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domingo, 27 de outubro de 2019

Uma floresta e uma História ameaçadas

Como o governo Cameli ameaça o extrativismo e a própria história do Acre

A história do Acre foi "riscada nas seringueiras
A história de formação territorial, política e cultural do Acre está intrinsecamente relacionada ao extrativismo. Afinal, foi por conta da perspectiva de riqueza proporcionada pela extração da borracha que milhares de homens e mulheres do Nordeste brasileiro vieram para estas terras entre o fim do século 19 e o início do 20 - quando aqui ainda pertencia a Bolívia e ao Peru - para retirar o látex da seringueira (Hevea brasiliensis).

Em um século de história, o Acre passou a ser Brasil e o extrativismo teve altos e baixos. A produção de borracha na Amazônia passou por dois ciclos. O primeiro (1879-1912) chegou ao fim quando mudas de seringueira foram roubadas para ser cultivadas nas florestas tropicais da Ásia. Com uma produção maior para atender a indústria automobilística que precisava de pneus, os seringais amazônicos foram à falência.

Já perto do fim da primeira metade do século passado, com as batalhas da Segunda Guerra Mundial - a borracha da Amazônia voltou a ser uma necessidade mundial, já que as áreas de produção na Ásia estavam ocupadas pelas tropas do Eixo - o bloco formado por Alemanha, Itália e Japão.

Os Aliados precisavam de borracha para o maquinário de guerra e, assim, conter o avanço do nazifacismo pelo mundo. Os seringais foram reativados e uma tropa formada pelos soldados da borracha voltaram a sair do Nordeste para - em tempos de guerra - produzir borracha no meio da Floresta Amazônica. Era o segundo ciclo da borracha (1942-1945).

Encerrados os combates, os seringais voltaram a sofrer uma nova crise. Para muitos, esta era uma atividade que já estava extinta. A partir da década de 1960 o Brasil passaria a viver uma ditadura militar, que durou até 1985.

Com os militares no poder, um plano de desenvolvimento para a Amazônia foi elaborado para substituir o extrativismo. Um plano de alto custo ambiental. Os seringais falidos foram substituídos por grandes fazendas de gado. Enquanto a floresta era derrubada, famílias de seringueiros iam sendo expulsas e empurradas para viver ainda mais na miséria nas cidades.

Da década de 1970 para cá, o Acre passou a conviver com o dilema de ser  produtor de carne e grãos, com a preservação da floresta. Mesmo com todos os impactos, o estado conseguiu manter preservada 87% de sua cobertura florestal. A luta de resistência de seringueiros como Wilson Pinheiro e Chico Mendes chamou a atenção do mundo, levando o governo brasileiro a adotar medidas legais para garantir a preservação da Amazônia.

Enquanto a floresta ficava intocada por força da lei, o extrativismo definhava de vez diante de uma pecuária rentável. Cortar seringueira ou coletar castanha era algo que estava apenas na memória e nas ilustrações dos livros de história.

Uma tentativa de sobrevivência 

Ao fim da década de 1990, o Acre iniciava uma política para dar nova vida à atividade extrativista. Até o fim do ano passado, comunidades dentro de áreas protegidas tinham a garantia de que sua produção de borracha e castanha teriam um bom valor de mercado. Desta forma, elas poderiam gerar renda sem destruir a floresta.       

Desde o início de 2019, contudo, estas conquistas estão ameaçadas pelo governo Gladson Cameli, do Partido Progressistas. Ele foi eleito em 2018 com a promessa de escancarar o Acre para o agronegócio, investindo, sobretudo, no plantio de soja.

Enquanto privilegia o agronegócio, o governo despreza o extrativismo. Desde o começo de sua gestão, Cameli não paga o subsídio que assegura valor mais competitivo à borracha acreana. Ele alega uma revisão de todos os contratos feitos pela gestão passada.

Este mesmo zelo não se vê com o setor rural, a quem o governador desautorizou a pagar as multas aplicadas pelo Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac), pois agor quem estava mandando era ele. O resultado foi o aumento do desmatamento e das queimadas em 2019.

Enquanto o governo despreza a importância das riquezas produzidas pela floresta, iniciativas das próprias comunidades extrativistas vão sobrevivendo. Com um mercado consumidor cada vez mais exigente quanto à sustentabilidade daquilo que está nas prateleiras, os produtos da floresta vão ganhando mais valor e expansão.

E quem vai garantindo mercado e valor ao extrativismo acreano no Brasil e no exterior  é a Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre, a Cooperacre. Desde 2001 ela compra quase toda a produção de castanha e borracha, além de passar a investir no sistema agroflorestal para a produção de frutas. Ela é a maior produtora de borracha beneficiada do país..

Para 2019, a produção de borracha está estimada em 600 toneladas.  Em 2018, o Acre exportou R$ 35 milhões  em castanha. Se antes ela saia em sua forma bruta, agora as indústrias da Cooperacre asseguram que elas rodem o planeta com o selo das comunidades extrativistas acreanas.

Se o governo Gladson Cameli pagasse o subsídio  da borracha produzida pelo seringueiro, o valor poderia chegar a até a R$ 14 o quilo, a depender da localidade e do tipo.

O que vem salvando a produção é a compra integral feita por uma empresa francesa de calçados, a Vert Shoes, que, sozinha, paga R$ 8 o quilo da borracha tipo CVP. Não fosse este comprador, os extrativistas estariam em situação de penúria graças ao governo local.

Para enaltecer estas conquistas e também lembrar as ameaças, a Assembleia Legislativa realizou na semana passada  sessão em homenagem à Cooperacre. “Ãs vezes a ignorância, o desconhecimento e a má-fé tumultuam o debate acerca da economia do estado do Acre”, avalia o deputado Edvaldo Magalhães (PCdoB), autor da proposta da sessão especial.

O parlamentar lembrou que o estado tem, sim, condições de desenvolver sua economia rural - inclusive com o plantio de grãos - como prevê o Zoneamento Ecológico Econômico. “Na economia do Acre cabem os grãos como são defendidos neste momento pelo atual governo, mas o Acre também tem uma economia florestal que avançou muito.”

Conforme ele, ao invés de hoje o estado apenas exportar castanha in natura para outros mercados, o Acre - por meio da Cooperacre - exporta a noz beneficiada e também compra a produção de comunidades extrativistas dos estados vizinhos.

"Atuamos hoje como uma das indústrias que apresenta a viabilidade de uma economia florestal. A Cooperacre é dos extrativistas desse estado e é a responsável por colocar seus produtos no mundo inteiro", diz Manoel Monteiro, superintendente da central de cooperativas.

Entre os presentes á sessão estava o secretário de Produção e Agronegócio, Paulo Wadt. A sua pasta é responsável pelo gerenciamento do subsídio da borracha, cuja dívida já chega a mais de R$ 300 mil. Ele afirma que o pagamento já está perto de ser liberado, após 10 meses de atraso.

Que ele tenha entendido - durante aquelas horas de debate no Parlamento - que o Acre pode ser uma potência na produção agropecuária, mas que, acima de tudo tem uma floresta capaz de gerar tão ou mais riquezas que o agronegócio - e mais do que um viés econômico, a floresta está ligada à formação territorial, política e cultural deste pequeno canto do Brasil chamado Acre.

E que, portanto, adotar práticas que fragilizam a política ambiental, é uma ameaça não apenas ã floresta, mas à história do Acre.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Riscos ambientais (evitáveis)

Governo mantém atraso nos subsídios do extrativismo e compromete política ambiental  


Seringueiro leva produção de látex para beneficiamento (Foto: Agência Acre)


O governo Gladson Cameli (PP) continua a não pagar o subsídio que assegura melhor valor aos produtos do extrativismo acreano, com destaque para a borracha e o murmuru. O atraso ocorre mesmo com os recursos estando assegurados em conta por meio de transferências internacionais do programa de compensação financeira por redução do desmatamento, o REM (REDD+ Early Movers).

No caso do Acre, o principal investidor é o banco alemão de fomento KFW. Desde 2017, quando houve a renovação do contrato, o governo do Reino Unido também passou a injetar recursos, que podem chegar a 25 milhões de euros até 2021.

A gestão Cameli alega que está revisando todos os contratos de pagamentos de subsídios celebrados pela gestão passada, o que tem provocado os atrasos. A revisão é feita pela Controladoria Geral do Estado (CGE). O problema já chegou aos ouvidos dos alemães e britânicos, que cobram do governo a regularização da situação.

As consequências do atraso já são refletidos na fragilização das políticas de proteção ambiental do Acre, com impactos, principalmente, na Reserva Extrativista Chico Mendes. É no interior da unidade federal que se concentra a maior parte da produção de borracha nativa do estado. 

Sem o subsídio, muitos moradores da reserva abandonaram, de vez, a retirada do látex como fonte de renda, voltando suas atenções (ainda mais) para a pecuária. Os resultados são o aumento do desmatamento e das queimadas. Assim como em todo o Acre, a reserva registrou números recordes de incêndios em 2019, liderando o ranking entre as unidades federais em toda a Amazônia Legal.

Do começo do ano até ontem, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou 843 focos de queimadas na Reserva Chico Mendes.  A Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, por exemplo, mesmo sofrendo com pressões maiores, registrou, no período, 708 pontos de calor. 

No começo de outubro, o embaixador do Reino Unido no Brasil, Vijay Rangarajan, esteve no Acre para checar os resultados dos investimentos de seu país no programa REM, e cobrou do governo acreano o pagamento dos subsídios. Em novembro será a vez de uma comitiva da Alemanha aqui desembarcar com a mesma tarefa.

Será a segunda vez em 2019 que os dirigentes do KFW vêm ao Acre. Os alemães veem com preocupação os rumos da política ambiental acreana bem como o futuro da parceria com Acre. A área ambiental é desdenhada pelo governo Gladson Cameli, que aposta apenas no agronegócio como o carro-chefe da economia local.

Fontes afirmam que o governo até cogitou mudar o destino de aplicação dos recursos do REM/KFW. Ao invés de parte do dinheiro ir para o subsídio da borracha e do murmuru, ela seria investida em ações de extensionismo rural para levar assistência aos agropecuaristas. A mudança foi rejeitada pelos financiadores. 

Especialistas da área ambiental ouvidos pela reportagem avaliam que há grandes chances de britânicos e alemães romperem o contrato do REM por o Acre não cumprir com suas obrigações. Além de não realizar o pagamento do subsídio às comunidades extrativistas, o governo não tem adotado mecanismos para a redução do desmatamento.

A tendência é que este ano o estado supere o teto de 330 km2 de floresta desmatada estabelecido de forma contratual para que o estado receba os recursos.Os números oficiais do desmatamento só serão divulgados no início de 2020 pelo Inpe.

Redução dos danos 

Para quem acompanha a atual situação ambiental do Acre o diagnóstico é simples: a situação estaria bem pior se os seringueiros da Reserva Chico Mendes não tivesse vendendo a produção de borracha para a empresa francesa de calçados Vert.
A empresa usa a borracha dos seringais nativos do Acre para a produção dos solados de seus sapatos, agregando uma marca ecológica ao produto. Sozinha, a Vert chega a pagar R$ 8 pelo quilo da borracha tipo CVP - (Cernambi Virgem Prensado. Caso a gestão Cameli estivesse pagando os subsídios, o valor a que cada seringueiro teria direito seria de R$ 12,50.

Outro Lado 
A gestão dos recursos estrangeiros do subsídio da borracha e do murmuru é de responsabilidade da Secretaria de Estado de Produção e Agronegócio (Sepa). Procurado, o secretário Paulo Wadt afirmou estar apenas esperando chegar ao seu gabinete o parecer autorizando o pagamento do benefício. Segundo ele, a intenção é que isso ocorra o mais rápido possível.

Questionado sobre os valores, Wadt disse não ter um número preciso já que se trata de “dezenas de processos individuais”, com cada caso analisado em separado. Fontes consultadas pela reportagem estimam em meio milhão de reais a dívida do governo com os extrativistas.

Com relação ao subsídio do murmuru, o secretário afirmou que os processos ainda estão sob análise da CGE, sem previsão de pagamento.       

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Danos reduzidos

Em setembro, Acre consegue reduzir quantidade de incêndios em vegetação 


Fogo em área desmatada dentro de assentamento em Assis Brasil (AC) (Foto: Jardy Lopes)


Após registrar, em agosto, um salto recorde na quantidade de registros de incêndios florestais, o Acre conseguiu fechar setembro com uma significativa redução, quando comparado com o mês anterior e com o mesmo período do ano passado. É o que apontam os dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Em setembro do ano passado, foram registrados 4.379 focos de calor em todo o Acre. Em 2019, essa detecção foi de 2.977 pontos. Em cotejo com agosto, a redução não foi tão significativa, já que o Inpe apontou 3.051 focos nos 22 municípios acreanos. No mesmo mês de 2018, a quantidade foi de 1.368.

Quando comparado com 2016 - ano em que o Acre enfrentou um dos El Niños mais severos das últimas décadas - a quantidade de focos de queimadas em 2019 está 23% superior. Na comparação com o ano passado, as queimadas estão 57% maiores. 

Setembro é apontado pelos especialistas como o mês mais crítico para as queimadas por registrar as temperaturas mais altas e acumulart um longo período sem chuvas, reduzindo a umidade, o que pode levar a grandes incêndios dentro da floresta.

Com o aumento das fiscalizações e das operações dos órgãos de controle ambiental após a repercussão internacional das queimadas na Amazônia, o Acre conseguiu evitar o pior no último mês do “verão amazônico”.

Agora em outubro, quando começa o período das chuvas que se estende até março, a tendência é que os focos de queimadas deixem de ser detectados pelos satélites do Inpe.