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terça-feira, 2 de março de 2021

crise na fronteira

 Justiça pede explicação ao governo Bolsonaro sobre crise na fronteira do Peru 

 

Magistrado questiona preocupação apenas com economia e logística, em detrimento da questão humanitária (Foto: Alexandre Noronha/Amazônia Real)


O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que esteve na semana passado no Acre e não falou sobre a crise migratória na fronteira com o Peru, tem um prazo de 48 horas para explicar as medidas sobre a assistência e retirada pacífica de ao menos 60 estrangeiros que estão há 15 dias ocupando a ponte binacional entre os dois países. A cobrança ao governo é do juiz Herley da Luz Brasil, da segunda Vara Federal Cível e Criminal de Rio Branco, que não atendeu a um pedido liminar da AGU para desocupação imediata da ponte. O governo federal vai responder por meio da Advocacia Geral da União (AGU),


Mais de 500 imigrantes, sendo a maioria haitianos – muitas mulheres e crianças – protestam, desde o dia 14 de fevereiro, entre as cidades de Assis Brasil, no Acre, e Iñapari, no departamento peruano de Madre de Dios, para atravessar a fronteira dos países e chegar ao México ou aos Estados Unidos e o Canadá. Como acompanhou a reportagem da Amazônia Real, os estrangeiros fogem do Brasil por causa dos efeitos da pandemia do novo coronavírus, que deixou muitos deles desempregados. O governo peruano justifica que sua fronteira está fechada para conter os casos de Covid-19, incluindo com a nova variante brasileira. A medida só gera mais aglomeração do lado da pequena cidade de Assis Brasil, colocando em risco a vida dos imigrantes por conta do colapso no sistema de saúde do Acre com a disparada no número de infectados pela Covid-19.

No recurso que impetrou na Justiça Federal no dia 26 de fevereiro, a AGU pediu autorização para usar força policial para retirar os quase 60 imigrantes que resistem em ficar na ponte binacional Brasil/Peru como forma de chamar a atenção do mundo para o problema vivido por eles.

Em seus pareceres enviados no dia seguinte (27), o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) se manifestaram contrários a se recorrer à policia para a “reintegração de posse”. Procuradores e defensores afirmam que os imigrantes se encontram em situação de vulnerabilidade, necessitando de medidas de assistência humanitária, e que a ocupação da ponte é um direito constitucional de liberdade de reunião e manifestação também assegurado aos estrangeiros.

No despacho, o juiz Herley da Luz Brasil atendeu os pareceres do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU). Luz Brasil afirma que a ação movida pelo governo apresenta muito mais preocupações com os aspectos econômicos e de logística provocados pela interrupção do tráfego na ponte, deixando de apresentar pontos sobre os cuidados que “devem ser tomados com os migrantes em situação de vulnerabilidade, antes, durante e após eventual desocupação”. O juiz ainda determina que a AGU preste esclarecimentos sobre quais esforços foram ou são feitos para resolver a crise migratória.

A primeira manifestação da Justiça Federal sobre a crise migratória na fronteira brasileira foi vista como uma derrota para o governo do presidente Jair Bolsonaro, que queria urgência em seu pedido liminar, com desocupação imediata da ponte. O fim de semana foi de muita apreensão para representantes dos movimentos de defesa dos direitos humanos e dos imigrantes em todo o país. O temor era o de que, a qualquer momento, o juiz Herley da Luz Brasil expedisse uma sentença atendendo ao pedido da AGU, o que poderia ocasionar outra situação de confronto na fronteira.

No dia 16 de fevereiro, os imigrantes já tinham entrado em confronto com a polícia peruana quando forçaram a passagem para o outro lado. Mulheres, crianças e idosos foram recepcionados com violência pelas autoridades do país vizinho. Enquanto a Justiça brasileira poderia se manifestar quanto a uma saída forçada da ponte, os imigrantes realizaram, na manhã desta segunda, uma manifestação pacífica na ponte.

Com cartazes em espanhol, francês e português eles reforçaram o pedido às autoridades peruanas de que querem apenas passar pelo país, e não ficar lá, reivindicando a abertura das fronteiras. Eles voltaram a ficar frente a frente com as forças de segurança do Peru que formam uma barreira para impedir a travessia, mas sem confronto.

Em vídeo gravado no local e enviado à reportagem, um oficial do exército peruano se aproxima e conversa com os imigrantes Nas imagens, o oficial diz que que está ali apenas cumprindo ordens de seu governo central em Lima, e que o fechamento das fronteiras se dá diante da gravidade da pandemia do coronavírus.

“Quero que entendam a posição do Peru de que a fronteira está fechada. Ninguém vai passar. Estamos no pico da Covid. Muitas pessoas morrendo”, disse o oficial, sem se identificar. Ele sugeriu que os imigrantes procurassem a Polícia Federal brasileira para agilizar a documentação de saída e buscar outra rota para sair do Brasil. “Não sei se a Colômbia está aberta”, afirma o oficial.

Muitas cidades do país – incluindo a capital – estão em lockdown há algumas semanas numa tentativa de conter o aumento no caso de infectados e mortos. Com quase 32 milhões de habitantes, o Peru tem 45 mil mortes por Covid-19.


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segunda-feira, 1 de março de 2021

 Com turismo suspenso, indígenas do Acre aguardam imunização para reabrir 


Festival Yawa, do povo Yawanawa: com 20 anos de existência, evento foi interrompido em 2020 pela pandemia (Foto:Governo do Acre/2014)


A vila São Vicente, localizada às margens da BR-364 e distante 82 km da cidade de Tarauacá, no Acre, é o ponto de encontro de pessoas vindas de várias partes do mundo com o desejo de viver a experiência de passar alguns dias numa aldeia indígena da Amazônia. Após uma viagem de até oito horas – às vezes até um dia inteiro – de canoa subindo o rio Gregório, o visitante chega às aldeias do povo Yawanawa para participar dos festivais culturais ou das vivências espirituais. Tais eventos servem não apenas para apresentar o modo de vida ancestral do povo, mas também é uma importante fonte de renda para a sobrevivência das comunidades, além de movimentar toda a economia do entorno.


Mas em 2020, toda a agitação de embarcações subindo e descendo o rio para buscar os turistas foi interrompida por conta da pandemia da Covid-19, que passou a atingir o Brasil quase um ano atrás. Em 17 de março de 2020, a Fundação Nacional do Índio (Funai) emitiu a Portaria 419 proibindo a entrada de não-indígenas nas terras demarcadas, numa forma de evitar a chegada do coronavírus às aldeias.

Assim que a pandemia se revelou extremamente grave, os próprios líderes decidiram suspender as atividades, mesmo sob o risco de cessar uma valiosa fonte de renda. Além de pagarem por um pacote para participarem de festivais ou vivências, os turistas movimentam a economia das aldeias comprando os artesanatos produzidos, em maior parte, pelas mulheres, além dos chás medicinais feitos pelos pajés.

De acordo com o cacique Bira Yawanawa, liderança das aldeias Nova Esperança e Sagrada, no alto rio Gregório, a proibição na entrada dos visitantes resultou em grandes dificuldades econômicas para o seu povo. Apesar de contarem com recursos alimentares dos roçados, da pesca e da floresta, as comunidades indígenas amazônicas necessitam de itens vendidos nos mercados das cidades e que foram incorporados à sua base alimentar, como o óleo de cozinha, o sal e o açúcar. Com a pandemia, também é preciso comprar produtos de higiene, além do combustível para embarcações e geradores de energia.

“Desde abril paramos de receber pessoas. Se não fossem os amigos e irmãos de todo mundo que fazem algumas doações, eu não sei como é que estaríamos sobrevivendo aqui dentro. Eu sei que os outros povos indígenas estão passando mais necessidades do que nós”, diz Bira Yawanawa, em entrevista para a Amazônia Real desde a aldeia Sagrada. Em abril de 2020, os próprios Yawanawa decidiram suspender o turismo de vivência por temer o contágio do coronavírus, sem previsão de reabertura, conforme o cacique à reportagem, na ocasião.

“Não temos recebido nenhum apoio do município, estado ou governo federal. Nós, povos indígenas, somos os mais afetados e os mais abandonados dentro do setor público nacional. É lamentável falar isso, mas é verdade, não posso esconder o que nós vivemos hoje”, diz a liderança do povo Yawanawa.

A aldeia Nova Esperança, na Terra Indígena do Rio Gregório, foi uma das pioneiras no Acre no trabalho de receber turistas, ao organizar o primeiro Festival Yawa, em 2001, encabeçado por Bira Yawanawa.

Nestes 20 anos, o evento dos Yawanawa se tornou um dos mais conhecidos, recebendo pessoas dos mais distintos locais do Brasil e do planeta. Realizado sempre na última semana de outubro, o festival é o momento em que o povo Yawanawa celebra sua ancestralidade por meio dos rituais, cânticos, danças e brincadeiras. 


Reportagem especial na Amazônia Real

Amazônia submersa

 Enchentes deixam cidades inteiras do Acre inundadas 

 

Além de rios, igarapés também transbordaram com excesso de chuvas (Foto: Fabio Pontes)


Moradora de um bairro às margens do rio Acre na capital do estado, Maria Tibúrcio, de 61 anos, sabe como é o drama de ter a casa invadida pelas águas durante os meses de chuva. A Baixada da Habitasa é um dos primeiros bairros a ser atingido pela inundação. Após seis anos de “tranquilidade”, sem inundações, Maria Tibúrcio é um exemplo das pessoas que preferem conviver com a água na porta de casa a ir para um abrigo. “A gente fica preocupada porque não sabemos o tanto de água que vai subir e a gente se preocupa com as coisas que temos. Ainda bem que já está secando”, explica.


Conhecido como La Niña, o fenômeno de águas frias do Oceano Pacífico faz o período de chuvas na Amazônia – o “inverno amazônico” – ser mais severo neste começo de ano. A condição é reforçada por temperaturas acima do normal no Atlântico norte. Essas são as principais causas apontadas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) para explicar precipitações acumuladas de até 100 milímetros (mm) em um único dia em muitas regiões do Acre.

O resultado são 10 das 22 cidades acreanas afetadas pelas enchentes, incluindo a capital Rio Branco. De acordo com dados da Defesa Civil, a estimativa é a de que 127.331 pessoas foram de alguma forma atingidas pelas inundações. A quantidade representa 14% da população acreana. Em Cruzeiro do Sul, segunda maior cidade do estado, o rio Juruá atingiu em 2021 o maior nível histórico, com 14,36 metros, impactando 33 mil dos seus 89 mil habitantes.

Mas o desejo de Maria Tibúrcio ver a água longe de casa ainda levará mais um tempo. As previsões apontam março e abril ainda de muitas chuvas. Apesar da vazante na capital, o rio Acre apresentou elevação nas cabeceiras nos municípios de Assis Brasil e Brasileia, o que influenciará diretamente em Rio Branco nos próximos dias. Caso o nível do rio suba, Maria já tem uma canoa na porta de casa para retirar os móveis. “A canoa é para não depender de ninguém.” A água sobe tão rapidamente que, muitas vezes, a ajuda da Defesa Civil não chega a tempo.

O rio Acre apresentou oscilações significativas em seu volume na capital. Após ter alcançado a marca dos 15,49 metros às 6 horas do último dia 21, baixou para 14,99 metros na primeira medição do dia 25. Já ao meio-dia ele voltou a subir, marcando 15,03 metros. Na tarde deste sábado (27), atingia 13,85 metros, estando um pouco abaixo da cota de transbordamento (14 metros), mas ainda acima da de alerta (13,50 metros).

A cota máxima atingida pelo rio neste ano foi de 15,84 metros. Até o momento, os municípios de Rio Branco e Boca do Acre, no Amazonas, são afetados pelo transbordo do rio. Em março de 2015, o rio Acre chegou à marca dos 18,40 metros, superando o então nível histórico de 1997, de 17,66 metros. Segundo dados do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), as chuvas na parte alta do rio ficaram abaixo da média em fevereiro deste ano. Em Brasileia, a concentração média de chuvas é de 283,20 milímetros; do primeiro dia do mês até sábado, 27, choveu 236 milímetros.

Após a região ter sido afetada, em 2020, por um clima seco que levou estes mesmos rios a níveis críticos de vazante, por conta das águas mais quentes no Atlântico norte, agora o esfriamento do Pacífico provoca um volume elevado de chuvas, com as consequentes inundações. 


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