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quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

O ataque da motosserra (versão 2020)

O ano de 2020 começou quente na questão ambiental amazônica/acreana. Literalmente quente. Nunca antes na história desta Floresta Amazônica que aos poucos vai se transformando num sertão como apoio de nossos atuais representantes políticos, tivemos um janeiro tão quente e seco. Estamos vivendo um “inverno amazônico” com cara de “verão amazônico”. Efeito das mudanças climáticas? Ainda não podemos afirmar.

Mas a temperatura mais alta mesmo esteve no campo político e policial - sendo este último tema de outro artigo nos próximos dias. Na seara política ambiental o início de 2020 foi tomado de surpresa pela reportagem da Folha de São Paulo mostrando que a deputada federal Mara Rocha (PSDB-AC) concretizou sua promessa de apresentar projetos de lei que enfraquecem com a proteção da Amazônia no Acre.

Sua primeira iniciativa é um projeto de lei que rebaixa o Parque Nacional da Serra do Divisor para uma área de proteção ambiental, as APAS. Este rebaixamento deixaria uma das regiões que concentram a maior biodiversidade do mundo a atividades como a pecuária e agricultura de médio e grande portes e a retirada de madeira.

Desde o ano passado o blog vem alertando sobre os riscos de iniciativas legislativas como estas defendidas pela bancada da motosserra no Congresso Nacional liderada por Mara Rocha e o senador Márcio Bittar (MDB), ambos ligados ao que há de mais arcaico no setor rural acreano.

E este texto vai se ater a um vídeo produzido pelo senador bolsonarista como resposta a um produzido pelo ex-senador e ex-governador Jorge Viana (PT), no qual condena a proposta de acabar com o Parque Nacional da Serra do Divisor. Como desconhece a região do Vale do Juruá - onde está a unidade de proteção integral - e boa parte do Acre, Bittar concentrou sua fala à Reserva Extrativista Chico Mendes, área em que seus apoiadores (os grandes fazendeiros) têm muito interesse. 

Márcio Bittar (MDB) em seu vídeo de resposta ao ex-governador Jorge Viana (PT) emite algumas mentiras sobre a Resex Chico Mendes. Primeiro, que quem criou a unidade de conservação federal não foram os petistas. A Resex foi criada em março de 1990 por decreto do então presidente da República José Sarney, do MDB.

Segundo, que as famílias que ali moram estão em situação de miséria. Nestes anos que por ali tenho andado (ao contrário de Bittar frequentemente vou à reserva) nunca encontrei situação de miséria. Os moradores têm suas casas, veículos (carrou e/ou moto) o roçado, o pasto para o boi e, de quebra, a floresta para tirar a castanha e o látex.

Portanto, as famílias da Resex Chico Mendes dispõem de variadas alternativas econômicas, que lhes permitem ter uma certa qualidade de vida. Agora, se para Bittar ser miserável é não ter a mesma fazenda gigante e o gado de que ele era dono até bem pouco tempo atrás em Sena Madureira, então, sim, as famílias vivem na miserabilidade.

Outro blefe é dizer que os governos do PT colocaram dentro da Resex Chico Mendes, “quase que lacradas”. Quanto desconhecimento da história do Acre, senador. Logo o senhor que fez uma Ead em História e foi militante do extinto Partido Comunista Brasileiro, o “partidão”.

A unidade foi criada com as famílias que já estavam dentro da floresta lutando contra a destruição desta mesma floresta por pessoas que, como o senhor e sua família, chegavam ao Acre nas décadas de 1970 e 1980 para colocar boi no lugar da Amazônia.

Ninguém é obrigado a estar  dentro da reserva. Como qualquer cidadão brasileiro, eles têm o direito constitucional de lá saírem quando bem entenderem. Mário Bittar mostrou desconhecimento também com o Parque Nacional da Serra do Divisor - o que não é de estranhar ante suas frequentes ausências do Acre. Apesar de defender que as famílias que lá moram possam desenvolver atividades econômicas para sair de uma possível miséria, ele não soube apontar quais.
 Segundo o senador, “dizem que por lá tem pedras”.

Tanto Márcio Bittar quanto Mara Rocha desconhecem o “Acre profundo”. Fazem parte de uma elite rural que não conhece o modo de vida tradicional dos povos da floresta. Para eles, árvore boa é árvore no chão pegando fogo para virar, depois, virar pasto. E seus mandatos estão voltados justamente neste sentido. 

Márcio Bittar e Mara Rocha não receberam em seus gabinetes para tratar da proposta de reduzir o tamanho da Resex Chico Mendes os pequenos seringueiros, líderes comunitários, presidente de associações, mas os maiores desmatadores e criadores de gado dentro da unidade. Eles não têm a capacidade de dialogar com quem de fato está na base. São obsoletos em criticar uma tal “florestania”, e não têm a capacidade de propor alternativas econômicas sustentáveis para as populações da floresta.

Como se vê, 2020 caminha para ser um ano tão perigoso quanto foi 2019 para a sobrevivência da Amazônia. A sociedade precisa estar atenta a todas as movimentações da bancada da motosserra. 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Notícias desde a Floresta - 2020

Expresso da Floresta (Foto: Fabio Pontes)

Já se passaram 15 dias desde o começo do ano novo, e aqui estou eu voltando a escrever no blog após um curto e merecido tempo de repouso. Afinal de contas, nunca antes na história de minha jovem vida jornalística no Acre houve um ano tão conturbado e crítico na cobertura da questão amazônica.

2019 foi um ano que literalmente pegou fogo aqui pela Amazônia. As coisas não melhoraram porque a tropa de elite foi colocada na floresta - como insistem em destacar alguns veículos de comunicação deste país -, mas porque as chuvas chegaram com tudo e apagou o fogareu.

Por ser gigantesca, na Amazônia brasileira o período de chuvas e seca varia de estado para estado. Enquanto que aqui na porção mais sul (onde está meu estado do Acre) estamos no chamado “inverno amazônico”, em outras partes predomina o Sol e o tempo seco. Portanto, é difícil falar numa previsão de tempo homogênea para toda a região Norte.

Pelas cabeceiras dos rios acreanos (a maioria nascendo no Peru) está caindo muita água. Ainda não houve grandes transbordamentos para desabrigar as famílias - ainda bem. Contudo, as águas vão continuar a cair pelo menos até o início de abril. Daí em diante vai se começar o que chamamos de “verão amazônico”, quando acabam as chuvas e se seguem seis meses de estiagem.

As temperaturas se elevam mais do que de costume, e a umidade do ar despenca dos atuais 88% para perto dos 20%. Estes são os ingredientes perfeitos para transformar a vegetação em um combustível para as queimadas. Como a floresta ainda estará muito úmida entre abril, maio e junho, a fogueira mesmo só vai começar a partir de julho, intensificando-se entre agosto e setembro - os meses mais críticos do “verão amazônico”.

Foi justamente neste período do primeiro ano de governo Jair Bolsonaro que o mundo percebeu que a Amazônia estava pegando fogo havia já algum tempo. Enquanto isso, o presidente da República negava a situação e dizia que ONGs e índios estavam botando fogo na floresta. Somente após muita pressão internacional e ameaças de boicote aos produtos do agronegócio, Bolsonaro decidiu enviar a tropa para apagar o fogo na Amazônia, mostrando ao mundo que fazia algo.

Enquanto isso, seu ministro do Meio Ambiente cumpria as ordens palacianas de destruir as estruturas dos órgãos ambientais, ameaçando e intimidando os servidores de tais instituições, acabando com as fiscalizações para proteger os infratores. Esta mesma desestruturação continua agora em 2020.

Se há alguma dúvida quanto ao ano que começa, esta não é relacionada às políticas ambientais do país, que continuarão a ser destruídas pelo atual governo federal. Também não há dúvidas de que a Amazônia voltará a ser incendiada da mesma forma que em 2019, com o poder público fazendo vista-grossa e – de certa forma – até fomentando.

Diante de todos estes cenários ruins, a única solução é continuarmos alertas aqui pela Amazônia. Desde o interior da floresta manterei o trabalho de escrever notícias sobre o que se passa com a floresta, da mesma forma como foi em 2019: entrando no fogo, percorrendo ramais, estradas de seringa, navegando pelos rios e sobrevoando as copas das árvores.

Para ser bem sincero espero que não vejamos o mesmo cenário de destruição do ano passado, pois os prejuízos são incalculáveis: perda da vida animal e vegetal, a destruição de toda uma biodiversidade. Nós, seres humanos, pagamos respirando um ar poluido, desenvolvendo doenças respiratórias. Infelizmente, diante dos governos que temos, não há como ser tão otimista assim.

Que 2020 possa ser um ano menos ruim do que foi 2019 para a Amazônia brasileira.