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domingo, 27 de junho de 2021

a reinvenção Yawanawa

Com pandemia, povo Yawanawa prioriza segurança alimentar e resgate de modo de vida tradicional


Contato com colonizador provocou a quase extinção da cultura Yawanawa, recuperada nos últimos 20 anos (Foto: Tashka Peshaho Yawanawa)


 Após serem diretamente impactados pela pandemia da Covid-19 ao longo do ano passado, os Yawanawa do rio Gregório, no Acre, colocam em prática projetos que estabelecem uma reorganização social – dando poder às mulheres nas tomadas de decisões – e fortalecendo a agricultura e a criação de animais que lhes assegurem a segurança alimentar para enfrentar eventuais novos isolamentos em crises sanitárias. As cheias ocorridas no início de 2021 em grande parte da Amazônia afetou as aldeias Yawanawa, comprometendo as plantações nos roçados, reduzindo a oferta de macaxeira e banana.  

Conhecidos pela realização de festivais culturais que resgatam o modo de vida dos antepassados – após toda essa ancestralidade ter sido quase extinta – os Yawanawa dão mais um passo para recuperar o modelo de arquitetura das construções feitas por eles antes do contato com o colonizador, no final do século 19.

Todos estes projetos estão incluídos no Plano de Vida Yawanawa, construído ao longo dos últimos seis anos após intensos diálogos ocorridos nas 10 aldeias da Terra Indígena do Rio Gregório, localizada no município de Tarauacá, no Acre. Em pleno auge da pandemia da Covid, os indígenas começaram a tirar do papel o planejamento, em uma parceria com a organização Conservação Internacional. Entre eles está o fortalecimento do sistema de produção nos roçados e a criação de pequenos animais como galinhas e porcos. 

Os Yawanawa ainda buscam ampliar suas fontes de renda dentro das aldeias com a produção do açaí extraído dentro de seu território. “Nós queremos criar novos negócios que possam gerar renda para a comunidade para ela não se sentir tentada a tirar madeira ou fazer qualquer outra atividade predatória e proteger os 200 mil hectares da terra”, diz a liderança Tashka Peshaho Yawanawa, presidente da Associação Sociocultural Yawanawa (ASCY). 

O projeto também fortalece a criação de peixes num modelo de piscicultura em açudes, possibilitando uma alternativa ao modelo tradicional de pesca no rio Gregório e igarapés. Nos meses do “verão amazônico” (de julho a setembro), os mananciais chegam a níveis críticos, dificultando tanto a prática da pesca quanto a navegação. Com tais práticas, os Yawanawa reduzem a dependência de alimentos comprados na cidade.


A pressão da pecuária

A Terra Indígena do Rio Gregório – também habitada pelos Noke Ko’í – está numa das regiões mais ricas em madeira nobre. Todo este potencial a faz ser uma das mais pressionadas pelo desmatamento. A TI está próxima a um conjunto de unidades de conservação estaduais cujas áreas serão concedidas pelo governo Gladson Cameli (PP) para exploração madeireira, por meio de planos de manejo. A concessão deve ser votada ainda esse ano pela Assembleia Legislativa.

Entre as áreas que serão concedidas estão a Floresta Estadual do Rio Gregório e a Floresta Estadual do Mogno. O território dos Yawanawa também tem como vizinha uma propriedade privada cujo dono seria o apresentador Ratinho, um dos principais aliados do presidente Jair Bolsonaro. Em entrevistas, Ratinho já admitiu ser dono de terras no Acre, mas sem precisar a localização. A fazenda teria o mesmo tamanho da Ti do Rio Gregório: 200 mil hectares. Até o momento não se tem informações se a área estaria tendo alguma atividade. O mais provável é que também invista no manejo madeireiro.


Quer saber mais? 

Leia reportagem completa na Amazônia Real 

sábado, 26 de junho de 2021

Vidas (e terras) indígenas importam



A CCJ da Câmara aprovou essa semana o PL 490 que muda as regras do processo de demarcação de terras indígenas no Brasil. Para o movimento indígena nacional, tais alterações representam uma grave ameaça aos seus direitos, à posse e ao usufruto de seus territórios. 

Além de garantir a segurança e a preservação dos costumes e da identidade cultural de nossos povos originários, as terras indígenas exercem, hoje, um papel essencial na preservação da Floresta Amazônica. Apesar de serem alvos constantes da invasão de madeireiros e garimpeiros, as terras indígenas garantem a manutenção de uma imensa área de floresta em pé. 

É preciso desmistificar todo e qualquer tipo de preconceito contra os nossos povos indígenas, que estavam aqui por essas terras bem antes da chegada dos colonizadores. E não, eles não são cheios de privilégio. Pelo contrário, necessitam de todo tipo de políticas públicas de saúde, educação e segurança alimentar em suas aldeias. 


quinta-feira, 24 de junho de 2021

Os caminhos de Cameli - até o Peru

 Peru não quer saber de nova rodovia para o Brasil; o Acre, sim 


A decisão do governo peruano em não apostar no projeto de construção de uma rodovia entre as cidades de Pucallpa, em seu departamento de Ucayali, e Cruzeiro do Sul, a segunda maior cidade do Acre, caiu como uma pá de cal sobre as intenções dos bolsonaristas acreanos interessados em “passar a boiada” numa das regiões mais intactas da Amazônia. Após os lamentos iniciais, todavia, vieram as reações e as tentativas desesperadas de garantir alguma sobrevida.     

Se antes o governador Gladson Cameli (PP) tinha uma postura mais discreta em relação à estrada, agora o aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decidiu vestir a camisa da causa. É o que ficou claro em sua entrevista ao site ac24horas ao comentar a decisão de Lima de dizer não a um dos empreendimentos que mais colocam em risco a preservação da Floresta Amazônica - já vítima de uma política antiambiental patrocinada por Bolsonaro e que a leva a taxas recordes de devastação. 

Mostrando contrariedade com a decisão do governo peruano, Gladson Cameli disse estar disposto a ir até Lima para convencer os vizinhos sobre a importância da interligação rodoviária entre o Acre e Ucayali.  “Não pode parar por uma questão do Peru**, o que nós temos que fazer é tentar identificar onde está o gargalo, até porque é estranha essa posição deles [governo peruano], muito estranho esse posicionamento. O quê uma estrada vai trazer de prejuízo para os dois países?”, comentou Cameli. 

A resposta à pergunta do governador foi dada na última terça, 22, pelo ministro do Meio Ambiente do Peru, Gabriel Quijandría, em entrevista à imprensa internacional no país: contribuirá para aumentar o desmatamento e fortalecer o narcotráfico. Afinal de contas, é nesta porção de selva fechada do Peru que se concentram os maiores laboratórios para a produção de cocaína. Uma rodovia ali seria a redenção para o crime organizado - de ambos os lados da fronteira. 

Gladson Cameli sabe muito bem desta realidade, pois desde 2016 o Acre está no centro de uma guerra sangrenta entre as principais facções criminosas do Brasil pelo controle da rota do tráfico da droga produzida no Peru e na Bolívia. O Vale do Juruá, região onde o governador nasceu, é a mais impactada pela guerra do narcotráfico, justamente, por estar na fronteira com a zona peruana da produção de cocaína. 


O ministro peruano do Meio Ambiente também desmistificou a tese defendida pelos bolsonaristas idealizadores da estrada que ela proporcionará desenvolvimento econômico para os dois lados da fronteira. “Uma obra de infraestrutura não é uma estratégia de desenvolvimento”, resumiu Quijandria. “Se não tenho claro sobre que tipo de desenvolvimento quero alcançar em um território e não tenho claro sobre as características desse território, provavelmente estou almejando uma infraestrutura de que não preciso.". É preciso explicar mais? 
    

Daqui um mês, o Peru terá um novo presidente. Ao que tudo indica será Pedro Castilho, o mais votado numa eleição presidencial acirradíssima, disputada voto a voto. Atualmente a junta eleitoral avalia todos os recursos impetrados por ambos os candidatos; até a conclusão desta análise não será possível proclamar o vencedor. Mas com 100% dos votos apurados, Pedro Castillo obteve 50,125% dos votos; sua adversária, Keika Fujimori, ficou com 49,875%. 

Vindo da região central do Peru e de origem indígena, Castillo é definido como um político de esquerda; outros o classificam como de extrema-esquerda por suas posições radicais. No campo das ideias não é o mais dos progressistas: se posiciona contra a liberação do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo. 

Na área ambiental - tema pouco debatido pelo eleitorado peruano - não se sabe ao certo a posição do possível novo presidente. Ao assumir a Casa de Pizarro (a sede do governo peruano) no dia 28 de julho, Castillo tende a fazer uma reviravolta na política e na economia do país, como prometeu durante a campanha eleitoral. 

O clima político no país vizinho não é o dos melhores. Os peruanos ainda estão muito divididos. O Peru também é um dos países atualmente mais afetados pela pandemia da Covid-19. Portanto, não será agora - nem talvez esse ano - que o governador Gladson Cameli terá a oportunidade de ser recebido pelo novo mandatário - muito mais preocupado em resolver os problemas internos. 

Portanto, até lá, a construção de uma nova rodovia entre Brasil e Peru ficará engavetada. Os dois países já contam como uma conexão via estrada, por meio da Rodovia Interoceânica, na parte sul do Peru, também na fronteira com o Acre. Essa interligação foi apontada na justificativa das autoridades de Lima para se opor ao projeto da rodovia Pucallpa-Cruzeiro do Sul. 

Aliás, essa é uma questão que nem está na pauta de prioridade dos peruanos. Conversando com uma colega jornalista peruana, ela explicou que a principal preocupação do país é com o impasse no resultado das eleições e com a pandemia da Covid-19. 

Até o Peru e o mundo voltarem ao normal - assim como o Brasil em meio à tragédia da Covid - as populações que moram numa das regiões mais preservadas da Amazônia (incluindo os povos indígenas isolados) estarão protegidas - bem como toda a sua riquíssima biodiversidade. As falas de Gladson Cameli de que respeitará todas as regras para garantir a proteção ambiental do entorno da rodovia têm o mesmo valor que uma cédula de três reais. 

É justamente no seu governo que o Acre enfrenta as maiores altas na taxa de desmatamento da Amazônia. A abertura de uma estrada na porção mais preservada do Acre - cujo propósito pregado é exercido por outra já existente - apenas acelera a devastação, representando um verdadeiro desastre ambiental e social.     


**Gladson Cameli disse que o projeto da rodovia não pode parar “por uma questão do Peru”. Nas relações internacionais existe o princípio máximo do respeito à soberania de cada Estado, da autodeterminação e da não intervenção. Portanto,o Peru é soberano nas suas decisões. Este tipo de situação se resolve com diplomacia, não fazendo beicinho. 


segunda-feira, 21 de junho de 2021

vozes indígenas

Em manifesto, indígenas alertam sobre impactos de rodovia entre Brasil e Peru no Juruá


Parna Serra do Divisor, área afetada pelo projeto da rodovia é habitada indígenas e ribeirinhos (Foto:Secom/AC)



Lideranças indígenas do Acre divulgaram nesta segunda-feira, 21, manifesto no qual demostram preocupação com o avançar do projeto de construção da rodovia entre as cidades de Cruzeiro do Sul, no Vale do Juruá, e Pucallpa, no Peru. Eles também denunciam que são excluídos, por parte do governo federal, do processo para tirar a estrada do papel.

Assinado por 11 entidades indígenas, o documento alerta sobre os impactos sociais e ambientais que a rodovia internacional pode trazer para uma das áreas mais intactas da Floresta Amazônica. O Vale do Juruá é uma das regiões do planeta mais rica em biodiversidade, com muitas espécies ainda desconhecidas pela ciência.

“Sabemos que estradas não trazem benefício para as populações locais. Trazem a oportunidade para que interesses de fora acessem as riquezas locais, transformando as comunidades em mão de obra temporária e deixando, como legado, desmatamento, grilagem de terra, violência, conflito e degradação ambiental”, diz trecho do manifesto.

Além de ameaçar a integridade de terras indígenas – algumas delas ainda não homologadas – a rodovia coloca em risco a mais importante unidade de conservação da região: o Parque Nacional da Serra do Divisor (foto), onde está uma das maiores concentrações de biodiversidade da Amazônia, casa de espécie existentes apenas ali. 



Leia a íntegra:



Exigimos que o Estado proteja e dê garantias aos nossos direitos


Manifestamos enorme preocupação com ações planejadas para a nossa região sem a nossa participação. Projetos que pretendem incidir em nossos territórios e afetar definitivamente nossas casas e nossa vida não podem ser planejados sem considerar a nossa existência.  

O planejamento de obras de infraestrutura e de exploração dos recursos naturais em nossos territórios fere nossos direitos de autodeterminação e de usufruto exclusivo das terras indígenas.  

O projeto de construção da estrada entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa está sendo encaminhado pelo governo federal brasileiro sem transparência, sem discussão ampla com a sociedade sobre os interesses envolvidos e sem respeito ao nosso direito de sermos consultados previamente sobre qualquer medida administrativa ou legislativa que nos afete.  

O DNIT lançou, em maio, edital para contratação de empresa para elaborar projeto de construção do trecho de 142 km entre a BR -364 e o Boqueirão da Esperança, na fronteira com o Peru. No Peru, o Congresso aprovou Projeto de Lei que autoriza a construção da estrada no trecho que partirá de Pucallpa em direção à fronteira brasileira.

Não foi realizado estudo de impacto ambiental e nem análise prévia de viabilidade econômica e socioambiental para a construção dessa estrada. Os primeiros passos para definição de recursos e  contratação de serviços de engenharia estão atropelando nosso direito à Consulta Prévia, Livre, Informada e de boa-fé prevista na Convenção 169 da OIT, na Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas e na legislação brasileira (Decreto 5051 de 19 de abril de 2004).  

O projeto de construção acarretará destruição da floresta nativa e cruzará mais de trinta corpos d’água, impactando uma área de grande diversidade ecológica e cultural. Trará desmatamento, invasão, poluição aos rios, afetará a segurança hídrica, espantará a caça e trará problemas sociais que desconhecemos.   

Sabemos que estradas não trazem benefício para as populações locais. Trazem a oportunidade para que interesses de fora acessem as riquezas locais, transformando as comunidades em mão de obra temporária e deixando, como legado, desmatamento, grilagem de terra, violência, conflito e degradação ambiental. E quais são os interesses de fora que chegarão com a estrada? Em especial, o interesse em invadir os territórios, em extrair madeira ilegalmente e de promover a mineração e exploração de recursos do subsolo.   

A estrada, se construída, afetará diretamente as Terras Indígenas Puyanawa, Nawa, Nukini e o Parque Nacional da Serra do Divisor. Afetará, também, as TI Jaminawa do Igarapé Preto, Arara do Rio Amônia, Kampa do Rio Amônia, Kaxinawa-Ashaninka do Rio Breu, além das comunidades tradicionais da Reserva Extrativista do Alto Juruá e dos projetos de assentamento. Cortará o território dos povos em isolamento voluntário que vivem na Reserva Isconahua, em parcelas do Parque e na Reserva Comunal Alto Tamaya Abujão, além das Comunidades Nativas San Mateo e Flor de Ucayali, dos povos Ashaninka e Shipibo-Conibo, no Peru.  

Vivemos em uma região de grande riqueza sociocultural e de biodiversidade. Sabemos disso. Toda essa riqueza construída pela ciência dos nossos antepassados, alimentada pelo nosso modo de vida e pelo conhecimento compartilhado nas comunidades não pode ser desconsiderada ou vista apenas como algo a ser apropriado, transformado, destruído e devastado para enriquecer poucos e empobrecer muitos. Temos compromisso com o nosso futuro.

 Queremos escolher nosso modelo de desenvolvimento, com ações que melhorem a qualidade de vida e que sejam ao mesmo tempo sustentáveis, que se sustentem por muito tempo para que nossos netos e netas vivam bem. Atividades sustentáveis que produzam renda para as populações locais, ao mesmo tempo que sejam planejadas para garantir a conservação da natureza e das águas.

Clamamos por intervenção dos órgãos que tem atribuição de defender os direitos indígenas, de proteção territorial das terras indígenas, de gestão das áreas de proteção ambiental, de garantia dos direitos ambientais e dos direitos coletivos das comunidades tradicionais.  

Denunciamos à sociedade os interesses e os impactos que a construção dessa obra trará para a nossa região e para nosso direito a um futuro com qualidade de vida, dignidade e paz.  

Associação dos Kaxinawa do Rio Breu – AKARIB 

Associação Indígena Nukini – AIN 

Associação Katuquina do Campinas – AKAC 

Associação do Povo Indígena Nawa – APINAWA 

José Ângelo Apolima Arara – Terra Indígena Arara do Rio Amônia 

Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre – AMAAIAC 

Organização dos Professores Indígenas do Acre – OPIAC 

Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira – OPIRE 

Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá – OPIRJ 

União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira – UMIAB 

Instituto Yorenka Tasorentsi

 



sábado, 19 de junho de 2021

Acre 4.0, no século 19

 O Acre foi pioneiro na bioeconomia um século atrás

    

Bioeconomia é um conceito bastante utilizado hoje no mundo para se buscar um novo modelo de economia que cause o menor impacto possível à natureza, uma exploração racional e sustentável dos recursos naturais. A bioeconomia nada mais é do que a adaptação da indústria e dos mercados para a produção de mercadorias biodegradáveis, portanto menos poluentes, com altos investimentos em tecnologia. 

Outro objetivo da bioeconomia é fazer uma exploração de recursos disponíveis na floresta, garantindo a sua sustentabilidade, e a manutenção desta floresta em pé. Dono de uma das maiores áreas de Floresta Amazônica do Brasil, o Acre tem tudo para ser uma referência global em bioeconomia, bastando, para isso, apenas vontade política.

Na Amazônia em Pauta desta semana falo como que, há 100 anos, o Acre já praticava a bioeconomia, por meio da extração do látex da seringueira. Um século atrás, essa região era uma das principais geradoras de riqueza, sem derrubar 1 única árvore. A História do Acre se dá na sua relação com a floresta, não com o boi.

*Clique, aperta o play e ouça *

domingo, 13 de junho de 2021

desmate acelerado

 Floresta Amazônica perdeu quase 100 hectares por hora 

Resex Chico Mendes, a oitava UC mais devastada do país em 2020 (Foto: SOS Amazônia/2020)


A cada hora, a Amazônia brasileira perdeu 96 hectares de sua cobertura florestal no ano de 2020. Ao fim de um dia, foram desmatados 2.309 hectares. Nesse ritmo, ao terminar de ler esta reportagem, o equivalente a 32 campos de futebol da floresta amazônica terão sido devastados. Em 2020, um ano marcado pelos efeitos da pandemia da Covid-19, o desmatamento da maior floresta tropical do mundo cresceu 9% em relação a 2019. De cada dez hectares desmatados no Brasil, seis deles ocorreram na Amazônia. O resultado disso é que, no ano passado, a devastação chegou a 842.983 hectares.


O “passar a boiada” defendido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, investigado por crime ambiental e enriquecimento ilícito, foi levado a sério pelo governo Bolsonaro. O segundo Relatório Anual do Desmatamento 2020, elaborado pelo MapBiomas, mostra que de janeiro a dezembro o Brasil emitiu 74.218 alertas de desmatamento para uma área superior a 1,3 milhão de hectares. É como se uma área duas vezes maior que o município de Macapá tivesse sido derrubada. Na comparação com 2019, o aumento foi de 14%.

Iniciativa que reúne diferentes entidades da sociedade civil dedicadas a estudos e ações de proteção ambiental, o MapBiomas constatou que 99% de todo o desmatamento do país ocorreu de forma ilegal, ou seja, sem a devida autorização dos órgãos ambientais. No rastro da devastação, nem mesmo áreas protegidas como unidades de conservação e as terras indígenas escaparam da ação dos desmatadores.

“O que a gente quer garantir é que todo alerta que foi validado, que você sabe quem é o proprietário, tenha um tipo de ação.  Quer seja uma notificação, um embargo da área, depois pode seguir uma multa. Mas a gente frisa que isso acaba com a sensação de impunidade. A gente tem a informação, está aí”, diz o pesquisador Marcos Reis Rosa, um dos autores do relatório MapBiomas, em entrevista à Amazônia Real.

Doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), Rosa afirma que em todo e qualquer desmatamento ocorrido no Brasil é possível identificar o autor diante das informações disponíveis em bancos de dados como o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Dos mais de 5,5 milhões de imóveis rurais cadastrados no Brasil, afirma o pesquisador, houve registro de desmate em apenas 0,99%.

“Só um por cento teve desmatamento, o que bastou para fazer este estrago não só ao meio ambiente mas também à nossa imagem lá fora. Mas é este 1% que faz barulho, que tem representantes no Congresso, que está lá para fazer lei para ampliar o desmatamento, lei para anistiar ocupação ilegal”, completa o pesquisador.  


Leia a reportagem completa na agência Amazônia Real

sábado, 12 de junho de 2021

caminho devastador

 Projeto de rodovia deixa em risco outra área intocada da Amazônia

 

Pavimentada entre a primeira e segunda décadas deste século, BR-364 é principal vetor de desmate no Acre (Foto:Secom/AC/2011)

No momento em que a Amazônia registra taxas recordes de desmatamento impulsionado, principalmente, pelo desmonte da política de proteção ambiental promovida pelo governo Jair Bolsonaro (Sem partido), lideranças locais se articulam para tirar do papel projetos de infraestrutura que colocam, ainda mais em risco, a preservação do bioma. É o que acontece, por exemplo, no Acre, com articulações políticas para abrir estradas em regiões hoje intocadas pela ação humana.


Após o projeto da rodovia entre as cidades de Cruzeiro do Sul, no extremo oeste do estado, e Pucallpa, no Peru, na bacia do rio Juruá – que concentra uma das maiores biodiversidades do mundo – agora começam as tratativas para construir uma estrada na região do Alto Rio Purus. A proposta é fazer a conexão rodoviária entre os municípios de Manoel Urbano e Santa Rosa do Purus. 

Ambos os projetos têm como principal fiador político o senador bolsonarista Márcio Bittar (MDB-AC), cuja principal atuação no Congresso Nacional é encampar pautas que fragilizam a agenda ambiental do país. Junto com a deputada federal Mara Rocha (PSDB), ele é autor do Projeto de Lei 6.024/2019, que reduz o tamanho da Reserva Extrativista Chico Mendes e transforma o Parque Nacional da Serra do Divisor numa Área de Proteção Ambiental (APA).
Estradas atingem áreas protegidas  

Caso de fato se concretizem, as duas rodovias provocariam impactos inestimáveis para duas áreas preservadas da Floresta Amazônica, livres da exploração madeireira, da grilagem de terras públicas e da abertura de áreas para a pecuária – principais atividades econômicas a exercer pressão sobre o bioma no Acre. O estado ainda mantém conservado, dentro de seu território, ao menos 86% de cobertura florestal.


O entorno do rio Purus concentra a maior área de floresta nativa de bambu do planeta. Segundo a Embrapa, o Acre possui 4,5 milhões de hectares de florestas de bambu. A região do Alto Rio Purus ainda é formada por imensas áreas de floresta intactas com espécies de árvores de rentável valor comercial.  

No Médio Rio Purus, região que conta com a BR-364 pavimentada, na divisa entre Acre e Amazonas, toda essa riqueza madeireira já é bastante explorada por meio de planos de manejo. A rodovia federal se tornou o principal corredor madeireiro do Acre, com caminhões e mais caminhões “toreiros” trafegando dia e noite.

De acordo com o prefeito de Santa Rosa do Purus, Tamir de Sá (MDB), o objetivo é conectar o perímetro urbano do município a uma estrada de terra batida já adentrou a região do Alto Rio Purus. Segundo ele, a via teria sido aberta, justamente, pela empresa detentora da concessão do manejo madeireiro.

“Nós só temos 82 quilômetros para emendar aqui. O manejo já tem 70 e poucos quilômetros de estrada para chegar aqui. Então eu não vejo diferença nenhuma de chegar até aqui uma estrada, num município com oito mil habitantes, onde só um manejo, sozinho, para eles terem lucro, eles abrem 72 km de estrada e nós não podemos abrir 82 km”, diz o prefeito ao ((o))eco. 

 

Leia a reportagem completa no site ((o))eco 

sábado, 5 de junho de 2021

a miséria da violência

 

Nossa juventude da periferia está ao chão; atual desgoverno do Acre agrava crise social e de violência (Foto:Secom/AC/2016)

 

A incompetência característica do governo Gladson Cameli (PP) tem feito o Acre mergulhar em duas graves crises que aterrorizam a população: a pandemia da Covid-19 e a violência descontrolada que nos deixa ainda mais em pânico. Além de termos que lutar para sobreviver ao coronavírus, precisamos rezar para não sermos a próxima vítima de uma guerra urbana que deixa corpos banhados em sangue jogados pelas ruas das cidades.


As duas crises estão muito associadas, e são agravadas por um governo cuja única política pública eficaz é pintar o Acre de azul, a cor de seu partido. Caracterizado pela completa bagunça institucional, falta de comando e da adoção de uma política de planejamento para garantir o bom funcionamento da máquina em prol da população, o governo Gladson Cameli aprofunda as crises sociais históricas do Acre.

Em um estado pobre e carente como o nosso, não temos nenhum tipo de política pública para garantir um desenvolvimento econômico sustentável (e falo de sustentabilidade em seu conceito macro) que permita a geração de empregos e renda para a população, sobretudo para os jovens. O resultado está aí: nossa juventude executada em vias públicas e abarrotando nossos presídios já superlotados.

Para piorar, espaços públicos como os Centros da Juventude nos bairros das cidades, que deveriam garantir atividades de lazer e desporto, estão às traças - bem como todos os nossos espaços culturais e históricos.

Cameli foi eleito com a promessa de fazer do Acre uma potência do agronegócio; até hoje, todavia, não vimos uma horta de cheiro-verde fomentada por políticas de estado. Em quase três anos de (des) governo, já são três secretários do Agronegócio, o que mostra que, com Cameli, critérios técnicos são descartados para gerir a máquina,

O que vale para ele mesmo é apenas seu propósito de reeleição, usando muito bem do toma lá dá cá. Vez por outra, cargos estratégicos de gerenciamento são trocados de um dia para o outro para abrigar novos aliados do governador de olho em 2022. A consequência óbvia é a descontinuidade da gestão da máquina - se é que há alguma em andamento.

- Muito mais do que uma questão de força policial, a violência no Acre é um problema social, de nossa elevada desigualdade na distribuição de renda que mergulha milhares de acreanos e acreanas na miséria. Desde os governos do PT tenho apontado essa questão: de nada adianta colocar a tropa nas ruas, se nas periferias a miséria predomina, deixando jovens expostos a virarem “soldados” das facções do centro-sul que por aqui chegaram e encontraram terreno fértil - muito mais fértil que o agronegócio na sua versão arcaica de Gladson Cameli. - 


Nas eleições de 2018, o então candidato ao governo disse que, em seis meses, resolveria o problema da violência no Acre. Para isso foi até buscar um especialista para ser seu vice e comandar a Segurança Pública: o então deputado federal Major Rocha, policial militar. De lá para cá as coisas só pioraram, e Cameli e Rocha são inimigos políticos.

Se pegarmos a lista dos primeiros nomes indicados para compor as secretarias de governo no início de 2019, veremos que mais da metade já foi trocada; mais um claro sinal de que critérios técnicos e de planejamento não são características de Cameli.

O resultado está aí: o caos. Gladson Cameli concorreu ao Palácio Rio Branco achando que, enquanto estivesse na cadeira de governador, levaria o mesmo estilo bon-vivant de seus tempos de Senado e Câmara, onde era acostumado a terceirizar responsabilidades, deixando tudo para os assessores fazerem, levando apenas os louros nas páginas dos jornais.

No Poder Executivo o buraco é mais embaixo. Ou se tem o comando e controle da máquina, ou ela vai para a bancarrota. Não por acaso, diante do vácuo de poder, começaram a surgir várias suspeitas de corrupção nas secretarias que Cameli entregou (literalmente) para os aliados partidários. Denúncias estas feitas pelo próprio vice-governador.

Diante de todo este cenário de balbúrdia sui generis do governo Cameli, não nos resta nada a não ser nos protegermos trancados em nossas casas de muros altos, cercas elétricas e câmeras. Pelas ruas, a criminalidade se fortalece diante de um governo incompetente, incapaz de colocar em prática políticas públicas de inclusão social, combate às desigualdades, geração de emprego e renda.

Já que não temos a mesma sorte de Gladson Cameli de contar com um batalhão inteiro de policiais para garantir a sua segurança, só nos resta mesmo usarmos as medidas de isolamento para sobrevivermos à pandemia, para que também possamos sobreviver ao caos da violência tão acreana.

Que dias melhores possam vir...

terça-feira, 1 de junho de 2021

o progresso da devastação

Bolsonaristas defendem mais uma estrada em região de floresta intacta do Acre


Em preto no mapa, traçado que separa Santa Rosa do Purus de Manoel Urbana, uma das regiões mais preservadas da Amazônia (Divulgação)


Na semana em que o Planeta Terra celebra o seu Dia Mundial do Meio Ambiente, recebo a informação de mais uma empreitada de parlamentares do Acre para tirar do papel outro projeto de infraestrutura com efeitos catastróficos para a preservação da mais importante floresta tropical do mundo: a Amazônia. Trata-se da construção de rodovia entre os municípios de Santa Rosa do Purus e Manoel Urbano, aqui no Acre. Para quem não conhece a região, é uma das mais intocadas pela ação humana justamente por estar inacessível por estradas, além de estar protegida por unidades de conservação e terras indígenas. Ela é cortada por um dos mais importantes rios da Bacia Amazônica, o Purus. 

E como não poderia deixar de ser, o projeto da rodovia tem como padrinho nada mais nada menos do que o senador inimigo público número um do meio ambiente, Márcio Bittar (MDB). Ele é o mesmo que patrocina e atua para tirar do papel outra rodovia com efeitos catastróficos para a Amazônia: a ligação entre as cidades de Cruzeiro do Sul, no Vale do Juruá, e Pucallpa, no Peru. 

Uma estrada que passaria dentro da região com uma das maiores concentrações de biodiversidade do mundo, habitada por comunidades extrativistas, ribeirinhas, indígenas contactados e povos isolados. 

Conforme apurou o blog, o senador Márcio Bittar teria como aliado principal no projeto de seu novo empreendimento da devastação o prefeito de Santa Rosa do Purus, Tamir de Sá, do MDB. O prefeito já teria entrado em contato com funcionários do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para saber como se faz para ter aprovado o projeto da rodovia, A consulta ao órgão se dá pelo fato de seu possível traçado passar por dentro da Floresta Nacional do Purus. Conforme fontes, Tamir de Sá já teria anunciado que nos próximos dias apresentará o projeto da estrada. 

Essa atuação do gestor municipal, obviamente, acontece sob o guarda-chuva do senador Márcio Bittar, que exerce influência sobre as ações tanto do ICMBio quanto do Ibama no Acre. A atual superintendente do Ibama no Acre, Helen de Freitas Cavalcante, advogada ligada aos ruralistas, é uma indicação de Bittar ao ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente). Só para lembrar, Salles é investigado pela Polícia Federal por facilitar o contrabando de madeira da Amazônia para o exterior. 

Conforme o blog apurou, outro parlamentar entusiasta da rodovia é o deputado federal bolsonarista Alan Rick (DEM). Ele tem o domínio político do Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Purus, responsável pela saúde indígena das aldeias na bacia do Purus. 

Santa Rosa do Purus é um entre os quatro municípios do Acre chamados de “isolados” por não terem acesso rodoviário. Só é possível chegar à cidade - de maioria indígena - por avião ou barco subindo o rio Purus a partir de Manoel Urbano.  Ao se construir uma estrada entre os dois municípios, Santa Rosa passaria a estar conectada diretamente com a BR-364 e, assim, com todo o Acre e o Brasil. 

O discurso a favor da rodovia é o mesmo de sempre: de que vai tirar os santarosenses do isolamento, garantindo progresso e desenvolvimento para a região. Este progresso, contudo, tem um alto custo socioambiental, já que as estradas são vetores para impulsionar o desmatamento e a invasão de terras públicas (grilagem) na Amazônia. 

A própria BR-364, entre Sena Madureira e Cruzeiro do Sul, é o exemplo mais recente disso. Desde que sua pavimentação foi concluída, no fim da década passada, o entorno passou a concentrar elevados índices de desmatamento e queimadas nos últimos anos. De 2019 para cá, a região também é alvo frequente de grileiros, que invadem até unidades de conservação.   

Entre os municípios de Santa Rosa do Purus e Manoel Urbano há uma imensa área de Floresta Amazônica intacta. Em voos entre Rio Branco e Santa Rosa do Purus a única paisagem possível de se ver é a de um imenso tapete verde cortado pelos cursos de rios e igarapés. 

Além de unidades de conservação, a região está protegida pela Terra Indígena Alto Rio Purus, formada por aldeias dos povos Huni Kuin e Madijá. Portanto, além do aval do ICMBio e Ibama, a rodovia terá que receber a aprovação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e das próprias comunidades indígenas, o chamando componente indígena dentro do processo de licenciamento ambiental - agora afrouxado pela Câmara dos Deputados.  


Próximo passo: conectar ao Peru 

Defensor da integração econômica sul-americana como é (por essa razão diz querer a estrada entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa),  Márcio Bittar, muito em breve, tende a defender que a ligação rodoviária entre Santa Rosa do Purus e Manoel Urbano se estenda até Puerto Esperanza, do outro lado da fronteira. Em terras peruanas há projetos semelhantes em andamento. 

Nesta região do Peru, a principal ameaça para a preservação da Floresta Amazônica é o projeto para a construção de uma rodovia entre Puerto Esperanza - vizinha a Santa Rosa do Purus - e Iñapari, cidades no departamento de Madre de Dios. Seu traçado passará por dentro de áreas destinadas aos povos indígenas - incluindo os isolados - mais o Parque Nacional Alto Purus.

Do lado brasileiro, estará muito próximo aos limites das Terras Indígenas Cabeceira do Rio Acre e Mamoadate, mais as unidades de conservação Estação Ecológica do Rio Acre, a Reserva Extrativista Chico Mendes e o Parque Estadual Chandless. Vale ressaltar que do lado peruano essa parte da Floresta Amazônica é bastante impactada pela atividade predatória da extração de madeira, pelo garimpo e pelos cartéis do tráfico de drogas. 

Como se vê, trata-se de um mosaico de áreas protegidas dos dois lados da fronteira que estão em constante ameaça por projetos de infraestrutura que, muito mais do que progresso e desenvolvimento, tendem a provocar devastação ambiental e o fortalecimento de práticas criminosas como o desmatamento, a invasão de terras públicas - incluindo as indígenas - o garimpo e o narcotráfico. 

Procurei o prefeito de Santa Rosa do Purus para falar sobre o assunto, mas não recebi retornos até o momento. 

Passarei a acompanhar mais de perto a situação. 


Entenda mais sobre os impactos dos projetos de infraestrutura na fronteira Brasil-Peru: 


Projetos de infraestrutura e extração predatória ameaçam isolamento de índios na Amazônia


Indígenas isolados que vivem no Peru se refugiam no Brasil 


Cruzeiro do Sul/Pucallpa: uma rodovia de resultados econômicos duvidosos, mas de  danos sociais e ambientais concretos 


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