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segunda-feira, 13 de junho de 2016

Lideranças indígenas a Temer

Lideranças indígenas reagem a possível revisão de demarcações no governo Temer 

Elaíze Farias e Fábio Pontes, da Amazônia Real

O governo interino do presidente Michel Temer (PMDB), que assumiu o cargo após o afastamento de Dilma Rousseff (PT), completa um mês no próximo dia 12 sem definir uma agenda para as populações indígenas do país. O ex-vice pemedebista chegou à Presidência da República com o apoio das bancadas ruralista e evangélica no Congresso Nacional, após votação da admissibilidade do processo de impeachment da petista.

É dessas bancadas que partem as propostas para flexibilizar os direitos indígenas, uma das maiores ameaças à população que soma mais de 817 mil pessoas no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No governo Temer ganhou força a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 – cuja tramitação teve início no governo Dilma – que prevê a transferência da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Congresso Nacional a competência de demarcação de terras indígenas.

O sinal vermelho foi aceso quando o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, declarou em entrevista à Folha de S. Paulo, que poderia rever as últimas demarcações de terras feitas pelo governo Dilma Rousseff, publicadas no “Diário Oficial da União” dias antes de o Senado afastar a presidente do cargo.

O processo de demarcação de terras indígenas no Brasil, regulamentado pelo Decreto nº 1.775/96, consiste em três etapas, todas elas de competência exclusiva do Poder Executivo. São elas: 1) Identificação (que incluiu a delimitação do território a cargo da Funai),  2) declaração dos limites (a cargo do ministro da Justiça) e  3) homologação da demarcação, a cargo da Presidência da República.

Com uma administração marcada pelo desprezo às reivindicações dos povos indígenas e pela decisão de seguir com a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, Dilma Rousseff, foi a presidente que menos demarcou terras indígenas nos últimos 31 anos. Menos até do que no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2006 e de 2007 a 2010), que lhe indicou como sua candidata à Presidência da República nas eleições de 2010. No primeiro mandato (2011 a 2014)  do governo Dilma foram dez áreas declaradas e 11 homologadas. No mandato encurtado (2015 a 2016) foram 15 declaradas e dez homologadas. Sendo que no auge do processo do impeachment foram reglarizadas 12 terras.

A maioria das terras regularizadas às pressas pela presidente Dilma Rousseff estavam engavetadas há bastante tempo. Entre elas está a Terra Indígena Sawré Muybu, ameaçada pelo projeto de um conjunto de usinas hidrelétricas na Bacia do Rio Tapajós (PA), dos índios Munduruku, que ainda precisa ser homologada.


Na Amazônia Legal concentra-se 98% das 700 terras indígenas existentes do país, o que equivale a 111, 4 milhões de hectares. Nos estados do Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins vivem 433 mil índios. Veja o quadro das demarcações abaixo:

Os índios também estão apreensivos com a mudança no comando da Funai. Ainda não foi nomeado o novo presidente da fundação após a exoneração, no último dia 03 de junho, do ex-senador João Pedro Gonçalves da Costa (PT), indicado pelo PMDB. O cargo está ocupado interinamente por Artur Nobre, que é diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável e servidor de carreira da Funai.

Simpatizantes de João Pedro achavam que ele permaneceria no cargo pela sua ligação com o senador Eduardo Braga (PMDB-AM), que é aliado de Dilma e que não assumiu cargos em ministérios de Temer , apesar de ter sido convidado pelo presidente interino, como apurou a reportagem. No entanto, a presidência da Funai seria alvo de interesse do Partido Social Cristão (PSC), presidido pelo pastor Everaldo Pereira.

Segundo o blog Coluna Esplanada do UOL , o próprio pastor Everaldo teria pedido a Temer a prerrogativa para indicar o novo presidente da Funai. Procurado pela reportagem, a assessoria de imprensa do pastor Everaldo negou a indicação, dizendo que “não tem uma posição a respeito do assunto”. O PSC foi um dos partidos que apoiaram o afastamento de Dilma da Presidência.

O Ministério da Justiça foi procurado pela reportagem para informar a respeito da política indigenista, mas a assessoria de imprensa não respondeu até a publicação desta reportagem.

Lideranças indígenas ouvidas pela reportagem da Amazônia Real temem que o governo de Michel Temer, que tem principais aliados os ruralistas e evangélicos, reveja os processos de 13 terras identificadas, declaradas e homologadas no governo Dilma na região amazônica. Veja o quadro baixo:
Durante o período que ficou à frente da Funai, o petista João Pedro teve uma passagem controversa. Foi dele a polêmica autorização para que o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) licenciasse as obras da segunda fase do Linhão de Tucuruí, dentro da Terra Indígena Waimiri Atroari, para Roraima (leia aqui). Gonçalves também demorou para intervir no conflito interétnico na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, e a dar uma resposta ao protesto dos indígenas Matís. Ele ainda assinou a transferência do pivô da manifestação à época, o agente indigenista Bruno Pereira, para a coordenação da Frente Etnoambiental Vale do Javari, o que provocou o retorno da tensão no Vale do Javari.

Em um balanço de sua gestão publicado em 17 de maio no site da Funai, João Pedro Gonçalves declarou que um dos pontos positivos foi a realização da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista e a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista. Ele também acenou contra possíveis mudanças nas demarcações de terra no governo de Michel Temer. “Qualquer ato que vise desestruturar os direitos indígenas e os direitos aos seus territórios de ocupação tradicional ou que vise revisar os atos administrativos realizados é frontalmente inconstitucional”, disse.

Ao deixar a Funai no dia 3 de junho, João Pedro fez uma espécie de prestação de contas de sua administração em uma rede social destacando os problemas na política indigenista atual e na saúde. “Estar à frente do órgão me fez tomar ciência dos desafios impostos à política indigenista e da importância de o governo federal fortalecer a Funai. Nesse período, pude viajar pelas cinco regiões do Brasil e identificar os problemas vivenciados pelos servidores e povos indígenas. Conclui que a Funai e a Sesai são as únicas instituições que realmente têm presença dentro das terras e junto aos povos indígenas. No entanto, essa presença ainda é muito tímida diante da complexidade e da grandiosidade representadas pelos povos indígenas do Brasil e das demandas por eles apresentadas cotidianamente”, afirmou.

Veja o que disseram as lideranças indígenas 

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