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quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Esquemão Azul

Governador do Acre movimentou quase R$ 1 milhão em espécie em suas contas; até um servidor do Detran fazia depósitos


No período de um ano, já ocupando o Palácio Rio Branco, depósitos em dinheiro vivo numa das contas de Cameli superaram o total repassado pela empresa de seu pai, onde ele tem sociedade e alega vir a maior parte de seus rendimentos;

Muitos dos valores eram depositados em quantias baixas numa tentativa de não chamar a atenção das autoridades    



Segundo PF, o próprio governador fez depósito em espécie de R$ 93 mil numa agência do BB em Rio Branco (Foto:Agência de Notícias do Acre (dez/21)

 

Fabio Pontes e Leonildo Rosas


Nomeado gerente administrativo no Departamento Estadual de Trânsito (Detran), o motorista Jefferson Luiz Pereira de Oliveira trabalhou com o atual governador do Acre, Gladson Cameli (PP), no Senado. É, portanto, homem de confiança do governador do Acre. No dia 26 de outubro, Oliveira foi à agência do Bradesco, em Rio Branco, e depositou R$ 58,1 mil, em espécie, na conta de Cameli. Outro personagem pouco comentado nas rodas políticas é Eduardo Braga da Rocha. Conhecido como Dudu, ele não tem nomeação oficial no governo, mas goza de poder e prestígio. Dudu, que foi casado com uma cunhada do governador, foi à agência do Bradesco, no dia 26 de maio deste ano, depositar, em dinheiro, R$ 52 mil na conta de Gladson Cameli. Esse dinheiro teria sido enviado pelo pai de Gladson Cameli, o empresário Eládio Cameli.


Todos são fatos estranhos, pois, em que pese as inúmeras tecnologias oferecidas pelos bancos, que permitem fazer operações financeiras práticas e seguras a partir do aparelho celular, o governador do Acre ainda prefere trabalhar do modo antigo, operando com dinheiro em espécie. Nos últimos dois anos, quase um milhão de reais em dinheiro vivo entrou em duas contas-correntes titularizadas pelo político progressista. Ao menos é isso o que atestam Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) elaborados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Enviados para a superintendência da Polícia Federal no Acre por conta do excessivo número de depósitos em espécie, os RIFs apontam que o próprio governador Gladson Cameli foi a uma agência do Banco do Brasil, em Rio Branco, depositar R$ 93 mil em sua conta. Funcionários e um irmão de Cameli também são identificados como depositantes e operadores de toda essa dinheirama. Além disso, os depósitos eram feitos sem a comprovação da origem dos recursos, o que levou os bancos a emitir comunicados ao Coaf sobre “movimentações atípicas” nas contas de Cameli.

Estas são informações levantadas junto ao inquérito da operação Ptolomeu, da Polícia Federal do Acre, remetido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e que investiga a suposta atuação de uma organização criminosa (Orcrim) dentro do Palácio Rio Branco. O governador acreano é um dos alvos principais da investigação, e definido pelos investigadores como o “chefe de organização criminosa”.  

Desde a última segunda-feira, 27, o blog do Fabio Pontes e o Portal do Rosas publicam uma série de reportagens sobre o inquérito policial, cujas informações são de relevante interesse da sociedade acreana por levantar suspeitas sobre o governador do Estado.

Em junho deste ano, a superintendência da Polícia Federal no Acre recebeu Relatório de Inteligência Financeira contendo 35 comunicações emitidas pelos bancos e outras instituições do sistema financeiro do país apontando movimentações suspeitas que chegam ao valor de R$ 1,6 bilhão. Os comunicados compreendem o período de maio de 2013 a abril de 2020 com informações sobre contas de 150 pessoas físicas e empresas.

Após realizar um pente-fino, os investigadores detectaram que 20, dos 35 comunicados contidos no RIF do Coaf, diziam respeito, direta ou indiretamente, à pessoa do governador acreano. Juntas, essas operações chegam ao exorbitante valor de R$ 828 milhões entre maio de 2015 a abril de 2020.  

Conforme o inquérito da operação Ptolomeu, dos 20 comunicados com algum tipo de relação com Gladson Cameli, 16 foram no período em que ele já ocupava a cadeira de governador. Vale destacar que nem todo este montante é considerado de origem ilegal, mas está sob investigação das autoridades por conta do excessivo volume de recursos ser incompatívei com a renda declarada dos investigados.   

A PF avaliou os RIFs elaborados pelo Coaf que dizem respeito a transações suspeitas em duas contas pessoais de Gladson Cameli: uma do Bradesco, sediada em Rio Branco, e outra do Banco do Brasil em Brasília. Nesta última, conforme informações do inquérito, os investigadores identificaram movimentações atípicas, no período de um ano (entre outubro de 2018 a outubro de 2019), no valor de R$ 3,1 milhões.

Além de Cameli, a conta é operada por outras três pessoas próximas ao governador que atuam como seus procuradores: a chefe de gabinete, Rosângela de Gama Pequeno (presa no dia 22 por obstrução de Justiça), o tio e secretário afastado da Indústria e Tecnologia, Anderson Abreu, e Rafael Batista Vieira, que também foi afastado e era funcionário do gabinete de Cameli no Senado, sendo herdado pela suplente Mailza Gomes (PP). O trio é investigado pela polícia e foi alvo dos mandados de busca e apreensão da Operação Ptolomeu.

Preventivamente, a ministra do STJ Nancy Andrighi determinou que as procurações fossem canceladas, até que as investigações sejam concluídas.

Conforme os relatórios do Coaf, a conta de Cameli recebeu  depósitos - em espécie - que, juntos, somam R$ 206 mil entre julho e dezembro de 2019, seu primeiro ano como governador. Um destes depósitos “na boca do caixa” foi feito pelo próprio político, no valor de R$ 93.400 mil, em 18 de julho de 2019 em sua agência do Banco do Brasil na capital.

Outro, no valor de R$ 52.650, foi realizado por Gledson de Lima Cameli, irmão do governador, em dezembro na mesma agência. Outro depósito - de R$ 60.250 - foi feito por Sebastião Rocha, “homem de confiança” do governador em Brasília - na conta do Bradesco. Por conta dos elevados valores, os três depósitos foram comunicados de forma automática ao Coaf, conforme estabelece uma circular do Banco Central.  

Os sucessivos depósitos em espécie feitos nas duas contas pessoais de Gladson Cameli ao longo dos últimos anos chamaram a atenção das autoridades. De acordo com a PF, R$ 921 mil foram creditados em dinheiro vivo nas contas do governador entre agosto de 2018 a fevereiro de 2020.

Foram constatados  diversos depósitos em espécie na conta do governador do Estado do Acre, em um curto intervalo de dias úteis, e em pequenos montantes exatos de R$ 5 mil R$ 2,5 mil, com possível tentativa de burla para evitar a identificação do depositante, o que é característico da prática de lavagem de capitais conhecida como “smurfing”:

“Por mais que o somatório seja alto, verificou-se que as operações são fracionadas em diversos depósitos de baixos valores - o que sugere possível tentativa de ocultar as transações dos órgãos de controle”, afirma o inquérito.


Manaus, Cruzeiro do Sul, Rio Branco

Mereceu destaque por parte dos investigadores o fato de que os depósitos ocorreram em agências de ao menos quatro cidades: Manaus, Cruzeiro do Sul, Rio Branco e Brasília. “Verificou-se que as operações são fracionadas, em diversos depósitos de baixos valores - o que sugere possível tentativa de ocultar as transações dos órgãos de controle”, diz trecho do inquérito.

A maioria destes depósitos ocorria sem a devida comprovação da origem dos recursos, o que levou as autoridades financeiras a colocarem ainda sob suspeição mais as transações.

Uma das justificativas usadas é de que o dinheiro tem como origem a participação do governador acreano nos rendimentos da Marmud Cameli & Cia Ltda, empresa de seu pai sediada em Manaus e da qual ele é sócio. Todavia, esses possíveis lucros não eram comprovados aos funcionários dos bancos.

“O cliente (...) alega que os recursos são provenientes de suas empresas, participação de lucros, inclusive os valores em espécie, contudo, os valores em espécie são expressivos e essas informações não foram comprovadas via documentos, não sendo assim comprovado as suas origens, ocasionando onerosa verificação”, diz parte do comunicado enviado pelo Bradesco ao Coaf, e destacado pela PF em seu inquérito enviado ao STJ.

As contas no Bradesco foram as que apresentaram a maior circulação de recursos e de "movimentações suspeitas”, levando o banco a emitir dois comunicados ao Coaf num curto espaço de tempo. Num deles, que compreende o período de maio de 2019 a fevereiro de 2020, o montante movimentado foi de R$ 1,3 milhão. Como apontam os relatórios, o valor supera e muito a renda declarada pelo cliente.

Deste total, apenas R$ 209 mil são referentes a transferências da Marmud Cameli & Cia Ltda. A quantidade de dinheiro que entrou por meio de depósitos em espécie (alguns deles não identificados) supera o enviado pela empresa do pai de Gladson: R$ 306 mil. Na comunicação anterior (de agosto de 2018 a maio de 2019), outros R$ 101 mil em dinheiro vivo foram creditados na conta de Gladson Cameli.

Vale destacar que o período em que a conta de Gladson Cameli  no Bradesco mais recebe depósitos em espécie corresponde ao de mandato de governador do Acre. Conforme consulta junto ao Portal da Transparência, o salário bruto do chefe do Executivo é de R$ 35.402,22. Considerando os descontos obrigatórios em folha - como Imposto de Renda - Cameli recebe livres R$ 26.034,29.  Em um ano de salário de governador, ele teria uma renda de R$ R$ 312.411,48.  

Portanto, a quantidade de depósitos em espécie em menos de um ano na cadeia de governador corresponde a 95% do salário oficial, revelando a completa incompatibilidade das transações em suas contas correntes com a renda declarada. Para os investigadores, os valores movimentados na conta são incompatíveis com a renda do governador.    

Na análise da PF, a justificativa de que os valores recebidos são parte dos rendimentos societários não se sustenta por a Marmud Cameli & Cia Ltda - da qual ele é sócio - fazer os repasses de seus lucros via transferência bancária, conforme atestam os RIFs do Coaf, além de ele não comprovar que o dinheiro vivo depositado é oriundo da participação em lucros.

O que mais saltou aos olhos foi o elevado gasto de Gladson Cameli com operações de cartão crédito, apenas na conta do BB: R$ 825 mil. “Uma aritmética simples permite concluir que a média mensal de gastos com cartão de crédito gire em torno de R$ 68.000,00, o que, por si só, excederia a renda declarada do titular”, diz a polícia.

Recentemente, em entrevista, Gladson Cameli declarou que o dinheiro extra que entrou em sua conta é repassado pela Marmud Cameli, e serve para pagar suas despesas com a fatura do cartão. Ao se ler o inquérito feito com base em relatórios do Coaf, percebe-se que tal afirmação não se sustenta, pois parte destas contas - que superam os R$ 50 mil por mês - eram pagas com dinheiro em espécie na “boca do caixa”.  


Crédito ou débito?


A vida financeira pessoal do governador não parou de gerar relatórios de inteligência do Coaf por conta das constantes “movimentações atípicas”. Além dos volumosos depósitos com dinheiro vivo, as faturas dos cartões de crédito e a forma como eram pagas despertavam a atenção dos policiais. Num dos comunicados emitidos pelo Bradesco, há a informação de que “um funcionário” do governador acreano tentou pagar, com um bolo de dinheiro, a fatura de R$ 50.139 de Cameli.

Por conta de resolução do Banco Central que impede o pagamento de boletos acima de R$ 10 mil em espécie, o caixa do Bradesco fracionou o valor da fatura. Em outro comunicado, o Banco de Brasília (BRB) informou ao Coaf que um policial militar depositou, na própria conta, a quantia de R$ 81 mil para pagar duas faturas de cartão de crédito: uma de R$ 45,5 mil e a outra de R$ 35,5 mil. O titular dos cartões? Gladson de Lima Cameli.

Ainda conforme o comunicado do banco, o PM informou ter outros R$ 80 mil em espécie com ele, mas que os não depositaria para não chamar a atenção da Receita Federal, e que devolveria a grana ao seu irmão. O policial é irmão de Sebastião da Silva Rocha, que por muitos anos trabalhou como motorista do governador em Brasília durante seus mandatos na Câmara e no Senado.

Ao assumir o governo, Gladson o nomeou para cargo de confiança no escritório de representação do Acre na capital federal. Sebastião é um dos investigados pela PF e foi alvo de mandados na operação Ptolomeu. Sebastião Rocha é apontado no inquérito como um dos “homens de confiança do governador, para o qual funções altamente sensíveis podem ser delegadas”.  Como mostramos mais acima. Sebastião também apareceu no relatório como depositante de R$ 60 mil na conta do governador no Bradesco.

Por ter sob sua responsabilidade uma quantia de R$ 160 mil em espécie que seriam para pagar dívidas de Gladson Cameli, a PF aponta Sebastião Rocha como um dos operadores financeiros do governador do Acre. Conforme consta no inquérito, a prática de se fazer uso de dinheiro vivo e usar terceiros para operacionalizá-lo se caracteriza como “indisfarçável tentativa de ocultar os pagamentos”.

As medidas impostas por instituições como o Banco Central e o Coaf para controlar o uso de dinheiro em espécie se dá, justamente, para combater a entrada de recursos não declarados no sistema financeiro. Dessa forma, as autoridades têm melhor controle para o combate a crimes como o tráfico de drogas e o desvio de verbas públicas.    



O outro lado


A reportagem procurou a assessoria de imprensa do governador Gladson Cameli para comentar as denúncias que lhe são imputadas pela Polícia Federal, mas até o momento não houve retorno do e-mail enviado. Talvez por conta do feriadão prolongado decretado pelo governador, sua equipe esteja descansando.

Tão logo haja alguma manifestação, a publicaremos.

 

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

ESQUEMÃO AZUL

Seis meses após assumir governo, Gladson cria holding familiar e a usa para comprar imóvel de R$ 5 milhões em SP

A GGC Holding Ltda tem o filho do governador, uma criança de seis anos, como sócio. Para PF, empresa foi utilizada na tentativa de comprar apartamento de luxo para ocultar o verdadeiro proprietário: o chefe do Palácio Rio Branco  

 

Para PF, ao tentar usar a própria empresa e a de parentes na compra de imóvel, Cameli tentou ocultar propriedade (Foto: Agência de Notícias do Acre)

 



Fabio Pontes e Leonildo Rosas


Passados seis meses desde que assumiu a cadeira de governador do Acre, Gladson de Lima Cameli (PP) criou uma holding familiar com sede em Manaus, cidade onde a família Cameli mantém parte de suas empresas. Com capital inicial de R$ 10 mil, a GGC Holding Ltda tinha como sócios o governador acreano e seu único filho, o menino Guilherme Correia Cameli, que à época tinha cinco anos de idade. Gladson tinha participação de R$ 9 mil no negócio, enquanto a criança entrou com capital de R$ 1 mil.  

Tendo hoje o “comércio varejista de calçados” como atividade principal, mas sem nenhum funcionário contratado, a holding foi usada em uma das três tentativas do governador acreano de comprar apartamento de alto padrão na capital paulista, avaliado em mais de R$ 5 milhões. A GGC Holding Ltda também passou a ser dona de um dos cinco carros de luxo comprados por Cameli com valores bem abaixo do praticado pelo mercado. Ambas as operações são investigadas pela Polícia Federal.   

Desde a data de sua criação, em 24 de junho de 2019, a GGC Holding (a sigla é uma possível referência a Gladson e Guilherme Cameli) passou por três alterações cadastrais. Uma delas foi a mudança de sua sede, saindo da capital do Amazonas transferida para Rio Branco e, por fim, para Cruzeiro  do Sul. A empresa tinha como atividade principal “holding de instituição não financeira” quando da criação.

Na terceira e última alteração registrada em seu Contrato Social, realizada já em Cruzeiro do Sul, a GGC Holding coloca como atividade principal o comércio varejista de calçados, e outras 13 atividades secundárias, que vão da construção de edifícios à venda de artesanatos, e indo até a compra e venda de imóveis.

Em setembro de 2021, quando ocorre a última alteração na empresa e a Polícia Federal avançava nas investigações sobre a vida financeira do governador, Gladson Cameli sai dos quadros societários da holding, deixando a primeira-dama, Ana Paula Correia Cameli, como sócia-majoritária. Dos R$ 10 mil de capital na abertura, agora a holding possui R$ 50 mil. Destes, R$ 49 mil são da esposa do governador, com o filho Guilherme tendo R$ 1 mil de participação.  

Estas são informações levantadas junto ao inquérito da operação Ptolomeu, da Polícia Federal do Acre, remetido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e que investiga a suposta atuação de uma organização criminosa (Orcrim) dentro do Palácio Rio Branco. O governador acreano é um dos alvos principais da investigação.

Desde a última segunda-feira, 27, o blog do Fabio Pontes e o Portal do Rosas publicam uma série de reportagens sobre o inquérito policial, cujas informações são de relevante interesse da sociedade acreana por levantar suspeitas sobre o governador do Estado.

Além da GGC Holding Ltda, Gladson Cameli também tem participação societária na Marmud Cameli & Cia Ltda, empresa de propriedade de seu pai, Eládio Messias Cameli. Sediada em Manaus, a Marmud Cameli é uma empreiteira de grande porte que tem entre seus principais clientes o governo do Amazonas. São dos lucros obtidos pela empresa familiar que o governador acreano alega vir a maior parte de seus elevados rendimentos que transitam por suas duas contas correntes investigadas pela PF.

Nas análises da Polícia Federal, realizadas a partir de uma pilha de Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) remetidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), há uma referência à GGC Holding Ltda na tentativa da compra de um apartamento de R$ 5 milhões num dos bairros mais nobres de São Paulo. Por conta de resoluções estabelecidas pelo Coaf, as imobiliárias são obrigadas a informar ao órgão as tentativas de transações nas quais os verdadeiros compradores tentam não figurar como os reais proprietários - a famosa ocultação.

E foi o que fez a Sabiá Downtown Empreendimentos Imobiliários. Em abril de 2020, a empresa encaminhou ao Coaf as tentativas do governador acreano de comprar o apartamento na capital paulista. Ao todo foram três as tentativas. Na primeira, a GGC Holding Ltda iria configurar como compradora oficial, e a Construtora Etam Ltda, cujos donos são os irmãos e o pai de Gladson Cameli, iria complementar o pagamento da compra.

Conforme o inquérito policial, o contrato foi assinado, mas os valores não foram repassados à imobiliária, levando à anulação da venda. Numa outra tentativa, o governador e a primeira-dama iriam aparecer como os compradores. Todavia, os R$ 5 milhões não iriam sair de suas contas pessoais, mas da Construtora Rio Negro. Com sede em Manaus, a empreiteira tem como sócio Gledson de Lima Cameli, irmão do governador. “A empresa [Sabiá Downtown] informa que por não admitir esse tipo de prática recusou a proposta.”

Na terceira e última tentativa, afirma o inquérito da PF, Gladson Cameli propôs à imobiliária que a Construtora Rio Negro fosse a compradora e pagadora do apartamento. Para a Polícia Federal, ao tentar fazer o uso do nome de empresas para a compra do imóvel, o chefe do Palácio Rio Branco tentou ocultar o verdadeiro proprietário. Em seu comunicado ao Coaf, a Sabiá Downtown não deixa claro se a venda foi de fato concluída.

Em seus argumentos à ministra Nancy Andrighi, do STJ, para solicitar os mandados de busca e apreensão da operação Ptolomeu, a Polícia Federal aponta a substancial discrepância entre o valor do apartamento pretendido pelo governador acreano com seu patrimônio declarado ao Tribunal Superior Eleitoral para as eleições de 2018. À época, Cameli declarou patrimônio de R$ 2,9 milhões.

“Dessa forma, a operação envolvendo a compra do imóvel em análise, representaria uma elevação de mais de 270% do patrimônio total de Gladson de Lima Cameli; concretizada em período próximo de vinte meses”, diz trecho da representação.   


O outro lado


A reportagem procurou a assessoria de imprensa do governador Gladson Cameli para comentar as denúncias que lhe são imputadas pela Polícia Federal, mas até o momento não houve retorno do e-mail enviado. Talvez por conta do feriadão prolongado decretado pelo governador, sua equipe esteja descansando.

Tão logo haja alguma manifestação, a publicaremos.    


segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

PTOLOMEU PAPERS

Como investigações sobre compras superfaturadas durante pandemia colocaram Gladson Cameli na mira da PF



Ao cumprir mandados na casa de suspeito de ser “operador político” de esquema para aquisição fraudulenta de EPIs pela Secretaria de Saúde da capital, a polícia encontrou carro de luxo que pertencia a governador acreano.  



Fabio Pontes e Leonildo Rosas



No dia 10 de junho de 2020, policiais federais da superintendência do Acre foram às ruas cumprir mandados de busca e apreensão para investigar a suspeita de compra superfaturada e direcionada de álcool em gel pela Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco. Batizada de operação Assepsia, as investigações apontavam que a prefeitura da capital - então chefiada por Socorro Neri (PSB) - teria direcionado a dispensa de licitação para a compra de equipamentos de proteção individual com valores bem acima do praticado pelo mercado.  


Antes disso, e a partir de alertas emitidos pela Controladoria Geral da União (CGU), a Polícia Federal já investigava outros possíveis casos de malversação com recursos públicos durante a crise sanitária causada pelo novo coronavírus, o que resultou nas operações Dose de Valores e Off-Label, que apuravam ilícitos na aquisição de equipamentos médico-hospitalares. Entre as práticas suspeitas estavam a compra superfaturada de medicamentos, a não entrega de insumos cujos valores tinham sido pagos, além do possível pagamento de propina a agentes públicos. 

Todas as informações publicadas aqui são com base no inquérito da superintendência da Polícia Federal no Acre enviado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), com os pedidos para expedição dos mandados judiciais para a deflagração da operação Ptolomeu.

Tais fraudes eram investigadas nas secretarias de Saúde de cidades do interior, da capital e também na Estadual, a Sesacre. Todos estes possíveis esquemas de corrupção ocorriam no período mais crítico da pandemia da Covid-19, quando as barreiras burocráticas de um processo licitatório eram dispensadas para facilitar o enfrentamento à crise sanitária.     

Após a apreensão de uma série de documentos, computadores e celulares dos suspeitos, além da quebra dos seus sigilos fiscal, bancário e telemático ser autorizada pela Justiça, os investigadores foram montando, ao longo dos últimos 18 meses, um verdadeiro quebra-cabeça que desencadeou, em 16 de dezembro de 2021, na deflagração da operação Ptolomeu, que pode ser considerada como a revelação do maior escândalo de corrupção da história do Acre.

Adotando a estratégia do follow the money (siga o dinheiro), os policiais federais descobriram que o “principal operador político” do esquema para compra superfaturada de álcool em gel pela prefeitura da capital, era o mesmo que estaria articulando o esquema de corrupção revelado pela operação Ptolomeu. Ou seja, o empresário Rudilei Soares de Souza, o Rudilei Estrela.

Entre os alvos principais da operação Ptolomeu está o governador Gladson Cameli (PP) e seus assessores e empresários mais próximos, além das empresas ligadas à sua família. O próprio Cameli teve mandados de busca e apreensão cumpridos na sua casa na capital, além de levar os agentes a cumprirem medidas judiciais no Palácio Rio Branco e nas dependências da Casa Civil.

Na última quarta-feira, 22, a PF prendeu a coordenadora de gabinete de Cameli, Rosângela da Gama Pequeno, por obstrução de Justiça. Ela é suspeita de atuar para destruir as provas da investigação. Conforme o Portal do Rosas mostrou com exclusividade na semana passada, Pequeno foi flagrada “dando fim” a um de seus celulares que eram buscados pelos federais.

Rosângela passou a ser a segunda pessoa presa pela operação Ptolomeu. O primeiro tinha sido o empresário Rudilei Soares de Souza, o Rudilei Estrela, a quem a PF acusa de ser o grande operador político e financeiro dos esquemas de corrupção investigados pelos inquéritos da Assepsia e Ptolomeu. Amigo pessoal do governador Gladson Cameli, Estrela é suspeito de criar empresas de fachada para movimentar alguns milhões de reais naquilo que é definido como “contas de passagem” de “empresas de fachada” e “empresas fantasmas”.

Conforme a Polícia Federal, as empresas de Rudilei recebiam recursos de empreiteiras que tinham contratos com o governo do Acre. Por sua vez, parte desse dinheiro ia para as contas jurídicas de familiares do governador Gladson Cameli. Além disso, era por essas contas de passagem de Rudilei Estrela que houve a compra de uma BMW X4 (avaliada em mais de R$ 500 mil) que tem como proprietária a primeira-dama do Estado, Ana Paula Correia Cameli.

Todo esse rastreamento foi possível graças aos chamados Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) repassados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ligado ao Ministério da Justiça, que, por sua vez, recebe dos bancos informações sobre “movimentações atípicas” nas contas de seus clientes. Esse tipo de controle é feito, justamente, para combater a prática de crimes como o peculato, o desvio de verbas públicas.

As empresas da família Cameli entraram no centro das investigações da PF após a tentativa de Gladson Cameli de comprar um apartamento de luxo avaliado em mais de R$ 5 milhões. O inquérito não revela em qual cidade estaria o imóvel, mas a imobiliária com quem houve a tratativa tem sede no Rio de Janeiro.

Por conta do alto valor do imóvel, a transação também teve que ser informada pela imobiliária ao Coaf, que a repassou à PF. Em duas tentativas, apontam os inquéritos, o imóvel ia ser comprado não em nome do governador, mas de empresas da família, conforme informado pela imobiliária. A polícia não soube dizer se o apartamento de fato foi adquirido.    

(Essa tentativa de compra será apresentada em reportagem específica)

Todavia, o que mais chamou a atenção dos investigadores foi ter sido encontrado um carro de luxo, que tinha como proprietário o governador Gladson Cameli, na casa do empresário Rudilei Estrela, durante a segunda fase da operação Assepsia, em 15 de abril deste ano. Conforme a Polícia Federal, a Pajero Sport HPE está entre os cinco carros de luxo comprados por Cameli num intervalo de oito meses de 2019, seu primeiro ano como governador do Acre.

Gladson Cameli é conhecido no Estado por levar uma vida de ostentação e luxo. Apesar de 15 anos em sucessivos cargos eletivos, seus apoiadores dizem que a vida milionária que esbanja é fruto da sorte de ter nascido no berço de ouro da família Cameli, não tendo nenhuma relação com a corrupção na política. Para seus apoiadores, o jovem político de 43 anos não tem a necessidade de se envolver em esquema de desvio de verba pública por já ser bastante rico.

Portanto, segundo essa tese, a compra dos carros poderia passar despercebida, não levantando a mínima suspeita. Só não para a Polícia Federal e o Coaf. É que, conforme o banco responsável pelo financiamento dos cinco veículos zero quilômetro, eles foram adquiridos por valores bem abaixo do praticado pelo mercado. Essa estranha transação de compra subfaturada foi informada ao Coaf que, por sua vez, repassou para a PF no Acre.

(A compra dos automóveis também é investigada e será razão de reportagem específica)


Comprou e não mudou de dono


Segundo Rudilei Estrela informou aos investigadores, a Pajero Sport tinha sido comprada do governador em dezembro de 2020, mas até aquele abril de 2021 não tinha sido feita a transferência de posse. As investigações mostram que somente após ser alvo da operação Assepsia (fase 2), Estrela passou o carro para seu nome, com data retroativa a dezembro de 2020. Logo em seguida, o empresário repassou o veículo para um terceiro.

Para a polícia, causou estranheza o fato de um carro supostamente vendido pelo governador para Rudilei Estrela ter ficado tantos meses no nome de Gladson Cameli, quando essa transferência é automática no ato da aquisição. Estrela afirmou que fez a compra numa concessionária de Rio Branco, o que já resultaria na mudança de propriedade junto ao órgão de trânsito, o Detran.  

Para a PF, a possível compra da Pajero Sport HPE - que oficialmente não constava no estoque da concessionária- foi apenas uma forma de disfarçar a aquisição da BMW X4. A polícia diz que parte da transação (R$ 120 mil) foi feita com dinheiro em espécie, e que este pagamento não foi informado ao Coaf.    

Outro fator que despertou a atenção dos investigadores era o fato de Rudilei Estrela sempre ser tratado pelos empresários que participavam do esquema de corrupção na compra de álcool em gel como “governador”. Como destaca a PF, apesar de a compra ser feita pelo município e dele ter sido candidato a deputado federal pelo PP em 2018, Rudilei Estrela não era chamado de “meu prefeito” ou “meu deputado”, mas apenas de “governador”.

Este fato, mais a localização de um carro de Gladson Cameli na garagem do empresário, revela a proximidade do governador acreano com o “principal operador político” do possível esquema de corrupção que tinha como alvo contrato de R$ 6,5 milhões da Secretaria de Saúde de Rio Branco para a compra de álcool em gel e máscaras.

Apesar de os investigados pela operação Assepsia negarem que tenha ocorrido o pagamento de propina para a assinatura do contrato, a PF afirma que as interceptações telefônicas, além das planilhas apreendidas nos celulares dos suspeitos, revelam o contrário. Citações como “frete”, “10%”, “custo político” e “comissão”, de acordo com relatório de investigação, “dizem respeito a entrega de valores a título de propina”.    

Ainda segundo apurado pela polícia, Rudilei Estrela era o responsável por fazer a coleta do suborno e “dar a devida destinação”. O empresário fez, pelo menos, três viagens para receber os valores relacionados à suposta propina.

As viagens ocorreram nas datas específicas que a Secretaria de Saúde da capital fazia o pagamento das parcelas do contrato com a empresa sediada em São Paulo. O pagamento da “comissão” ocorria em espécie para não levantar suspeitas. Dias antes da operação Assepsia ir às ruas, o dinheiro foi repassado para a conta de um dos irmãos de Rudilei Estrela e outra de sua empresa.  


O que levou a PF a investigar Gladson?


A intensa aproximação de Rudilei Estrela com Gladson Cameli, as constantes citações do nome do governador pelos investigados nas operações de combate a fraudes com recursos do Sistema Único de Saúde, a tentativa da compra de um imóvel de R$ 5 milhões, a compra subfaturada de veículos de luxo e, por fim, as constantes “movimentações atípicas” detectadas pelo Coaf nas contas bancárias das empresas da família Cameli colocaram o chefe do Palácio Rio Branco no centro das investigações.

A operação Ptolomeu é o resultado do desmembramento dos inquéritos que apuram fraudes na Saúde, após determinação da ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça. Por conta da prerrogativa de foro, governadores só podem ser investigados após autorização do STJ. Foi a ministra que expediu os mandados de busca e apreensão e prisão nas duas primeiras fases da Ptolomeu.      

Essa é a primeira de uma série de reportagens intitulada Ptolomeu Papers produzidas a partir das investigações realizadas pela Polícia Federal no inquérito da Operação Ptolomeu, que desbaratou o que é definido como “organização criminosa” montada na alta cúpula do governo acreano para desviar recursos do SUS e do Fundeb. Ao todo, R$ 800 milhões teriam sido movimentados pelos investigados.

Desde o começo, o governador Gladson Cameli tem negado todas as acusações investigadas pela PF na operação da PF. Diz que nada tem a temer, que está à disposição dos investigadores, e que sua inocência será provada.


Ao longo dos próximos dias, mais reportagens sobre a operação Ptolomeu serão publicadas com base nas informações levantadas junto ao inquérito policial que apura os supostos casos de corrupção na alta cúpula do Palácio Rio Branco. Ao todo, o inquérito da Polícia Federal enviado ao Superior Tribunal de Justiça contém 845 páginas.   

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Uma estrada no tribunal

Dnit vai ao TRF1 contra decisão que suspende edital que acelera construção de rodovia na Amazônia


O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1o Região, em Brasília, para anular a decisão liminar da Justiça Federal do Acre que suspendeu edital lançado pelo órgão que contrata empresa para iniciar os estudos de viabilidade técnica para as obras de construção da rodovia Cruzeiro do Sul-Pucallpa. Apesar dos imensuráveis impactos sociais e ambientais que a estrada causará a uma das regiões mais intactas da Amazônia, o Dnit atropelou a fase de consulta às comunidades.

 

O Dnit quer que seu recurso (agravo de instrumento) seja julgado em caráter de urgência, o que pode levar a uma reversão da decisão da primeira instância ainda esse ano. O objetivo do órgão federal é assinar contrato com a empresa vencedora da concorrência pública ainda em 2021. No TRF1, o processo foi distribuído para o desembargador Francisco de Assis Betti.

O temor dos advogados que representam as entidades indígenas e ambientais que ingressaram com a Ação Civil Pública (ACP) acatada pela 1o Vara Federal de Rio Branco é que, por conta do caráter de urgência, o desembargador não lhes dê o prazo necessário para realizar as manifestações. A tendência é de o cabo-de-guerra parar no Superior Tribunal de Justiça e se arrastar ao longo de 2022.

Essa semana produzi para o portal ((o)) eco reportagem contando um pouco desta guerra jurídica travada entre os movimentos sociais e o governo federal, que tenta iniciar projeto de elevado impacto desrespeitando um princípio básico do processo de licenciamento: a prévia consulta às comunidades diretamente afetadas.  

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sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

A República de Ptolomeu

Gladson Cameli, governador do Acre: uma vida luxuosa com riqueza acumulada na política e nos negócios (Foto: Divulgação)

 

O pequeno e empobrecido estado do Acre amanheceu ontem, quinta-feira 16 de dezembro, sacudido com a notícia de que viaturas da Polícia Federal estavam nas rampas do Palácio Rio Branco e nas casas do governador Gladson Cameli, do Progressistas. Ficar sacudidos já estamos acostumados pelos comuns tremores de terra sentidos por essas bandas do Brasil. O que aconteceu foi mesmo um terremoto político diante da revelação do maior escândalo de corrupção da história do Acre, revelado por meio da operação Ptolomeu.


Não é de hoje que a PF no estado realiza grandes operações de combate à corrupção - e não será a última. Todavia, nunca antes na história revolucionária deste povo tivemos uma que chegasse tão perto do chefe do Executivo estadual, a ponto de viaturas serem colocadas nos acessos ao Palácio Rio Branco, e agentes federais “invadirem” o gabinete do governador no prédio sede do governo.

Ver a pessoa do jovem governador Gladson de Lima Cameli, 43 anos, investigado por possível participação num esquema de corrupção que teria movimentado quase um bilhão de reais, causou estranheza para muita gente - inclusive a este ingênuo jornalista.

Afinal de contas, o que mais ouvimos por aqui é a teoria de que Gladson Cameli não precisa da política nem ser corrupto nela para ganhar dinheiro e viver a vida luxuosa que ostenta num dos estados mais pobres da federação. Apenas um dos relógios usados pelo governador seria suficiente para comprar centenas, talvez milhares, de cestas básicas para tantos acreanos que nada têm para comer.

Não tenho nada contra se levar uma vida luxuosa graças a uma conta-corrente e um cofre ultra-seguro cheio de grana. Cada um trabalha e acumula aquilo que quiser. Mas passar a imagem de bom samaritano e rapaz humilde melando seus sapatos caríssimos na periferia de Rio Branco não cola.

De fato, Gladson Cameli nasceu num esplêndido berço de ouro - privilégio para poucos num estado tão desigual quanto o nosso. E de fato ele não precisaria estar na política, muito menos trabalhar, desfrutando de toda a riqueza construída pela família Cameli ao longo das últimas cinco décadas. Mas a dinheirama de Gladson não é fruto apenas dessa graça divina de nascer rico; ela também é resultado de seus 15 anos vivendo na e da política, ganhando muito bem obrigado e tendo todas as suas despesas pagas com recursos públicos.

A família Cameli é formada por pessoas trabalhadores e que têm o empreendedorismo nas veias. É dona de empreiteiras, estaleiros, posto de combustível, supermercados, emissoras de televisão e rádio e por aí vai. Além do mundo dos negócios, os Cameli também são muito eficazes na política. O primeiro a entrar nesta seara foi o tio de Gladson, o ex-governador Orleir Messias Cameli, que governou entre 1995 a 1998. Orleir morreu em 2013 vítima de câncer, mas isso não nos impede de o classificarmos como um dos piores governos da história do Acre. Não vou entrar em detalhes sobre o período. Quem é acreano sabe do que falo.

Além de Orleir, apenas Gladson decidiu se arriscar no mundo selvagem da política. De acordo com ele, a política está em suas veias, é um obstinado pelo poder e quis ser governador para fazer Justiça à memória do tio, a quem diz ser vítima de uma ação perseguidora e caluniadora dos 20 anos de PT. Não sabemos qual ação é essa, pois foi justamente nas duas décadas de petismo que a família Cameli mais obteve contratos com o poder público, ampliando ainda mais seu patrimônio milionário.

O riquíssimo e jovem Gladson Cameli entrou para a política em 2006, quando a família Cameli oficializou sua aliança com os irmãos Viana - indicando até o vice na chapa do PT para o governo. Aos 28 anos de idade, Gladson foi eleito deputado federal pelo PP, partido onde sempre esteve. O Acre tem apenas oito cadeiras na Câmara dos Deputados. Obter uma delas custa muito dinheiro nas campanhas - e dinheiro não era problema para ele.

Em 2010 foi reeleito. Ao longo dos anos foi construindo sua trajetória política. Amplia sua base eleitoral para todo o Acre, saindo do Vale do Juruá, região de hegemonia econômica e política dos Cameli. Visto como uma jovem liderança, carismático e popular logo caiu nas graças do eleitorado. A partir daí começou a construção da imagem do político que não precisava se lambuzar com a corrupção da política por já ser um milionário. “Eu não preciso da política”, costuma dizer.

Assim consolidou sua imagem para ser um político além de mandatos na Câmara, sendo o único capaz de derrubar a hegemonia do PT e dos irmãos Viana. Em 2014 entrou como vencedor na disputa pelo Senado, quando apenas uma vaga estava disponível. Dali já saiu como o candidato a governador de 2018. Derrotou, no primeiro turno, o PT,  pondo fim a 20 anos de domínio político da esquerda acreana.

Em tempos de lavajatismo, bolsonarismo e combate à corrupção a imagem do rico que jamais iria roubar os cofres do estado por não precisar apenas se consolidou. Entretanto, aos poucos os primeiros escândalos de desvio de verbas públicas foram surgindo no andar de baixo do governo. Eram “casos isolados” em secretarias e autarquias que o próprio governador mandava a polícia investigar. Seus aliados logo o enalteciam pela coragem de não ter medo de cortar na própria carne, e não abafar as investigações - como era bastante comum nos governos passados.

Daí o mito de incorruptível e o rico que não precisa da política ficava mais forte, sua popularidade em alta. Como a vida é cheia de poréns, mais e mais casos de corrupção foram aparecendo. Nas conversas de boteco e nas rodas das praças o assunto não era outro: o Acre estava sendo invadido por empresas de Manaus. Por essas bandas do Aquiry se diz que empresas de Manaus vendem do Cotonete ao alfinete para o governo Gladson Cameli.

Mas por que tantas empresas manauaras cruzaram a linha Cunha Gomes? Vamos lá. Além do Acre, a família Cameli tem fartos tentáculos empresariais e políticos no Amazonas. As empreiteiras do pai do governador, o senhor Eládio Cameli, estão sediadas em Manaus.

Ele mantém estreita relação com os principais caciques políticos de lá; de Amazonino Mendes a Eduardo Braga, passando por Omar Aziz e José Melo. Por Manaus é visto como um bom doador de recursos financeiros para as campanhas desta cacicada. Como moeda de troca, vence grandes licitações do governo do Amazonas. Além de casas em Rio Branco e Cruzeiro do Sul, Gladson Cameli também tem comprovante de residência na capital amazonense.

Com tamanha influência da família Cameli por lá, nada mais normal que seus amigos e amigas viessem ganhar dinheiro aqui - ainda mais com um aliado sentado na cadeira de governador e com as chaves dos cofres nas mãos. O problema é que ultrapassaram todos os limites. Até emissoras de televisão de Manaus se instalaram em Rio Branco - talvez de olho na milionária verba de publicidade usada para calar a imprensa local.

O Acre se tornou o oasis para empresas manauaras ganharem dinheiro. Este paraíso ganhou até um nome: a República de Manaus. E é essa republiqueta que a Polícia Federal e a Controladoria Geral da União investigam por suposta movimentação de ao menos R$ 800 milhões dos cofres da saúde e da educação. Conforme a PF, uma verdadeira organização criminosa foi montada dentro do Palácio Rio Branco para desviar recursos do cidadão acreano, lavando a grana surrupiada com relógios, jóias, casas e carros de luxo.


Foi por conta desta relação tão próxima entre o governo do Acre com empresas de Manaus que o Superior Tribunal de Justiça autorizou a PF a fazer buscas e apreensões nas casas e empresas da família Cameli no Amazonas. Dessa forma, ao que tudo indica, a República de Manaus começou a ruir com a deflagração da operação Ptolomeu.

É óbvio que tudo está apenas no começo. Todos os investigados terão o amplo direito de defesa garantido. Mas é certo que uma Corte tão criteriosa como o STJ - afastada léguas de distância do ambiente político do Acre - não iria atender a pedidos da polícia para cumprir mandados na casa do governador e na sede oficial do governo caso as provas apresentadas não fossem tão robustas.

O povo acreano não merecia a vergonha nacional de ver o histórico e formidável símbolo do Estado ser ocupado por agentes e viaturas policiais. Que as investigações prossigam no devido processo legal, e que a sociedade saiba como de fato se dava essa relação (nada republicana) entre o governo do Acre e empresas de Manaus.




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quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Ribeirinhos convertem-se ao ouro e desafiam contaminação por mercúrio no rio Madeira

 

Entre os garimpeiros que congestionavam o baixo rio Madeira até o fim de novembro, estavam centenas de homens e mulheres que nasceram e se criaram ao longo de suas margens. Os ribeirinhos são uma novidade no cenário do garimpo na Amazônia, antes dominado por forasteiros de todas as regiões do país. Tradicionalmente dedicados à pesca, à agricultura de subsistência e à produção de farinha de mandioca, as comunidades ribeirinhas começaram a voltar seus olhos para as fagulhas de ouro que as dragas sugam do fundo lamacento do Madeira.


 “Pessoas que nunca se interessaram pelo garimpo, motivadas pela alta da cotação do ouro e pela crise econômica; sem incentivo à agricultura e com a pesca restrita a alguns meses do ano, viram no garimpo uma alternativa lucrativa e fácil, onde uma cozinheira pode ganhar R$ 1,5 mil por semana, ainda mais nesta época de pandemia e alta do custo de vida”, diz a geógrafa Lucileyde Feitosa, da Universidade Federal de Rondônia (Unir).

A professora – doutora em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) – é criadora e apresentadora de uma série em podcast intitulada “Amazônia Ribeirinha”, um programa que faz parte de seu projeto de doutoramento, onde ouve moradores e acompanha seu cotidiano na tradicional comunidade de Calama, nas margens do Madeira, em Porto Velho, capital de Rondônia.

Segundo Lucileyde, esta recente corrida ao ouro no rio Madeira não foi causada só por uma ‘fofoca’, como os garimpeiros costumam denominar a notícia da descoberta de uma grande jazida. Ela acredita que outra das razões pode ter sido a assinatura de um decreto pelo governador de Rondônia, coronel Marcos Rocha (PSL), regulamentando o garimpo nos rios do Estado – com impactos mais diretos no rio Madeira. O decreto foi assinado em 29 de janeiro de 2021 liberando a atividade, desde que autorizada pelos órgãos ambientais.

“Foi uma percepção coletiva de que ‘liberou geral’ em todo o rio Madeira”, comenta a pesquisadora. O decreto, que ainda é questionado na Justiça, teria validade nas águas dos rios amazônicos em seus trechos no território de Rondônia. Mas a região onde as balsas atracaram está no Amazonas, no município de Autazes, a 200 km de Manaus.  A região está próxima do encontro do Madeira com o Amazonas.  

Cerca de 300 balsas (aproximadamente duas mil pessoas) invadiram o rio, das quais 131 foram queimadas até 29 de novembro em operação da Polícia Federal com apoio da Força Nacional de Segurança, Marinha e do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

A pesquisadora lembra que as dragas, ao sugarem os fundos do rio, causam graves impactos além da contaminação das águas por mercúrio. “Afetam o leito do rio e as margens, causando desbarrancamento, engolindo peixes e triturando animais como botos e jacarés. As condições de trabalho são insalubres, é difícil o acesso à água potável e o custo de vida é ainda mais alto”, descreve Lucileyde.

Apesar do impacto ambiental e social do garimpo no rio Madeira, pesquisadores da temática ouvidos por ((o)) eco avaliam que a simples repressão policial da atividade não vai solucionar o problema. Para eles, a questão é muito mais delicada e sensível, já que muitas comunidades carentes ao longo do rio Madeira encontram no garimpo a sua principal e, às vezes, única fonte de sobrevivência.

“De que adianta incendiar as balsas, destruir o patrimônio destas pessoas que apenas buscavam a sobrevivência, sem oferecer uma alternativa? Não recebem incentivos à agricultura e têm limitações para a pesca. É preciso discutir uma política pública que garanta renda para estas comunidades no ano inteiro”, avalia ela. 


Leia a reportagem aqui

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

crise climática

 Comunidades da rodovia Transacreana enfrentam crise hídrica 


Se no começo de 2021 os moradores do Acre conviveram com a grande cheia dos rios que deixou cidades inteiras debaixo d’água, desde meados de julho a realidade é bem diferente. Com o início do “verão amazônico”, os acreanos passaram a lidar com a poluição do ar causada pelas queimadas, o aumento das temperaturas e dos dias sucessivos sem chuvas. Os mesmos rios que transbordaram e desabrigaram milhares de pessoas meses atrás, agora apresentam vazantes acentuadas que comprometem a segurança hídrica da população.   


É o caso das comunidades rurais localizadas ao longo da Rodovia Transacreana, onde se concentra parte da produção agrícola e pecuária da capital Rio Branco. Com dificuldade de se encontrar água no subsolo, a grande maioria das famílias que ali vivem depende das chuvas ou de mananciais nas redondezas tanto para o próprio consumo, quanto para manter a produção nos roçados e a criação de animais. Com a severa estiagem deste ano, muitas dessas fontes já secaram.

A crise hídrica no mundo é um dos temas que serão discutidos na Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas, que começa neste domingo (1º de novembro), em Glasgow, na Escócia. Governos e especialistas irão debater o aumento da temperatura no planeta e formas de frear o aquecimento. A agência Amazônia Real vai realizar uma cobertura especial da #COP26.

Em Rio Branco, capital do Acre, a crise hídrica fez a prefeitura distribuir, até o fim de setembro, quase três milhões de litros de água potável para 2.400 famílias de comunidades rurais. Sem essa ajuda, muitas famílias não teriam água nem mesmo para beber e preparar a comida. Com as chuvas cada vez mais escassas numa época do ano já caracterizada pela estiagem em grande parte da Amazônia, açudes e tanques (que são águas represadas dos igarapés) secaram. Já em outros, o que sobrou de água não é adequado para o uso humano.

É o caso da dona de casa Maria Antônia da Silva Araújo, de 50 anos. O tanque que ela pagou para cavarem ano passado, ao lado de sua casa, está quase seco. A água que sobra tem uma cor verde, mostrando-se imprópria para o consumo. Mas é dali mesmo que ela e os vizinhos puxam a única disponível nas redondezas para beber, preparar a comida  e as necessidades domésticas. A solução é tratar o líquido com cloro.

“A gente coloca a água nos baldes e coloca o cloro. Depois de uns minutos o barro desce e a gente coloca a água limpa em outros baldes. E assim a gente vai vivendo. Tenho fé que logo, logo vai voltar a chover para melhorar a nossa situação. Tenho fé em Deus”, diz Maria Antônia em entrevista à Amazônia Real.

A dona de casa investiu 600 reais para cavar um tanque ao lado de casa. Como a região onde mora não é boa para retirar água de poços, tanques e açudes servem como reservatório para os meses de chuva e de seca. Como a estiagem durante o verão amazônico no leste do Acre tem ficado mais extrema, ela vê, a cada dia, a disponibilidade de água diminuir. Além dela, o tanque também é a fonte para os vizinhos mais próximos, que puxam a água por meio de bombas.  


Clique aqui e leia a reportagem completa na Amazônia Real

domingo, 31 de outubro de 2021

Cameli poderia não atrapalhar a COP-26

Governo do Acre apresenta na COP-26 o "agronegócio sustentável" que devasta a Amazônia 

 

Apenas em 2 meses deste ano, Acre desmatou 354 km2 de floresta; ordem do governo é não "atrapalhar" (Foto:Divulgação)

As lideranças políticas e empresariais de todo o mundo estão na cidade escocesa de Glasgow para debater os principais desafios de como enfrentar a atual crise climática. Não basta ter boas intenções para o futuro. É preciso mostrar o que já estão fazendo hoje, cada um em suas comunidades, para salvar a Terra da catástrofe. O debate é muito sério e exige o compromisso de todos. Seriedade e compromisso é o que menos irá na bagagem da comitiva acreana que participará da COP-26. A travessia do oceano Atlântico será apenas mais um passeio pago com os recursos do erário.


Até agora não se sabe o porquê do governo de Gladson Cameli (Progressistas) participar da conferência do clima. O seu (des) governo é um dos que mais contribuem para a devastação da Floresta Amazônica nos últimos três anos, cuja preservação é tão essencial para evitarmos o apocalipse climático. O desmonte da política ambiental promovida por ele para beneficiar um tal “agronegócio sustentável” que ele defenderá na COP-26, resultou em mais de 1.200 quilômetros quadrados de mata virgem devastadas desde que assumiu o governo do Acre, em janeiro de 2019.

Gladson Cameli também defende a construção de uma rodovia num dos últimos santuários em biodiversidade da Amazônia, na fronteira do Brasil com o Peru, colocando em risco a sobrevivência de comunidades ribeirinhas, extrativistas, indígenas contactados e isolados no território dos dois países. O governo Cameli apoia o projeto de lei (PL 6024), em tramitação no Congresso Nacional, que fragiliza ainda mais a proteção de duas vitais unidades de conservação no Acre: o Parque Nacional da Serra do Divisor e a Reserva Extrativista Chico Mendes.

Nesta última a devastação está correndo solta, a boiada vai passando impune. Em setembro, segundo dados do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), a Resex Chico Mendes foi a segunda mais desmatada na região, com 25 quilômetros quadrados. Em 2021, mostram dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a reserva é a campeã no registro de queimadas, com 1.132 focos.

A Resex Chico Mendes é uma unidade federal, mas tinha uma série de programas e projetos do governo estadual de fomento ao extrativismo, para amenizar os danos das pressões ocasionadas pelas grandes fazendas de gado que as cercam. A primeira medida adotada por Cameli ao assumir foi deixar de pagar o subsídio que valorizava a produção da borracha, empurrando as famílias para a pecuária. As consequências estão aí: a destruição da reserva idealizada pelo líder seringueiro Chico Mendes.   

Transformar o Parque Nacional da Serra do Divisor numa Área de Proteção Ambiental (APA) atende aos interesses empresariais de explorar madeira, minérios e petróleo na área onde está a UC, além de facilitar, legalmente, a construção da estrada entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, capital do departamento peruano de Ucayali. Uma rodovia que é aguardada com muita expectativa, especialmente, pelo tráfico internacional de drogas, que já opera de forma organizada e forte na região.

Todas essas ações e omissões do governo Gladson Cameli - apoiado por uma bancada parlamentar reacionária no Congresso Nacional - são refletidas no desastre ambiental por que passa o Acre a partir de sua eleição, em 2018. Desde 2019, o Acre apresenta aumentos recordes de desmatamento, após quase 20 anos de controle nas taxas. É o que mostra o Inpe.

Pelo menos desde 2006 o Acre registrava taxas de desmate abaixo dos 400 quilômetros quadrados. Em muitos anos, até 2018, ficou em menos de 200 quilômetros quadrados. A partir das vitórias de Gladson Cameli e de Jair Bolsonaro -  seu pupilo político em quem tanto se inspira para “proteger” a Amazônia -, a devastação só dispara.

Em 2019 foram 682 quilômetros quadrados de mata derrubada. Ano passado, 706 quilômetros quadrados. Ainda não temos os dados consolidados de 2021, divulgados só no início de 2022 pelo Inpe.

Mas os monitoramentos mensais realizados pelo Imazon dão uma prévia de que a devastação não deu tréguas. Apenas entre agosto e setembro são 354 quilômetros quadrados de Amazônia afetadas pela política do governo Gladson Cameli de não “atrapalhar” quem quer investir no Acre, como ele próprio afirmou, sem nenhum pudor, durante o Fórum Mundial de Bioeconomia, em Belém.

No começo de 2022 vamos ter a dimensão real de quanto mais de Floresta Amazônica o Acre vai perder em 2021 para o “agronegócio sustentável”. Mais mata derrubada, mais fogo sendo tocado no campo. As queimadas também subiram nos últimos três anos. Os efeitos são devastadores para a natureza e para a saúde humana. A cada período do “verão amazônico”, respiramos um ar deteriorado pela fumaça das queimadas. Até setembro foram mais de 200 mil hectares de cicatrizes deixadas pelo fogo em solo acreano.

Enquanto vai desmatando sua cobertura florestal, o Acre vê avançar os impactos das mudanças climáticas. Estamos vivendo enchentes cada vez mais fortes e frequentes. O período de seca (nosso “verão amazônico”) está se prolongando cada vez mais com dias muito quentes e as chuvas raras. Em 2021, não fosse a ação da prefeitura, muitas famílias da zona rural de Rio Branco teriam passado sede, pois suas fontes de água secaram.

Sem chuvas, encerramos outubro com rios como o Acre, Yaco e Juruá (na parte alta) em situação de alerta máximo por conta do baixo nível. Noutros tempos, deveríamos estar com o “inverno amazônico” dando as caras. A realidade é outra. Por aqui temos gênios da raça afirmando que tudo isso nada tem a ver com a destruição da natureza, mas, sim, que é a vontade de Deus.   

São com todos estes méritos da devastação que Gladson Cameli e sua trupe desembarcam na Escócia, com um cinismo do tamanho do mundo, falar em combate às mudanças climáticas - quando sua omissão na proteção à Amazônia emite centenas de milhares de gases poluentes na atmosfera, colocando em risco a sobrevivência da floresta e de seus habitantes.

Sem nada ter o que mostrar, o governo da motosserra leva nas malas apenas as políticas e projetos construídos pelos antecessores - e pelos quais ele tanto trabalhou para acabar assim que assumiu a cadeira de governador.  A ida para a COP-26 será apenas uma oportunidade para Cameli reencontrar o amigo e influenciador Marcos Rocha, o governador de Rondônia em quem ele tanto se inspira para fazer do agronegócio a locomotiva da economia acreana.

Em Rondônia, o comandante Rocha apresenta projetos de lei que acabam com unidades de conservação estaduais e premia quem pratica a invasão de terras públicas. A indústria da grilagem de Rondônia atravessa o rio Madeira rumo ao Acre, onde encontra um ambiente político altamente favorável para o roubo de terras públicas - e nada de “atrapalhar” quem quer investir por aqui. A ordem do governador é clara: é desburocratizar, flexibilizar e até mesmo acabar com a fiscalização ambiental.     

É dessa forma que o Acre vai chegar a Glasgow para debater propostas que reduzam os efeitos de desastre ambiental e climático para os quais caminhamos - e em certa medida já vivemos. Com um território pequeno e fácil de cuidar, não estamos fazendo nem nosso dever de casa de proteger e conservar a Floresta Amazônica. É apenas a floresta em pé que nos salvará do pior. E o que estamos vendo aqui são centenas de milhares de hectares de floresta sendo derrubada para dar lugar ao “agronegócio sustentável” do governo Gladson Cameli.    


Ouça meu comentário na CBN Amazônia Rio Branco: 

 

Na COP26- Acre chega devendo muito mais explicações do que apresentando soluções

 
 
 
 
 
 
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domingo, 17 de outubro de 2021

O ilegal pede carona

Carreta ambiental do governo Gladson Cameli legitima devastação da floresta


Já que não há imagens da carreta ambiental, uso da carreta da devastação, mais condizente com o atual governo do Acre (Foto: arquivo pessoal)


Enquanto o Acre registra, desde 2019, aumentos recordes em suas taxas de devastação da Amazônia, não temos visto nenhuma grande resposta por parte do governo Gladson Cameli (Progressistas) de combate aos ilícitos ambientais para amenizar os danos que sentimos dias após dias. Muito pelo contrário. Temos uma omissão muitas das vezes criminosa que acaba por incentivar ainda mais a destruição da Floresta Amazônica. Essa cumplicidade agora ganhou forma por meio de uma tal Carreta Ambiental.


Adquirida pela Secretaria de Meio Ambiente e das Políticas Indígenas (Semapi) por meio de recursos de emenda parlamentar, o veículo tem como proposta oficial aproximar as autoridades ambientais do estado do produtor rural, de quem quer produzir. O governo Gladson Cameli quer fazer uma nova política de meio ambiente. Nada de fiscalização ou punição para quem está derrubando ou queimando a floresta. Se antes órgãos como o Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) eram vistos como vilões do homem do campo, agora são aliados.

Quem já foi punido lá no passado, nem precisa se preocupar em pagar a multa. (relembre aqui o que disse Cameli sobre as multas). Basta fingir que vai fazer uma regularização ambiental de seu passivo, e está tudo resolvido. A ordem do governador Gladson Cameli é desburocratizar, flexibilizar a legislação ambiental ao máximo para destravar o que seria sua política do agronegócio - com a mulher e o homem do campo abandonados, sem apoio em assistência técnica rural e ramais detonados.

Para Gladson Cameli, a melhor política para fomentar a produção agropecuária do Acre é deixar a boiada passar com desmatamento e queimadas sem controle - e impunes. E essa impunidade agora percorre as destruídas rodovias acreanas numa carreta. Além da péssima qualidade do ar que respiramos por conta das queimadas, vem uma carreta movida a combustível para poluir ainda mais.

E o motorista do caminhão é o secretário de Meio Ambiente, Israel Milani, que também vai conduzindo a política de fragilização de proteção da Amazônia, sob a batuta de Gladson Cameli. A carreta foi comprada pelo valor de R$ 1,5 milhão de emenda da deputada federal Vanda Milani (SDD), mãe do secretário. A família Milani é ligada ao setor ruralista do Acre e ambos têm pretensões eleitorais em 2022. Vanda quer voos mais altos, e sonha com o Senado. O filho, talvez, uma cadeira de deputado estadual.

Nada melhor do que usar o desmonte da política ambiental do estado para arregimentar alguns eleitores infratores ambientais. A proposta da carreta é clara: regularizar a situação de quem está encrencado com os órgãos ambientais. Nessa regularização está até a fundiária. Não se sabe como um serviço itinerante em cima de um caminhão vai resolver um problema tão complexo quanto o da posse de terras.

“O nosso trabalho sempre foi voltado para ofertar um atendimento de qualidade ao produtor rural. Aproximando cada vez mais o homem do campo do sistema de meio ambiente de forma descomplicada para que tenham acesso aos serviços e possam investir na produção.” Um desavisado poderia achar que tal fala seria de uma autoridade do setor rural, mas saiu da boca do secretário de Meio Ambiente.  

Regularização fundiária num estado que, a cada dia, tem sofrido com o roubo de terras públicas? A carreta ambiental é para legitimar a grilagem, senhores e senhoras? Regularização fundiária a toque de caixa para ganhar votos? Os Ministério Públicos poderiam questionar a atuação dessa carreta nada ecologicamente correta. Como parte das terras roubadas e floresta desmatada pertence à União, o governo estadual não tem competência legal para “regularizações”.  

Neste fim de semana, a Carreta Ambiental esteve em Assis Brasil, um dos municípios acreanos que mais sofrem com a invasão de terras públicas, desmatamento e queimadas. Na mira dos infratores ambientais estão unidades de conservação, projetos de assentamento e terras indígenas. Terras protegidas essenciais para evitar a destruição do que sobrou de floresta nas cabeceiras do desmatado rio Acre. 

Além dos serviços com burocracia zero, a carreta ambiental ainda leva bastante assistencialismo sobre suas rodas. Durante as agendas pelos interiores do Acre, há a distribuição de cestas básicas - que no bom acreanês chamamos de "sacolão". Nada contra levar comida a quem mais precisa, sobretudo neste momento de extrema pobreza que o desgoverno Jair Bolsonaro mergulha o Brasil. A questão é saber qual a fonte de recursos da Secretaria de Meio Ambiente para a compra de "sacolões", se não for para eventos de emergência diante de desastres naturais. Teria isso alguma conotação eleitoral? 

Ao invés da carreta ambiental da Semapi ser usada quase que para legalizar o que foi feito de forma ilegal, poderia atuar para combater o crime contra a Amazônia, amenizando os efeitos da crise climática que vivemos já hoje. Se não for para este fim, a deputada que quer ser senadora poderia ter destinado a verba para a Secretaria de Agronegócio, e essa sim levar serviços de apoio e assistência a quem está abandonado no campo.

Ainda mais de um governo que cortou R$ 20 milhões de recursos que iriam para o setor rural em 2022. E assim o governo Gladson Cameli, de forma atabalhoada no campo e omissa na proteção à floresta, vai fomentando o agronegócio: nem um setor nem outro de fato funciona. Eis o que se pode esperar de uma gestão que, em três anos,continua perdida e muito bagunçada.

Quando o critério familiar e político do toma lá-dá-cá prevalece sobre o técnico na administração da máquina pública, o resultado que temos é este: o Acre numa esculhambação só. A carreta ambiental com sua carga pesada é o melhor e pior exemplo destes tempos desastrosos que vivemos.        

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

a divisa da devastação

 Amacro: a nova (velha) fronteira do desmatamento na Amazônia

 

Área desmatada para grilagem no município de Boca do Acre (AM) (Foto: Assessoria PF/AC)

 

A realização de duas grandes operações da Polícia Federal, na semana que passou, expôs o grave problema do aumento descontrolado do desmatamento e das queimadas num complexo e delicado ponto da região amazônica: a tríplice divisa entre Acre, Amazonas e Rondônia. Ao mesmo tempo que sofre com as consequências do roubo de terras públicas, a região entre os três estados é cobiçada por políticos locais para se tornar uma zona de desenvolvimento do agronegócio no Norte do país, replicando o modelo do Matopiba: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.


Para isso, o encontro geográfico entre os três estados amazônicos já tem até uma nomenclatura: Amacro, que é a união das siglas de Amazonas, Acre e Rondônia. Todavia, antes de se tornar uma potência do agronegócio, a tríplice divisa vem sendo preparada para receber o boi e a soja por meio do desmatamento, da invasão de terras públicas – incluindo unidades de conservação e terras indígenas –, das queimadas e da extração de madeiras para alimentar um segmento quase que todo ele operando na ilegalidade. 

Essa é a verdadeira realidade da nova fronteira do desenvolvimento amazônico proposta pelas lideranças políticas locais, tendo os governadores do Acre, Gladson Cameli (PP), e de Rondônia, coronel Marcos Rocha (PSL), como principais entusiastas. A dupla, por sinal, sofre de alergia quando o assunto é política de proteção para a Amazônia. Na visão deles, floresta boa é floresta no chão. Só o boi e a soja proporcionam o desenvolvimento econômico, segundo a concepção deles.   

As divisas entre Acre, Amazonas e Rondônia atualmente já possuem terras abertas o suficiente para a criação de gado ou o cultivo de grãos. É verdade que uma parte está com o solo degradado, improdutivo. Porém, basta um pouco de políticas públicas para se investir em tecnologia, que é possível recuperá-las, ampliando a produção agrícola sem a necessidade de novos desmates. Ao invés disso, o mais barato é fazer mais desmatamento. A impunidade está garantida.  

Ao se percorrer a BR-364, entre Rio Branco e Porto Velho, o único cenário encontrado são de grandes fazendas, cujas extensões os olhos não alcançam o fim. Quando não encontramos pasto, há os vilarejos às margens da estrada com serrarias de pátios abarrotados de toras. Saber de onde elas saem de uma área já tão devastada é a questão.

Apesar de toda a fartura de terras disponíveis para fazer da divisa Amacro a potência do agronegócio, mais e mais hectares de floresta são derrubados e queimados a cada nascer do sol – neste nosso tórrido e seco “verão amazônico”.

E não se trata de abertura de áreas feitas por grupos de movimentos sem-terra para ocupar um lote. É gente grande, já dona de verdadeiros latifúndios querendo ampliar suas posses. Foi o que revelou a operação Tayssu, realizada pela Polícia Federal na última quinta-feira (7), que descobriu a existência de uma organização criminosa formada por empresários e um ex-parlamentar do Acre, dono de grandes fazendas, para grilar terras da União no município amazonense de Boca do Acre.

O município do sul do Amazonas já é conhecido pelos intensos conflitos fundiários que, num passado nem tão distante, já resultaram em mortes, tentativas de homicídio e ameaças a quem ousa denunciar a indústria da invasão. E grande parte dessa invasão é feita por fazendeiros cujas propriedades começam no Acre, e cruzam a linha Cunha Gomes, que é o traçado imaginário que separa o estado do Amazonas. Os dois estados estão interligados pela BR-317, cujas margens já viraram pasto já faz muitas décadas.

E essa também não é a primeira grande operação policial feita para combater a grilagem na tríplice divisa. A PF pediu o bloqueio de quase R$ 30 milhões dos investigados. Este é o valor dos danos ambientais causados pela derrubada de 1.600 hectares de floresta que viraram fazendas, cuja posse legal foi “esquentada” graças à participação de servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no esquema.  

Dois dias antes, a operação Mundo Novo, também da Polícia Federal, desarticulou outra quadrilha de grileiros, cuja atuação era se apropriar de terras públicas para, depois, revendê-las. Uma prática bastante comum na região. De acordo com as investigações, ao menos R$ 3 milhões foram “investidos” para levar ao chão 1.900 hectares de Floresta Amazônica.  

A região de mata devastada fica no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Antimary, no município de Sena Madureira (AC). O complexo de florestas do Antimary abarca os dois lados da linha Cunha Gomes; tanto do lado do Acre quanto do Amazonas. Ele é bastante impactado pela grilagem e roubo de madeira por causa da fartura de espécies de alto valor comercial. Nem mesmo a existência de duas unidades de conservação – a Floresta Estadual do Antimary, no Acre, e a Reserva Extrativista Arapixi, no Amazonas – protegem a área da ação dos desmatadores.

Toda a fragilidade e completa ausência de políticas de proteção ambiental pelos governos locais na tríplice divisa estão refletidas nos monitoramentos de desmatamento e queimadas. Conforme o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, o Imazon, dos dez municípios da Amazônia Legal que mais desmataram em agosto, metade está na Amacro: Lábrea (AM), Boca do Acre (AM), Porto Velho (RO), Sena Madureira (AC) e Feijó (AC).  

Neste último, há o projeto da abertura de uma estrada para interligá-lo ao vizinho amazonense Envira. Ano passado, o governador do Acre, Gladson Cameli, chegou a comemorar o início da abertura da rodovia, postando fotos em suas redes sociais mostrando máquinas rasgando a floresta. Sem licença ambiental, a obra foi embargada.

Ao se olhar os dados sobre o registro de fogo ao longo de 2021 na Amazônia Legal, as capitais do Acre, Rio Branco, e de Rondônia, Porto Velho, estão entre os 20 municípios com as maiores quantidades de queimadas. Porto Velho só perde para a vizinha Lábrea no número de focos de calor. Como se sabe, o fogo é usado aqui na região tanto para fazer a limpeza de roçados e pastagens, quanto para consolidar as áreas de floresta recentemente derrubadas.

Juntos, Acre, Amazonas e Rondônia responderam por metade dos 1.606 quilômetros quadrados de Floresta Amazônica desmatada em agosto, segundo detectou o Imazon. Toda essa mata derrubada literalmente vira fumaça enquanto é queimada. E dessa forma, a mais nova fronteira do agronegócio, consolida-se na região Norte impulsionada por um ambiente político bastante favorável à prática de crimes que ficarão impunes. E logo mais, daqui uns anos, toda essa floresta devastada de forma criminosa, será apresentada como o novo celeiro agrícola do Brasil.  



Este artigo foi publicado originalmente no site ((o)) eco

domingo, 3 de outubro de 2021

às caras e às claras

Audiência pública expõe as reais intenções de quem defende nova rodovia com Peru 

 

Imagem desde o pico da Serra do Divisor (Foto:Sérgio Vale/Secom/AC/2009)


A realização de audiência pública organizada pela Assembleia Legislativa no sábado, dois de outubro, em Cruzeiro do Sul, para tratar do projeto de construção da rodovia que conecta a segunda maior cidade acreana a Pucallpa, no Peru, revelou que a verdadeira intenção dos seus pais ideológicos é uma só: passar a boiada numa das regiões mais intactas da Floresta Amazônica, e bastante rica em recursos naturais cobiçados por atividades econômicas predatórias.


Os defensores da rodovia não estão preocupados em, como costumam propagar, tirar o Acre do “atraso deixado pelos 20 anos de florestania” ou promover o desenvolvimento do Juruá. Não. Eles querem apenas viabilizar atividades econômicas de interesse de grandes empresários da região - e de indústrias como a petrolífera e a mineradora - e que, obviamente, trarão dividendos políticos e financeiros de nossa classe política.

Estes, por sinal, vão a cada dia consolidando seu poder e capital econômico por meio do coronelismo e patriarquismo dos velhos seringalistas, elegendo filhos, filhas, genros, esposas, amantes (e até ex-esposas) para a consolidação de uma ultrapassada visão de mundo e do que seja desenvolvimento. Os nossos coronéis de barranco do século 21 não estão preocupados com as comunidades indígenas, ribeirinhas, extrativistas, os pequenos produtores rurais.

Eles são só olhados por nossos salvadores da pátria a cada ano de eleições. São vistos apenas como mão-de-obra barata para enriquecê-los ainda mais; querem a floresta que está nos seus quintais. E assim se articulam pelos cafés e churrascarias de Brasília para acabar com o Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD), transformando-o numa Área de Proteção Ambiental (APA).

Como explicou o senador Márcio Bittar (MDB), o mentor intelectual do projeto de lei (PL 6024) que rebaixa o PNSD para APA, a Serra do Divisor possui inúmeras riquezas que, de acordo com ele, foram deixadas por Deus para serem exploradas pelo homem, para enriquecer o homem. Entre essas riquezas divinas e muito lucrativas estão o petróleo, o gás natural, a mineração, espécies de madeira de altíssimo valor comercial.

Essas são atividades econômicas que não vão incluir os povos da floresta que moram no seu entorno - muito pelo contrário. Os impactos sociais são imensuráveis. Temos inúmeros exemplos disso na Amazônia brasileira e de nossos vizinhos. O próprio Peru é uma péssima referência nos impactos sociais e ambientais que essas indústrias provocam; comunidades inteiras são forçadas a se mudar, empurrando-as, aí sim, para a completa miséria nas cidades.

A fala de Márcio Bittar - feita pela tela de um computador, pois tem pouco hábito de estar pelo Acre - revelou quais são os verdadeiros interesses em construir uma estrada até Pucallpa, rebaixando o status de unidade de proteção integral da Serra do Divisor: devastar uma das regiões mais ricas em biodiversidade do Planeta e colocar em risco a segurança de centenas de ribeirinhos que estão hoje com sua segurança fundiária.

Isso sem contar as ameaças para os territórios dos povos indígenas já contactados e os isolados que habitam essa região da fronteira. Falam que as terras indígenas não serão afetados por o traçado da estrada passar longe delas. Se estudassem, saberiam que os impactos de uma rodovia não ficam só às suas margens. Estendem-se para além. Na verdade eles sabem disso, mas acham que nós temos uma bolinha vermelha no nariz.

Na verborragia propalada pelo ex-comunisra e hoje conservador bolsonarista Márcio Bittar, sobrou até para Leonardo DiCaprio, o ex-governador Jorge Viana e a ex-senadora Marina Silva; disse que o ator americano não tem moral para falar sobre a Amazônia por não morar nela; Bittar também pouco aparece por aqui.

Para piorar ainda mais a situação, o vice-governador, Major Rocha (PSL), tentou provocar o Ministério Público, presente na audiência, questionando o porquê de haver o turismo dentro do PNSD. Segundo ele, por ser uma unidade de proteção integral, nem isso poderia acontecer lá. Enquanto tenta melar uma atividade que assegura renda de forma sustentável às famílias do parque, Rocha defende uma rodovia cujo único legado será a destruição dessa mesma Serra do Divisor.

Só para lembrar: Rocha é irmão da deputada federal Mara Rocha, a bolsonarista autora do PL 6024, que, além de transformar o PNSD numa APA, reduz o tamanho da Reserva Extrativista Chico Mendes. Como é bom ter a parentela dominando a política.

E o governador Gladson Cameli? Não deu as caras pelo Teatro dos Náuas. Mandou o seu emissário para assuntos internacionais, responsável pelas articulações com as autoridades peruanas para viabilizar a rodovia Pucallpa-Cruzeiro do Sul.

Mesmo após Lima já ter dito não ao projeto, Cameli tenta passar a impressão de que os vizinhos estão sim muito interessados na rodovia. Para isso, usaram o vídeo do governador de Ucayali (chamado pelo assessor internacional de governador do Peru) defendendo a integração rodoviária com o Acre. Aliás, o governador do departamento vizinho parecia estar bem constrangido.

Outro fator a chamar a atenção da audiência pública é a concepção dos gênios intelectuais do governo Gladson Cameli sobre o que seja um parque nacional, em seu conceito como unidade de conservação. Para eles, a Serra do Divisor deveria ser uma grande parque de diversões com rodas gigantes, montanha-russa, tobogã e, quem sabe, um Jurassic Park para assustar os visitantes no meio da selva desmatada, como já sugeriu nossa secretária de Turismo, Eliane Sinhasique.

O assessor (ou açessor?) internacional do governador expôs na sua apresentação como exemplos de sucesso de parques o Grand Canyon, nos Estados Unidos. Até agora não entendi a razão desta parte do deserto do Arizona ser levado para um debate sobre um parque ambiental - que é uma das categorias de unidade de conservação no Brasil - na mais importante floresta tropical do planeta. Talvez seja porque eles, aos poucos, vão transformando a Amazônia numa grande savana.

Só falta o governo Gladson Cameli citar o Beto Carrero World como exemplo de parque a ser adotado na Serra do Divisor.

Este é um resumo do espetáculo do grotesco que foi a audiência pública. Se alguém tinha alguma dúvida sobre quais as reais intenções de quem defende construir uma estrada no meio do nada - numa região com muita, mas muita riqueza para ser explorada - agora não há mais. Agora, é ficar atento aos próximos passos da bancada da motosserra, que trabalha para aprovar, no Congresso Nacional, o PL 6024.                   

terça-feira, 28 de setembro de 2021

S.O.S Acre

 A Amazônia no Acre pede socorro  


No Brasil, quando se fala em políticas de proteção da Floresta Amazônica, muito se atribui apenas ao governo federal a responsabilidade. A partir do momento em que a Presidência da República é ocupada por alguém com visão totalmente antiambiental e anti-indígena, é bem mais fácil jogar todo o ônus da atual devastação do bioma nos ombros de Brasília. Todavia, é importante ressaltar que a Amazônia Legal é formada por nove Estados com governos regionais autônomos, e que esses governos também têm muita responsabilidade direta em proteger a floresta.

Vejamos o que acontece aqui, no pequeno e quase invisível Acre, no extremo oeste da Amazônia brasileira.  O Estado, que por 20 anos exerceu certo protagonismo na preservação de sua cobertura florestal, hoje é referência naquilo que há de pior em termos de política ambiental. O ritmo sem precedentes de devastação da Amazônia no Acre é consequência tanto do desmonte das políticas de proteção do meio ambiente promovida pelo governo federal quanto pelo local.  

Por aqui, a estratégia de deixar a boiada passar foi adotada com muito mais antecedência pelo governo de Gladson Cameli (PP) do que aquela exposta por Ricardo Salles diante de um país assustado com a pandemia da Covid-19. Ainda durante sua campanha para governador, Cameli tinha como promessa fazer do agronegócio o carro-chefe da economia acreana. Para isso, ele garantia desburocratizar e flexibilizar as normas ambientais do Estado. Também muito se dizia em tirar a fiscalização do pescoço de quem quer produzir.

A principal missão de Gladson Cameli ao assumir o governo do Acre, em janeiro de 2019, era destruir todo o arcabouço institucional de proteção da Amazônia construído durante as duas décadas de governos do PT. Tal política gestada durante o chamado governo da floresta de Jorge Viana (1999-2006), conhecida como florestania, passou a ser o inimigo público número um de Gladson Cameli. Na visão dele, a florestania era responsável por colocar o Acre na miséria, apontando o agronegócio como solução mágica.   

Assim foi feito. Num de seus primeiros eventos públicos já como governador, Gladson Cameli desmoralizou a atuação dos agentes do Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac), afirmando que ninguém precisava mais pagar as multas ambientais porque “agora quem está mandando sou eu”. A fala de Cameli foi o sinal verde para a abertura da porteira, e a boiada avança sem dó desde então. O discurso de Cameli ocorreu no município de Sena Madureira, que hoje figura entre os campeões de desmatamento e fogo dentro da Amazônia brasileira.

De acordo com o último boletim do desmatamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Sena Madureira foi o quinto município da Amazônia Legal que mais derrubou floresta em agosto de 2021. Aliás, o Acre foi o terceiro Estado que mais contribuiu para a destruição do bioma mês passado; foram 236 km2 de Amazônia destruídos no pequeno Acre; em julho, já tinham sido outros 313 km2 de mata devastados.

Conforme o Imazon, entre agosto de 2020 e julho deste ano, o Acre viu desaparecer 927 km2 de Floresta Amazônica. Os números são estarrecedores se tratando de um território tão pequeno como é o Acre, quando comparado ao gigantesco vizinho Amazonas e ao Pará. Até 2019, o Acre ainda tinha ao menos 86% de seu território amazônico intacto. Ao se olhar os dados do Imazon e do Inpe, percebe-se que o desmatamento avança justamente para as áreas com maior cobertura florestal intacta.

Depois de Sena Madureira, Feijó e Tarauacá são os municípios com os maiores registros de áreas desmatadas e focos de calor desde 2019; isso não apenas dentro do Acre, mas entre os demais municípios do Norte.

Quando analisamos os dados das queimadas, observamos que a maior quantidade de focos de calor desde 2019 se concentra justamente nestes três municípios, localizados em regiões de uma Amazônia ainda bem preservada. Em 2021, conforme o Boletim de Queimadas do Inpe, Feijó, Tarauacá e Sena Madureira lideram o ranking do fogo. É sobre essa região do Acre que avança a “fronteira agrícola”, o “arco do desmatamento”.

Após todo o leste acreano ter sido devastado para a abertura de fazendas de gado nos últimos 40 anos - com a política da ditadura militar (1964-1985) de “ocupar” a Amazônia -  agora a devastação avança rumo ao oeste de floresta intacta. A exploração madeireira legalizada por meio de planos de manejo nada sustentáveis também causa impactos imensuráveis. Agora, a atividade vai ganhar ainda mais intensidade com a proposta do governo Gladson Cameli de entregar milhares de hectares de florestas públicas para “exploração comercial”.  

A política do governo Gladson Cameli de patrocinar projetos de abertura de estradas em regiões hoje isoladas e preservadas é outro fator para um desmatamento quase sem controle no estado. O projeto mais ameaçador é o da construção da estrada entre Cruzeiro do Sul, a segunda maior cidade acreana, e Pucallpa, capital do departamento peruano de Ucayali.

Caso de fato saia do papel, a rodovia provocará a destruição de uma das regiões mais intocadas do bioma por meio da grilagem, da extração de madeira, do garimpo e do tráfico internacional de drogas. A rodovia é uma grave ameaça para a preservação da Amazônia, independentemente das linhas fronteiriças.

E é assim, no caminho de rodovias e com as porteiras escancaradas, que o Acre dá a sua infeliz contribuição para o aumento da destruição da mais importante floresta tropical do mundo - tão importante para mitigar os efeitos da crise climática. Uma crise climática já vivida pela população local com enchentes e secas acontecendo com mais frequência e maior intensidade. De mocinhos passamos a ser vilões na proteção do bioma. A Amazônia no Acre clama por ajuda.


Este artigo foi publicado originalmente no site ((o)) eco