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quinta-feira, 30 de junho de 2016

Punição


Tribunal bloqueia bens no valor R$ 5 mi de acusados por estupros de meninas indígenas


FABIO PONTES 


O Tribunal Regional Federal da 1ª. Região, em Brasília, determinou o bloqueio de bens no valor total de R$ 5 milhões dos dez acusados pelos crimes de estrupro de vulnerável e abuso sexual de crianças e adolescentes indígenas do município de São Gabriel da Cachoeira (a 860 quilômetros de Manaus), no norte do Amazonas.

A decisão, proferida no dia 6 de abril último, atendeu um pedido do Ministério Público Federal do Amazonas. O dinheiro bloqueado será utilizado para reparar o dano moral coletivo e realizar ações de políticas públicas destinadas à prevenção da exploração sexual das adolescentes indígenas do município.

Segundo a ação civil pública em curso, os crimes contra as meninas causaram constrangimento e sofrimento aos grupos indígenas do Alto Rio Negro. Cerca de 95% da população (43 mil habitantes) de São Gabriel é formada por índios de 23 etnias.

Conforme a decisão do TRF da 1ª. Região, foram bloqueados bens no valor de até R$ 500 mil para cada um dos dez réus. Para evitar que eles se livrem de seus bens ou os ocultem, o MPF solicitou o bloqueio imediato de todo o patrimônio até que houvesse a decisão final da Justiça. Eles podem recorrer da decisão.

Os dez réus foram presos na Operação Cunhantã da Polícia Federal, em 2013. Conforme a denúncia do MPF, eles são acusados também de crimes como corrupção de menores, satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, favorecimento da prostituição de vulnerável e rufianismo (tirar proveito da prostituição alheia). No grupo há comerciantes, políticos e servidores públicos do município. Duas mulheres são acusadas de aliciamentos das garotas.

Na mesma decisão que bloqueou os bens dos acusados, o TRF da 1ª. Região quebrou, por unanimidade, o sigilo dos autos do processo em que constam os nomes deles. No grupo estão os irmãos comerciantes Marcelo, Arimateia e Manuel Carneiro Pinto (este também é acusado por coação de testemunhas no curso do processo).  No final de 2015, eles foram soltos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Para o MPF, o bloqueio dos bens dos acusados pelos crimes de exploração sexual contra as meninas indígenas se faz necessário para assegurar a eficácia do cumprimento final da decisão judicial. Em caso de uma eventual absolvição dos réus, os bens poderão ser novamente disponibilizados.

Segundo a denúncia, 14 meninas denunciaram os crimes e todas se identificaram como indígenas, o que acabou por criar um “sentimento de constrangimento coletivo” na população local.

“Os crimes causaram reflexos negativos sobre toda a população indígena de São Gabriel da Cachoeira, provocando violação dos direitos fundamentais que podem ser presumidos em razão da vulnerabilidade social a que as comunidades estão expostas”, diz a ação.
O MPF afirma ainda na ação que a exposição e repercussão do caso – que ganhou destaque na imprensa nacional – contribuíram para alimentar uma sensação de vergonha e tristeza, dividida por toda a comunidade indígena.

Este sentimento ficou ainda mais intenso, avalia a denúncia, pela forma comunitária de organização social dos índios. De vítimas, os comentários na cidade tornavam as meninas indígenas responsáveis, sendo acusadas de assediarem os homens. A investigação policial apontou o contrário: os acusados aliciavam garotas de 10, 12, 13 e 14 de idade. A virgindade delas era trocada pelos acusados por dinheiro, roupas, celulares, frutas e até bombons.

Segundo a Justiça, o valor a ser pago em eventual condenação dos acusados será destinado para a Coordenação Regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) do Alto Rio Negro. O dinheiro deverá ser usado para a elaboração de campanhas educativas de combate à exploração sexual.

O processo criminal, que tramita na Justiça do Amazonas, diz que entre as garotas que sofreram os estupros, três estão no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), ligado ao Ministério da Justiça.

Elas e suas famílias foram ameaçadas de morte pelos acusados. Conselheiras tutelares e a missionária Giustina Zanato, que fez a denúncia contra a exploração sexual das meninas indígenas, em 2008, também foram ameaçadas.

Até o momento o Tribunal de Justiça do Amazonas não divulgou uma data para o julgamento dos réus, o que levanta críticas das lideranças indígenas e das organizações que defendem os direitos das crianças e adolescentes.

Veja a reportagem completa na Amazônia Real 

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Juma, as Olímpiadas e o Exército

Nesta segunda-feira completa uma semana da passagem da Tocha Olímpica por Manaus, e cujo principal legado foi a lamentável morte da imponente onça-pintada Juma. O fato, que a princípio ficou restrito ao noticiário regional, em minutos ganhou as capas dos jornais do país e do mundo. O episódio ganhou repercussão por se tratar de dois pontos importantes: o principal evento esportivo do planeta e um animal silvestre ameaçado de extinção.

A morte de Juma também colocou o Exército Brasileiro no olho do furacão –logo os militares que tanto trabalham para passar a léguas de distâncias de crises de imagem como essas. O caso serviu para levantar outros dois pontos importantes: a importância da conscientização para a preservação de nossa fauna e flora, e o olhar atento que a sociedade civil deve ter sobre o seu Exército.

Ninguém é tolo o suficiente para afirmar que Juma foi “assassinada” por bel-prazer do militar que contra ele precisou atirar. Lógico que não. A morte foi uma fatalidade ocasionada por uma falha no protocolo de segurança para o manejo de um animal selvagem, manejo este o qual os militares na Amazônia estão tão preparados.

Essa expertise é tão grande que alguns deles ganharam o nome de “onceiros”. A questão é que houve uma falha ao oferecer condições para que a corrente presa à coleira de Juma se desprendesse. É inevitável que numa situação onde a vida humana está em risco, ela deve ser preservada acima de tudo.

Contudo, o episódio revela o despreparo do Exército para lidar com situações como as provocadas pela repercussão. Usando termos militares, a bomba explodiu no colo do Exército que, logo em seguida, sofreu um bombardeio de críticas. No fim das contas, a tropa acabou por assumir com todo o ônus, quando os organizadores do Comitê Rio 2016 também deveriam ser responsabilizados.

A morte de Juma revelou que o Exército não se preparou para responder à crise de forma transparente e eficaz. A instituição demorou a confirmar a morte, e emitiu notas confusas para a imprensa –além de, até o momento, não reconhecer que falhou. Mas não se pode negar que o Comando Militar da Amazônia recebeu todos os jornalistas e entidades interessadas em apurar o caso.

Eu mesmo estive no CMA, mas em minha avaliação falta mais transparência. Na quinta houve o comunicado de que o Exército não se pronunciaria mais. É um direito deles e uma estratégia para deixar o assunto cair no esquecimento –até que outro grande fato ofusque de vez a morte da onça. Mas a imprensa livre e independente em seu trabalho de vigilância não deixará o caso cair no ostracismo.

Não se trata de uma “perseguição” à principal força militar brasileira, a maior da América Latina. Como jornalista nascido na Amazônia, conheço e sei da importância do Exército para a região –a mais rica em vida e a mais cobiçada mundo afora. O Exército tem uma enorme capacidade de mobilização na Amazônia, uma área conhecida por suas dificuldades naturais de locomoção. Uma tropa é movida de Manaus para Marechal Thaumaturgo, na remota fronteira do Acre com o Peru, em questão de horas.

Mesmo com todo seu rigor disciplinar e de hierarquia, a força também está sujeita a passar por situação como essa. Ignorar o assunto não é a melhor das medidas. Sabemos que os militares trabalham com a máxima eficácia para não se ver às voltas em turbulências como a provocada pela morte do Juma.

Daqui em diante é preparar melhor seus homens para estarem à altura de lidar com questões como a da semana passada. Estamos na era da transparência máxima, onde cada cidadão brasileiro tem o direito de saber como suas instituições se comportam. O processo interno que apura as circunstâncias da morte da onça não pode receber um carimbo de confidencial em nome da segurança nacional, e parar num cofre lançado no meio do rio Amazonas.    


quarta-feira, 22 de junho de 2016

"Animalzinho" morto


Exército tenta minimizar morte do “animalzinho” Juma e sua participação no evento da tocha

Por Fábio Pontes
       Kátia Brasil 
       Elaíze Farias, da Amazônia Real


(Foto: Jair Araújo/D24
O Exército minimizou a repercussão internacional provocada pela morte da onça-pintada Juma, que aconteceu dentro das instalações do Zoológico do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), em Manaus. Também tentou desvincular a presença do animal em risco de extinção na cerimônia do Revezamento da Tocha Olímpica Rio 2016.

Em entrevista exclusiva à agência Amazônia Real, o chefe da 5ª Seção de Comunicação Social do Comando Militar da Amazônia (CMA) do Exército, coronel Luiz Gustavo Evelyn, disse que o “animalzinho” precisou ser sacrificado por ter colocado em risco a vida de um oficial veterinário. A onça foi morta na segunda-feira (20) com um tiro de pistola, depois da cerimônia olímpica.

“O fato em si nada tem a ver com a Tocha [Olímpica]. Aconteceu o evento e, posteriormente, dentro do Zoológico do CIGS, num procedimento corriqueiro, na transferência do animal de um ambiente para o outro, ele veio a se evadir. Neste momento estavam presentes dois veterinários e três tratadores, como de costume. Foi feito todo o procedimento protocolar de captura, com a utilização de dardo tranquilizante, mas foi ineficaz. Para preservar a integridade física do veterinário o animal foi detido. Ela avançou no veterinário e aí o animalzinho foi detido [morto]”, afirmou o coronel Evelyn.

Da espécie Panthera onca, que está em risco de extinção, Juma era um macho de 9 anos de idade e vivia nas instalações do 1° Batalhão de Infantaria de Selva do Exército, para onde seria transferida após o evento da Tocha Olímpica. Durante a cerimônia o animal silvestre foi exposto e “interagiu” com participantes do revezamento realizado dentro do zoológico. Muitos participantes posaram para fotografias ao lado dele.

Conforme publicou a Amazônia Real, o Exército não recebeu autorização do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) para deslocar da jaula e exibir o animal na cerimônia. O Comando Militar da Amazônia foi notificado. Segundo o Ipaam, o animal autorizado foi apenas a onça Simba, que é também macho. Os dois foram expostos no evento. Estavam acorrentados e sob cuidados de instrutores militares, chamados de “onceiros”.

O Comitê Rio 2016 confirmou a participação da onça-pintada Juma na cerimônia do Revezamento da Tocha Olímpica. Em sua página oficial no Facebook, a organização dos Jogos Olímpicos e Paralimpicos reconheceu o erro de permitir a exibição do animal no evento.

“Erramos ao permitir que a Tocha Olímpica, símbolo da paz e da união entre os povos, fosse exibida ao lado de um animal selvagem acorrentado. Essa cena contraria nossas crenças e valores. Estamos muito tristes com o desfecho que se deu após a passagem da tocha. Garantimos que não veremos mais situações assim nos Jogos Rio 2016”, diz.

A Amazônia Real procurou a assessoria de imprensa do Comitê Rio 2016 para saber se a organização não questionou a presença de animais silvestres na cerimônia da Tocha Olímpica, que contou com a presença de cerca de 30 pessoas no CIGS. “A onça é símbolo do CIGS. Quando o revezamento chegou ao centro ela já estava lá. Como dissemos, erramos ao permitir que a Tocha Olímpica fosse exibida ao lado de um animal selvagem acorrentado”, declarou o comitê.

Na nota divulgada ontem (20), o Exército disse que a onça-pintada foi morta com o tiro de pistola porque “deslocou-se em direção ao militar”. “O procedimento de captura foi realizado com disparo de tranquilizantes. O animal, mesmo atingido, deslocou-se na direção de um militar que estava no local. Como procedimento de segurança, visando a proteger a integridade física do militar e da equipe de tratadores, foi realizado um tiro de pistola no animal, que veio a falecer. ”

Os termos “avançar” em direção ao oficial veterinário, como diz o coronel Luiz Gustavo Evelyn, e “deslocou-se” como informou oficialmente o Exército em nota distribuída à imprensa, têm relevância para a Comissão de Meio Ambiente da Ordem de Advogados do Brasil (OAB), seccional do Amazonas, que vai investigar possível crime ambiental no caso.

À Amazônia Real, o presidente da comissão, Vanylton dos Santos, disse que vai solicitar nesta quarta-feira (22) ao Comando Militar da Amazônia esclarecimento sobre as circunstâncias da morte da onça-pintada Juma. O pedido, segundo ele, tem que ser protocolado oficialmente na unidade do Exército.

“Avançar, deslocou-se, não é atacar. Avançar é a eminência do ataque, então é possível, dependendo da apuração dos fatos, que seja desconstituído o crime ambiental ou não. De qualquer forma, será apurada a responsabilidade administrativa, ou seja, a questão da licença ambiental do Ipaam, e, principalmente, a responsabilidade civil, a questão do dano moral de ter abatido um patrimônio da floresta amazônica. Aquela onça não era apenas um animal, mas um símbolo da região amazônica”, disse o advogado Vanylton dos Santos.


O que diz o Exército? 
O chefe da 5º Seção de Comunicação Social do CMA, coronel Luiz Gustavo Evelyn, disse que a participação da onça Juma na cerimônia do Revezamento da Tocha Olímpica Rio 2016 dentro do Zoológico do CGS foi uma “coincidência” por estar no percurso da tocha. “Ela estava no evento. Se você observar tinha dois animais lá, duas onças. A Simba, mascote do CIGS que efetivamente participou, e ela [Juma] estava interior no zoológico e por uma coincidência ela estava no percurso da tocha. Então ela participou e você tem até fotos dela lá que foram tiradas durante o evento”, afirmou o militar.

Segundo o coronel Evelyn, o animal que de fato tinha sido escolhido e preparado para a festa foi Simba, do CIGS. O Ipaam diz que este animal tinha autorização para ser exibido, mas Juma não estava licenciado.

Sobre a participação de onças em eventos públicos, o coronel Evelyn disse que “essa participação em formaturas e tudo se dá por ser um animal símbolo do nosso do Comando Militar da Amazônia. O símbolo é a onça, então essa participação ela é corriqueira e efetiva”.

Ele disse que a onça Juma foi entregue ao 1º BIS em 2009, com dois anos de idade, pelo Ibama. Ele era tratado pela equipe de zootecnia do batalhão, que é responsável pelo tratamento de todas as onças do Exército em Manaus. Juma era um animal classificado como de temperamento dócil.

Maior mamífero terrestre da Amazônia, a onça-pintada tem sua imagem presente em quase todos os escudos das unidades do Exército na região. Em Manaus, os principais quartéis dispõem de uma onça como mascote. São sete animais, ao todo, sob responsabilidade da força. O próprio CMA possui duas onças: Jiquitaia e Aru. Os animais participam de cerimônias como a troca de comando, formaturas e visitas de autoridades.

“Nós somos mantenedores desses animais que nos são trazidos pelo Ibama, que os apreendem com caçadores e nos entrega. Essa participação em formaturas se dá por ser um animal símbolo do Comando Militar da Amazônia, ela é corriqueira e se dá há vários e vários anos”, disse o coronel Evelyn.

Questionado sobre as medidas adotadas para garantir a segurança do público e do próprio animal no evento da Tocha Olímpica, o coronel Evelyn explicou que há um procedimento padrão com a presença de veterinários e tratadores, que prendem a onça por coleiras e correntes, além dos dardos tranquilizantes que são usados em caso de necessidade.

“Com relação se ela estava amparada pelo Ipaam naquele exato momento para participar do evento é o que apuramos. Como eu disse, ela não era partícipe principal do evento, ela estava no evento. Com relação a essa efetiva autorização, isso está sendo levantado e para isso foi instaurado o procedimento administrativo”, disse o coronel.

Perguntado se o CMA pede a devida autorização do órgão ambiental do estado para todas as exposições das onças, o oficial falou que o “Exército trabalha com base em três pilares: legalidade, estabilidade e legitimidade”, disse o chefe da Seção.

De acordo com o coronel Luiz Gustavo Evelyn, o Exército não mudará sua política de tratamento com as onças. “Não há como ter controle maior se o maior já existe. Nós sempre vamos manter este cuidado que já ocorre naturalmente. O que aconteceu foi uma fatalidade, e que está sujeito a quem lida com este tipo de animal”, afirmou o militar.

Leia reportagem completa

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Lideranças indígenas a Temer

Lideranças indígenas reagem a possível revisão de demarcações no governo Temer 

Elaíze Farias e Fábio Pontes, da Amazônia Real

O governo interino do presidente Michel Temer (PMDB), que assumiu o cargo após o afastamento de Dilma Rousseff (PT), completa um mês no próximo dia 12 sem definir uma agenda para as populações indígenas do país. O ex-vice pemedebista chegou à Presidência da República com o apoio das bancadas ruralista e evangélica no Congresso Nacional, após votação da admissibilidade do processo de impeachment da petista.

É dessas bancadas que partem as propostas para flexibilizar os direitos indígenas, uma das maiores ameaças à população que soma mais de 817 mil pessoas no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No governo Temer ganhou força a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 – cuja tramitação teve início no governo Dilma – que prevê a transferência da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Congresso Nacional a competência de demarcação de terras indígenas.

O sinal vermelho foi aceso quando o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, declarou em entrevista à Folha de S. Paulo, que poderia rever as últimas demarcações de terras feitas pelo governo Dilma Rousseff, publicadas no “Diário Oficial da União” dias antes de o Senado afastar a presidente do cargo.

O processo de demarcação de terras indígenas no Brasil, regulamentado pelo Decreto nº 1.775/96, consiste em três etapas, todas elas de competência exclusiva do Poder Executivo. São elas: 1) Identificação (que incluiu a delimitação do território a cargo da Funai),  2) declaração dos limites (a cargo do ministro da Justiça) e  3) homologação da demarcação, a cargo da Presidência da República.

Com uma administração marcada pelo desprezo às reivindicações dos povos indígenas e pela decisão de seguir com a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, Dilma Rousseff, foi a presidente que menos demarcou terras indígenas nos últimos 31 anos. Menos até do que no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2006 e de 2007 a 2010), que lhe indicou como sua candidata à Presidência da República nas eleições de 2010. No primeiro mandato (2011 a 2014)  do governo Dilma foram dez áreas declaradas e 11 homologadas. No mandato encurtado (2015 a 2016) foram 15 declaradas e dez homologadas. Sendo que no auge do processo do impeachment foram reglarizadas 12 terras.

A maioria das terras regularizadas às pressas pela presidente Dilma Rousseff estavam engavetadas há bastante tempo. Entre elas está a Terra Indígena Sawré Muybu, ameaçada pelo projeto de um conjunto de usinas hidrelétricas na Bacia do Rio Tapajós (PA), dos índios Munduruku, que ainda precisa ser homologada.


Na Amazônia Legal concentra-se 98% das 700 terras indígenas existentes do país, o que equivale a 111, 4 milhões de hectares. Nos estados do Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins vivem 433 mil índios. Veja o quadro das demarcações abaixo:

Os índios também estão apreensivos com a mudança no comando da Funai. Ainda não foi nomeado o novo presidente da fundação após a exoneração, no último dia 03 de junho, do ex-senador João Pedro Gonçalves da Costa (PT), indicado pelo PMDB. O cargo está ocupado interinamente por Artur Nobre, que é diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável e servidor de carreira da Funai.

Simpatizantes de João Pedro achavam que ele permaneceria no cargo pela sua ligação com o senador Eduardo Braga (PMDB-AM), que é aliado de Dilma e que não assumiu cargos em ministérios de Temer , apesar de ter sido convidado pelo presidente interino, como apurou a reportagem. No entanto, a presidência da Funai seria alvo de interesse do Partido Social Cristão (PSC), presidido pelo pastor Everaldo Pereira.

Segundo o blog Coluna Esplanada do UOL , o próprio pastor Everaldo teria pedido a Temer a prerrogativa para indicar o novo presidente da Funai. Procurado pela reportagem, a assessoria de imprensa do pastor Everaldo negou a indicação, dizendo que “não tem uma posição a respeito do assunto”. O PSC foi um dos partidos que apoiaram o afastamento de Dilma da Presidência.

O Ministério da Justiça foi procurado pela reportagem para informar a respeito da política indigenista, mas a assessoria de imprensa não respondeu até a publicação desta reportagem.

Lideranças indígenas ouvidas pela reportagem da Amazônia Real temem que o governo de Michel Temer, que tem principais aliados os ruralistas e evangélicos, reveja os processos de 13 terras identificadas, declaradas e homologadas no governo Dilma na região amazônica. Veja o quadro baixo:
Durante o período que ficou à frente da Funai, o petista João Pedro teve uma passagem controversa. Foi dele a polêmica autorização para que o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) licenciasse as obras da segunda fase do Linhão de Tucuruí, dentro da Terra Indígena Waimiri Atroari, para Roraima (leia aqui). Gonçalves também demorou para intervir no conflito interétnico na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, e a dar uma resposta ao protesto dos indígenas Matís. Ele ainda assinou a transferência do pivô da manifestação à época, o agente indigenista Bruno Pereira, para a coordenação da Frente Etnoambiental Vale do Javari, o que provocou o retorno da tensão no Vale do Javari.

Em um balanço de sua gestão publicado em 17 de maio no site da Funai, João Pedro Gonçalves declarou que um dos pontos positivos foi a realização da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista e a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista. Ele também acenou contra possíveis mudanças nas demarcações de terra no governo de Michel Temer. “Qualquer ato que vise desestruturar os direitos indígenas e os direitos aos seus territórios de ocupação tradicional ou que vise revisar os atos administrativos realizados é frontalmente inconstitucional”, disse.

Ao deixar a Funai no dia 3 de junho, João Pedro fez uma espécie de prestação de contas de sua administração em uma rede social destacando os problemas na política indigenista atual e na saúde. “Estar à frente do órgão me fez tomar ciência dos desafios impostos à política indigenista e da importância de o governo federal fortalecer a Funai. Nesse período, pude viajar pelas cinco regiões do Brasil e identificar os problemas vivenciados pelos servidores e povos indígenas. Conclui que a Funai e a Sesai são as únicas instituições que realmente têm presença dentro das terras e junto aos povos indígenas. No entanto, essa presença ainda é muito tímida diante da complexidade e da grandiosidade representadas pelos povos indígenas do Brasil e das demandas por eles apresentadas cotidianamente”, afirmou.

Veja o que disseram as lideranças indígenas 

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Projetos exóticos

No Amazonas, projeto que regulamenta criação de peixes exóticos cria polêmica 


Por Elaíze Farias, Fábio Pontes e Kátia Brasil, da Amazônia Real

A Lei nº. 4330/2016, que autorizou o cultivo de peixes exóticos em rios e lagos da Bacia Amazônica, sancionada pelo governador José Melo (PROS) na última segunda-feira (30), foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) depois do projeto ter sido alterado com respaldo das pastas do Meio Ambiente e da Produção Rural e contou com sugestões de assessores da Confederação Nacional de Agricultura (CNA). A aprovação pelos deputados estaduais, sem ressalvas ou emendas, aconteceu dia 5 de maio sem chamar atenção para a produção de espécies não-nativas.

O relator do Projeto de Lei nº. 79/2016, que disciplina a atividade de aquicultura no Amazonas e proposto pelo Governo do Estado, foi o deputado Orlando Cidade (PTN), advogado e ligado ao comércio de madeira, juta e idealizador de uma cooperativa de piscicultura. Partiu dele o convite para que técnicos da CNA participassem da única audiência pública, que aconteceu em 20 abril, e definiu a liberação do cultivo de espécies exóticas, o barramento de igarapés e autorização de empreendimentos em Áreas de Preservação Permanente (APPs), entre outros interesses do setor comercial da pesca.

A CNA atua na defesa dos interesses dos produtores rurais e da agropecuária, inclusive apoiou iniciativas do cultivo de espécies não-nativas nos estados do Acre e Rondônia. Em 20 de abril, estiveram em audiência pública na Aleam o presidente da Comissão Nacional de Aquicultura da CNA, Eduardo Ono, e o assessor técnico e especialista no Código Florestal, João Carlos D´Carli, também da entidade.

Procurado pela reportagem para saber das alterações do projeto original, o deputado Orlando Cidade negou que tenha feito alterações. Ele é amigo de Melo e teve participação importante na campanha da reeleição, em 2014, no município de Manacapuru, sua base política. “Nós não incluímos nada, nós aprovamos na íntegra o projeto como foi enviado pelo governo”, disse. Veja aqui as alterações no projeto.

Diante da repercussão nacional da nova legislação da aquicultura, o Ministério do Meio Ambiente anunciou que quer a revogação da lei argumentando que a introdução de espécies exóticas nos rios e lagos do Amazonas podem degradar o ecossistema de toda a bacia. Com autorização dos órgãos ambientais do estado os comerciantes poderão produzir, por exemplo, a tilápia, o acará africano, ambos nativos da África, espécies consideradas predadoras e invasoras do ambiente nativo.

O governador José Melo fez um anúncio tímido na última quinta-feira (02) dizendo que vai retirar os artigos que ele mesmo avalizou, conforme mostra o trâmite do projeto na Aleam. Melo está com o mandato cassado por acusação de compra de votos nas eleições de 2014, mas foi mantido no cargo por decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (leia aqui). Também enfrenta uma reação da população, com manifestação nas ruas, depois que reduziu os gastos com a saúde pública.

A agência Amazônia Real teve acesso ao relatório do deputado Orlando Cidade, aprovado pelo plenário da Aleam em 5 de maio. No documento, ele diz que “os assessores da CNA apresentaram sugestões de mudanças e adequações ao texto apresentado pelo Poder Executivo demonstrando que a grande maioria já estava contemplada em legislações pertinentes, sendo desnecessária sua permanência no texto original, além das adequações à legislação vigente, tendo como base o Código Florestal”.

Cidade também descreve no relatório a opinião do assessor João Carlos D´Carli sobre entraves no setor. “A orientação do Ministério [do Meio Ambiente] é transferir para os Estados a autonomia para legislar em matéria ambiental por isso sugerimos que esta legislação seja flexível para permitir a produção de pescado com sustentabilidade sem entraves que prejudiquem principalmente ao pequeno produtor”.

O projeto original, que foi enviado em 11 de abril pelo Executivo à Assembleia Legislativa do Amazonas, e que recebeu a numeração de 79/2016, sofreu alterações em 16 artigos, sendo que 12 foram suprimidos. O presidente da Federação de Agricultura do Estado do Amazonas, Muni Lourenço, também acompanhou as discussões do projeto. No relatório de Cidade não há menção da participação de especialistas de instituições de pesquisas do Amazonas ou de representantes do Conselho do Meio Ambiente do Amazonas (Cemaam).

Uma das alterações do Projeto de Lei 79/2016 foi justamente no capítulo que trata dos impactos ambientais e das penalidades. Antes, o projeto dizia no Artigo 27 que “é proibida a introdução de espécies exóticas, alóctones, híbridas e organismos geneticamente modificados para aquicultura, em qualquer estágio de desenvolvimento no Estado do Amazonas, sem autorização expressa do órgão ambiental competente”.

No projeto aprovado pela Aleam, e que foi sancionado pelo governador José Melo, esse artigo foi renumerado para o número 24 e ganhou nova redação, ficando o texto sem tratar de penalidades, apesar destas serem previstas no título do Capítulo correspondente: “O órgão ambiental competente autorizará a introdução de espécies exóticas, alóctones, híbridas e organismos geneticamente modificados para aquicultura, em qualquer estágio de desenvolvimento no Estado do Amazonas, com base no grau de risco de escape do sistema produtivo, dos sistemas de prevenção de fugas e do grau de risco da espécie ao meio ambiente natural”.

A autorização de criação de peixe exótico também é mencionada no artigo de número 7 inciso II, onde diz que o cultivo será considerado irregular “sem prévia autorização do Órgão Ambiental Estadual competente”. Esta condição foi questionada por especialistas, pois a competência sobre o assunto é exclusiva da União.

Também no projeto inicial, era proibida a construção de barragens em igarapés (cursos de rios) sem aprovação e autorização do órgão ambiental, tendo como exigência estudos técnicos. Na nova versão, o projeto sancionado pelo governador Melo diz que as barragens podem ser construídas com área para viveiros escavados, sem previsão de penalidade dos impactos ambientais.

Nas duas versões dos projetos é mantida a construção de empreendimento em Área de Preservação Permanente privadas. Na versão anterior, o órgão ambiental tinha mais poder de fiscalização, regulamentação e controle; estes itens foram suprimidos no projeto sancionado.

O deputado estadual Orlando Cidade, que se autointitula idealizador da Cooperativa dos Piscicultores, Aquicultores, Produtores Rurais e Extrativistas do Amazonas (Cooperpeixe), é conhecido por posições políticas antiambientalistas. Usa o plenário da Casa para criticar as ações de combate a crimes ambientais feitas pelo Instituto de Proteção do Meio Ambiental (Ipaam). Em 2014, a Cooperpeixe foi multada em R$ 500 mil por crimes ambientais e enfrenta nova ação por irregularidades, como queimadas e desmatamento em áreas de proteção e terra indígena (leia aqui).

Procurado pela Amazônia Real, Orlando Cidade, presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Assembleia Legislativa do Amazonas, afirmou que o projeto original do governo não foi alterado e que, durante sua tramitação no parlamento, o assunto foi discutido com o presidente da Comissão de Agricultura e de Pesca, deputado Dermilson Chagas (PDT), e com o presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, deputado Luiz Castro (Rede). Ambos negaram à reportagem que tenham participado das discussões.

“O projeto é de elaboração da Secretaria de Meio Ambiente, houve reunião com outras secretarias interessadas, no caso Secretaria Executiva da Pesca e Secretaria de Produção do Amazonas, e com as comissões da Assembleia Legislativa. Foram quatro comissões que aprovaram essa matéria. Foi para o plenário e aprovado”, afirmou o parlamentar.

Leia reportagem completa 

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Novos jesuítas

Site da Funai é alvo de protesto de hacker contra indicação de pastor para presidência do órgão

Da Amazônia Real

O site da Funai  (Fundação Nacional do Índio) é alvo de um protesto contra a suposta indicação do pastor evangélico Everaldo Pereira, presidente nacional do PSC (Partido Social Cristão), para assumir o cargo de presidente do órgão. Quem assina o protesto é o hacker Anon.

O pastor Everaldo assumiria o cargo no lugar do atual presidente João Pedro Gonçalves Costa, que é do PT, mas foi indicado pelo senador Eduardo Braga (PMDB-AM). Depois do afastamento da presidente Dilma Rousseff, no dia 12 de maio, Costa não pediu demissão. Ele espera uma posição do governo Michel Temer (PMDB-SP).

O protesto do hacker Anon começou por volta das 19h (20 em Brasília). A equipe da Amazônia Real fazia pesquisa no site da Funai. Na página apareceu a imagem do símbolo do hacker: um homem vestido com paletó e gravata pretos, blusa branca, ilustração símbolo do Anon. No lugar da cabeça há uma cruz na cor vermelho sangue, o que confirma o protesto contra o partido religioso.

A Amazônia Real procurou a assessoria de imprensa da Funai para falar sobre o protesto, mas o órgão não comentou o caso.

As especulações sobre a indicação de um pastor evangélico para assumir a Funai começaram na semana passada quando o colunista Leandro Mazzini, do “Jornal de Brasília”, divulgou uma nota dizendo que o PSC, que apoia o governo interino de Michel Temer, pediu a presidência da Funai.

O partido é presidido pelo ex-candidato à Presidência da República, pastor Everaldo Pereira (RJ).

Desde então, sites que apoiam a questão indígena criticam a indicação, uma vez que o PSC é classificado como um partido de políticos conservadores, da bancada evangélica e apoiadores da PEC 215, que pode alterar o processo de demarcação das terras indígenas, passando a competência da Funai para o Congresso.

A Amazônia Real procurou o PSC para saber se o partido vai indicar o novo presidente da Funai, mas a assessoria negou. Disse que o partido não recebeu convite do governo Temer e nem fez indicação do nome do pastor Everaldo Pereira para o cargo.