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segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Um Amapá em chamas

Amapá tem recorde de queimadas, mas governo diz que Inpe confunde zinco com fogo

FABIO PONTES

Dos estados que compõem a Amazônia Legal, o Amapá é considerado o que mais conserva suas florestas pois registra as menores taxas de desmatamento. Mas nos últimos três anos o uso do fogo nas áreas agrícolas tem provocado números recordes de queimadas descontroladas no período da estação seca, que vai de julho a dezembro.

De 1º. a janeiro a 21 de dezembro o número de focos foi 2.654 contra 2.653 do ano passado, o maior desde que o Programa Queimadas Monitoramento por Satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) entrou em atividade, em 1998.

Mas se compararmos os dados de 1º. a 21 de dezembro deste ano com o mesmo período de 2015, temos um recorde de 491 focos de queimadas contra 269, um aumento de 82,6%. Dezembro é o mês em que geralmente há a redução dos focos de queimadas nesta parte da Amazônia Oriental.

Já no mês de novembro foram detectados 1.161 focos contra 1.300 do ano passado. Os municípios mais atingidos pela fumaça foram Macapá, Mazagão e Oiapoque. Confira os dados aqui.

O coordenador do Programa Queimadas Monitoramento por Satélites do Inpe, Alberto Setzer, disse à Amazônia Real que o aumento das queimadas no Amapá é decorrência de ações indevidas. “É uma situação que acontece em quase todas as regiões do país neste período. É o uso de fogo que vai contra toda a legislação federal, estadual e municipal. As pessoas fazem isso impunemente”, disse o pesquisador.

O gráfico do monitoramento do Inpe consultado pela reportagem indica que nos anos anteriores os focos de queimadas foram menores no Amapá: 975, em 2013, e 1.490, em 2014.

Segundo Setzer, é possível que as condições ambientais no Amapá melhorem a partir de janeiro, com a redução dos focos de queimadas. Mas ele alerta que, em 2017, tudo pode se repetir.

Já o secretário de Meio Ambiente do Amapá, Marcelo Creão, contestou os dados sobre queimadas do Inpe em entrevista à reportagem.

 “Nós ainda temos algumas restrições de números de focos de calor captados, que podem ser algum telhado de zinco em alta temperatura, acima do normal, e isso é contabilizado como foco de queimada [pelo Inpe]. Temos que qualificar estes dados”, afirmou Marcelo Creão.

O secretário do Meio Ambiente do Amapá disse que há “falha” ao se registrar vários pontos de queimadas, quando se trata de apenas um. “Os focos de calor no Amapá sobem muito por conta da Reserva Biológica do Lago Piratuba. Todo ano essa unidade possui um regime de queimadas descontrolada e acaba aparecendo diversos focos de calor, quando, na verdade, é só um dentro da área. Isso faz com que se aumentem os focos no estado”, diz Creão.

O coordenador do monitoramento de queimadas do Inpe, Alberto Setzer, rebateu o secretário Marcelo Creão. Ele negou a informação de que telhas de zinco em elevadas temperaturas possam ser captadas como focos de calor.

“Não faz qualquer sentido essa afirmação. No passado ela foi usada em dois casos: desconhecimento total dos produtos do Programa de Queimadas do Inpe, ou má intenção no sentido de distorcer a realidade do uso do fogo na vegetação”, afirma Setzer.

O coordenador do Programa Queimadas Monitoramente por Satélites explicou que “a única detecção questionável que temos atualmente é de fontes de calor fixas como siderúrgicas e ocasionais como incêndios industriais ou residenciais, pois o sensor VIIRS do novo satélite NPP é mais sensível que os satélites anteriores. De qualquer forma, não é o que ocorre no Amapá.”

A Reserva Biológica do Lago Piratuba citada pelo secretário Marcelo Creão é administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), ligado ao Ministério do Meio Ambiente. A reserva está localizada no extremo leste do Amapá e tem uma área de 392,4 mil hectares predominantemente do bioma Amazônia. A unidade tem sido uma das mais impactadas pelo fogo nos últimos anos, isso mesmo com as dificuldades de acesso e isolamento.

No total, segundo o ICMBio, o estado do Amapá tem uma área protegida de 10,2 milhões de hectares distribuídas em 19 Unidades de Conservação e cinco Terras Indígenas homologadas, o que representa 72% do território sob proteção formal.

A última taxa de desmatamento no Amapá divulgada pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) do Inpe, para o período de 2014 a 2015, caiu 19%: de 31 quilômetros quadrados para 25 quilômetros quadrados.

LEIA A REPORTAGEM COMPLETA AQUI

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Uma Amazônia “endireitada”

O resultado das eleições municipais de 2016 na Amazônia mostrou, mais do que nunca, o vigor das velhas e tradicionais forças políticas da região, costumeiramente chamadas de direita, mas que nunca antes na história deste país foram tão fortalecidas quanto nos governos ditos esquerdistas do PT. É só vermos os casos dos Barbalho, no Pará, e dos Sarney, no Maranhão –e com extensão ao Amapá.

O fato é que, assim como no restante do Brasil, o PSDB saiu como a principal foça política do Norte. Os tucanos estão no poder nos três maiores colégios eleitorais: Manaus, Belém e Porto Velho. Se na Europa a socialdemocracia é definida como um campo político de esquerda ou centro-esquerda, por esta pátria amada ela é definida como de direita e até de extrema-direita.

Portanto, ante o resultado das urnas podemos dizer que a Amazônia “endireitou”. Com exceção do Acre e suas quase duas décadas de vianismo, a esquerda sobreviveu, e com muita folga. Logo mais o Acre mudará de nome e passará a ser a República Federativa do PT, com os irmãos Viana liderando a política local ao velho estilo dos “coronéis de barranco”.

Na Amazônia onde nasceu a ex-seringueira Marina Silva, o único trunfo de sua Rede foi Macapá –com méritos muito mais do prefeito reeleito Clécio Luís e seu grupo liderado pelo senador Randolfe Rodrigues.

Por Boa Vista o conservadorismo direitista também ficou inabalável com a reeleição de Teresa Surita, ex-mulher do eterno senador e líder dos governos (do PT ao PSDB), Romero Jucá.

Ante o “endireitamento” amazônico, os esquerdistas de plantão poderiam dizer que nunca antes a região esteve tão ameaçada com a cobiça desenvolvimentista e progressista da direita –liderada pelo agora presidente (ops, perdão, golpista) Michel Temer.

O fato é que independente de partidos de direita ou de esquerda no Palácio do Planalto, a Amazônia sempre foi cobiçada e alvo da expansão econômica à brasileira. Afinal, foram nos governos petistas que se construíram Belo Monte, Santo Antônio e Jirau. Agora sabemos que Belo Monte também serviu para gerar energia (dinheiro) para o criminoso esquema de pagamento de propina a políticos –de direita e de esquerda.

Portanto, a região sempre é alvo de políticas equivocadas e que resultam em pouco ou nenhum benefício para sua população –seja ela urbana, rural ou florestal. Nossos índios continuam ameaçados mesmo com suas terras asseguradas pela Constituição –território desejado por madeireiros, mineradoras e outros.

Afinal, só a título de informação, foi no governo reacionário e direitista de FHC onde ocorreu o maior número de demarcação de terras indígenas, superando Lula e Dilma.

As forças conservadoras que dominam a Amazônia brasileira desde sua colonização e exploração por meio dos grandes seringalistas e barões da borracha nunca deixaram o poder –uma hora beneficiadas por governos de direita outra de esquerda.

 Portanto, o debate político sobre a região deve estar bem acima deste maniqueísmo entre esquerdismo ou direita. Ao longo das décadas nenhum diferença aconteceu nesta alternância de grupos ideológicos no comando do Estado para a Amazônia.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Bacia alterada

Países da bacia amazônica formam rede para monitorar secas e enchentes

FABIO PONTES, para  AMAZÔNIA REAL  

A presença de um batelão, típica embarcação dos rios da Amazônia, em uma praia próxima à confluência dos rios Negro e Solimões poderia dar a impressão de se tratar de mais um passeio de turistas interessados em conhecer o famoso Encontro das Águas. É partir daquele ponto que nasce o maior rio em extensão do mundo: o Amazonas. Dentro do barco, contudo, estavam pesquisadores das agências reguladoras e de pesquisa sobre águas de sete dos oito países que formam a Bacia Amazônica: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Inglesa, Peru, Suriname e Venezuela.

Muito mais do que simplesmente conhecer o “nascimento” do rio Amazonas, que tem extensão de 6.992,06 quilômetros da nascente no Peru até a foz no Oceano Atlântico, no Pará, os pesquisadores trocaram experiências e aprenderam a usar os equipamentos que passarão a operar em seus países para monitorar de forma rápida e precisa o comportamento dos rios e das chuvas.

Após um susto provocado por uma forte tempestade que atingiu a região e deixou as águas do rio Negro ainda mais escuras ante um céu de nuvens negras, os pesquisadores aprenderam a forma de operar equipamentos que vão ajudar na medição de índices como vazão, profundidade e a qualidade da água dos rios, além dos níveis de precipitação das chuvas.

Apesar da maioria falar o espanhol, na pesquisa não há desigualdade na detenção de tecnologias para estas atividades. O encontro acabou por mostrar a necessidade de cada país da bacia hidrográfica da Amazônia estar preparado para lidar com a mudança climática que tem, na escassez ou abundância de água, uma de suas principais características e desafios.

A cada ano, cidades e comunidades ribeirinhas dos países da Bacia Amazônica são impactadas com estiagem severa (seca) ou enchentes, ambos eventos cada vez mais recorrentes. A antecipação das autoridades a estes comportamentos das chuvas e sua influência na hidrologia dos rios pode amenizar os danos econômicos, sociais e ambientais.

Com um método convencional para saber se o volume de chuvas que atinge as cabeceiras dos rios será capaz de provocar inundações, agora a Bolívia poderá contar com instrumentos que farão esta análise em tempo real.

“Dependemos de uma pessoa num lugar, que tem o dever de fazer as observações e depois elaborar um relato via telefone, isso onde há sinal. Quando não há, usamos rádio de comunicação”, diz Hugo Cutile Capa, diretor do Serviço Nacional de Meteorologia e Hidrologia da Bolívia, no Departamento (estado) de Beni.

Beni é o nome do rio na Bolívia, mas que quando se une ao Mamoré, entrando no território brasileiro, passa a se chamar Madeira, o 17o em extensão no mundo com 3.315 quilômetros, e que banha os estados de Rondônia e Amazonas.

A partir do Projeto Amazonas, liderado pela Agência Nacional de Águas (ANA) brasileira, a Bolívia terá duas miniestações que vão substituir o trabalho artesanal de medição das chuvas e níveis dos rios.

A Bolívia – país mais pobre da América do Sul – é também um dos que mais sofrem com as alterações do clima. Na parte andina e de clima quase desértico, o grande desafio é encontrar água potável. Já na região amazônica há períodos com grandes enchentes e secas.

“Nestes últimos tempos a Bolívia, em sua parte amazônica, precisamente nas bacias dos rios Mamoré e Beni, as partes baixas destas bacias, tem sido bastante impactada. As comunidades ribeirinhas que estão em toda a extensão dos rios estão sendo afetadas nos períodos de chuva. As chuvas intensas têm resultado em inundações”, diz Hugo Cutiles.

De acordo com ele, chuvas intensas e contínuas são registradas nas partes montanhosas destas duas bacias. Todo este volume de água que cai sobre a parte alta acaba por ser “puxada” para baixo e atingir cidades e comunidades ao longo das bacias.

Chamadas por eles de “gateadas”, chuvas que ocorrem de forma lenta, porém de longo prazo, provocam as cheias na Bolívia. “São precipitações que ocorrem de forma lenta, mas que provocam grandes inundações”, explica ele. “Quase toda a população da parte central e norte da Amazônia boliviana está exposta a inundações e grandes secas.”

Toda essa água, lógico, cruza os limites dos países e provoca efeitos além-território. As chuvas que atingem as cabeceiras do Mamoré e Beni chegam ao Brasil. Exemplo mais recente foi a grande enchente de 2014, quando o rio Madeira desabrigou milhares de pessoas em Rondônia e na Bolívia, causando estragos sociais e econômicos nos dois países.

LEIA A REPORTAGEM COMPLETA AQUI 

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Eleições manauaras

Cabelos brancos” e maturidade de Arthur Virgílio podem ter ajudado na reeleição de tucano 


Fotos: Assessoria Candidato 
A vitória de Arthur Virgílio Neto (PSDB), 70 anos, para mais um mandato à frente da Prefeitura de Manaus pode ser explicada pela estratégia usada por seus marqueteiros de apresentá-lo como o mais experiente e preparado para administrar a cidade em meio a uma grave crise econômica por que passa o país, aliada aos problemas estruturais vividos pela capital do Amazonas.

“Enfrentamos uma crise que exigia experiência para enfrenta-la. 2015 e 2016 foram anos difíceis. 2017 e 2018 também serão anos difíceis e que é preciso um prefeito forte e experiente. Eu não deixei a crise matar Manaus. No Estado foi diferente”, disse o tucano, minutos antes de votar neste domingo.

Segundo ele, além da experiência de ter sido prefeito de Manaus por duas vezes (a primeira foi durante a década de 1980), o “dedo de Deus” também o ajudou a administrar a capital do Amazonas em tempos de cofres vazios. “Teve muito do dedo de Deus e da força que Ele me transmitiu.”

Os efeitos mais imediatos da crise foram a queda de receita e de repasses dos governos do Estado e federal para a prefeitura, o que comprometeu os investimentos. Dependente quase que exclusivamente de seu polo industrial, a cidade viu a recessão causar sérios impactos no setor.  Estima-se que somente este ano 30 mil pessoas foram demitidas das fábricas do Polo Industrial de Manaus.

LEIA TAMBÉM NO VALOR: Tucano é reeleito em Manaus 

Como principal oponente o tucano teve o jovem Marcelo Ramos (PR), de 43 anos de idade, e que nunca ocupou um cargo majoritário, tendo sido eleito apenas vereador e deputado estadual. Apesar da derrota, ele saiu como uma das principais lideranças políticas do Estado para as próximas eleições.

Mesmo se apresentando como o “novo” e o candidato da mudança, ele carregou o peso de ter como um de seus apoiadores o governador cassado José Melo (Pros) e ter no palanque velhos caciques da política local.
A pecha de o “candidato do Melo” explorada pela campanha do PSDB contribuiu para desgastar Ramos. Além de denúncias de corrupção nas quais o governo estadual está mergulhado, problemas de gestão em áreas como Saúde e Segurança Pública contribuem para a crescente impopularidade do governador.

Aliado de Melo até aos 45 do segundo tempo, Arthur Virgílio não pensou duas vezes antes de romper a aliança e buscar acordo com seu antigo adversário, o senador Eduardo Braga (PMDB). Descolado do governo e com uma gestão municipal bem avaliada, Arthur Virgílio parece não ter enfrentado dificuldades para a reeleição, isso num eleitorado não muito afeito a dar dois mandatos para prefeitos.

Desde 1997, quando da aprovação da PEC da reeleição, esta é a segunda vez que um gestor da cidade é reeleito. O primeiro foi Alfredo Nascimento (PR), ministro dos governos Lula e Dilma, que patrocinou a campanha de Marcelo Ramos.

Arthur Virgílio é membro de uma família política tradicional do Amazonas e foi eleito prefeito pela primeira vez em 1988. À época, era filiado ao PSB e teve como concorrente direto o ex-governador Gilberto Mestrinho, uma das principais forças políticas do Estado na década de 1980. Em 1989, Virgílio ajudou a organizar a criação do PSDB.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Clima doente


Fiocruz diz que mudança climática compromete saúde da população no Amazonas


FABIO PONTES, para a AMAZÔNIA REAL 


(Foto: Joel Rosa/Amazônia Real/2015)
No estudo “Vulnerabilidade à Mudança do Clima”, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) analisou as doenças contraídas pela população do Amazonas nos períodos de secas e enchentes extremas e as relacionou com as taxas de desmatamento e queimadas nesses períodos no estado, que tem a maior cobertura vegetal da Floresta Amazônica atualmente.

A pesquisa também procurou fazer uma análise de como as pessoas estarão suscetíveis a serem impactadas pelas doenças ante as alterações climáticas (no regime de chuvas e na temperatura) em um cenário futuro entre os anos de 2041 a 2070.

A vazante (também chamada de seca) na bacia do Rio Amazonas e seus afluentes é um fenômeno natural que acontece todos os anos, entre os meses de junho a outubro, assim como a enchente (ou cheia), que ocorre de novembro a maio.

Segundo a pesquisa “Vulnerabilidade à Mudança do Clima”, nos eventos climáticos severos, como estiagem prolongada e altas temperaturas no período da vazante, as doenças de veiculação hídrica abatem mais a população, como a diarreia e a desidratação.

Já no período chuvoso e da enchente no Amazonas, os mosquitos vetores se proliferam aumentando os casos de doenças como dengue, malária e leishmaniose. Outra infecção comum nesta época é da leptospirose, ocasionada pelo contato do homem com água contaminada pela urina do rato e que, se não tratada, pode provocar a morte.

O objetivo do estudo, que foi publicado em setembro,  é subsidiar a implementação do Plano Nacional Brasileiro de Adaptação às Mudanças Climáticas, sob a responsabilidade do governo federal, e orientar as políticas dos governos estaduais visando à proteção da população em seus territórios, diz a Fiocruz.

Júlia Alves Menezes, pesquisadora da Fiocruz em Minas Gerais, e que coordenou os estudos sobre o Amazonas, afirma que para subsidiar o estudo foram utilizadas informações de pesquisas de diferentes instituições, incluindo os componentes ambientais, sociais, demográficos, epidemiológicos e climáticos. Segundo ela, o índice de exposição da população aos impactos da mudança climática global foi composto por um índice de cobertura vegetal e um índice de desastres naturais.

Os dados da cobertura vegetal, continua a pesquisadora, foram retirados do Prodes (Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, sediado em São Paulo. “E levou em conta o percentual de mata nativa que foi desmatada em cada um dos 62 municípios do Amazonas no período pesquisado [2003 a 2015]”, disse Menezes.

A pesquisadora afirma que no índice de desastres naturais o estudo considerou a suscetibilidade do município, o número de pessoas em risco por esse ciclo de fumaça (das queimadas) e também de chuvas da série histórica.

“E para ocorrência [da vulnerabilidade] nós consideramos o desflorestamento, enchentes e incêndios florestais que ocorreram em cada município e o número de mortes por esses eventos”, afirmou Júlia Alves Menezes.

Leia reportagem e estudo completos AQUI 

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Crises vizinhas -e a nossa

Roraima avalia decretar emergência por crise migratória venezuelana 

O governo de Roraima estuda a possibilidade de nas próximas semanas decretar situação de emergência por conta da entrada massiva de venezuelanos que deixam o país por conta da grave crise econômica. As cidade fronteiriças de Roraima têm recebido um grande número de imigrantes em busca de melhores condições de vida, já que na Venezuela falta o essencial para a sobrevivência, como alimentos e remédios.

Em 2016, o número de pedido de entrada no Brasil por venezuelanos superou o registrado nos últimos cinco anos. A estimativa é que mais de 30 mil pessoas já tenham atravessado a fronteira entre os dois países.

 A questão também já preocupa o governo federal. Uma reunião interministerial está marcada para acontecer na próxima semana no Palácio do Planalto. Entre os órgãos que vão participar estão os ministérios da Justiça, Casa Civil, Relações Exteriores, Polícia Federal e Agência Brasileira de Inteligência.

O governo de Suely Campos (PP) ainda não decretou situação de emergência por avaliar que a medida implicará no aumento de imigrantes, já que uma estrutura de acolhimento e suporte com ajuda federal seriam implementadas. Como os demais Estados, Roraima enfrenta dificuldades nas contas públicas por conta da crise brasileira, o que impossibilita o governo de acolher os imigrantes.

Sem previsão de uma trégua política na Venezuela que resulte na melhora da economia, a tendência é que o Brasil continue a receber mais venezuelanos.

Roraima avalia recorrer ao mesmo decreto de calamidade feito pelo Acre em 2013 por conta da crise provocada pela entrada de haitianos no Estado. Integrantes do governo estadual formaram um “gabinete de emergência” que analisa os impactos da questão migratória.

Desde o primeiro semestre, o governo roraimense vem expulsando, com a ajuda da PF, venezuelanos que estavam de forma irregular no Brasil. Somente esta semana 140 tiveram que sair do Brasil.

Sem trabalho, muitos partem para a informalidade, vendendo produtos nos semáforos de Boa Vista. Por conta da proximidade e interligação rodoviária, Manaus também passou a ser um dos destinos dos venezuelanos. A comunidade tem aumentado a cada dia na cidade.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

RDS do Tupé

População tradicional da RDS do Tupé vive conflito ambiental no Amazonas 


FABIO PONTES, para a AMAZÔNIA REAL 



O Amazonas tem grandes extensões de florestas e bons exemplos de que a população tradicional pode sobreviver em áreas protegidas em equilíbrio com a natureza. Mas na unidade de conservação Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Tupé os moradores vivem um conflito ambiental. A indígena da etnia Baré, dona Jeremias de Souza Tavares, 52 anos, é moradora da Comunidade Nossa Senhora do Livramento, que fica dentro da reserva. Mãe de 12 filhos, ela diz que é proibida pela Prefeitura de Manaus de praticar atividades básicas como fazer o roçado para plantar, além  de caçar e pescar para a subsistência da família.

“Eu sou índia da etnia Baré, e quantas vezes você viu índio tocar fogo na floresta? A gente só derruba o que vai usar para o nosso sustento. O terreno não está nem a metade derrubado [de árvores] porque eu aproveito a terra no que posso aproveitar. Tem castanha, pupunha, manga, açaí. Tem tudo de onde eu tiro meu sustento”, afirma Jeremias Tavares.

Considerada um paraíso da biodiversidade amazônica e localizada a menos de 25 quilômetros da área urbana de Manaus, a RDS do Tupé foi criada em 2005 por meio de decreto municipal para amenizar os impactos socioambientais da especulação imobiliária e a exploração ilegal dos recursos naturais em seu interior. Há 11 anos a população tradicional da reserva espera pela regulamentação do plano de manejo, que é o documento que estabelece o zoneamento e as normas de uso e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade de conservação.


Diz o Decreto 8.044 que criou a RDS do Tupé que a Prefeitura de Manaus deve promover na reserva “o desenvolvimento sustentável das populações tradicionais que habitam a área de 11.930 hectares, com prioridade ao combate à pobreza”. Em outro ponto diz que será o plano de manejo que vai definir a “regulamentação das atividades econômicas dentro da reserva”.

O plano de manejo da RDS do Tupé foi elaborado por meio de consultorias contratadas pelo projeto Corredores Ecológicos, com recurso do Ministério do Meio Ambiente. A agência Amazônia Real apurou que a elaboração do plano de manejo foi concluída em 2008, na gestão do ex-prefeito Serafim Corrêa (PSB), que assumiu o cargo em 2005. O documento precisaria da aprovação do Conselho Deliberativo da RDS do Tupé, o que não aconteceu durante a administração do ex-prefeito Amazonino Mendes (PDT) de 2009 a 2012.

Em 2013, assumiu a prefeitura Arthur Virgílio Neto (PSDB). Segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas), atualmente o plano de manejo da RDS do Tupé passa por reformulação.

A previsão, diz a Semmas, é que até o fim do ano a revisão esteja concluída. Isto é, depois das eleições de outubro em que Arthur Virgílio concorre à reeleição.

Entre as atividades que deveriam ser regulamentadas para garantir a sobrevivência da população tradicional estão a caça, a pesca e o roçado, além de ações para o lazer e turismo de base comunitária. A reportagem da Amazônia Real teve acesso ao plano de manejo em vigor. O documento não deixa claro quais atividades econômicas estão permitidas ou vetadas dentro da reserva. Sem as normas um conflito ambiental se intensifica dentro da RDS do Tupé.

Maria Rosanir da Silva Oliveira, 54 anos, é a secretária da Associação da Comunidade Nossa Senhora do Livramento. Em entrevista à reportagem, ela disse que desde 2014 os moradores do Tupé não conseguem fazer as roças para os plantios.

“Temos 30 pedidos para fazer roçado e a Semmas não libera. Não lemos o plano de manejo, nenhum conselheiro tem esse documento. Sem o plano, ficamos impedidos de colocar o nosso roçado, de construir uma casa, fica tudo inviável para nossa subsistência, não podemos fazer nada”, disse.

Segundo a secretária, nas assembleias gerais, onde os 12 conselheiros da reserva que representam as seis comunidades tradicionais se reuniram, a Semmas não apresentou uma solução para concluir as normas do plano de manejo, permanecendo o impasse.

“Nossa última reunião foi no dia 22 de agosto passado. Tivemos uma assembleia geral e fizemos muitas perguntas para o gestor (funcionário da Semmas), mas ele não soube responder. Fico muito triste com tudo isso. Alguém tem que olhar pra gente. Nós somos a população tradicional da reserva, temos a nossa responsabilidade. Não podemos sair daqui para trabalhar em Manaus, onde o transporte é caro, a comida é cara. Nosso meio de vida é aqui. É aqui que temos que viver desta terra, preservando ela”, disse Rosanir Oliveira, que mora no Tupé há 29 anos.


veja a reportagem completa AQUI 

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Disputa Baré

Com segundo turno em Manaus, Virgílio e Ramos vão em busca de eleitores de candidatos derrotados 


FABIO PONTES, para o VALOR 

A definição do novo prefeito de Manaus vai acontecer no segundo turno e terá como protagonistas o atual prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB) e o ex-deputado estadual Marcelo Ramos (PR). O fim da apuração aconteceu às 19h45 (20h45 em Brasília). Com 100% das urnas fechadas, o resultado foi de 35,17% dos votos para Virgílio e de 24,86% para Ramos. O resultado já era projetado pelas pesquisas de intenção de voto divulgadas na semana passada.

Desde o início da campanha os dois vêm brigando pela preferência do eleitorado manauara. Agora, Virgílio e Ramos vão em busca dos votos dos eleitores dos demais sete candidatos que saíram derrotados. A surpresa ficou com o petista José Ricardo, o “homem da Kombi”, como ficou conhecido por fazer a campanha no teto do carro. As pesquisas o apontavam sempre entre 5 a 6% da preferência dos entrevistados.

Ele ultrapassou o ex-prefeito Serafim Corrêa (PSB) e ficou com 10,99% dos votos, na quarta posição. Corrêa (que aparecia em terceiro nas pesquisas) foi ultrapassado pelo deputado federal Silas Câmara (PRB), que ficou na terceira colocação ao receber 11,17% dos votos. O duelo entre o prefeito tucano e seu adversário do PR se concentrará para buscar a maioria desta fatia do eleitorado.

Dos três candidatos, apenas José Ricardo tinha um tom mais duro de críticas ao prefeito Arthur Virgílio, alvo preferencial de todos os concorrentes durante os dois debates na TV promovidos em Manaus. A aliança entre o petista e tucano está. A dúvida é saber até que ponto José Ricardo estaria disposto a apoiar Marcelo Ramos, já que os principais partidos de sua coligação votaram pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

O eleitorado de Silas Câmara é formado por parte das igrejas evangélicas de Manaus. A família do deputado lidera a Assembleia de Deus no Amazonas e detém emissoras de TV e radio voltados para o público evangélico. O fechamento de alianças estará condicionado aos arranjos para 2018. Nos bastidores Silas Câmaras já estaria articulando uma candidatura ao Senado.

A se levar em consideração as pesquisas que analisam a rejeição dos candidatos, Marcelo Ramos pode ser apontado como o favorito para conquistar os eleitores que votaram nos outros candidatos. A rejeição a Arthur Virgílio, segundo pesquisa Ibope/Rede Amazônica (afiliada Rede Globo) do último dia 16 de setembro, era de 19%. Ramos era o menos rejeitado: 8%.

Por outro lado, Arthur Virgílio tinha sua gestão avaliada como ótima ou boa por 41% dos entrevistados. Já para desgastar o concorrente, o prefeito tucano poderá explorar o fato de um de seus principais cabos eleitorais ser o governador cassado José Melo (Pros), que enfrenta momento de desgaste ante a população do Estado por conta do fechamento de unidades de saúde e outros problemas agravados pela crise nas finanças públicas.

Além da escolha de Virgílio e Ramos para uma nova disputa no segundo turno, os eleitores de Manaus também elegeram os seus 41 vereadores da Câmara Municipal.

Leia matéria completa no VALOR ECONÔMICO 

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Águas passadas movem o rio Negro

Impeachment de Dilma consolidou Arthur Virgílio, em Manaus 


FABIO PONTES, para o VALOR 

O petista José Ricardo em sua Kombi (Foto: Assessoria PT)
O processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) influencia de forma direta a disputa pela Prefeitura de Manaus com a reagrupação das principais forças políticas da cidade. A saída do PT do Planalto colocou no mesmo palanque duas lideranças locais que até bem pouco tempo não dividiam o mesmo metro quadrado, e deixou para a esquerda manauara o teto de uma Kombi como único palanque. Isso após por muito pouco, em 2012, embalado pela popularidade de Lula e Dilma, o grupo não sair vitorioso.

O prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB) encontrou no senador e ex-ministro Eduardo Braga (PMDB) o principal aliado. A aliança acontece após o peemedebista ter trabalhado em duas campanhas pela derrota de Virgílio: a primeira, em 2010, pelo Senado e a última pela Prefeitura de Manaus, em 2012.

Então aliado do governo petista, Braga atuou diretamente na campanha da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). A eleição foi disputada voto a voto até o fim do segundo turno, com o tucano saindo vitorioso. Além do PMDB, Grazziotin era apoiada por PP e PSD, partidos que tomaram outros rumos no pós-impeachment.

Passados quatro anos, o tabuleiro político em Manaus mudou. Com o agora governador José Melo (Pros) cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral por corrupção na eleição de 2014 e o governo estadual passando por desgastes por conta da crise nas finanças, Arthur Virgílio se viu obrigado a se afastar de Melo, apagar ranhuras do passado e buscar acordo com Eduardo Braga e o PMDB.

“Eu me aliei ao Eduardo Braga. Os outros serviram ao Eduardo Braga. É diferente. Eu não acho que eu tenho status político maior que o dele, nem ele tem status político maior do que o meu. É a união de duas lideranças que chagaram ao consenso pelo bem de Manaus”, afirma Arthur Virgílio ao Valor.

Segundo o prefeito, a aproximação com o antigo adversário foi uma forma de sua gestão estreitar relações com o governo Michel Temer em busca de recursos. A aliança resultou na indicação do deputado estadual Marcos Rota (PMDB) como vice de Virgílio. Até as vésperas das convenções, Rota se apresentava como pré-candidato a prefeito pelo PMDB. “É o vice dos sonhos”, define o tucano.

Leia matéria completa no Valor

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Amazônia sem cobertura

Reportagem da AlJazeera mostra o trabalho da imprensa brasileira na Amazônia. Entre as personagens entrevistadas está a jornalista Katia Brasil, editora executiva da Amazônia Real.


sábado, 17 de setembro de 2016

Reparação pra valer

Justiça determina que Vale pague indenização a indígenas por exploração de minério 

Assessoria MPF/PA 

O Tribunal Regional Federal da 1º Região ordenou que a mineradora Vale deposite mensalmente R$ 3 milhões para as três aldeias Xikrin afetadas pelo empreendimento Onça Puma, de extração de níquel, na região sudeste do Pará. A decisão atende pedido das associações indígenas Xikrin e teve parecer favorável do Ministério Público Federal no Pará. No mês passado,  os Xikrin e MPF assinaram termo de ajuste de conduta que definiu exatamente como serão aplicados os recursos da compensação ambiental da Onça Puma.

A partir do próximo dia 19 de setembro, de acordo com a decisão do desembargador Antonio Souza Prudente, a Vale terá que depositar mensalmente R$ 1 milhão para cada uma das aldeias Xikrin afetadas pela Onça Puma: O-odjã, Dudjekô e Cateté. Os valores deverão ser repassados até que a Vale cumpra as obrigações de compensação ambiental relativas ao empreendimento, nunca efetivadas.

Para o desembargador, a demora em cumprir as compensações está agravando a situação já precária das comunidades Xikrin atingidas pela Onça Puma. Há, diz ele na decisão, “visível ameaça ao mínimo existencial-ecológico” necessário para a continuidade do grupo indígena do Cateté. Em caso de descumprimento da decisão, a Vale está sujeita a multa diária de R$ 50 mil. A companhia já foi notificada da decisão, porque o Tribunal ordenou a intimação da empresa por fax.

Pelo acordo firmado entre os índios e o MPF, uma parte do dinheiro será convertida em um fundo de investimentos para uso futuro e outra parte para despesas com saúde, projetos produtivos, infraestrutura e monitoramento ambiental. Também serão aplicados valores na administração das associações representativas do povo Xikrin.

Pelo termo de ajuste de conduta, 60% do valor a ser recebido mensalmente vai ser dividido para gasto em cinco atividades: 15% para despesas de rotina da aldeia, 15% para saúde, 15% para aplicação em projetos produtivos e de infraestrutura. Além disso, 10% seriam destinados a projetos de monitoramento ambiental e 5% para a administração de associações. Os outros 40% seriam aplicados em um fundo de investimentos para uso futuro, submetido a um conselho gestor.

Danos - As três aldeias Xikrin da região do Cateté, no sudeste do Pará, entre as cidades de Ourilândia do Norte, Parauapebas e São Félix do Xingu, foram cercadas por quase todos os lados por uma das atividades econômicas mais poluidoras, a mineração. São 14 empreendimentos no total, extraindo cobre, níquel e outros minérios, todos de propriedade da Companhia Vale do Rio Doce, alguns já implantados, outros em implantação. Um dos empreendimentos, de extração e beneficiamento de níquel, chamado Onça Puma, em sete anos de atividade contaminou com metais pesados o rio Cateté e inviabilizou a vida dos cerca de 1300 Xikrin. Casos de má-formação fetal e doenças graves foram comprovados em estudos

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Amazônia incendiada

Fábio Pontes, da Amazônia Real

Querência (MT) – Do alto de uma torre de 36 metros o que se vê são árvores mortas espalhadas pelo chão. Os rastros do fogo ainda são visíveis em alguns troncos. No ambiente sem animais, não há mais vida.

Essa é a imagem de uma área da Fazenda Tanguro, no município de Querência, no noroeste do Mato Grosso, que sofreu uma queimada com o propósito científico para entender quais são os reais impactos ambientais causados pelo fogo num região de transição do Cerrado com a Floresta Amazônica.

O experimento, autorizado pelo órgão ambiental estadual, é desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) da fazenda, que pertence ao Grupo Amaggi, da família do atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP-MT).

Chamado de Projeto Tanguro, o objetivo do experimento com as queimadas, segundo o Ipam, é buscar maneiras de reduzir os impactos da agricultura na Amazônia e avaliar as consequências do fogo na principal fronteira agrícola do país, onde a monocultura da soja avança sobre a floresta.

De acordo com o Monitoramento de Queimadas e Incêndios do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Mato Grosso lidera, em 2016, o ranking dos estados com mais índices de focos de calor. De janeiro a agosto foram 16,5 mil registros pelos satélites. Em seguida estão os estados Pará (com 8.969 focos), Tocantins (com 8.844), Maranhão (7.712), Amazonas (com 6.114) e Rondônia (5.175).

A agência Amazônia Real acompanhou por uma semana os trabalhos dos cientistas do Projeto Tanguro. A fazenda tem ao todo 83 mil hectares. Na parcela de floresta destruída pelas queimadas na área de 1.600 metros quadrados da reserva legal (com 50 mil hectares), os pesquisadores também analisam os efeitos da destruição de áreas naturais sobre a bacia hidrográfica, e como a fauna local pode contribuir para a regeneração do ambiente.

As pesquisas são desenvolvidas desde 2004, quando se iniciou o Projeto Tanguro e a primeira queimada. Elas ocorrem divididas em escala anual e outras a cada três anos. A partir daí são observadas a reação do ecossistema nestes intervalos de tempo distintos. A última delas foi em 2010. Passados seis anos, é possível ver a destruição que o fogo causa à floresta e sua dificuldade em se recuperar.

A queima acompanhada pela reportagem aconteceu a 10 km de distância da área já impactada. Com a presença de pesquisadores, estudantes e jornalistas, as equipes foram divididas entre as parcelas estudadas. O primeiro trabalho é delimitar a área.  Com uso de tremas e marcadores, é delimitado o tamanho.

Em seguida, é feito o cálculo do “combustível” presente na floresta. As folhas e outros tipos de vegetação seca formam o combustível necessário para as labaredas se espalharem. Em sacos de papel são colocadas as folhas para se calcular a presença de umidade –cálculo este feito em laboratório.

A vegetação sem umidade também é chamada de “fonte de ignição”, a partida para o início do fogo. A geógrafa Ane Alencar é pesquisadora do Ipam e coordena a área de Geotecnologia e Monitoramento do instituto. Ela estuda as queimadas na Amazônia. Segundo ela, para os incêndios ocorreram é necessária a junção de três fatores, denominados de “triângulo do fogo”: combustível, condições ambientais e material de ignição.

“Estamos acumulando mais fonte de ignição. Tanto a floresta aberta quanto a de transição estão sofrendo com o fogo, mesmo em áreas mais úmidas”, diz Ane Alencar. Nesta área de transição com o Cerrado a floresta tem o nome de estacional. As árvores apresentam copas menos robustas e alturas mais baixas se comparadas às da Amazônia em sua porção densa, mais ao norte.


Leia a reportagem completa AQUI

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Madeira garimpado

Rondônia quer retomar atividades de garimpo às margens do Madeira 

O Estado de Rondônia quer legalizar o que na prática já ocorre à vista de todos às margens do rio Madeira na região de Porto Velho: a extração de metais preciosos. No último dia 22 de agosto, a Assembleia Legislativa aprovou decreto de lei que tornou inválido outro decreto –este do início da década de 1990 - que proibia a atividade de garimpo entre a cachoeira de Santo Antônio e a divisa com o Amazonas. Em substituição, projeto de lei foi aprovado permitindo e regulamentando o garimpo na região.

Para evitar que garimpeiros invadam essa região em uma nova corrida pelo ouro, o Ministério Público Federal e Estadual em Rondônia emitiram recomendação ao governo e ao Parlamento para que recuem da proposta. Segundo o MPF, os danos ambientais provocados pela atividade ao ambiente seriam incalculáveis, incluindo a contaminação do solo e da água, a destruição da fauna e da flora, mais a degradação das margens do rio Madeira.

A exploração de garimpos em Rondônia ganhou repercussão nacional após o assassinato de 29 garimpeiros, em 2004, por índios Cinta Larga dentro da Reserva Indígena Roosevelt em disputa por jazidas de diamantes. A região às margens do Madeira é cobiçada por conter grande quantidade de metais com valor de mercado.

Segundo o MPF, o Estado não tem a atribuição de regulamentar a atividade por se tratar de questão exclusiva da União, incluindo tanto a mineração quanto a gestão da margem dos rios.

Para o Ministério Público, a retomada da atividade do garimpo na região ocorre em momento inapropriado, já que o rio Madeira está “completamente assoreado e degradado”.  Uma das causas para esta degradação são os impactos causados pelas usinas de Santo Antônio e Jirau. Com os chamados efeitos de remanso, as margens passaram a sofrer com a erosão ante as correntezas mais fortes.

“A atividade minerária é considerada altamente causadora de degradação ambiental, podendo implicar na diminuição da qualidade de vida da população. O despejo de mercúrio no rio Madeira afeta seu leito e os peixes”, diz a promotora Gisele Bleggi.

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Usinas do Madeira


MPF pede cancelamento de licenças da usina de Jirau, em Rondônia 

Da Assessoria MPF/RO 

"Mataram nossos peixes e nossas casas, meio que estão matando a gente. Cada vez mais”, relatou ao Ministério Público Federal (MPF) um pescador da Vila de Abunã, em Porto Velho (RO). Seu depoimento se soma a de vários outros pescadores da região e faz parte de uma Ação Civil Pública movida pelo MPF contra o Ibama, a Energia Sustentável do Brasil (ESBR) - empresa responsável pela hidrelétrica de Jirau – e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Na ação, o MP pede que a Justiça Federal obrigue o Ibama a suspender, cancelar ou não renovar a Licença de Operação 1097/2012, concedida à ESBR, até que a empresa cumpra integralmente as condicionantes do licenciamento ambiental, em especial o item que trata do apoio à atividade pesqueira: pagamento imediato de auxílio financeiro para todas as 53 famílias indicadas em laudo pericial do MPF, em valores iguais aos reassentados que não são pescadores ou, pelo menos, semelhante ao valor correspondente ao seguro-defeso (um salário-mínimo), até que se elabore um estudo detalhado da renda dos pescadores antes da construção dos empreendimentos.

O MP também pede que a ESBR seja condenada a fazer, em até 45 dias, a contar da decisão liminar, um estudo antropológico social para as outras 68 famílias de Abunã, identificando os pescadores das comunidades tradicionais e suas atividades. Os trabalhos devem também ser acompanhados por especialistas (sociólogos, antropólogos, assistentes sociais, etc) indicados pelo Ministério Público e custeados pela Energia Sustentável do Brasil.

Comprovando-se a existência de mais pescadores tradicionais, o MPF pede que a empresa seja condenada a pagar auxílio financeiro a eles. A ESBR ainda pode ser condenada a pagar indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 25 milhões de reais, além de indenização por dano social de R$ 5 milhões.

Outro pedido à Justiça é para que o BNDES seja proibido de fazer repasses financeiros diretos ou indiretos à ESBR em decorrência do financiamento da Hidrelétrica de Jirau enquanto a empresa não der o amparo devido aos pescadores. O investimento do BNDES na Hidrelétrica de Jirau é da ordem de R$ 15,7 bilhões e equivale a 60,8% do investimento total do projeto.

A Justiça poderá estabelecer multa para os casos de descumprimento da futura decisão. O pedido do MP é que a multa seja de R$ 100 mil por dia de descumprimento.

Condicionantes descumpridas - Os autores da ação, os procuradores da República Raphael Bevilaqua e Gisele Bleggi e a promotora de Justiça Aidee Moser, expõem na ação que os pescadores e os órgãos fizeram “inúmeras tentativas extrajudiciais para que a ESBR cumprisse as condicionantes impostas nas licenças concedidas pelo Ibama (Licença Prévia 251/2007, Licença de Instalação 621/2009 e Licença de Operação 1097/2012), sendo totalmente ignorados”.

Na ação, o MP aponta que o próprio Ibama já registrou em parecer e relatório as dificuldades para manutenção da atividade pesqueira após o enchimento do reservatório da Hidrelétrica de Jirau. Laudo pericial do MPF expõe que “a ESBR adota práticas excludentes dos pescadores tradicionais, atuando como agente fomentador de conflitos na região. Os conflitos surgem especialmente da total desorganização social e econômica experimentada após a instalação das Usinas Hidrelétricas”.

Com os impactos sofridos, principalmente pela ausência de peixes, 15 famílias de pescadores tradicionais passaram a viver acampados em local denominado Baixão, próximo ao KM 163 da BR-364, imediações da ponte velha de Mutum Paraná, em fevereiro de 2015. Eles ficavam em barracas de lona, em área com alta incidência de animais peçonhentos e perigosos, sem energia elétrica, sem água potável. O caso foi exibido em reportagem de uma emissora local de televisão.

O MP aponta que os conflitos na região podem ter sido os motivos para o assassinato brutal da pescadora e líder social Nilce de Souza Magalhães (Nicinha). Após sua morte, o grupo do Baixão se dispersou.

Além de usar critérios próprios para definir quem são os pescadores afetados por sua barragem, a Hidrelétrica de Jirau paga, apenas durante três meses, valores entre R$ 200 e R$ 50 para famílias com até três pessoas e R$ 650 para famílias com mais de sete pessoas. Em Abunã, uma região historicamente pesqueira e extrativista, a ESBR afirmou que existiriam somente cinco pescadores aptos ao recebimento de auxílio financeiro.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Amazônia seca

Rio Madeira chega a 2,28 m em Porto Velho; tempo de viagem até Manaus dobra 

O rio Madeira atingiu nesta segunda-feira (15) o nível de 2,28m em Porto Velho. Essa é a marca mais baixa já registrada para o começo de agosto na última década. Neste mesmo período do ano passado, o rio registrava 9,48m. Com o baixo volume, o tempo das viagens entre a capital de Rondônia e Manaus dobrou.

Apesar de as empresas que operam neste trecho terem que reduzir a capacidade de carga transportada, o que resultou em aumento de custo operacional, Manaus e outras cidades do Amazonas ainda não sentem reflexo desta estiagem recorde com desabastecimento ou elevação nos preços dos produtos.

Em média, as embarcações precisaram reduzir em até 30% o volume das cargas para se evitar colisões com os bancos de areia que se formam ao longo do leito. Por conta disso, a Marinha decidiu restringir a navegação destas embarcações em períodos noturnos por conta da dificuldade de visão. Segundo o Sindarma (Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial no Estado do Amazonas), em alguns pontos a navegabilidade está comprometida até mesmo durante o dia.

Com estas dificuldades, o tempo para percorrer o trajeto Porto Velho/Manaus e vice-versa dobrou. Se antes a viagem saindo de Porto Velho até a capital amazonense era de quatro dias, agora se leva até sete. Já no sentido inverso a demora saiu de oito para 15 dias.


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"Temos com aumento do tempo de viagem Manaus a Porto Velho e no sentido oposto, além de uma redução de cargas nas balsas para que as embarcações naveguem com calado mais aliviado, mas ainda não temos desabastecimento e nem aumento de frete. Claro que já temos um aumento do custo da viagem, até em função da redução da capacidade de carga, mas está sendo absorvido pelas empresas de transporte", diz o vice-presidente do Sindarma, Claudomiro Carvalho Filho.

O rio Madeira é um dos principais corredores logísticos do país e integra o Arco Norte. Pela Hidrovia do Madeira há o transporte da produção agrícola, principalmente soja e milho de Mato Grosso e Rondônia, e insumos como combustíveis e fertilizantes, com destino a Porto Velho e Manaus. Além de alimentos e produtos produzidos na Zona Franca de Manaus. Por ele também passa o combustível produzido na Província Petrolífera de Urucu, em Coari (AM), que abastece os Estados do Acre e Rondônia.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Rio de lágrimas

(Foto: Odair Leal)
“Talvez as nossas lágrimas é que possam fazer o correr das águas.” Assim o geógrafo e pesquisador Clodomir Mesquita define aquela que é considerada a pior crise hídrica dos últimos 40 anos no Acre.  Para Mesquita, que nestas quatro décadas estuda a única fonte de abastecimento de água para mais da metade da população acreana, a estiagem severa que afeta o sul da Amazônia é agravada no Estado pela deterioração, ao longo de toda a sua extensão, de sua mata ciliar para o desenvolvimento da pecuária.

O rio tem sua nascente na fronteira com o Peru, com a foz no município de Boca do Acre (AM), quando ele se encontra com o Purus.

No fim de julho último, o rio Acre já tinha atingido a marca do nível mais baixo já registrada desde 1970, quando, em setembro de 2011, ficou em 1,50m. Tal volume foi alcançado em setembro, apontado como o mês final do chamado “verão amazônico” (período de estiagem). Desta vez, o recorde foi batido ainda em julho, quando em agosto e setembro o período de seca vai atingir seu pico nesta parte da Amazônia.

O principal reflexo da crise é o comprometimento do fornecimento de água potável para a população de Rio Branco e outros seis municípios: Assis Brasil, Brasileia, Epitaciolândia, Xapuri e Porto Acre. Na capital a capacidade de captação de água já foi reduzida em 20%.

Em uma das duas estações de tratamento de água (ETA), a captação por torres foi paralisada por o nível estar baixo demais. Já em outra foram instalados flutuantes com bombas para garantir alguma coleta. O reflexo está na redução do volume de água distribuída nos bairros da cidade, com relatos constantes de torneiras vazias.

Para Clodomir Mesquita, todos estes comportamentos extremos do rio são explicados, além da influência natural do clima, pelo impacto da atividade humana em suas margens, e da omissão dos governos em não solucionar o problema do esgoto despejado sem nenhum tipo de tratamento pelos municípios.

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“Tudo o que está acontecendo hoje é em função da estiagem prolongada. Essa estiagem veio mostrando o que o ser humano vem fazendo ao passar desses anos ao longo do rio Acre. Mostrando o grau de impacto que vem se impondo ao rio. Por outro lado, a ausência do poder público é parte definitiva desse processo [de deterioração].”, diz Mesquita, professor da Universidade Federal do Acre (Ufac).

Ele completa: “Existem as secretarias de Meio Ambiente para cuidar das florestas e das águas, e eu falo também orientar o homem. Mas parece que essa orientação não chega aos ribeirinhos e aos extrativistas para usarem com sabedoria estes recursos naturais”.

Como consequência, avalia ele, o rio não tem condições de enfrentar os meses prolongados de estiagem. “Ou seja, ele vai à lona, vai a óbito.” Em 2016 o rio recebeu volume baixo de águas por contas das chuvas aquém do normal para o período chuvoso. A causa para isso foram os efeitos do El Niño. O último fenômeno ganhou dos cientistas o apelido de “Godzilla” por sua forte intensidade provocada pelo aquecimento rápido do Oceano Pacífico, na costa peruana.

Grande parte das margens do rio Acre foi impactada pela pecuária. Onde antes havia floresta foi derrubada para, no lugar, vir a pastagem para o boi. “Hoje ela não é mais uma bacia hidrográfica, passou a ser uma bacia leiteira. Esse progresso não foi conduzido com sabedoria, ele foi feito de qualquer jeito. A mata ciliar foi destruída, quebraram os barrancos com o desmatamento e o rio agora está aterrando”, explica o geógrafo.

Dono de mais de dois milhões de cabeça de gado, o Acre viu a atividade pecuária chegar a seu território entre as décadas de 1970 e 1980. Com a decadência da economia extrativista e a falência dos grandes seringais, o governo militar (1964-1985) adotou no Estado a mesma política desenvolvimentista para toda a Amazônia à época: do “integrar para não entregar”, e da “terra sem homem para homem sem terra”.

Incentivados pelos militares, produtores rurais do Sul e Sueste do país compravam grandes áreas de floresta e a transformavam em pastos.

Além da destruição de áreas de floresta, a invasão dos “paulistas” –como ficaram conhecidos os novos “colonizadores” – causou impactos em rios e igarapés da região. Para a construção dos açudes que serviriam de fonte para o gado das fazendas, cursos d’água foram desviados.

“As águas dos pequenos afluentes e igarapés que serviriam para manter o rio Acre num nível sustentado hoje essa água está sendo desviada para os açudes das fazendas. O rio Acre está perdendo de três a cinco centímetros de água por dia porque não existe mais a contribuição das nascentes. Essas nascentes estão servindo para atender a pecuária e sua cadeia produtiva e esqueceram que na cidade existem os homens, as pessoas”, afirma Clodomir Mesquita.

O geógrafo ainda critica o esgoto de Rio Branco que é despejado in natura no seu único manancial, mesmo com a capital dispondo de três estações de tratamento de esgoto (ETE). “Isso é o maior mal que se faz ao rio, às suas águas. Porque se o rio Acre fosse como o rio Amazonas você ainda amenizaria os impactos porque é um rio largo. O rio Acre, em comparação com o Amazonas, é um riozinho. E nós vemos aquele caldo grosso sendo despejado no rio todos os dias. Isso não tem sentido para quem mora na Amazônia”, diz o geógrafo.

Como medidas para amenizar a destruição completa do rio, o especialista defende, como medidas urgentes, a recuperação de toda a mata ciliar, bem como das nascentes e igarapés hoje usados pelas fazendas e o devido tratamento do esgoto produzido pelas cidades banhadas pelo rio.

Para ele, caso o poder público não adote estas medidas os prognósticos são os piores possíveis. “Eu não vejo perspectivas. Eu vejo que nós vamos chorar nos barrancos do rio Acre. Talvez as nossas lágrimas é que possam fazer o correr das águas. Eu não estou vendo nenhuma ação sendo concreta. Nós não temos água no subsolo e não temos no rio.  Vamos fazer o quê? Morrer no seco, companheiro?”, analisa.

OUTRO LADO
Procurado, o diretor do Departamento de Pavimentação e Saneamento (Depasa), Edvaldo Magalhães, negou que as estações de tratamento de esgoto estejam desativadas. Segundo ele, das quatro ETEs de Rio Branco, três estão em operação. Magalhães afirma que a capital dispõe de outras 70 estações para atender toda a cidade.

”Somos a capital da região Norte que mais trata esgoto. Mais de 60%. É claro que parte deste esgoto continua sendo jogado in natura. Não temos um nível desejado no Brasil de esgotamento. O Acre desenvolve o maior programa de saneamento integrado do Norte do país”, afirma o diretor.

A reportagem procurou a Secretaria de Meio Ambiente para saber quais políticas são desenvolvidas pelo governo para a recuperação das matas ciliares do rio Acre. Até o momento não houve retorno aos questionamentos enviados.

sábado, 6 de agosto de 2016

Seringais privados

Empresa que assumir gerência da fábrica de preservativos terá contrato de R$ 13 milhões para tocar projeto 

(Foto: Agência de Notícias do Acre))
A fábrica estatal de preservativos masculino de Xapuri, a Natex, concebida para ser a única do país a usar látex extraído de seringueiras nativas, caminha para ser o segundo exemplo de fracasso dos projetos econômicos na terra de Chico Mendes, nestas quase duas décadas de governos petistas no Acre. O primeiro foi a indústria de tacos (pisos produzidos a partir da madeira), hoje apenas um grande galpão abandonado e que serve como depósito para os equipamentos deteriorados.

A falta do principal insumo para a produção das camisinhas, o atraso no pagamento dos salários dos funcionários e dos seringueiros que fornecem o látex e a redução da capacidade de operação são os sinais de que a Natex não passa por um bom momento. Sinal mais recente disso foi a aprovação, pela Assembleia Legislativa no último dia 13 de julho, de anteprojeto de lei enviado pelo governo Tião Viana (PT) que a privatiza.

No texto de justificativa da matéria, o governo diz que o modelo de operação industrial do empreendimento não pode ser tocado pelo poder público, mas, sim, pela iniciativa privada. Essa constatação, contudo, só veio após oito anos a Natex vir sendo operada pelo Estado. Idealizada no governo do irmão de Tião Viana, o hoje senador Jorge Viana (PT), a fábrica foi inaugurada em 2008 pelo governador Binho Marques (PT).

Em 10 de maio, Tião Viana recebeu a visita dos diretores da Lemgruber, empresa do Rio de Janeiro que atua na fabricação de luvas cirúrgicas e que conforme o próprio governo estaria disposta a assumir a Natex. À época, Tião Viana defendeu a privatização como “um passo para a evolução da fábrica”. Ao invés do termo privatizar, assessores usam o termo parceira público-privada-comunitária para classificar a transferência do gerenciamento da indústria.

Com o processo de privatização da gestão da fábrica já oficializado com a publicação da lei no “Dário Oficial do Estado”, agora é saber qual empresa vencerá a concorrência para gerenciar os R$ 13,2 milhões do convênio que o Ministério da Saúde pretende renovar com a ainda estatal Natex.

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Localizada na Estrada da Borracha e distante seis quilômetros do centro de Xapuri, a Natex teve todo um apelo midiático-ambiental. Além de sua sede estar no berço da militância política de Chico Mendes, o preservativo é vendido como o único a ter o látex retirado de seringueiras nativas em sua composição, e não apenas de cultivo. Toda a produção da Natex é comprada pelo Ministério da Saúde, que também financiou a construção da fábrica.

Quando da inauguração, o governo disse que foram investidos R$ 31 milhões, sendo R$ 19 milhões do ministério. O restante saiu de recursos próprios do Estado e financiamentos como do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). A privatização da fábrica estatal não foi motivo de surpresa para os moradores de Xapuri. Porém, a desistência do governo Tião Viana no gerenciamento é motivo de preocupação para quem depende dela.

Segundo Dercy Teles, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, todas as tentativas feitas pelo governo de privatizar a já falida fábrica de tacos não deram certo. “Três empresas diferentes tentaram reergue-la, mas todas as tentativas se mostraram inviáveis. Não sei se alguma empresa estará disposta em assumir a Natex”, afirma ela. Para Dercy, a privatização não fará muita diferença na relação entre trabalhadores e fábrica.

“Na verdade, todos os trabalhadores eram terceirizados. Eles trabalham para empresas que venciam licitações para gerenciar essa mão de obra. E isso não funcionou, tanto que há muitas ações tramitando na Justiça do Trabalho. Eu não sei se a privatização vai resolver alguma coisa, porque parcialmente ela já era privatizada.”

Contilnet apurou que oito ações contra a Natex tramitaram no Tribunal Regional do Trabalho da 14º Região (AC e RO) em 2010. Todas já foram julgadas e arquivadas. Desde que empresas terceirizadas passaram a gerenciar a mão de obra, todos os processos trabalhistas passaram a ser contra estas empresas.

De acordo com Dercy, a Natex deixou de comprar o látex extraído da Reserva Chico Mendes. “Eles [seringueiros] estão passando por dificuldades pois a fábrica deixou de comprar o látex desde novembro de 2015. Eles estão passando por dificuldades pois contavam com essa alternativa e, de repente, foi retirado sem nenhuma explicação”, diz.

“Eu posso afirmar que desde o ano passado já não existe látex nativo na produção da fábrica. Está produzindo só com látex de cultivo. Em 2015 a Natex anunciou que não ia mais comprar o látex nativo por falta de recursos e por dificuldades de logísticas”, completa Jurivam Bezerra, 28, funcionário da empresa por seis anos e que se afastou após um acidente de trabalho no qual perdeu o movimento da mão esquerda.

Dercy Teles afirma que a Natex é uma importante alternativa econômica para as comunidades que ainda tentam sobreviver do extrativismo, que tem como produtos principais o látex e a castanha.  Para assegurar a “pureza” de seus preservativos, a direção da indústria sempre declarou que a matéria-prima é composta de 80% de látex natural, e os outros 20% de cultivo.

“Na verdade isso era o inverso. O látex nativo retirado da reserva era apenas um complemento, era a menor parte da matéria-prima. Eles compravam de seringal de cultivo de Rio Branco e outras cidades vizinhas”, afirma Dercy Teles, que esteve com Chico Mendes nos movimentos de resistência à invasão da pecuária no Acre nas décadas de 1970 e 1980.

Para tentar manter o mínimo de látex nativo em estoque, o governo acriano adotou uma política de subsídio para o insumo. O incentivo estadual é de R$ 4,40 por quilo, com a Natex desembolsando mais R$ 3,60. A Natex afirma usar 300 toneladas de látex por ano para a produção de 100 milhões de preservativos. O objetivo inicial era beneficiar 700 seringueiros por meio da compra de sua produção. Até novembro do ano passado a compra era feita de 500.

A Natex também é considerada essencial pela população urbana de Xapuri. Ela gera 170 empregos diretos.  Jurivam Bezerra, mesmo afastado, acompanha de perto a rotina dos colegas que ainda trabalham por lá.

“Há períodos em que os salários chegam a atrasar três meses. Em novembro houve demissões e o pessoal precisou recorrer à Justiça para receber a rescisão”, relata Bezerra. O ex-funcionário afirma que outra luta é para garantir o adicional por insalubridade. “Trabalhamos com produtos químicos, perigosos, mas não recebemos a mais por isso, por colocarmos nossa saúde em risco.”

Outra reclamação de Bezerra é sobre a pressão política que os funcionários sofrem para votar em candidatos apoiados pelo governo petista em períodos eleitorais, tanto para governador quanto prefeito. “Por ser uma fábrica administrada diretamente pelo governo, existe uma pressão muito forte para que todos os funcionários venham a ser aliados do governo. Quando eles percebem que alguém se coloca contra eles perseguem essa pessoa até o ponto de demitir”, revela Bezerra.

Ele afirma que dos 170 servidores que a Natex chegou a ter diretamente, hoje esse número está em 80, com capacidade de operação industrial em 60%.

Sobre a privatização do empreendimento, o ex-funcionário comenta: “O governo, ao abrir mão de gerenciar a fábrica, está jogando fora tudo aquilo que foi pregado lá atrás, de que a fábrica iria melhorar a vida do extrativista e da população de Xapuri como um todo. Não imaginávamos que o governo fosse adotar essa medida, mas de encontrar uma alternativa para passar por essa dificuldade e tentar recuperá-la.”

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Vida melhor

A crise política e econômica na Venezuela que se acirra tem provocado o aumento no número de pessoas que decidem deixar o país e chegam ao Brasil em busca de uma vida melhor. A imigração afeta todas as camadas da sociedade venezuelana, que se vê, a cada dia, sem acesso a itens básicos para sua sobrevivência. Com uma inflação descontrolada e a escassez de produtos nos mercados, as pessoas passam por sérias necessidades.

Até mesmo populações indígenas sentem os efeitos de uma economia arruinada pelo governo de Nicolás Maduro, e buscam refúgio no Brasil. Os Estados de Roraima e Amazonas são os principais destinos dos venezuelanos. Segundo dados da Polícia Federal em Roraima, mais de 500 venezuelanos deram entrada ao pedido de refúgio nos seis primeiros meses de 2016.

Durante todo o ano passado foram 234 solicitações. Boa Vista e Manaus são as cidades mais buscadas. Quem tem uma certa qualificação consegue empregos melhores, como de garçons e atendentes de caixa em supermercados. A grande maioria, contudo, tem recorrido à informalidade, juntando-se aos brasileiros desempregados e imigrantes de outras partes do mundo.

Em Manaus, por exemplo, é comum encontrar venezuelanos pelo centro da cidade vendendo produtos como água mineral e refrigerante. Eles se somam às centenas de haitianos que também tentam a vida na capital amazonense com suas barracas de frutas e verduras no centro antigo.

Assim como os ambulantes locais, eles precisam ter o jogo de cintura para correr e salvar a mercadoria no momento que a fiscalização (os rapa) decide “desobstruir” as calçadas. Para a grande maioria deles, vir para o Brasil e enfrentar situações como essas é a única maneira de conseguir algum dinheiro e enviar para a família que ainda ficou na Venezuela.

Como parte deles está de forma ilegal no Brasil, eles evitam conversar com jornalistas. A cada garrafa de água mineral que vendem a R$ 1 em Manaus, eles convertem para 28 bolivares. Apesar de parecer muito, a inflação acima dos três dígitos na Venezuela corrói o poder de compra da população, afetando, sobretudo, as camadas mais pobres.

terça-feira, 26 de julho de 2016

Opiniões históricas

Família da fazenda Yvu, onde morreu um índio Guarani-Kaiowá, diz que “terra é nossa”

FABIO PONTES 
Amazônia Real 


(Foto: CGV)
Passado um mês do ataque de fazendeiros e homens encapuzados que matou um índio Guarani-Kaiowá e deixou outros seis gravemente feridos em Caarapó, a família que se diz proprietária da fazenda Yvu, onde aconteceu o conflito, quebra o silêncio e fala sobre a iminente ação de reintegração determinada pela Justiça Federal para expulsar os índios da Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá 1, no Mato Grosso do Sul.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) reconheceu que a área da fazenda Yvu está dentro dos limites da Aldeia Tey Kuê, de ocupação tradicional dos índios Guarani-Kaiowá, e disse que está recorrendo da decisão de reintegração de posse.

À Amazônia Real, o advogado especializado em direito ambiental, José Armando Amado, disse que a fazenda Yvu está em nome da sua irmã, Silvana Raquel Cerqueira Amado Buainain, mulher do fazendeiro Nelson Buainain Filho.

Silvana Amado Buainain é a autora da ação de reintegração de posse determinada pelo juiz Jânio Roberto dos Santos, da 2º Vara Federal de Dourados. Ele deu prazo de 20 dias para que a Funai cumpra a sentença sob pena de multa diária no valor de R$ 50 mil, de R$ 1 mil para o presidente nacional da fundação e de R$ 500 para seu representante em Dourados. O prazo acaba na próxima semana.

O advogado José Armando Amado disse que a decisão do juiz Roberto dos Santos foi um “alento” para a família. “Essa decisão é um reconhecimento da Justiça de que aquela terra é nossa, pertence a nossa família. Se o governo quer aumentar a reserva indígena que adote as medidas cabíveis, que são a desapropriação e a indenização.”

Segundo José Armando Amado, a fazenda tem uma área de 482 hectares e foi adquirida pelo seu pai, Sylvio Mendes Amado, em 1961. Na fazenda, conforme o advogado, há criação de gado numa parte e em outra, arrendada, tem cultivo de soja. Ele disse que as 360 cabeças de boi que tinham na propriedade foram retiradas após a ocupação dos índios Guarani-Kaiowá.

Amado contou que, desde que sua família chegou a Caarapó, vinda de Minas Gerais, nunca enfrentou problemas com os índios Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul.

“Até essa invasão [que os Guarani-Kaiowá chamam de retomada] nós nunca tivemos problemas com os índios aqui. Sempre tivemos uma boa conversa com os caciques, meu pai sempre os ajudou. Meu pai sempre dava carona para eles entre a fazenda e Caarapó. Nós não podemos querer corrigir um erro histórico prejudicando só um lado”, afirmou José Armando Amado.
Conforme publicado pela Amazônia Real, o fazendeiro Nelson Buainain Filho, marido de Silvana Amado Buainain, foi apontado pelo Ministério Público Federal por arregimentar pessoas para o ataque aos índios Guarani-Kaiowá, no dia 14 de junho.

Em entrevista, o procurador da República Marco Antônio Delfino de Almeida disse que a nota do Sindicato Rural de Caarapó prova que o próprio proprietário Nelson Buainain Filho arregimentou voluntariamente pessoas para se reunir e retirar os índios da fazenda Yvu.

“Na nota, o sindicato aponta o próprio proprietário [Nelson] como a pessoa que arregimentou voluntariamente pessoas para se reunir e retirar os índios, então isso é um ponto. Obviamente que há muitos vídeos que a comunidade [Guarani-Kaiowá] nos passou. Em depoimentos várias pessoas foram identificadas. Entendemos que há vários elementos ali que permitem que avancemos para identificar as pessoas que deliberaram e conduziram com mais relevância essa ação”, afirmou o procurador.

O Sindicato Rural de Caarapó diz em nota oficial que Nelson Buainain pediu apoio a alguns produtores do município (distante 286 quilômetros de Campo Grande) para “inibir” a presença dos índios Guarani-Kaiowá na fazenda no dia 14 de junho.

“Ao chegar em Caarapó, Nelson pediu apoio a alguns produtores, no intuito os  mobilizarem a ir para sua propriedade – a intenção era inibir a presença dos poucos índios que haviam na fazenda.” disse

No ataque dentro da fazenda Yvu morreu, atingido por dois tiros (um no abdômen e outro no peito), o agente de saúde Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, de 26 anos, da Secretaria Especial de Saúde Indígena de Dourados. A Polícia Federal abriu inquérito para investigar o ataque aos Guarani-Kaiowá, mas não prendeu ninguém pela morte de Souza. A polícia também apura a denúncia de que os índios torturaram três policiais militares durante o conflito.

Os seis feridos no conflito da fazenda Yvu foram Josiel Benites, 12 anos, com um tiro no estômago, Valdilho Garcia, 26, atingido com um tiro no tórax, Jesus de Souza, 29 anos, baleado na barriga, Libésio Marques, 43 anos, que teve ferimentos leves na cabeça, tórax, ombro e barriga, Norivaldo Mendes, 37 anos, atingido por tiro no peito, e Catalina Rodrigues de Souza, 50 anos, que teve o braço atingido de raspão por um dos tiros.

Perguntado sobre o conflito dentro da fazenda Yvu, o advogado José Armando Amado negou que sua família tenha arregimentado pistoleiros para atacar os indígenas, mas não cita o nome do cunhado Nelson Buainain Filho.

“Quando a minha irmã chegou lá [na fazenda Yvu] havia muita gente por lá. Ela foi na casa dela. Nunca teve tiros, nunca teve arma. O pessoal soltou foguete [fogos de artifício]. Minha irmã não usa arma. Não houve tiros dentro da nossa fazenda, os tiros foram dentro da reserva. Não houve tiro nem sangue na nossa fazenda. Agora, quem fez isso ninguém sabe”, disse o advogado.

Amado declarou à reportagem que o procurador da República em Dourados, Marco Antônio Delfino de Almeida, tem que provar que seu cunhado arregimentou pessoas no ataque aos índios.

“O doutor Marco Antônio, antes de se formar em direito e prestar concurso para procurador, ele se formou em antropologia. Ele é antropólogo. Ele já declarou algumas vezes que, antes de ser procurador, ele é antropólogo. Se ele diz que o [Nelson] Buainain  [marido de Silvana] arregimentou, ele tem que provar”, disse o advogado da fazenda Yvu.


O conflito com os Guarani-Kaiowá em Caarapó explodiu um mês depois que a Funai reconheceu a Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá 1, com 55.590 hectares, em 12 de maio, dia em que a presidente Dilma Rousseff (PT) foi afastada do cargo para responder ao processo de impeachment que tramita no Senado Federal.

O processo de regularização da terra indígena ainda precisa passar pela demarcação dos limites e a homologação, a cargo da Presidência da República. Mas os índios estão temerosos com uma possível revisão dos atos no governo do presidente interino Michel Temer (PMDB). Os Guarani-Kaiowá retomaram cerca de nove propriedades, entre fazendas e sítios, que estão dentro do território tradicional da Dourados-Amambaipeguá 1.

Ao ser questionado sobre o reconhecimento da TI Dourados-Amambaipeguá 1 como território Guarani-Kaiowá pela Funai, onde está a área da fazenda Yvu, o advogado diz que “há uma tentativa de se corrigir um erro histórico cometendo outro”.

“Se o governo entende que a sociedade brasileira tem uma dívida para com os índios, nós não podemos cometer um erro para corrigir um erro histórico. Você não pode tirar a terra do produtor rural comprada legitimamente. Nós não podemos querer corrigir um erro histórico prejudicando só um lado. Se o estado quer corrigir um erro do passado que ele próprio fez, que o faça de forma adequada”, defende o advogado José Armando Amado.  

Leia a reportagem completa sobre o conflito com os Guarani-kaiowá 

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Madeira malhada

Em mais uma ação de repressão aos crimes ambientais no Pará, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) apreendeu 3,5 mil metros cúbicos de madeira que teriam sido retirados de forma clandestina de uma terra indígena localizada em Ulianópolis, sudeste do Estado.

A operação foi batizada de Malha Verde. Além da apreensão das toras, o Ibama fechou e multou uma madeireira que vinha beneficiando a madeira. De acordo com os fiscais do órgão, a empresa usava documentos falsos para o transporte e comercialização do material no Pará.

A operação do Ibama ainda flagrou a destruição de 300 hectares de floresta em duas propriedades rurais. A área de mata nativa derrubada serviria para o plantio de soja. As fazendas foram embargadas e seus proprietários multados. O Instituto afirma que toda a madeira apreendida seria suficiente para ser transportada em 175 caminhões.

Essa é mais uma grande operação de combate a crimes contra a floresta realizada em menos de um mês no Pará. A Polícia Federal deflagrou, no primeiro dia de julho, a Operação Rios Voadores, que teve como objetivo a desarticulação de um grupo criminoso que tinha como foco a retirada ilegal de madeiras nobres e a destruição, por meio do fogo, das áreas onde estas árvores eram retiradas.

Segundo as investigações, a quadrilha movimentou quase R$ 2 bilhões com a venda da madeira retirada num período de três anos. Ao todo, mais de 10 mil hectares de floresta foram destruídos no município de Altamira.

“Não há dúvidas de que nós estamos diante da maior organização criminosa que atua promovendo o desmatamento ilegal na Amazônia brasileira”, disse, à época, o delegado Yuri Oliveira durante coletiva de imprensa em Belém.

Além do Pará, a organização atuava em São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. De acordo com a PF, o grupo utilizava de mão de obra de trabalhadores que atuavam em condições análogas à de escravidão.

Os trabalhadores só recebiam os pagamentos após a conclusão dos serviços. Para evitar a detecção do desmatamento pelos satélites, o grupo fazia a retirada de árvores abaixo daquelas de grande copa. Espalhados por vários pontos diferentes da floresta, os acampamentos foram responsáveis por técnicas de derrubada conhecidas como “desmatamento multiponto” ou “desmatamento cupim”.

Após a retirar as árvores e ”limpar” a área com fogo, o grupo plantava capim para usá-la como pastagem para o gado. De acordo com Yuri Oliveira, o total desmatado chegou ao equivalente a 8.000 mil campos de futebol, causando um prejuízo ambiental de R$ 172 milhões

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Efeitos climáticos

A estiagem atípica no Acre neste período do chamado “verão amazônico” preocupa cientistas especializados na área do clima. Para eles, a intensa falta de chuvas pode provocar sérios impactos sociais e econômicos no Estado. É o que analisa o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Conforme as previsões do Cemaden, o volume de chuvas até setembro ficará bem abaixo do já normal para os próximos meses. A situação no Acre ficou agravada por um período chuvoso anormal, quando os níveis de precipitação não atingiram a média do período. A escassez é explicada pelo fenômeno El Niño, o aquecimento das águas do Pacífico, que provoca o desequilíbrio do clima em todo o mundo.

No Brasil, a consequência é menos chuvas no Norte e mais no Sul. “Identificamos a necessidade de acompanhar com análises e previsões o fenômeno de seca no Acre e os seus impactos sociais e econômicos na região. Esses estudos são importantes para fornecerem subsídios na tomada de decisões dos gestores públicos.”, afirma o coordenador-geral de Operações e Modelagens do Cemaden, meteorologista Marcelo Seluchi.

Entre os impactos que podem ser causados pela estiagem mais rígida estão o desabastecimento de água para comunidades rurais –e até urbanas – queda na produção agrícola e animal, mais os riscos de incêndios descontrolados proporcionados por uma vegetação seca.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), dois municípios do Acre estão na lista dos 10 primeiros no ranking de focos de incêndio: Rio Branco, com 18 focos, e Tarauacá, com nove. Estes são dados referentes às primeiras horas desta terça (19). Ainda de acordo com o Inpe, neste primeiro semestre de 2016 o Acre já registrou 279 focos de incêndio; durante todo o ano passado foram 87.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Madeira seco

Com vazante, Marinha restringe navegação no rio Madeira no período da noite 

Abastecimento de combustível para Acre e Rondônia pode ficar comprometido com seca atípica 

O baixo volume do rio Madeira na região de Porto Velho levou a Delegacia Fluvial da Marinha a restringir a navegação das embarcações no período noturno. A medida é uma forma de se evitar acidentes, já que grandes bancos de areias têm se formado com a descida rápida do nível das águas. A pouca quantidade de chuvas que atinge a região Sul da Amazônia desde o início do ano é a principal responsável pelo volume abaixo do normal para o período.

Com a vazante do Madeira, a travessia de balsa na região do Abunã, que interliga o Acre ao restante do País pela BR-364, pode ficar comprometida. Exemplo semelhante a população acreana já passou, quando o abastecimento de alimentos e combustível foi afetado. O volume baixo das águas obriga a redução do peso das balsas, aumentando o tempo de espera da travessia e a fila de veículos à espera da travessia.

Em Rondônia, a Marinha já trabalha com o estado de alerta por conta da vazante. “Já havíamos recomendado para que as embarcações evitassem a navegação noturna. Agora está proibida, porque há trechos em que o rio já está a três metros. E durante o dia é mais fácil navegar porque ainda é possível visualizar. Os bancos de areia costumam mudar de local e, com isso, eles podem aparecer aqui durante o dia, e a noite já ter mudado de local”, explica Carlos Félix, delegado fluvial de Porto Velho, ao site “Rondôniaagora”.

A falta de condições seguras de navegabilidade pode comprometer o abastecimento de combustível para Acre e Rondônia, já que os derivados do petróleo para estes Estados sai da Província Petrolífera de Urucu, no município amazonense de Coari, e chega até Porto Velho pela hidrovia do Madeira. Caso esta navegação de fato seja afetada, o combustível no Acre sairá de refinarias em São Paulo e Mato Grosso.

Quem também depende do bom volume de água no Madeira são as usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônia. As assessorias de imprensa dos consórcios que administram os complexos dizem que elas estão preparadas para operar com a vazante. As usinas afirmam operar, neste período, com um sistema chamado “fio d’água”, que permite o pleno funcionamento das turbinas geradoras de energia tanto em período de seca como de enchente.  

terça-feira, 12 de julho de 2016

Exclusão

Relator da “Lei da Tilápia” liga para governador e tenta impedir ação da polícia ambiental em Manacapuru

FABIO PONTES
ELAIZE FARIAS,  da Amazônia Real 

O relator da polêmica “Lei da Tilápia”, que regulamentou a atividade da aquicultura no Amazonas, deputado Orlando Cidade (PTN), tentou impedir na manhã de domingo (10) uma apreensão de mais de meia tonelada do peixe pirarucu pelo Batalhão Ambiental da Polícia Militar, por estar sendo comercializado sem a devida comprovação de origem e de recolhimento de impostos. Ele pediu, por telefone, a interferência do governador José Melo (Pros) na ação policial em uma feira de Manacapuru, a 80 quilômetros de Manaus.

“Eu sou uma autoridade que nem você [o militar]. Eu vou falar a verdade e vou provar que estou falando a verdade. Fale com ele [Melo] aqui”, ameaçou o parlamentar dizendo aos policiais que estava conversando com o governador. Toda a cena foi filmada por uma testemunha e postada pelo site de notícias Radar Amazônico (o vídeo pode também ser visto aqui).

O deputado Orlando Cidade foi o relator do projeto que regulamentou a legislação do cultivo de peixes exóticos nos rios do Amazonas, a chamada “Lei da Tilápia”. A legislação foi criticada por ambientalistas e pelo Ministério do Meio Ambiente, que pediu a revogação, mas o governador José Melo ainda não atendeu. A criação de peixes exóticos (não-nativos) na bacia hidrográfica pode causar danos irreversíveis ao ecossistema de lagos e rios do estado, segundo especialistas.

A ação do Batalhão Ambiental de combate à pesca ilegal do pirarucu, espécie ameaçada de extinção nos rios da Amazônia, começou por volta das 7h30, em Manacapuru. Sete militares iniciariam uma operação na Feira da Liberdade e apreenderam um total de 588 quilos do pescado. Em uma barraca, eles apreenderam 498 quilos de pirarucu. Aos policiais, o feirante João Monteiro da Silva apresentou três notas fiscais falsas no valor de R$ 12.061,00 emitidas pela Cooperativa dos Piscicultores, Agricultores, Produtores Rurais e Extrativistas (Cooperpeixe, também chamada de Cidade do Pirarucu), empresa “idealizada” pelo deputado Orlando Cidade.

O feirante João Silva foi preso em flagrante por crime ambiental e estelionato, mas passou mal e está internado em um hospital de Manacapuru. Em outra barraca da feira, os militares apreenderam mais 90 quilos de pirarucu. O vendedor Raimundo Nonato Brito de Souza apresentou uma nota fiscal da compra de pirarucu no valor de R$ 5.930,00 e emitida com data de 21 de julho deste ano pela Cooperpeixe. Alertado da irregularidade pela polícia, Souza disse que iria buscar as notas fiscais referentes à compra do produto que estava vendendo no domingo  e fugiu do flagrante, segundo informou o Batalhão Ambiental.

Quem apareceu na feira para explicar a procedência do pescado apreendido foi o deputado Orlando Cidade. Ele tentou usar sua influência política com o governador José Melo para impedir a apreensão do peixe pelos policiais, segundo as associações que representam os policiais do Amazonas.

Testemunhas gravaram imagens de Cidade falando com o governador José Melo ao telefone. O governador, em nota à imprensa, confirmou a conversa com o parlamentar.

“O senhor [José Melo] tem que ver de perto a humilhação, isso é uma humilhação que está acontecendo nesta questão, é uma humilhação”, disse o deputado.

O policial rebateu: “Fale a verdade para ele [ o governador ]”.

Cidade iniciou um bate boca com o policial: “Eu sou uma autoridade que nem você. Eu vou falar a verdade e vou provar que estou falando a verdade. Fale com ele [Melo] aqui”, ameaçou o parlamentar.

O policial denunciou: “A nota fiscal está errada”.

Cidade disse, sem tirar o telefone do ouvido: “Ele está justificando que a nota fiscal está errada, não tem nota fiscal errada. O peixe veio lá da fazenda [da Cooperpeixe], governador! Esse é o nosso único fornecedor, tá entendeu. Eu vim aqui e só me humilhei.”

O policial voltou a interpelar o deputado: “A nota fiscal precisa ser apresentada antecipadamente”.

Orlando Cidade retrucou o militar: “Tu não entende de fiscalização”, e finalizou o telefonema com José Melo dizendo, inclusive, que acordou o governador:

“Mas é isso governador, é que a coisa é ‘gravilíssima’ (sic) aqui em Manacapuru com referência a essa apreensão de peixe lá da nossa piscicultura. Desde que chegou aqui ele [o feirante] é o nosso representante. Era só isso governador. Me desculpe por ter lhe acordado. Amanhã conversaremos melhor” disse o parlamentar.


Em nota, a assessoria de imprensa do governador José Melo negou que tenha ocorrido alguma interferência para interferir na ação do Batalhão Ambiental de apreensão do peixe.

“O governador esclarece que em nenhum momento interferiu no andamento da operação e confia no trabalho dos policiais no uso de suas atribuições para defesa irrestrita do cidadão e do meio ambiente. Quanto à queixa do deputado, esta será apurada junto ao Comando da PM do Amazonas”, diz a nota.

A Amazônia Real não localizou o deputado Orlando Cidade para ele falar a respeito das denúncias do Batalhão Ambiental envolvendo ele e a Cooperpeixe; todas as chamadas feitas para seu celular deram na caixa de mensagem. Sua assessoria de imprensa não emitiu nota. Em declaração ao portal A Crítica nesta segunda-feira (11), o parlamentar afirma que a denúncia se tratou de uma “invenção de blogueiro”, que teria filmado “incentivado pelo Batalhão Ambiental”. Em entrevista, ele afirmou que fez um boletim de ocorrência e representou contra três policiais por desacato, e disse também que as notas fiscais eram legais.


Leia reportagem completa aqui 

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Incêndio florestal

Amazônia deve ter recorde de queimadas

CLAUDIO ANGELO
DO OC

A Amazônia deverá ter neste ano a pior temporada de queimadas de sua história desde o início dos registros, em 2001. A previsão foi divulgada nesta quarta-feira pela Nasa, a agência espacial americana, e pela Universidade da Califórnia em Irvine (EUA).

O risco de incêndios graves é maior do que 90% em todas as dez regiões analisadas, que incluem seis Estados da Amazônia brasileira, a Bolívia e o Peru. O risco mais alto é em Mato Grosso (97%) e no Pará (98%), justamente os Estados tradicionalmente campeões de desmatamento. No Amazonas, onde a floresta queima relativamente menos, o risco neste ano é de 96%.

Análises feitas com auxílio de satélites mostram que a quantidade de água no solo na floresta este ano é a mais baixa desde o início das medições, com 2016 superando 2005 e 2010, anos em que a Amazônia viveu duas de suas piores secas de todos os tempos.

A temporada de queimadas da Amazônia geralmente começa no inverno – o período seco, chamado de “verão” amazônico. O pico de focos de calor ocorre em setembro, com um declínio a partir de novembro, quando começa a estação de chuvas (o “inverno” amazônico).

Em 2016, porém, mesmo os meses de “inverno” já registraram queimadas acima da média. No Amazonas, foram 3.469 focos de calor registrados por satélites em fevereiro, um dos meses mais chuvosos do ano. O recorde para o mês na série histórica foi 250, em 2004. Mesmo em 2015, o ano mais quente da história até aqui, o número de queimadas no Amazonas em fevereiro foi apenas 130.

Em Mato Grosso, foram 2.576 focos em fevereiro de 2016, contra 2.286 do recorde anterior, do ano passado. No Pará, onde fevereiro de 2015 também havia batido recorde para o mês (1.425 focos), em 2016 registrou-se mais do que o dobro disso (3.601). Para as dez regiões avaliadas, a soma do número de focos de calor em fevereiro era mais do que o dobro do recorde anterior, de 2015 (12.974 contra 5.268). Veja todos os dados aqui.
“Nossa expectativa é de que este ano vá bater o recorde”, disse ao OC Douglas Morton, pesquisador do Centro Goddard de Voo Espacial, da Nasa, e um dos responsáveis pela previsão.

O culpado pelo risco neste ano é o El Niño, o aquecimento cíclico das águas do Oceano Pacífico que eleva as temperaturas no mundo inteiro e deixa a Amazônia e o Nordeste mais secos do que o normal. O fenômeno começou em 2015 e ajudou a secar o solo da floresta, enfraquecendo a temporada de chuvas. Seu impacto deverá ser plenamente sentido neste ano.

“Em Santarém, por exemplo, a temporada de queimadas termina em novembro. Mas a do ano passado continuou em 2016 por causa do El Niño”, afirmou o americano, que faz pesquisas no Brasil desde o início da década passada.

Segundo Morton, o padrão de seca observado em 2015-2016, a chamada “anomalia de precipitação”, é muito semelhante ao visto em 1998 (veja imagem abaixo). Naquele ano, um mega-El Niño causou incêndios catastróficos em Roraima e botou as relações entre clima, fogo e floresta no radar dos cientistas.

A suscetibilidade da região a incêndios varia em função da temperatura do oceano – e, neste ano, tanto o Pacífico quanto o Atlântico estão muito quentes. Um Atlântico mais quente desloca o cinturão de chuvas da região equatorial (a chamada Zona de Convergência Intertropical) para o norte, secando a Amazônia e turbinando os furacões na América do Norte.

Morton pondera que ainda existe a possibilidade de que uma mudança brusca na superfície do Atlântico ocorra no segundo semestre e produza chuvas, interrompendo a tendência. Isso aconteceu em 2013.

O modelo de previsão usado pela Nasa e pela Universidade da Califórnia em Irvine não é perfeito, seus criadores esclarecem. Afinal, ele só considera a base física das queimadas. A correspondência entre o modelo e as observações depende, claro, de outro fator: os produtores rurais e madeireiros da Amazônia e a tendência do desmatamento num dado ano.

“A exploração de madeira descontrolada deixa a floresta mais seca e com troncos e folhas mortas, que são altamente inflamáveis. O uso do fogo para limpar as áreas agrícolas e incêndios acidentais em pastos secos chegam às florestas degradadas e se espalham rapidamente. Nos anos mais secos, o fogo se espalha ainda mais, pois as políticas de combate ao desmatamento são insuficientes para lidar com os incêndios”, diz Paulo Barreto, pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).

Hoje não é possível separar essas duas grandes variáveis e atribuir peso a cada uma. Não dá para saber ainda o quanto a agropecuária e a grilagem de terras vão influenciar na taxa final de queimadas. Mas a situação de Mato Grosso, por exemplo, acendeu uma luz amarela nos pesquisadores. “Em 2003, quando Mato Grosso teve sua maior taxa de desmatamento, as queimadas começaram mais cedo”, disse Morton.

“As metas frouxas do Brasil para combate ao desmatamento, o corte de recursos para a área ambiental e fiscalização, associado aos planos do PMDB e aliados para o país – retrocessos na legislação e ameaças de flexibilização ainda maior do Código Florestal – podem pôr ainda mais gasolina nessa fogueira”, disse Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima.