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quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Para alemão ouvir (parte 2)

Na Alemanha, governador do Acre desqualifica dados sobre desmatamento e queimadas 


Gladson Cameli em plantação de soja no Acre; a diretores do KFW, governador diz que notícias sobre Amazônia são "sensacionalistas" (Foto: Agência Acre)

Diante do risco de o Acre perder o repasse de 30 milhões de euros nos próximos anos por conta do aumento do nível de destruição da Floresta Amazônica, o governador Gladson Cameli (PP) esteve nesta quarta-feira, 11, em Frankfurt, na Alemanha, reunido com os diretores do banco de fomento KFW para negar que o estado esteja passando por uma crise ambiental.

O governador desqualificou os dados oficiais que apontam crescimento nas taxas de desmatamento e de queimadas no Acre neste seu primeiro ano à frente do Palácio Rio Branco, mantendo tendência de alta observada desde 2018. Aos diretores do banco alemão, Cameli afirmou que as notícias da Amazônia que chegam até a Europa são “sensacionalistas”. 

“Aqui mesmo na Europa chegam notícias totalmente sensacionalistas a respeito do Brasil e da Amazônia, com dados irreais sobre os índices de desmatamento e queimadas na região. Por isso, fiz questão de conversar pessoalmente para mostrar fatos, uma vez que a parceria com o KFW são extremamente importantes para o nosso estado, pois a Amazônia e a nossa gente estão acima de qualquer ideologia política”, afirmou.

A fala de Cameli se equipara ao do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que a cada entrevista desqualifica os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre o aumento da devastação da maior floresta tropical do mundo. A atual crise provocada pela explosão nas queimadas desencadeou uma crise internacional envolvendo os principais líderes, incluindo a chanceler alemã Angela Merkel. 

(Leia também: Para inglês e (alemão) ouvir)

Junto com a Noruega, a Alemanha anunciou o fim de suas doações para o Fundo Amazônia por conta da forma como o governo Bolsonaro o gerencia. A proposta do Planalto é usar os recursos para pagar indenizações a grandes latifundiários que foram desapropriados em demarcações de terras indígenas e unidades de conservação.

O Acre também pode perder recursos alemães - mas neste caso não por conta dos discursos de Gladson Cameli. Por meio do Programa REM//KFW - que prevê o pagamento pela redução nas emissões de gases poluentes - o governo do Acre compromete-se a manter uma política de redução do desmatamento, com a Alemanha pagando por isso - é o chamado mercado de carbono.

A parceria foi firmada ainda nos governos petistas, sendo gestada por Binho Marques (2007-2010) e concretizada por Tião Viana (2011-2018). Durante os cinco anos da primeira fase do programa (2012-2017), o Acre recebeu 25 milhões de euros (R$ 105 milhões).

Ao fim de 2017, durante a Conferência do Clima da ONU na Alemanha, Acre e KFW renovaram a parceria por mais cinco anos.  O contrato - agora com a participação também do Reino Unido - prevê uma verba maior: 30 milhões de euros (R$ 120 milhões).

Mas como todo contrato, há as suas cláusulas que estabelecem direitos e deveres de ambas as partes. No caso do Acre, ficar com a taxa de desmatamento abaixo do teto estabelecido pelos alemães. Esse limite deve ser de 434 km2 por ano, conforme os dados do Inpe, que agora Gladson Cameli - assim como Bolsonaro - diz serem “irreais”.

Numa linha mais conservadora, o KFW estabeleceu um teto mais baixo: 330 km2. 

Em 2018, segundo os dados do Inpe, o incremento do desmatamento acumulado no Acre foi de 461 km2. Já a área desmatada entre janeiro e dezembro do ano passado foi de 393 km2.

Boletim do Desmatamento de julho produzido pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon)mostra que o Acre teve desmatado 187 quilômetros quadrados de floresta nativa; no mesmo mês do ano passado, essa área foi de 35 km2 – uma variação de 434%.

O crescimento também foi registrado na comparação anual. Entre agosto de 2017 e julho de 2018, o desmatamento alcançou a marca de 104 km2; já no período de agosto de 2018 a julho último, o total de floresta destruída chegou a 371 km2 – a variação registrada pelo Imazon é de 257%.

O aumento da floresta derrubada veio acompanhada do fogo. De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), em comparação com o ano passado, as queimadas registradas no território acreano estão 57% maiores no período de 1º de janeiro a 14 de agosto. 

Multas do Imac 

Após dizer no primeiro semestre do ano que os agricultores autuados pelo Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) estavam desautorizados a pagar as multas aplicadas pelo órgão, Gladson Cameli afirmou aos diretores do KFW que não afrouxou as fiscalizações nos combates aos crimes ambientais.

Segundo o governo, as multas aplicadas durante as ações de fiscalização nos últimos meses somam R$ 1 milhão.

Entenda mais sobre a atual crise ambiental do Acre nas postagens abaixo 

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Setembro em chamas

Acre tem 1.000 focos de queimadas nos 10 primeiros dias de setembro 


Queimada em roçado na zona rural de Feijó; com estresse térmico de setembro, há risco de fogo entrar na floresta
(Foto: Sérgio Vale)

O Acre registrou - apenas nestes 10 primeiros dias do mês - 1.066 focos de queimadas em todo o seu território, segundo os dados de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O número representa um terço do registrado em todo o mês de agosto, quando o estado bateu o recorde com mais de 3.000 focos de incêndios florestais.

Até esta terça-feira (10), os números do Acre superavam até mesmo o do vizinho Amazonas, que tem um território quatro vezes maior; Nesta primeira dezena do mês, o Amazonas teve registrado 1.027 focos.

Diante deste cenário, o governo do Acre se viu obrigado a pedir reforço federal para o auxílio aos combates às chamas, solicitando o envio de 30 bombeiros da Força Nacional de Segurança Pública. A preocupação é que o fogo em áreas de derrubadas e roçados entre na floresta fechada por conta da baixa umidade.

Com a vegetação mais seca dentro da mata por conta do longo período sem chuvas em alguns ponto do estado, acaba-se criando o combustível ideal para as chamas entrarem na floresta.

Setembro é o mês que mais preocupa as autoridades por nele ocorrer o chamado estresse térmico: quando há as elevadas temperaturas com umidade do ar abaixo da média, criando ambiente propício para o fogo se espalhar pela floresta fechada.

Em setembro do ano passado, o Inpe registrou, no Acre, 4.379 focos de queimada. A se manter a tendência registrada nestes 10 primeiros dias, os focos em 2019 podem ficar acima. Os membros do Comitê Estadual de Gestão de Riscos Ambientais trabalham com a pior das hipóteses, e de olho na previsão do tempo para saber como será o nível das chuvas até o fim do mês.

É a quantidade de água que cairá sobre o estado que definirá o risco de o Acre enfrentar incêndios dentro da floresta nos próximos dias. A operação Verde Brasil - conduzida pelo governo federal - capacitou 240 militares do Exército no estado para atuarem no combate às queimadas.

Até o momento ainda não houve o uso efetivo deste reforço, com os bombeiros acreanos ainda dando conta do serviço.

terça-feira, 10 de setembro de 2019

O progresso da falência

Iteracre não tem recursos para intermediar conflito na zona rural de Tarauacá 


Numa demonstração da situação de penúria financeira por que passam os órgãos do governo estadual, o Instituto de Terras do Acre (Iteracre) está sem verbas para enviar seus agentes para uma intermediação de conflito agrário na zona rural do município de Tarauacá.

Ocupando uma área do seringal Morongaba há mais de 30 anos, as famílias correm o risco de ser expulsas a partir de um mandado de reintegração de posse impetrado por um suposto dono que, agora, surge na região. Receosas de perderem toda uma história de vida no seringal, as famílias procuraram o Iteracre para realizar a intermediação.

Dos funcionários, receberam a informação de que não poderiam ir até o local por não haver recursos disponíveis. “O governo não teve a sensibilidade de desembolsar R$ 6 mil para o custo de combustível e de diárias dos servidores”, diz o deputado Edvaldo Magalhães (PCdoB), que trouxe o caso a público na semana passada.   

O pedido para que o governo do Acre atuasse no caso foi feito pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tarauacá, reforçado pela Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Acre (Fetacre). A resposta foi a mesma: não há verba em caixa para a saída da equipe de Rio Branco para o município, distante 408 km da capital.

O instituto chegou até a pedir que as despesas das diárias da equipe técnica - que somavam pouco mais de R$ 6 mil - fossem custeadas pela entidade. Informados de que a Fetacre também não teria o dinheiro, responderam que fariam uma solicitação à Casa Civil do governo.

“Nós podemos ter ali um conflito agravado, com possibilidade, inclusive, de confrontos físicos por conta da ausência daqueles que têm a responsabilidade de ser o órgão mediador”, ressalta Edvaldo Magalhães. 


domingo, 8 de setembro de 2019

Uma fala incendiária

Após Gladson desautorizar pagamento de multas, Imac autua mais de 40 produtores em Tarauacá

Valor por produtor chega a até R$ 50 mil  


Fogo em área de mata na região do Vale Tarauacá/Envira (Foto: Sérgio Vale)

A fala do governador do Acre, Gladson Cameli (PP), determinando que nenhum produtor do campo pagasse as multas aplicadas pelo Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) levou muitos deles a acreditar que estavam livres para derrubar e queimar áreas de floresta sem ser penalizados. Como consequência, o estado teve um salto no registro de focos de queimadas em 2019, na comparação com os anos anteriores.

Apesar do discurso oficial do chefe do governo fomentando uma prática ilegal - o não pagamento de autuações ambientais por um órgão de Estado -  os fiscais do Imac não prevaricaram e foram a campo cumprir seu dever legal. Como resultado, dezenas de produtores foram autuados por desmatarem e queimarem sem a devida licença.

Apenas em Tarauacá, um dos municípios que lideram o ranking de incêndios florestais este ano - mais de 50 produtores foram multados. A questão foi tornada pública na semana passada pelo deputado Jenilson Leite (PSB), que foi procurado pelos multados. Os valores chegam a até R$ 50 mil.

“O governador teve um comportamento fora da lei que incentiva as pessoas a derrubarem. O Imac vai lá e multa, endivida os produtores e cria-se uma crise. Acho que um chefe de Estado deveria ter mais responsabilidade com o que diz”, afirma o parlamentar.   

“[Os produtores] me relataram que acreditaram no que falou o governador e começaram a derrubar, sobretudo os pequenos produtores. O Imac chegou lá e aplicou multa de R$ 45 mil, R$ 50 mil em pessoas donas de 50, 60 hectares”, diz Leite.

Desde que o vídeo gravado ainda no primeiro semestre, durante discurso em Sena Madureira, veio a público com sua fala sobre o Imac, o governador Gladson Cameli afirma ter sido “mal interpretado”.

“Quem for da zona rural, e que o seu Imac estiver multando, alguém me avise porque eu não vou permitir que venham prejudicar quem quer trabalhar. Avise-me e não pague nenhuma multa porque quem está mandando agora sou eu. Não paguem”, disse o governador.

Quando comparado com 2016 - ano em que o Acre enfrentou um dos El Niños mais severos das últimas décadas - a quantidade de focos de queimadas em 2019 está 23% superior. Em cotejo com o ano passado, as queimadas registradas no território acreano estão 57% maiores.

Em agosto deste ano, o Acre registrou mais de 3.000 focos de queimadas. Em agosto de 2018, o número foi de 1.368.

sábado, 7 de setembro de 2019

Independência ou fogo!

Neste 7 de setembro, aqui pelo Acre, costumamos dizer que o povo celebra a Independência brasileira botando fogo no mato. Nos últimos anos, esta tem sido a data preferida para a fogueira na floresta. Não há uma explicação científica-antropológica para tal comportamento.

No meu entender, creio que isso se dá por as pessoas acreditarem haver menos fiscalização em andamento no Dia da Pátria. Por as tropas estarem mobilizadas para os desfiles militares, penso eu, o homem do campo aproveita para queimar o roçado e limpar as áreas já derrubadas crentes que não serão incomodadas.

Sendo esta ou não a grande explicação, o fato é que setembro também é um mês de muitas queimadas. Apenas nestes sete primeiros dias do mês, segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Acre registrou quase 600 focos de queimadas – um número alto para um intervalo de tempo tão curto.

Feijó, Tarauacá e Sena Madureira continuam como o trio campeão no número de queimadas no Acre neste mês que se inicia – repetindo o registrado em agosto. O número chama a atenção mesmo com as chuvas frequentes em todo o estado nos últimos dias, incluindo um temporal em Rio Branco que, por muito pouco, não deixou a cidade destruída.

Pode ser um claro sinal de que as chuvas ainda não têm sido suficientes para deixar o ambiente bastante úmido, evitando a proliferação do fogo. Estes números iniciais de setembro mostram que o sinal de alerta das autoridades ainda não pode ser desativado.

Ao longo do mês, as chuvas costumam ser escassas, criando um ambiente propício para as queimadas. O recado está dado. 

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Feliz Dia da Amazônia (em risco)

Estátua de Chico Mendes, no centro de Rio Branco, protegida contra a fumaça (Foto: Sérgio Vale)


A imagem acima, feita pelo repórter-fotográfico acreano Sérgio Vale, talvez seja a melhor representação da mais recente crise internacional envolvendo a Floresta Amazônica. Enquanto as queimadas avançavam sobre a vegetação, a estátua do líder seringueiro Chico Mendes - colocada no centro de Rio Branco - era protegida contra a fumaça tóxica com uma máscara.

Nela estava escrito “Empate Já”, uma referência ao movimento formado pelos seringueiros acreanos durante a década de 1980 contra a derrubada da floresta pelos grandes pecuaristas do centro-sul do país, que por aqui chegavam para a abertura de pastos. Passadas três décadas, a mensagem é a de que novos “Empates” são necessários pra evitar a destruição da Amazônia.

Certamente as semanas que se passaram foram as mais ameaçadoras para a preservação e conservação da maior floresta tropical do mundo dos tempos recentes. Amparados pelo discurso oficial do governo de desmonte das políticas ambientais, os desmatadores acionaram suas motosserras e botaram fogo na vegetação derrubada desde os primeiros dias de agosto. 

Enquanto por aqui já respirávamos fumaça e tínhamos que todos os dias tirar a fuligem das queimadas das varandas de nossas casas, o resto do Brasil não se dava conta. Foi só a fumaça desembarcar pela avenida Paulista para o país e o mundo acordarem para uma floresta que já estava em chamas havia algum tempo.

A reação internacional foi imediata. Os líderes mundiais exigiram uma ação imediata por parte de Brasília que, como de costume desde o dia 1 de janeiro de 2019, reagiu da forma mais esdrúxula possível. A primeira ração foi afirmar que quem estava botando fogo na Amazônia eram as ONGs internacionais.

Para o governo Bolsonaro, tudo estava normal na região, tudo sob controle. O presidente acusava a França – país que teve a reação mais contundente – de interferir na soberania nacional. Logo Bolsonaro, que teve como uma de suas primeiras propostas de início de mandato permitir a construção de uma base militar na Amazônia pelos americanos – de quem é fiel subserviente.

A resposta concreta ao fogo só veio após as ameaças de boicote aos produtos do agronegócio brasileiro - principal setor fiador do Planalto. Temerosos de prejuízos milionários, os ruralistas foram para cima e também cobraram ação efetiva do governo. Não fosse isso, a floresta ainda estaria em brasa.

No Acre também temos o nosso Bolsonaro na sua versão piorada. O estado enfrentou um salto nos índices de desmatamento e queimadas graças ao governador Gladson Cameli (PP) e suas declarações estapafúrdias.

Ao dizer em alto e bom som que ninguém mais era obrigado a pagar as multas aplicadas pelo Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac), Cameli acionou o gatilho para a destruição da floresta.

Como já escrevi antes, o governador jogou a gasolina sobre a mata e riscou o fósforo. O desastre ainda está visível. Ao decidir que o agronegócio será o grande motor da economia acreana, Gladson Cameli fragiliza todo um mecanismo de proteção da maior riqueza da qual o Acre é dono: 87% de cobertura florestal amazônica.

Após um agosto literalmente infernal na região, parece que aos poucos a situação vai melhorando com as chuvas neste período de transição para o “inverno amazônico”. Setembro ainda é um mês seco, e toda vigilância precisa ser mantida.

Neste 5 de setembro, comemoramos o Dia da Amazônia. Infelizmente ainda não temos muito o que celebrar, apenas lamentar pelo o que aconteceu e pelo o que pode vir a acontecer diante das posturas dos atuais governantes brasileiros. Porém, estar atento e defender a sobrevivência da floresta e dos povos que nela vivem passam a ser uma obrigação de cada cidadão do planeta.

Por fim, não há a menor dúvida de que, sim, novos “Empates” serão necessários - novos Chicos Mendes precisarão surgir.   

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Reservada ao desmate

Reserva Chico Mendes é derrubada e preparada para o fogo 


Imagem de cima mostram o avanço do desmatamento dentro da unidade em Xapuri (Fotos: SOS Amazônia) 


Novas imagens aéreas - produzidas a partir de drones - dão uma nova perspectiva do nível de destruição dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes, em sua porção no município de Xapuri. No início de agosto, em reportagem para a National Geographic com o repórter-fotográfico Márcio Pimenta, já notávamos os impactos do desmatamento e do fogo dentro da unidade de conservação, provocado pelo contínuo avanço da pecuária e a falência do extrativismo.

Agora, no fim do mês passado, a organização não-governamental acreana SOS Amazônia esteve na reserva para observar (leia o relatório) como a abertura de novas áreas para o pasto coloca em risco a sobrevivência da unidade concebida pelo líder seringueiro Chico Mendes.

Mais e mais árvores continuam a ser derrubadas. As imagens de cima dão uma dimensão da destruição e do próximo passo a ser seguido pelos desmatadores: o uso do fogo. E setembro, o último mês do “verão amazônico” (que acumula um maior número de dias consecutivos do ano sem chuva), é o escolhido para esta queima.

Com a baixa umidade tanto no ar quanto na floresta por conta do longo período sem chuvas, há o claro risco de o fogo ir mata adentro. Caso nenhuma providência seja tomada a tempo pelas autoridades, poderemos ter uma catástrofe das proporções de 2005, quando grandes áreas de floresta da reserva foram destruídas pelo fogo.     





terça-feira, 3 de setembro de 2019

O desmate (e o boi) avançam

Dados apontam nova fronteira do desmatamento no Acre; áreas preservadas são as mais ameaçadas 


Floresta desmatada e queimada às margens do rio Gregório, em Tarauacá (AC) (Foto: Sérgio Vale)

Após ficar concentrado nos últimos 40 anos mais na porção leste do Acre, o desmatamento agora avança sobre as áreas de floresta que ficaram quase intocáveis desde a intensificação da entrada da pecuária na região, processo este iniciado durante a ditadura militar brasileira (1964-1985).

Essa nova fronteira do desmatamento no Acre - observada nos últimos três anos - coloca em risco a preservação de unidades de conservação e, sobretudo, as terras indígenas.

Atualmente, o Acre ainda mantém preservada 87% de sua cobertura florestal original, estando grande parte dela concentrada nos municípios que lideram o ranking de desmatamento e queimadas de 2016 para cá.  Ambos os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Um dos casos que chamam a atenção é o do município de Feijó, banhado pelo rio Envira. Em 2018, Feijó foi o campeão do desmatamento no Acre, com 77 km2 de floresta derrubada. Em agosto deste ano, também foi o líder em incêndios: 685 focos, segundo o Programa Queimadas do Inpe.

Feijó é um dos municípios com a maior concentração de terras indígenas demarcadas do Acre, incluindo a Kampa e Isolados do rio Envira. Localizada na fronteira com o Peru, ela abriga os índios isolados cujas imagens de um recente contato com os Ashaninka ganharam o mundo.

Vizinho a Feijó, Tarauacá é outro município com expressivas áreas de floresta intacta, e que também tem sofrido com o desmate e o fogo. Nos 31 dias de agosto, registrou 443 focos de queimada. Em 2018, o desmatamento ficou em 42 km2, o terceiro maior do Acre. 

Uma das áreas mais atingidas está às margens do rio Gregório, no entorno da Terra Indígena do Rio Gregório, que abriga o povo Yawanawá. Ao se navegar pelo manancial durante a segunda metade de agosto, foi possível observar grandes áreas desmatadas e queimadas antes de se chegar ao território Yawanawá. 

Dono de uma extensa porção de floresta preservada e rica em madeira nobre, Sena Madureira teve desmatamento de 52 km2 em 2018, com 349 registros de fogo em agosto de 2019. O terceiro lugar em desmate ficou com Manoel Urbano (47 km2), banhado pelo rio Purus. No último mês, registrou 281 focos de incêndios florestais.

Manoel Urbano, Feijó e Tarauacá são municípios que há até bem pouco tempo ficavam praticamente isolados da capital Rio Branco durante os seis meses de chuva na região. Com a pavimentação da BR-364 – mesmo que hoje com parte de seu trecho em péssimas condições – os três municípios saíram do isolamento, e com a rodovia também ocasionando impactos ambientais. 

Os dados atestam o estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) mostrando uma estreita relação entre aumento do desmatamento com o uso do fogo na Amazônia, sendo o Acre um dos principais exemplos disso. 

Essa nova fronteira do desmatamento ocorre no momento que o atual governo acreano faz do agronegócio sua principal política econômica, enfraquecendo as diretrizes ambientais do estado.

Antes concentrada na região da bacia do rio Acre - conhecida como Alto e Baixo Acre - a pecuária vai ampliando suas fronteiras no estado - não importando a distância ou o grau de dificuldade para se abrir novas pastagens.

domingo, 1 de setembro de 2019

Os fatos e os fatos

Em 2019, queimadas no Acre estão 23% maiores do que em 2016, ano de El Niño 


Queimada registrada no sábado (24) na zona rural do município de Bujari (Foto: Fabio Pontes) 


O discurso de parte das autoridades ambientais do Acre de que o boom no número de queimadas se deu por conta de um período mais longo sem chuvas não tem base científica. Quando se comparado com 2016 - ano em que o Acre enfrentou um dos El Niños mais severos das últimas décadas - a quantidade de focos de queimadas em 2019 está 23% superior.

É o que aponta nota técnica elaborada pelo Instituto de Pesquisas Ambiental da Amazônia (Ipam) divulgado essa semana. Em cotejo com o ano passado, as queimadas registradas no território acreano estão 57% maiores. O estudo leva em consideração o período entre 1o de janeiro e 14 de agosto dos três anos avaliados.

O estudo científico concluiu que o Acre, em 2019, não sofre com um período seco severo como o de 2016. Há três anos, quando um El Niño influenciava o clima no sul da Amazônia, o Acre foi um dos estados mais atingidos. O principal efeito, contudo, deu-se na seca do rio Acre, que levou as autoridades a racionalizar o fornecimento de água potável.

O manancial é a principal fonte de abastecimento para os mais de 400 mil habitantes da capital Rio Branco. Este ano o rio também está numa situação crítica, mas as chuvas dos últimos dias acabaram elevando um pouco seu nível.

Segundo o estudo do Ipam, o aumento das queimadas está ligado diretamente ao do desmatamento.  De acordo com Boletim do Desmatamento de agosto elaborado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), em julho o Acre teve desmatado 187 quilômetros quadrados de floresta nativa; no mesmo mês do ano passado, essa área foi de 35 km2 – uma variação de 434%.

A pesquisa do Ipam não levou em consideração as questões políticas locais, mas é fato que as posturas do governo federal e local contribuíram para o Acre chamar a atenção do Brasil e do mundo pelo aumento das queimadas e do desmatamento.

Defensor do agronegócio como carro-chefe da economia acreana, o governador Gladson Cameli (PP) desautorizou pessoas autuadas pelo Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) a pagar as multas, dizendo que agora quem mandava era ele.  (Leia o artigo As falas (não ecológicas) de Cameli)

As queimadas rurais causam danos não apenas do ponto de vista ambiental, mas também da saúde humana. Segundo o Ipam, quatro cidades acreanas - Rio Branco, Sena madureira, Assis Brasil e Manoel Urbano - registraram concentração de material particulado no ar acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde. A qualidade do ar respirado nestes municípios ficou pior do que a de São Paulo, por exemplo. 


Recomendações 

O estudo do Ipam aponta que a solução mais eficaz para se controlar as queimadas é o combate ao desmatamento. “Considerando que o desmatamento é vetor direto de incêndios florestais e queimada, é preciso intensificar o combate à derrubada ilegal da floresta e apoiar agricultores para que deixem de usar o fogo no preparo da terra”, diz a nota técnica.

“Por fim, cabe o alerta de que o cenário atual, de elevado número de focos de incêndios no rastro do desmatamento, poderá ser “lugar comum” na Amazônia, num futuro onde a floresta ceda espaço para outros usos da terra. É fundamental que se entenda que, sem grandes extensões de florestas atuando como barreira à propagação do fogo, os prejuízos futuros para a saúde das pessoas e da agricultura podem ser incalculáveis.”