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domingo, 17 de outubro de 2021

O ilegal pede carona

Carreta ambiental do governo Gladson Cameli legitima devastação da floresta


Já que não há imagens da carreta ambiental, uso da carreta da devastação, mais condizente com o atual governo do Acre (Foto: arquivo pessoal)


Enquanto o Acre registra, desde 2019, aumentos recordes em suas taxas de devastação da Amazônia, não temos visto nenhuma grande resposta por parte do governo Gladson Cameli (Progressistas) de combate aos ilícitos ambientais para amenizar os danos que sentimos dias após dias. Muito pelo contrário. Temos uma omissão muitas das vezes criminosa que acaba por incentivar ainda mais a destruição da Floresta Amazônica. Essa cumplicidade agora ganhou forma por meio de uma tal Carreta Ambiental.


Adquirida pela Secretaria de Meio Ambiente e das Políticas Indígenas (Semapi) por meio de recursos de emenda parlamentar, o veículo tem como proposta oficial aproximar as autoridades ambientais do estado do produtor rural, de quem quer produzir. O governo Gladson Cameli quer fazer uma nova política de meio ambiente. Nada de fiscalização ou punição para quem está derrubando ou queimando a floresta. Se antes órgãos como o Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) eram vistos como vilões do homem do campo, agora são aliados.

Quem já foi punido lá no passado, nem precisa se preocupar em pagar a multa. (relembre aqui o que disse Cameli sobre as multas). Basta fingir que vai fazer uma regularização ambiental de seu passivo, e está tudo resolvido. A ordem do governador Gladson Cameli é desburocratizar, flexibilizar a legislação ambiental ao máximo para destravar o que seria sua política do agronegócio - com a mulher e o homem do campo abandonados, sem apoio em assistência técnica rural e ramais detonados.

Para Gladson Cameli, a melhor política para fomentar a produção agropecuária do Acre é deixar a boiada passar com desmatamento e queimadas sem controle - e impunes. E essa impunidade agora percorre as destruídas rodovias acreanas numa carreta. Além da péssima qualidade do ar que respiramos por conta das queimadas, vem uma carreta movida a combustível para poluir ainda mais.

E o motorista do caminhão é o secretário de Meio Ambiente, Israel Milani, que também vai conduzindo a política de fragilização de proteção da Amazônia, sob a batuta de Gladson Cameli. A carreta foi comprada pelo valor de R$ 1,5 milhão de emenda da deputada federal Vanda Milani (SDD), mãe do secretário. A família Milani é ligada ao setor ruralista do Acre e ambos têm pretensões eleitorais em 2022. Vanda quer voos mais altos, e sonha com o Senado. O filho, talvez, uma cadeira de deputado estadual.

Nada melhor do que usar o desmonte da política ambiental do estado para arregimentar alguns eleitores infratores ambientais. A proposta da carreta é clara: regularizar a situação de quem está encrencado com os órgãos ambientais. Nessa regularização está até a fundiária. Não se sabe como um serviço itinerante em cima de um caminhão vai resolver um problema tão complexo quanto o da posse de terras.

“O nosso trabalho sempre foi voltado para ofertar um atendimento de qualidade ao produtor rural. Aproximando cada vez mais o homem do campo do sistema de meio ambiente de forma descomplicada para que tenham acesso aos serviços e possam investir na produção.” Um desavisado poderia achar que tal fala seria de uma autoridade do setor rural, mas saiu da boca do secretário de Meio Ambiente.  

Regularização fundiária num estado que, a cada dia, tem sofrido com o roubo de terras públicas? A carreta ambiental é para legitimar a grilagem, senhores e senhoras? Regularização fundiária a toque de caixa para ganhar votos? Os Ministério Públicos poderiam questionar a atuação dessa carreta nada ecologicamente correta. Como parte das terras roubadas e floresta desmatada pertence à União, o governo estadual não tem competência legal para “regularizações”.  

Neste fim de semana, a Carreta Ambiental esteve em Assis Brasil, um dos municípios acreanos que mais sofrem com a invasão de terras públicas, desmatamento e queimadas. Na mira dos infratores ambientais estão unidades de conservação, projetos de assentamento e terras indígenas. Terras protegidas essenciais para evitar a destruição do que sobrou de floresta nas cabeceiras do desmatado rio Acre. 

Além dos serviços com burocracia zero, a carreta ambiental ainda leva bastante assistencialismo sobre suas rodas. Durante as agendas pelos interiores do Acre, há a distribuição de cestas básicas - que no bom acreanês chamamos de "sacolão". Nada contra levar comida a quem mais precisa, sobretudo neste momento de extrema pobreza que o desgoverno Jair Bolsonaro mergulha o Brasil. A questão é saber qual a fonte de recursos da Secretaria de Meio Ambiente para a compra de "sacolões", se não for para eventos de emergência diante de desastres naturais. Teria isso alguma conotação eleitoral? 

Ao invés da carreta ambiental da Semapi ser usada quase que para legalizar o que foi feito de forma ilegal, poderia atuar para combater o crime contra a Amazônia, amenizando os efeitos da crise climática que vivemos já hoje. Se não for para este fim, a deputada que quer ser senadora poderia ter destinado a verba para a Secretaria de Agronegócio, e essa sim levar serviços de apoio e assistência a quem está abandonado no campo.

Ainda mais de um governo que cortou R$ 20 milhões de recursos que iriam para o setor rural em 2022. E assim o governo Gladson Cameli, de forma atabalhoada no campo e omissa na proteção à floresta, vai fomentando o agronegócio: nem um setor nem outro de fato funciona. Eis o que se pode esperar de uma gestão que, em três anos,continua perdida e muito bagunçada.

Quando o critério familiar e político do toma lá-dá-cá prevalece sobre o técnico na administração da máquina pública, o resultado que temos é este: o Acre numa esculhambação só. A carreta ambiental com sua carga pesada é o melhor e pior exemplo destes tempos desastrosos que vivemos.        

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