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quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Chico vive

 O ICMBio não expressa a herança de Chico Mendes, diz Mary Allegretti

Em entrevista ao ((o))eco a antropóloga, que esteve ao lado do seringueiro durante sua luta e ainda atua pela floresta, defende uma ampla reformulação da autarquia para melhor representar o legado de Chico Mendes, assassinado há 34 anos

 

A antropóloga Mary Allegretti, em Xapuri (Foto: Marcelo Dagnoni)

A antropóloga Mary Allegretti é tida como uma das mais importantes influenciadoras intelectuais de Chico Mendes na luta dos seringueiros do Acre na defesa da manutenção da floresta em pé, durante a década de 1980. Ela viveu de perto, dentro dos seringais, toda a luta de resistência da política da ditadura militar de transformar a Amazônia em fazendas para o gado. Um dos legados desta luta foi a criação das reservas extrativistas que uniram a conservação da natureza ao modo de vida dos povos da floresta.


Graças ao engajamento de Chico Mendes, existem no país 96 reservas extrativistas, segundo o CNUC (Cadastro Nacional de Unidades de Conservação), mantido pelo Ministério do Meio Ambiente. Juntas, elas abrangem uma área de cerca de 15,7 milhões de hectares.

Durante a Semana Chico Mendes (de 15 a 22 de dezembro) Mary Allegretti, que também colaborou com o governo de transição de Luiz Inácio Lula da Silva, esteve por Rio Branco e Xapuri, onde conversou com ((o))eco. Nesta quinta-feira, 22, completam-se 34 anos do assassinato do líder seringueiro em sua casa, quando este se consolidou como uma das primeiras vozes a sair da Amazônia para o mundo em defesa da floresta.

Foi Chico Mendes quem provou  aos bancos internacionais a relação direta entre o desmatamento e os projetos de infraestrutura, ele também foi responsável pela criação de um novo modelo de ocupação da floresta.  Mas, sua morte prematura fez com que grande parte dos entraves permanecesse e sua história fosse aos poucos apagada por quem prega um modelo desenvolvimentista da Amazônia, como o que prevaleceu no governo do presidente não reeleito, Jair Bolsonaro (PL).

Os últimos quatro anos foram os de maiores retrocessos nessa política de proteção da floresta, com as próprias unidades de conservação não passando incólumes pela devastação. Para Allegretti, a reconstrução da política ambiental do país vai além de reestruturar órgãos do setor, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio. Ela prega que precisamos reviver os ideais defendidos pelo seringueiro, que promovia a união dos povos da floresta e a valorização do seu viver, e integrar os jovens a essa proposta.

No caso específico do ICMBio, ela afirma, ser necessária uma redefinição ou recuperação quase existencial do propósito de criação do instituto, herança de Marina Silva – outra parceira de Chico nas lutas em defesa da floresta – em sua passagem pelo Ministério do Meio Ambiente durante o primeiro mandato de Lula (2003-2010).

“O ICMBio perdeu, e talvez já fosse muito fraco isso antes, a identidade que o nome de Chico dá ao órgão. Ele perdeu, então ele não expressa a herança que o Chico deixou. O Instituto é muito mais a parte da conservação da biodiversidade do que a parte Chico Mendes.”, diz Allegretti. 

 

((o))eco: Na década de 1980 você e outros intelectuais estiveram ao lado de Chico Mendes o auxiliando em sua luta de defesa e manutenção da floresta em pé. Desde então, já são 40 anos dessa história de resistência. O que temos hoje como resultado dessa mobilização em defesa da floresta feita por quem vive na e da floresta?

Allegretti: Eu me surpreendo ainda hoje quando me dou conta de que uma ideia que surgiu na floresta por seringueiros tenha tido a força de se tornar uma política pública de tal dimensão que nem os moradores e nem a gente percebe a importância desta iniciativa. Mesmo durante este período crítico dos últimos anos os moradores das reservas se mantiveram em condições muito boas, e voltaram a priorizar a própria sustentação, não ficar dependentes de produtos externos e reforçar a autonomia foi surpreendente porque o número de impactados pela Covid foi muito baixo, então houve uma resiliência. Foi um teste de perceber que este modo de vida tem sua sustentação própria. E este é um elemento chave. Se não tivesse, também não permaneceria em uma área onde durante quatro anos não aconteceu nenhuma política, e no caso da Resex Chico Mendes e várias outras, que ainda sofrem com as invasões. Então a capacidade de permanência como uma proposta concreta na Amazônia é muito forte. Isso é surpreendente, acho que é um fenômeno sociológico porque já não seria possível. 


Leia a entrevista completa no portal ((o)) eco

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

retomadas

Desintrusão de garimpos na TI Yanomami é o primeiro desafio de Lula na Amazônia


Vazamento de operação federal por coronel da PM mostra alinhamento da classe política bolsonarista de Roraima com a atividade clandestina do garimpo dentro do território indígena

Os Yanomami na base de Surucucu, Roraima (Foto: Fernando Frazão/AB)

 

A retirada de ao menos 20 mil pessoas da Terra Indígena (TI) Yanomami que exploram direta e indiretamente a atividade garimpeira se apresenta como um dos principais e maiores desafios do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em sua política de reconstrução da agenda ambiental e indígena do país. Durante os quatro anos de Jair Bolsonaro (PL) na cadeira de presidente, o garimpo avançou de forma descontrolada em toda a Amazônia, com a TI Yanomami, entre Roraima e Amazonas, sendo uma das áreas mais impactadas.  

Com o governo de Roraima permanecendo sob o controle de políticos bolsonaristas simpáticos à causa garimpeira, a missão de devolver o território ao pleno controle dos Yanomami e de outros povos que nele vivem – além do próprio Estado em si – apresenta-se ainda mais desafiador. A denúncia do vazamento da realização de operação de retirada dos garimpeiros, feita pelo secretário de Segurança Pública de Roraima, o coronel da PM Edison Prola, mostra a encrenca política do governo Lula na região amazônica.

Para as entidades indígenas de Roraima, ao antecipar a realização de uma grande operação na TI Yanomami, em janeiro, entre as Forças Armadas, Polícia Federal e Ibama, o secretário de Segurança acabou com todos os fatores do efeito surpresa que ela ocasiona. Informados sobre as pretensões de retomada do território pelo governo, garimpeiros estarão preparados para receber os agentes, criando a possibilidade de graves confrontos com os agentes.

Dentro da Ti Yanomami há a denúncia de que “soldados” de uma das maiores facções criminosas do país operaria na logística do garimpo, incluindo os serviços de “segurança privada”,  com o uso de armas de uso restrito. O vazamento da operação também deixa os indígenas ainda mais expostos à violência dos garimpeiros. Entre 2020 e 2021 várias foram as denúncias de ataques a tiros às aldeias da TI Yanomami como represália às denúncias de atuação do garimpo.

Também na semana passada, o Greenpeace divulgou resultados sobre uma atividade de fiscalização aérea do território. Na ocasião, foi confirmada a abertura de uma estrada de pelo menos 150 km de extensão para facilitar a logística do garimpo, em especial para o tráfego de maquinário pesado. No sobrevoo, foram avistadas quatro escavadeiras hidráulicas no entorno da estrada clandestina. A presença deste tipo de maquinário mostra o poder financeiro da atividade garimpeira dentro de uma terra indígena, que, em tese, deveria ser protegida pelo Estado brasileiro.  

Durante a campanha eleitoral de 2022, ao colocar a retomada da política de proteção da Amazônia como uma de suas principais promessas, o agora presidente eleito e diplomado afirmou que atividades ilegais dentro da região, com ênfase no garimpo, teriam tolerância zero e seriam combatidas de forma dura. 

Para também recuperar a política indigenista do país (ante a desestruturação promovida pelo governo Bolsonaro na Fundação Nacional do Índio), Lula prometeu a criação do Ministério dos Povos Originários, a ser chefiado por um indígena. Até o presente momento, o nome do futuro ministro não foi anunciado.

O vazamento da operação na TI Yanomami mostra como se dará a correlação de forças entre o governo Lula e os governadores bolsonaristas reeleitos na Amazônia Legal, incluindo Antônio Denarium (PP), de Roraima.

Em seus primeiros quatro anos à frente do governo de Roraima, o empresário Antônio Denarium, sancionou dois projetos de lei que tinham como objetivo garantir certo aspecto de legalidade à atividade garimpeira, que tem entre as populações indígenas do estado as mais impactadas pelos danos sociais e ambientais que provoca.  

Tanto nas eleições de 2018 quanto na de 2022, Roraima se consolidou como um dos estados do país mais fiéis ao bolsonarismo. No segundo turno deste ano, por exemplo, Bolsonaro obteve 76% dos votos válidos.


Reportagem feita para o portal ((o)) eco

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

sem conciliação

ICMBio e Ibama são processados por omissão na proteção da Resex Chico Mendes

 

A ação ainda requer o pagamento de indenização por danos morais coletivos para reparar os estragos ambientais causados 

 

Resex Chico Mendes: devastação recorde nos últimos 4 anos (Foto: Alexandre Noronha)

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) passaram a responder, na Justiça Federal do Acre, a uma Ação Civil Pública (ACP) por crime de omissão em suas tarefas institucionais de garantir a integridade da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes. Desde a chegada de Jair Bolsonaro (PL) à presidência da República, em 2019, a unidade de conservação (UC) teve desmatada uma área de 305 km2.


Com o desmonte e o aparelhamento militar dos dois órgãos pelo governo que se finda, a Resex Chico Mendes – assim como as demais UCs federais – ficou escancarada para a prática de crimes ambientais, sendo a grilagem a mais intensa. A venda de lotes das chamadas “colocações” pelos próprios moradores da reserva representa hoje a principal ameaça para a preservação da Resex Chico Mendes, além da pressão da agropecuária no entorno.

A chegada dos invasores (oriundos em maior número do vizinho estado de Rondônia) sem o perfil extrativista contribui para o aumento do desmatamento. As áreas de floresta derrubadas são transformadas em pasto para o gado. Fazendeiros vizinhos também arrendam áreas dentro da unidade de conservação para deixar o gado.

Há relatos que os próprios pecuaristas financiam a abertura de pastos no interior da reserva. Com a desestruturação do ICMBio e Ibama pelo governo Bolsonaro, as fiscalizações foram praticamente extintas. Além das denúncias de assédio aos agentes do Instituto, o corte de recursos inviabilizou as operações em campo.

Em novembro de 2019, um grupo de moradores infratores que já respondem a processo de desintrusão, acompanhados de parlamentares da bancada federal do Acre, estiveram reunidos com o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pedindo o fim das operações do ICMBio na UC. O pedido foi atendido. Desde então, a Resex Chico Mendes disparou nos registros de desmatamento e queimadas.

A ACP movida contra a União – representada pelo ICMBio e Ibama – foi movida a partir de trabalho conjunto entre o Comitê Chico Mendes e o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA). O desenvolvimento da ação foi conduzido pelo advogado Genésio Felipe de Natividade, que já na década de 1980 atuou como  consultor jurídico de Chico Mendes em suas lutas junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, contra a política da ditadura militar de transformar a Amazônia em pasto para a pecuária.

“A ação é uma questão bem técnica porque você tem que demonstrar ao juiz a importância e o efeito dessa ação, e mostrar os danos que estão ocorrendo. Por isso, contratamos um especialista na área ambiental, que fez um laudo para subsidiar a ação. É um laudo técnico  Ele dá uma explicação científica. Nós temos que ligar a questão ambiental com a vida, com a água, com a questão urbana”, explica Natividade.  

“A ação tem o objetivo de recuperar o que foi danificado, garantir que lá na frente tenha recursos  do orçamento para proteger a Resex, garantir a viabilidade econômica para as pessoas que moram lá.”

“Há um pedido para condenar esses órgãos ambientais e a União. O pagamento de indenização por danos materiais e danos morais coletivos porque há um dano coletivo. Cada brasileiro, cada cidadão, está sendo afetado por essa omissão”, completa o advogado.

O pedido de indenização é no valor de R$ 283 milhões pelos danos ambientais causados. A ACP já foi aceita pela Justiça Federal e teve parecer favorável do Ministério Público Federal.

A antropóloga Mary Allegretti, presidente do IEA  e uma das influenciadoras intelectuais de Chico Mendes em seus movimentos em defesa da floresta na década de 80, foi quem acionou Genésio Natividade para buscar  uma solução jurídica para conter o atual quadro de devastação da reserva. Por sua vez, Allegretti foi procurada por Ângela Mendes, filha de Chico e coordenadora do Comitê Chico Mendes, para buscar uma solução.

“Com isso a gente está demonstrando que não é possível deixar as resex, que são uma iniciativa muito importante na proteção da Amazônia, desprotegidas. Imagine se hoje não existissem as resex. São 25 milhões de hectares, juntos com as Reservas de Desenvolvimento Sustentável. O que seria da Amazônia sem essas comunidades protegendo esse território? As pessoas estavam todas nas periferias das cidades e esse território imenso já teria sido abandonado e estaria no chão”, diz Allegretti ao ((o))eco.  

“É muito importante a gente resgatar a importância das resex. Elas foram motivo de ataques neste último governo. Vai ser muito difícil recuperar isso rapidamente.” A ACP movida pelo IEA será debatida e apresentada junto aos moradores da Resex Chico Mendes, em Xapuri, durante a Semana Chico Mendes 2022, que acontece entre 15 e 22 de dezembro.

 

Reportagem produzida para ((o)) eco

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

dias de luta

Em meio a mudanças políticas e avanço do desmatamento, Semana Chico Mendes acontece no Acre 

 

Os últimos 4 anos se consolidaram como os mais devastadores para a reserva extrativista idealizada por líder seringueiro; posse de Lula pode conter avanço da pecuária e grilagem 

 

Seringueiro na extração do látex na Resex Chico Mendes (Foto:Secom/AC)

 

Após quatro anos de uma política ambiental desastrosa para o país conduzida pelo governo Jair Bolsonaro (PL), com a Amazônia sendo o bioma mais afetado, lideranças ambientais e indígenas da região se preparam para a Semana Chico Mendes edição 2022, o último do capitão reformado na cadeira de presidente. O evento acontece num dos mais importantes momentos políticos do Brasil, por conta da transição de governo, Após um pleito eleitoral acirrado,  o petista Luiz Inácio Lula da Silva retorna ao Palácio do Planalto prometendo colocar a questão ambiental e amazônica como prioridades de sua terceira gestão como presidente. 

Lula, aliás, foi amigo de Chico Mendes nas lutas de resistência do líder seringueiro na resistência contra a devastação  da Amazônia promovida pela ditadura militar (1964-1985). Mesmo com o governo do Acre – e a maioria dos estados da Amazônia Legal – dominado pelos setores ligados a uma agenda antiambiental e associados aos interesses  locais do agronegócio – a saída de Jair Bolsonaro da Presidência da República já é vista como a grande esperança para a reconstrução da agenda ambiental.

Nos últimos quatro anos, a Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes esteve entre as unidades de conservação  da Amazônia mais impactadas pela agenda de desmonte da política bolsonarista para o meio ambiente. A desestruturação dos órgãos de fiscalização, em especial do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), contribuiu para que nem mesmo as áreas protegidas da região ficassem livres da estratégia de deixar a “boiada passar”.

As pressões políticas locais agravaram a situação. A apresentação do Projeto de Lei 6024, pela deputada federal Mara Rocha (MDB-AC), que prevê a desafetação de áreas da Resex Chico Mendes, é definida como o gatilho para acelerar  o processo de devastação da UC. A grilagem por meio da comercialização de lotes dentro da reserva é o principal indutor para o aumento do desmatamento e das queimadas, além das pressões exercidas pelas fazendas de gado no entorno.

De pouco mais de 21 km2 de floresta desmatada em 2018, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Resex Chico Mendes perdeu, em 2019, 75,97 km2 de sua cobertura florestal.  Nos quatro anos de governo Jair Bolsonaro, o desmatamento dentro da unidade de conservação federal alcançou uma área de 305 km2. Os dados consolidados sobre 2022 são apresentados pelo Inpe apenas no início do próximo ano.

Além do PL 6024, o assédio aos servidores do ICMBio que persistiram  em fazer o trabalho de proteção da reserva marcou o quadriênio. No período, várias foram as trocas de chefia da UC após os principais moradores iautuados  pelo instituto “pedirem suas cabeças” junto aos parlamentares federais ligados  ao  bolsonarismo.

Esse tipo de  comportamento, por sinal, ocorreu com frequência entre todos os servidores federais da área ambiental. Muitas foram as denúncias de assédio e perseguições a funcionário do ICMBio e Ibama que eram “denunciados” às presidências dos dois órgãos  por não se omitirem em suas funções.

Com a posse de Lula, a tendência é de todo esse cenário mudar, com os órgãos ambientais retomando sua autonomia para as operações de combate aos crimes ambientais. E é em meio a essa retomada da normalidade institucional do país que a Semana Chico Mendes será realizada entre 15 a 22 de dezembro em Rio Branco e Xapuri. As datas marcam os dias de nascimento (15) e assassinato (22) ddo líder seringueiro acreano. 

Foi graças à sua luta em defesa da manutenção da floresta em  pé, resistindo à destruição da Amazônia com o avanço da agropecuária na região entre as décadas de 1970 e 80, que se iniciaram  os debates sobre a criação e os  modelos de reservas extrativistas. A que leva seu  nome tem quase um milhão de hectares, e é uma das últimas áreas de floresta no sudeste do Acre, sendo bastante pressionada, novamente, pelo avanço do agronegócio.  


reportagem também disponível no portal ((o)) eco

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

golpismo tropical

Mato Grosso se consolida como reduto de atos golpistas na Amazônia Legal


Afastamento de prefeito e prisão de empresário com registro de CAC reforçam o estado como um dos centros de planos e financiadores de atos golpistas que questionam eleição de Lula 

A decisão do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de determinar o afastamento do prefeito do município de Tapurah, Carlos Capeletti (PSD), consolida o Mato Grosso, como um dos principais redutos de sobrevivência do bolsonarismo na Amazônia Legal. O estado tem se tornado um dos principais centros para o planejamento e o financiamento de atos golpistas que contestam o resultado da eleição presidencial de 2022. Foi em Mato Grosso onde o candidato derrotado Jair Bolsonaro (PL) obteve uma das maiores votações proporcionais do país: 65%. 

A ordem de afastamento do prefeito suspeito de incentivar os atos antidemocráticos pós-eleições é uma das respostas dadas pelo TSE, em especial pelo ministro Moraes, aos levantes golpistas liderados por bolsonaristas inconformados com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Entre estes atos foram realizados o bloqueio de rodovias e acampamentos em frente aos quartéis das Forças Armadas pedindo intervenção  militar.

Um dos objetivos das investigações é identificar os financiadores destes movimentos. Entre os investigados, conforme o Ministério Público de Mato Grosso, está o prefeito de Tapurah – uma das cidades com maior concentração de apoiadores de Bolsonaro. No município, o presidente obteve 77,12% dos votos válidos.

Conforme as investigações, Carlos Capeletti teria gravado vídeos convocando empresários de Tapurah para irem até Brasília para se juntarem a manifestações golpistas em frente ao Quartel-General  do Exército. O prefeito afastado também é suspeito de ter gravado vídeos nos quais prometia sortear um veículo entre os pouco mais de 15 mil moradores de Tapurah, caso Bolsonaro registrasse, no município, a maior votação proporcional em Mato Grosso.

A partir das denúncias apresentadas pelo MP mato-grossense, o presidente do TSE entendeu que Carlos Capeletti pode ter praticado crimes contra a ordem democrática, determinando seu afastamento do cargo por 60 dias. O ministro também determinou o imediato aprofundamento das investigações. A sentença de Alexandre de Moraes também alcança veículos de comunicação de Mato Grosso, suspeitos de fomentarem as manifestações golpistas. Os proprietários foram multados  em R$ 100 mil.  


completo em ((o)) eco

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

alianças (nada) sustentáveis

Apoio de PT a Lira representa desafio para pauta ambiental na Câmara


Para analista, deputado é o herdeiro da política da boiada de Bolsonaro; deputado petista diz que apoio não leva partido a recuar de suas posições 

 

Foto: Divulgação

 

Enquanto promete adotar medidas para reconstruir a política de meio ambiente do país, após quatro anos de desmonte por Jair Bolsonaro (PL), o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, vê o seu partido, o PT, tendo que apoiar a candidatura de Artur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara dos Deputados. Foi durante seus dois primeiros anos como presidente da Casa, que projetos de interesse da bancada ruralista, e com alto potencial nocivo ao meio ambiente, avançaram na tramitação.


Para analistas, a aproximação do PT com o líder do centrão e – seu consequente alinhamento com o governo Lula – se transforma num dos principais desafios para a área ambiental nos próximos anos. Com a eleição de um Congresso Nacional em sua maioria ligada aos setores de direita e conservador, a situação se mostra ainda mais desafiadora. 

“Essa é uma das contradições [que o governo] vai ter que enfrentar entre o que ele prometeu e as alianças que ele está fazendo. Ele tem alianças com pessoas que são a antítese do que o governo prometeu em algumas áreas, notadamente na do meio ambiente e indígena”, avalia para o ((o))eco, um dos observadores políticos do país para a área ambiental, que pediu para não ter seu nome divulgado devido a tensão política do atual momento.  

Para a fonte, o desafio do governo Lula será conciliar estes mais diversos interesses que formarão sua base no Congresso Nacional, a partir de 2023. Conforme é lembrado, tais divergências fazem parte da democracia, já aconteceram em ocasiões passadas, mas que, em nome da governabilidade, não se pode aderir à pauta da destruição ambiental em tramitação nas duas casas legislativas.

“No governo Bolsonaro acostumou-se a jogar todos os problemas ambientais do país para dentro do Palácio do Planalto, mas na verdade o lugar que sempre nasceram os problemas é dentro do Congresso. Vai continuar sendo lá” afirma.

Questionado se a base do futuro governo Lula teria condições de brecar a tramitação da “pauta-bomba” para o meio ambiente, a fonte responde que sim. Além do poder de veto atribuído à Presidência da República, os petistas podem usar do argumento político para barrar a aprovação de projetos polêmicos, como o PL da Grilagem. Este movimento se daria expondo que tais medidas ocasionam impactos negativos para o comércio exterior, em especial para o agronegócio.

Sobre o apoio do PT à reeleição de Lira na Câmara, a fonte avalia que o partido não tem uma alternativa, pois independente dos votos da bancada petista, o deputado alagoano sairá vitorioso. “O governo vai ter mecanismos para a agenda ambiental, ele consegue minimizar o estrago da reeleição do Lira. O Lira é um estrago? Sim, para a agenda ambiental ele é um pesadelo.”

“Ele é a eleição de uma motosserra (de ouro) sentada na cadeira da presidência da Câmara.”  O deputado, completa a fonte, vai atuar como um contraponto aos anseios da sociedade civil. “Enquanto a sociedade surge como uma força para impedir a aprovação de leis antiambientais, ele vai estar lá empurrando para aprovar.” Mesmo com todas essas situações, ressalta, o governo Lula terá a força necessária para minimizar os estragos políticos que Artur Lira representa para a agenda ambiental.

“Se o Lira fizer tudo o que ele quer na agenda ruralista, na agenda antiambiental,o Lula não cumpre as promessas de campanha, nem para a área de meio ambiente, nem para a área indígena.”

Para a fonte, que acompanha de perto o governo de transição para a pauta ambiental, Artur Lira é o herdeiro da política de deixar a boiada passar, implementada pelo governo Jair Bolsonaro e seu ex-ministro do Meio Ambiente, o agora deputado federal eleito Ricardo Salles (PL-SP). “Ele [Lira] é o cara que vai tentar manter a porteira aberta”

De acordo com o deputado Léo de Brito (PT-AC), o apoio da sigla a Lira é apenas para assegurar a governabilidade do governo Lula, e que as posições do partido contrárias a projetos da pauta antiambiental na Câmara se mantêm inalteradas.

“É importante destacar que esses projetos só tramitam na Câmara nos últimos anos porque tiveram o apoio do governo Bolsonaro e de sua base. Não tenho a menor dúvida de que no governo Lula essa pauta não terá a mínima prioridade”, diz Brito.

Conforme o parlamentar, a posição da bancada governista, e da esquerda como um todo, será de não aprovar projetos nocivos à preservação ambiental do país. Segundo o petista, mesmo que isso venha a ocorrer – diante da composição conservadora do Congresso – o presidente Lula poderá usar do poder de sua caneta para vetá-los. 


Reportagem produzida para ((o)) eco