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quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Rio de lágrimas

(Foto: Odair Leal)
“Talvez as nossas lágrimas é que possam fazer o correr das águas.” Assim o geógrafo e pesquisador Clodomir Mesquita define aquela que é considerada a pior crise hídrica dos últimos 40 anos no Acre.  Para Mesquita, que nestas quatro décadas estuda a única fonte de abastecimento de água para mais da metade da população acreana, a estiagem severa que afeta o sul da Amazônia é agravada no Estado pela deterioração, ao longo de toda a sua extensão, de sua mata ciliar para o desenvolvimento da pecuária.

O rio tem sua nascente na fronteira com o Peru, com a foz no município de Boca do Acre (AM), quando ele se encontra com o Purus.

No fim de julho último, o rio Acre já tinha atingido a marca do nível mais baixo já registrada desde 1970, quando, em setembro de 2011, ficou em 1,50m. Tal volume foi alcançado em setembro, apontado como o mês final do chamado “verão amazônico” (período de estiagem). Desta vez, o recorde foi batido ainda em julho, quando em agosto e setembro o período de seca vai atingir seu pico nesta parte da Amazônia.

O principal reflexo da crise é o comprometimento do fornecimento de água potável para a população de Rio Branco e outros seis municípios: Assis Brasil, Brasileia, Epitaciolândia, Xapuri e Porto Acre. Na capital a capacidade de captação de água já foi reduzida em 20%.

Em uma das duas estações de tratamento de água (ETA), a captação por torres foi paralisada por o nível estar baixo demais. Já em outra foram instalados flutuantes com bombas para garantir alguma coleta. O reflexo está na redução do volume de água distribuída nos bairros da cidade, com relatos constantes de torneiras vazias.

Para Clodomir Mesquita, todos estes comportamentos extremos do rio são explicados, além da influência natural do clima, pelo impacto da atividade humana em suas margens, e da omissão dos governos em não solucionar o problema do esgoto despejado sem nenhum tipo de tratamento pelos municípios.

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“Tudo o que está acontecendo hoje é em função da estiagem prolongada. Essa estiagem veio mostrando o que o ser humano vem fazendo ao passar desses anos ao longo do rio Acre. Mostrando o grau de impacto que vem se impondo ao rio. Por outro lado, a ausência do poder público é parte definitiva desse processo [de deterioração].”, diz Mesquita, professor da Universidade Federal do Acre (Ufac).

Ele completa: “Existem as secretarias de Meio Ambiente para cuidar das florestas e das águas, e eu falo também orientar o homem. Mas parece que essa orientação não chega aos ribeirinhos e aos extrativistas para usarem com sabedoria estes recursos naturais”.

Como consequência, avalia ele, o rio não tem condições de enfrentar os meses prolongados de estiagem. “Ou seja, ele vai à lona, vai a óbito.” Em 2016 o rio recebeu volume baixo de águas por contas das chuvas aquém do normal para o período chuvoso. A causa para isso foram os efeitos do El Niño. O último fenômeno ganhou dos cientistas o apelido de “Godzilla” por sua forte intensidade provocada pelo aquecimento rápido do Oceano Pacífico, na costa peruana.

Grande parte das margens do rio Acre foi impactada pela pecuária. Onde antes havia floresta foi derrubada para, no lugar, vir a pastagem para o boi. “Hoje ela não é mais uma bacia hidrográfica, passou a ser uma bacia leiteira. Esse progresso não foi conduzido com sabedoria, ele foi feito de qualquer jeito. A mata ciliar foi destruída, quebraram os barrancos com o desmatamento e o rio agora está aterrando”, explica o geógrafo.

Dono de mais de dois milhões de cabeça de gado, o Acre viu a atividade pecuária chegar a seu território entre as décadas de 1970 e 1980. Com a decadência da economia extrativista e a falência dos grandes seringais, o governo militar (1964-1985) adotou no Estado a mesma política desenvolvimentista para toda a Amazônia à época: do “integrar para não entregar”, e da “terra sem homem para homem sem terra”.

Incentivados pelos militares, produtores rurais do Sul e Sueste do país compravam grandes áreas de floresta e a transformavam em pastos.

Além da destruição de áreas de floresta, a invasão dos “paulistas” –como ficaram conhecidos os novos “colonizadores” – causou impactos em rios e igarapés da região. Para a construção dos açudes que serviriam de fonte para o gado das fazendas, cursos d’água foram desviados.

“As águas dos pequenos afluentes e igarapés que serviriam para manter o rio Acre num nível sustentado hoje essa água está sendo desviada para os açudes das fazendas. O rio Acre está perdendo de três a cinco centímetros de água por dia porque não existe mais a contribuição das nascentes. Essas nascentes estão servindo para atender a pecuária e sua cadeia produtiva e esqueceram que na cidade existem os homens, as pessoas”, afirma Clodomir Mesquita.

O geógrafo ainda critica o esgoto de Rio Branco que é despejado in natura no seu único manancial, mesmo com a capital dispondo de três estações de tratamento de esgoto (ETE). “Isso é o maior mal que se faz ao rio, às suas águas. Porque se o rio Acre fosse como o rio Amazonas você ainda amenizaria os impactos porque é um rio largo. O rio Acre, em comparação com o Amazonas, é um riozinho. E nós vemos aquele caldo grosso sendo despejado no rio todos os dias. Isso não tem sentido para quem mora na Amazônia”, diz o geógrafo.

Como medidas para amenizar a destruição completa do rio, o especialista defende, como medidas urgentes, a recuperação de toda a mata ciliar, bem como das nascentes e igarapés hoje usados pelas fazendas e o devido tratamento do esgoto produzido pelas cidades banhadas pelo rio.

Para ele, caso o poder público não adote estas medidas os prognósticos são os piores possíveis. “Eu não vejo perspectivas. Eu vejo que nós vamos chorar nos barrancos do rio Acre. Talvez as nossas lágrimas é que possam fazer o correr das águas. Eu não estou vendo nenhuma ação sendo concreta. Nós não temos água no subsolo e não temos no rio.  Vamos fazer o quê? Morrer no seco, companheiro?”, analisa.

OUTRO LADO
Procurado, o diretor do Departamento de Pavimentação e Saneamento (Depasa), Edvaldo Magalhães, negou que as estações de tratamento de esgoto estejam desativadas. Segundo ele, das quatro ETEs de Rio Branco, três estão em operação. Magalhães afirma que a capital dispõe de outras 70 estações para atender toda a cidade.

”Somos a capital da região Norte que mais trata esgoto. Mais de 60%. É claro que parte deste esgoto continua sendo jogado in natura. Não temos um nível desejado no Brasil de esgotamento. O Acre desenvolve o maior programa de saneamento integrado do Norte do país”, afirma o diretor.

A reportagem procurou a Secretaria de Meio Ambiente para saber quais políticas são desenvolvidas pelo governo para a recuperação das matas ciliares do rio Acre. Até o momento não houve retorno aos questionamentos enviados.

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