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terça-feira, 1 de junho de 2021

o progresso da devastação

Bolsonaristas defendem mais uma estrada em região de floresta intacta do Acre


Em preto no mapa, traçado que separa Santa Rosa do Purus de Manoel Urbana, uma das regiões mais preservadas da Amazônia (Divulgação)


Na semana em que o Planeta Terra celebra o seu Dia Mundial do Meio Ambiente, recebo a informação de mais uma empreitada de parlamentares do Acre para tirar do papel outro projeto de infraestrutura com efeitos catastróficos para a preservação da mais importante floresta tropical do mundo: a Amazônia. Trata-se da construção de rodovia entre os municípios de Santa Rosa do Purus e Manoel Urbano, aqui no Acre. Para quem não conhece a região, é uma das mais intocadas pela ação humana justamente por estar inacessível por estradas, além de estar protegida por unidades de conservação e terras indígenas. Ela é cortada por um dos mais importantes rios da Bacia Amazônica, o Purus. 

E como não poderia deixar de ser, o projeto da rodovia tem como padrinho nada mais nada menos do que o senador inimigo público número um do meio ambiente, Márcio Bittar (MDB). Ele é o mesmo que patrocina e atua para tirar do papel outra rodovia com efeitos catastróficos para a Amazônia: a ligação entre as cidades de Cruzeiro do Sul, no Vale do Juruá, e Pucallpa, no Peru. 

Uma estrada que passaria dentro da região com uma das maiores concentrações de biodiversidade do mundo, habitada por comunidades extrativistas, ribeirinhas, indígenas contactados e povos isolados. 

Conforme apurou o blog, o senador Márcio Bittar teria como aliado principal no projeto de seu novo empreendimento da devastação o prefeito de Santa Rosa do Purus, Tamir de Sá, do MDB. O prefeito já teria entrado em contato com funcionários do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para saber como se faz para ter aprovado o projeto da rodovia, A consulta ao órgão se dá pelo fato de seu possível traçado passar por dentro da Floresta Nacional do Purus. Conforme fontes, Tamir de Sá já teria anunciado que nos próximos dias apresentará o projeto da estrada. 

Essa atuação do gestor municipal, obviamente, acontece sob o guarda-chuva do senador Márcio Bittar, que exerce influência sobre as ações tanto do ICMBio quanto do Ibama no Acre. A atual superintendente do Ibama no Acre, Helen de Freitas Cavalcante, advogada ligada aos ruralistas, é uma indicação de Bittar ao ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente). Só para lembrar, Salles é investigado pela Polícia Federal por facilitar o contrabando de madeira da Amazônia para o exterior. 

Conforme o blog apurou, outro parlamentar entusiasta da rodovia é o deputado federal bolsonarista Alan Rick (DEM). Ele tem o domínio político do Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Purus, responsável pela saúde indígena das aldeias na bacia do Purus. 

Santa Rosa do Purus é um entre os quatro municípios do Acre chamados de “isolados” por não terem acesso rodoviário. Só é possível chegar à cidade - de maioria indígena - por avião ou barco subindo o rio Purus a partir de Manoel Urbano.  Ao se construir uma estrada entre os dois municípios, Santa Rosa passaria a estar conectada diretamente com a BR-364 e, assim, com todo o Acre e o Brasil. 

O discurso a favor da rodovia é o mesmo de sempre: de que vai tirar os santarosenses do isolamento, garantindo progresso e desenvolvimento para a região. Este progresso, contudo, tem um alto custo socioambiental, já que as estradas são vetores para impulsionar o desmatamento e a invasão de terras públicas (grilagem) na Amazônia. 

A própria BR-364, entre Sena Madureira e Cruzeiro do Sul, é o exemplo mais recente disso. Desde que sua pavimentação foi concluída, no fim da década passada, o entorno passou a concentrar elevados índices de desmatamento e queimadas nos últimos anos. De 2019 para cá, a região também é alvo frequente de grileiros, que invadem até unidades de conservação.   

Entre os municípios de Santa Rosa do Purus e Manoel Urbano há uma imensa área de Floresta Amazônica intacta. Em voos entre Rio Branco e Santa Rosa do Purus a única paisagem possível de se ver é a de um imenso tapete verde cortado pelos cursos de rios e igarapés. 

Além de unidades de conservação, a região está protegida pela Terra Indígena Alto Rio Purus, formada por aldeias dos povos Huni Kuin e Madijá. Portanto, além do aval do ICMBio e Ibama, a rodovia terá que receber a aprovação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e das próprias comunidades indígenas, o chamando componente indígena dentro do processo de licenciamento ambiental - agora afrouxado pela Câmara dos Deputados.  


Próximo passo: conectar ao Peru 

Defensor da integração econômica sul-americana como é (por essa razão diz querer a estrada entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa),  Márcio Bittar, muito em breve, tende a defender que a ligação rodoviária entre Santa Rosa do Purus e Manoel Urbano se estenda até Puerto Esperanza, do outro lado da fronteira. Em terras peruanas há projetos semelhantes em andamento. 

Nesta região do Peru, a principal ameaça para a preservação da Floresta Amazônica é o projeto para a construção de uma rodovia entre Puerto Esperanza - vizinha a Santa Rosa do Purus - e Iñapari, cidades no departamento de Madre de Dios. Seu traçado passará por dentro de áreas destinadas aos povos indígenas - incluindo os isolados - mais o Parque Nacional Alto Purus.

Do lado brasileiro, estará muito próximo aos limites das Terras Indígenas Cabeceira do Rio Acre e Mamoadate, mais as unidades de conservação Estação Ecológica do Rio Acre, a Reserva Extrativista Chico Mendes e o Parque Estadual Chandless. Vale ressaltar que do lado peruano essa parte da Floresta Amazônica é bastante impactada pela atividade predatória da extração de madeira, pelo garimpo e pelos cartéis do tráfico de drogas. 

Como se vê, trata-se de um mosaico de áreas protegidas dos dois lados da fronteira que estão em constante ameaça por projetos de infraestrutura que, muito mais do que progresso e desenvolvimento, tendem a provocar devastação ambiental e o fortalecimento de práticas criminosas como o desmatamento, a invasão de terras públicas - incluindo as indígenas - o garimpo e o narcotráfico. 

Procurei o prefeito de Santa Rosa do Purus para falar sobre o assunto, mas não recebi retornos até o momento. 

Passarei a acompanhar mais de perto a situação. 


Entenda mais sobre os impactos dos projetos de infraestrutura na fronteira Brasil-Peru: 


Projetos de infraestrutura e extração predatória ameaçam isolamento de índios na Amazônia


Indígenas isolados que vivem no Peru se refugiam no Brasil 


Cruzeiro do Sul/Pucallpa: uma rodovia de resultados econômicos duvidosos, mas de  danos sociais e ambientais concretos 


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