pucallpa, no Peru, revelou que a verdadeira intenção dos seus pais ideológicos é uma só: passar a boiada numa das regiões mais intactas da Floresta Amazônica, e bastante rica em recursos naturais cobiçados por atividades econômicas predatórias.


Os defensores da rodovia não estão preocupados em, como costumam propagar, tirar o Acre do “atraso deixado pelos 20 anos de florestania” ou promover o desenvolvimento do Juruá. Não. Eles querem apenas viabilizar atividades econômicas de interesse de grandes empresários da região - e de indústrias como a petrolífera e a mineradora - e que, obviamente, trarão dividendos políticos e financeiros de nossa classe política.

Estes, por sinal, vão a cada dia consolidando seu poder e capital econômico por meio do coronelismo e patriarquismo dos velhos seringalistas, elegendo filhos, filhas, genros, esposas, amantes (e até ex-esposas) para a consolidação de uma ultrapassada visão de mundo e do que seja desenvolvimento. Os nossos coronéis de barranco do século 21 não estão preocupados com as comunidades indígenas, ribeirinhas, extrativistas, os pequenos produtores rurais.

Eles são só olhados por nossos salvadores da pátria a cada ano de eleições. São vistos apenas como mão-de-obra barata para enriquecê-los ainda mais; querem a floresta que está nos seus quintais. E assim se articulam pelos cafés e churrascarias de Brasília para acabar com o Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD), transformando-o numa Área de Proteção Ambiental (APA).

Como explicou o senador Márcio Bittar (MDB), o mentor intelectual do projeto de lei (PL 6024) que rebaixa o PNSD para APA, a Serra do Divisor possui inúmeras riquezas que, de acordo com ele, foram deixadas por Deus para serem exploradas pelo homem, para enriquecer o homem. Entre essas riquezas divinas e muito lucrativas estão o petróleo, o gás natural, a mineração, espécies de madeira de altíssimo valor comercial.

Essas são atividades econômicas que não vão incluir os povos da floresta que moram no seu entorno - muito pelo contrário. Os impactos sociais são imensuráveis. Temos inúmeros exemplos disso na Amazônia brasileira e de nossos vizinhos. O próprio Peru é uma péssima referência nos impactos sociais e ambientais que essas indústrias provocam; comunidades inteiras são forçadas a se mudar, empurrando-as, aí sim, para a completa miséria nas cidades.

A fala de Márcio Bittar - feita pela tela de um computador, pois tem pouco hábito de estar pelo Acre - revelou quais são os verdadeiros interesses em construir uma estrada até Pucallpa, rebaixando o status de unidade de proteção integral da Serra do Divisor: devastar uma das regiões mais ricas em biodiversidade do Planeta e colocar em risco a segurança de centenas de ribeirinhos que estão hoje com sua segurança fundiária.

Isso sem contar as ameaças para os territórios dos povos indígenas já contactados e os isolados que habitam essa região da fronteira. Falam que as terras indígenas não serão afetados por o traçado da estrada passar longe delas. Se estudassem, saberiam que os impactos de uma rodovia não ficam só às suas margens. Estendem-se para além. Na verdade eles sabem disso, mas acham que nós temos uma bolinha vermelha no nariz.

Na verborragia propalada pelo ex-comunisra e hoje conservador bolsonarista Márcio Bittar, sobrou até para Leonardo DiCaprio, o ex-governador Jorge Viana e a ex-senadora Marina Silva; disse que o ator americano não tem moral para falar sobre a Amazônia por não morar nela; Bittar também pouco aparece por aqui.

Para piorar ainda mais a situação, o vice-governador, Major Rocha (PSL), tentou provocar o Ministério Público, presente na audiência, questionando o porquê de haver o turismo dentro do PNSD. Segundo ele, por ser uma unidade de proteção integral, nem isso poderia acontecer lá. Enquanto tenta melar uma atividade que assegura renda de forma sustentável às famílias do parque, Rocha defende uma rodovia cujo único legado será a destruição dessa mesma Serra do Divisor.

Só para lembrar: Rocha é irmão da deputada federal Mara Rocha, a bolsonarista autora do PL 6024, que, além de transformar o PNSD numa APA, reduz o tamanho da Reserva Extrativista Chico Mendes. Como é bom ter a parentela dominando a política.

E o governador Gladson Cameli? Não deu as caras pelo Teatro dos Náuas. Mandou o seu emissário para assuntos internacionais, responsável pelas articulações com as autoridades peruanas para viabilizar a rodovia Pucallpa-Cruzeiro do Sul.

Mesmo após Lima já ter dito não ao projeto, Cameli tenta passar a impressão de que os vizinhos estão sim muito interessados na rodovia. Para isso, usaram o vídeo do governador de Ucayali (chamado pelo assessor internacional de governador do Peru) defendendo a integração rodoviária com o Acre. Aliás, o governador do departamento vizinho parecia estar bem constrangido.

Outro fator a chamar a atenção da audiência pública é a concepção dos gênios intelectuais do governo Gladson Cameli sobre o que seja um parque nacional, em seu conceito como unidade de conservação. Para eles, a Serra do Divisor deveria ser uma grande parque de diversões com rodas gigantes, montanha-russa, tobogã e, quem sabe, um Jurassic Park para assustar os visitantes no meio da selva desmatada, como já sugeriu nossa secretária de Turismo, Eliane Sinhasique.

O assessor (ou açessor?) internacional do governador expôs na sua apresentação como exemplos de sucesso de parques o Grand Canyon, nos Estados Unidos. Até agora não entendi a razão desta parte do deserto do Arizona ser levado para um debate sobre um parque ambiental - que é uma das categorias de unidade de conservação no Brasil - na mais importante floresta tropical do planeta. Talvez seja porque eles, aos poucos, vão transformando a Amazônia numa grande savana.

Só falta o governo Gladson Cameli citar o Beto Carrero World como exemplo de parque a ser adotado na Serra do Divisor.

Este é um resumo do espetáculo do grotesco que foi a audiência pública. Se alguém tinha alguma dúvida sobre quais as reais intenções de quem defende construir uma estrada no meio do nada - numa região com muita, mas muita riqueza para ser explorada - agora não há mais. Agora, é ficar atento aos próximos passos da bancada da motosserra, que trabalha para aprovar, no Congresso Nacional, o PL 6024.