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domingo, 31 de outubro de 2021

Cameli poderia não atrapalhar a COP-26

Governo do Acre apresenta na COP-26 o "agronegócio sustentável" que devasta a Amazônia 

 

Apenas em 2 meses deste ano, Acre desmatou 354 km2 de floresta; ordem do governo é não "atrapalhar" (Foto:Divulgação)

As lideranças políticas e empresariais de todo o mundo estão na cidade escocesa de Glasgow para debater os principais desafios de como enfrentar a atual crise climática. Não basta ter boas intenções para o futuro. É preciso mostrar o que já estão fazendo hoje, cada um em suas comunidades, para salvar a Terra da catástrofe. O debate é muito sério e exige o compromisso de todos. Seriedade e compromisso é o que menos irá na bagagem da comitiva acreana que participará da COP-26. A travessia do oceano Atlântico será apenas mais um passeio pago com os recursos do erário.


Até agora não se sabe o porquê do governo de Gladson Cameli (Progressistas) participar da conferência do clima. O seu (des) governo é um dos que mais contribuem para a devastação da Floresta Amazônica nos últimos três anos, cuja preservação é tão essencial para evitarmos o apocalipse climático. O desmonte da política ambiental promovida por ele para beneficiar um tal “agronegócio sustentável” que ele defenderá na COP-26, resultou em mais de 1.200 quilômetros quadrados de mata virgem devastadas desde que assumiu o governo do Acre, em janeiro de 2019.

Gladson Cameli também defende a construção de uma rodovia num dos últimos santuários em biodiversidade da Amazônia, na fronteira do Brasil com o Peru, colocando em risco a sobrevivência de comunidades ribeirinhas, extrativistas, indígenas contactados e isolados no território dos dois países. O governo Cameli apoia o projeto de lei (PL 6024), em tramitação no Congresso Nacional, que fragiliza ainda mais a proteção de duas vitais unidades de conservação no Acre: o Parque Nacional da Serra do Divisor e a Reserva Extrativista Chico Mendes.

Nesta última a devastação está correndo solta, a boiada vai passando impune. Em setembro, segundo dados do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), a Resex Chico Mendes foi a segunda mais desmatada na região, com 25 quilômetros quadrados. Em 2021, mostram dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a reserva é a campeã no registro de queimadas, com 1.132 focos.

A Resex Chico Mendes é uma unidade federal, mas tinha uma série de programas e projetos do governo estadual de fomento ao extrativismo, para amenizar os danos das pressões ocasionadas pelas grandes fazendas de gado que as cercam. A primeira medida adotada por Cameli ao assumir foi deixar de pagar o subsídio que valorizava a produção da borracha, empurrando as famílias para a pecuária. As consequências estão aí: a destruição da reserva idealizada pelo líder seringueiro Chico Mendes.   

Transformar o Parque Nacional da Serra do Divisor numa Área de Proteção Ambiental (APA) atende aos interesses empresariais de explorar madeira, minérios e petróleo na área onde está a UC, além de facilitar, legalmente, a construção da estrada entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, capital do departamento peruano de Ucayali. Uma rodovia que é aguardada com muita expectativa, especialmente, pelo tráfico internacional de drogas, que já opera de forma organizada e forte na região.

Todas essas ações e omissões do governo Gladson Cameli - apoiado por uma bancada parlamentar reacionária no Congresso Nacional - são refletidas no desastre ambiental por que passa o Acre a partir de sua eleição, em 2018. Desde 2019, o Acre apresenta aumentos recordes de desmatamento, após quase 20 anos de controle nas taxas. É o que mostra o Inpe.

Pelo menos desde 2006 o Acre registrava taxas de desmate abaixo dos 400 quilômetros quadrados. Em muitos anos, até 2018, ficou em menos de 200 quilômetros quadrados. A partir das vitórias de Gladson Cameli e de Jair Bolsonaro -  seu pupilo político em quem tanto se inspira para “proteger” a Amazônia -, a devastação só dispara.

Em 2019 foram 682 quilômetros quadrados de mata derrubada. Ano passado, 706 quilômetros quadrados. Ainda não temos os dados consolidados de 2021, divulgados só no início de 2022 pelo Inpe.

Mas os monitoramentos mensais realizados pelo Imazon dão uma prévia de que a devastação não deu tréguas. Apenas entre agosto e setembro são 354 quilômetros quadrados de Amazônia afetadas pela política do governo Gladson Cameli de não “atrapalhar” quem quer investir no Acre, como ele próprio afirmou, sem nenhum pudor, durante o Fórum Mundial de Bioeconomia, em Belém.

No começo de 2022 vamos ter a dimensão real de quanto mais de Floresta Amazônica o Acre vai perder em 2021 para o “agronegócio sustentável”. Mais mata derrubada, mais fogo sendo tocado no campo. As queimadas também subiram nos últimos três anos. Os efeitos são devastadores para a natureza e para a saúde humana. A cada período do “verão amazônico”, respiramos um ar deteriorado pela fumaça das queimadas. Até setembro foram mais de 200 mil hectares de cicatrizes deixadas pelo fogo em solo acreano.

Enquanto vai desmatando sua cobertura florestal, o Acre vê avançar os impactos das mudanças climáticas. Estamos vivendo enchentes cada vez mais fortes e frequentes. O período de seca (nosso “verão amazônico”) está se prolongando cada vez mais com dias muito quentes e as chuvas raras. Em 2021, não fosse a ação da prefeitura, muitas famílias da zona rural de Rio Branco teriam passado sede, pois suas fontes de água secaram.

Sem chuvas, encerramos outubro com rios como o Acre, Yaco e Juruá (na parte alta) em situação de alerta máximo por conta do baixo nível. Noutros tempos, deveríamos estar com o “inverno amazônico” dando as caras. A realidade é outra. Por aqui temos gênios da raça afirmando que tudo isso nada tem a ver com a destruição da natureza, mas, sim, que é a vontade de Deus.   

São com todos estes méritos da devastação que Gladson Cameli e sua trupe desembarcam na Escócia, com um cinismo do tamanho do mundo, falar em combate às mudanças climáticas - quando sua omissão na proteção à Amazônia emite centenas de milhares de gases poluentes na atmosfera, colocando em risco a sobrevivência da floresta e de seus habitantes.

Sem nada ter o que mostrar, o governo da motosserra leva nas malas apenas as políticas e projetos construídos pelos antecessores - e pelos quais ele tanto trabalhou para acabar assim que assumiu a cadeira de governador.  A ida para a COP-26 será apenas uma oportunidade para Cameli reencontrar o amigo e influenciador Marcos Rocha, o governador de Rondônia em quem ele tanto se inspira para fazer do agronegócio a locomotiva da economia acreana.

Em Rondônia, o comandante Rocha apresenta projetos de lei que acabam com unidades de conservação estaduais e premia quem pratica a invasão de terras públicas. A indústria da grilagem de Rondônia atravessa o rio Madeira rumo ao Acre, onde encontra um ambiente político altamente favorável para o roubo de terras públicas - e nada de “atrapalhar” quem quer investir por aqui. A ordem do governador é clara: é desburocratizar, flexibilizar e até mesmo acabar com a fiscalização ambiental.     

É dessa forma que o Acre vai chegar a Glasgow para debater propostas que reduzam os efeitos de desastre ambiental e climático para os quais caminhamos - e em certa medida já vivemos. Com um território pequeno e fácil de cuidar, não estamos fazendo nem nosso dever de casa de proteger e conservar a Floresta Amazônica. É apenas a floresta em pé que nos salvará do pior. E o que estamos vendo aqui são centenas de milhares de hectares de floresta sendo derrubada para dar lugar ao “agronegócio sustentável” do governo Gladson Cameli.    


Ouça meu comentário na CBN Amazônia Rio Branco: 

 

Na COP26- Acre chega devendo muito mais explicações do que apresentando soluções

 
 
 
 
 
 
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