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sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Desarticulado

Sem articulador oficial, governo enfrenta dificuldades para compor Mesa na Aleac

Desprovido de um articulador oficialmente nomeado para tratar da relação política do Palácio Rio Branco, o governador Gladson Cameli (Progressistas) enfrenta certa dificuldade e resistência de aliados para concluir, de uma vez por todas, o processo de composição da nova Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Acre (Aleac).

Apesar do consenso já encontrado entre a grande maioria dos deputados - incluindo os da oposição - de o próximo presidente ser Nicolau Júnior (Progressistas) e o tucano Luiz Gonzaga o primeiro-secretário, o MDB decidiu não jogar a toalha e continua no pleito pela cadeira que tende a ficar com o PSDB.

Em reunião realizada no início da noite desta terça (23) entre os parlamentares da base e da Frente Popular, ficou definido que os emedebistas ficariam com a segunda-secretaria.

Os parlamentares da legenda, que elegeu a maior bancada, não ficaram satisfeitos, além de haver disputa interna para saber quem será o indicado para estar na Mesa.

Todo este impasse acontece a pouco mais de uma semana para o Legislativo voltar do recesso. A ausência de interlocução direta por parte do governo no processo de composição da Mesa Diretora é um dos principais motivos para a falta de consenso.

Oficialmente o Palácio Rio Branco não tem um interlocutor político. Apesar de ter sido criada a Secretaria Extraordinária de Articulação Política, ela ainda não teve um titular nomeado. O cotado para assumir a função é o emedebista Vagner Sales, ex-prefeito de Cruzeiro do Sul e esposo da deputada eleita Antônia Sales (MDB), que quer voltar à Mesa.

Entre 2007 e 2010 a parlamentar foi a vice-presidente da Casa na gestão de Edvaldo Magalhães (PCdoB). Ela tem como concorrente o deputado eleito Roberto Duarte Júnior (MDB), que era vereador da capital antes de sair vitorioso nas urnas em outubro.

O MDB não está satisfeito com o segundo cargo mais importante da Aleac, a primeira-secretaria, ser “entregue de bandeja” aos tucanos.Nos bastidores há queixas da gula dos tucanos por já estarem na vice-governadoria e ocuparem os espaços tidos como os mais privilegiados dentro do governo.

Quem tem tentado atuar como bombeiro neste incêndio é o próprio Nicolau Júnior, acompanhado do atual presidente da Casa, Ney Amorim (sem partido), que faz uma espécie de consultoria política informal entre o governo e os deputados para se encontrar o denominador comum.

A oposição já está satisfeita com o espaço que ocupará na futura Mesa Diretora, assistindo de camarote o cabo-de-guerra entre os governistas, desamparados pela liderança ativa e forte de emissários palacianos.  

As calamidades

Acre não descarta decretar estado de calamidade financeira

Informação é confirmada por governador e secretária da Fazenda; governo prepara novas medidas de contenção e corte de despesas para encontrar equilíbrio nas contas


A equipe econômica do governo do progressista Gladson Cameli não descarta a possibilidade de o Acre vir a decretar, nas próximas semanas, estado de calamidade financeira como tentativa de assegurar o equilíbrio nas contas públicas. Outra medida a ser adotada é a assinatura de novos contingenciamentos, além dos já feitos pela reforma administrativa definida no período de transição.

Com isso, o Acre passaria a fazer parte do “seleto” grupo de sete estados que já adotaram medida semelhante. Os dois últimos foram Mato Grosso e Goiás. A informação da possível decretação da calamidade foi confirmada ao ac24horas tanto pelo governador quanto por sua secretária da Fazenda, Semírames Dias.

Conforme ac24horas mostrou nessa terça, 22, o orçamento 2019 do governo ainda está fechado, podendo ser liberado por completo no fim do mês ou início de fevereiro. Apenas as pastas responsáveis pela folha de pagamento dos servidores tiveram acesso a parte do orçamento.

De acordo Semírames Dias, o principal problema está justamente na peça orçamentária elaborada pelo governo Tião Viana (PT) para 2019, aprovado no mês passado pela Assembleia Legislativa.

Segundo ela, receitas previstas pela gestão anterior e colocadas na Lei Orçamentária Anual (LOA) não têm garantias de até 31 de dezembro estarem nos cofres do estado.

Os valores apontados como inexistentes foram colocados na categoria “outras receitas correntes”, mas sem especificar de onde sairiam os recursos.


“Precisamos contingenciar nosso orçamento por conta de receitas que não foram previstas. Então, para equilibrar a relação receitas e despesas precisamos elaborar um decreto de contingenciamento” afirma a secretária.

Essa contenção de gastos se somaria à realizada na reforma administrativa que reduziu o número de secretarias e de cargos na estrutura do governo. Essa tesourada, segundo o governo, representará uma economia de R$ 100 milhões anuais, que precisam ser ampliados.

“A reforma do começo da gestão já deixou a estrutura muito enxuta. A tendência é enxugar ainda mais”. 

“Para conseguirmos abrir o Orçamento e termos ao menos um equilíbrio neste começo de 2019, pois estamos totalmente desequilibrados na parte fiscal, será preciso fazer este contingenciamento”, explica Semírames. “Resumindo em miúdos, precisamos ajustar o Orçamento.”

Questionada sobre a possibilidade de o Acre vir a decretar estado de calamidade financeira, a secretária da Fazenda afirma que ela não está de todo descartada. “Podemos até ter essa possibilidade sim. Eu não descarto”, diz.

Orçamento fictício, diz governador 
No início da semana, ao ser questionado pelo ac24horas sobre a situação fiscal do estado, o governador Gladson Cameli também já tinha informado sobre as chances de o Acre decretar a calamidade financeira, como fez Goiás na segunda (21).

“O Orçamento aprovado pela Assembleia é um Orçamento fictício. O Acre está na mesma situação [de Goiás] e não demora muito para fazer a mesma coisa [decretar a calamidade financeira]”, disse o governador.

Segundo Cameli, a medida - considerada como extrema e que retrataria quase que o colapso das contas públicas - seria adotada não por politicagem, mas para assegurar o mínimo de controle das finanças.

“Vou chamar os demais Poderes, a imprensa, vou chamar todo mundo para mostrar a realidade do estado. Isso não é por politicagem, mas para sermos transparentes com a sociedade”, ressalta.

Com a assinatura do decreto de calamidade financeira (que também precisa ser aprovado pela Assembleia Legislativa), o governo estipula determinado período em que ele estará em vigor. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), decretou seis meses de calamidade.

Nesse período, o governo terá plenos poderes para renegociar dívidas com os fornecedores, e até suspender serviços tidos como não essenciais. A equipe econômica também terá mais liberdade para remanejar recursos do Orçamento, aplicando nas áreas que considerar mais importantes.

O estado fica com mais condições de recorrer a Brasília para renegociar as dívidas com a União. A depender do grau de comprometimento das finanças, o Acre pode aderir ao  Regime de Recuperação Fiscal (RRF) executado pelo governo federal.

Entre os estados, apenas o Rio de Janeiro aderiu ao RRF por conta de suas regras rigorosas que, entre outras medidas, prevê a privatização de estatais.

Empréstimo e folha


De acordo com a secretária da Fazenda, a prioridade do governo neste momento de desequilíbrio fiscal será assegurar o pagamento da folha de pagamento e dos empréstimos contraídos pelo estado nos últimos 20 anos. Por mês, o contracheque dos servidores consome R$ 230 milhões. Em 2019, a situação ficou agravada com o não pagamento integral do 13º salário pela gestão anterior.

A quitação do débito residual terá um impacto de R$ 70 milhões nas despesas que não estavam previstos. Outro peso é o pagamento dos empréstimos que, em média, consomem R$ 45 milhões mensais. Como há credores internacionais, esse valor flutua conforme a cotação do dólar.

“Ele pode ser de R$ 45 milhões, de 40 milhões e até de quase R$ 50 milhões”, explica Semírames Dias. O não pagamento destes empréstimos ou o atraso só complica a situação fiscal do Acre. O estado cai numa espécie de lista-suja de devedores, tem a nota rebaixada e fica com restrições para solicitar novos empréstimos.


Na metade de 2018, a antiga gestão demorou a pagar uma parcela da dívida contraída junto a um banco estrangeiro.  O resultado é que, apenas de juros, o Acre precisou desembolsar R$ 1,3 milhão. “Com um estado como o nosso, aportar todos os meses até R$ 50 milhões para pagar esses empréstimos é pesado para a gente”, diz a secretária.  

Segundo ela, os empréstimos são importantes para garantir alguma margem de investimento do governo, ante o quase completo comprometimento do Orçamento com salários e dívidas.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

A meta é afrouxar

 
O governador do AC, Gladson Cameli, em fazenda de soja no estado (Foto: Odair Leal/Secom)


Plano de metas do governo do AC prevê revisão de licenças ambientais para agronegócio 

O novo governador do Acre, Gladson Cameli (Progressistas), cuja principal promessa de campanha foi transformar o estado na nova fronteira agrícola do Norte, aos poucos vai colocando em prática o objetivo. Uma de suas primeiras medidas será a revisão das regras de licenciamento ambiental concedidas pelo governo estadual para as atividades rurais.

A flexibilização destas regras e uma atuação menos rígida dos órgãos de fiscalização ambiental são apontadas como a “segurança jurídica” vendida pelo novo governo acreano para atrair os grandes investidores do agronegócio, sobretudo os de Rondônia e Mato Grosso.

A revisão do licenciamento ambiental foi apresentada durante reunião entre o governador Gladson Cameli e os seus 14 secretários na tarde desta quarta-feira, 16, para definir o plano de meta dos próximos 100 dias.

De acordo com o governo, essa análise da legislação estadual em vigor que trata da concessão de licenciamento ambiental será conduzido pela recém-criada Secretaria de Produção e Agronegócio (Sepa), liderada por Paulo Wadt, “importado” de Rondônia e com passagem pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) do Acre.

Os trabalhos serão feitos em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente (Sema), comandada por Israel Milani, nome ligado aos ruralistas acreanos e sem expertise ou histórico de atuação na área ambiental acreana.  

A atuação rigorosa dos órgãos estaduais ligados ao meio ambiente é apontado como uma das principais causas para travar o desenvolvimento da economia rural, afugentando potenciais investidores. Com um eventual afrouxamento a ser feito pelo governo Gladson, grandes investidores terão a garantia de não serem incomodados por fiscalizações.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Arcos e flechas

Francisco Piyãko, liderança indígena do Acre, analisa atual momento no país e no Acre (Foto:Agência de Notícias do Acre)



Para Piyãko, apoio às causas indígenas seria o “selo verde” do agronegócio so novo governo do Acre 


O apoio incondicional do governo Gladson Cameli (Progressistas) às políticas de fomento do agronegócio no Acre, bem como a não sinalização - até o momento - de manter um canal de interlocução com o movimento indígena, preocupa as principais lideranças do segmento.

Ex-secretário dos Povos Indígenas no governo Jorge Viana (PT) e assessor da presidência da Fundação Nacional dos Índio (Funai) entre 2011 e 2013, Francisco Piyãko, do povo Ashaninka, em Marechal Thaumaturgo, afirma que a gestão Gladson adota uma linha semelhante à do presidente Jair Bolsonaro em relação às pautas das populações tradicionais.

Apesar das preocupações apontadas, Piyãko não acredita que a nova política econômica do governo Gladson, baseada no agronegócio, coloque em risco a integridade das terras indígenas no estado, nem os direitos até aqui consolidados.

“Eu acho que isso não será feito, porque essa atitude não garante mercado para a produção agrícola. O mercado internacional tem critérios para comprar a produção”, afirma.

Para a liderança Ashaninka, o apoio do governo Gladson Cameli às causas do movimento indígena acreano seria uma espécie de “selo verde” da produção agrícola do estado,assegurando que ela respeita critérios socioambientais.  

Representada por 16 diferentes etnias identificadas (mais uma de recente contato e outras duas isoladas), a população indígena do estado está estimada em quase 20 mil pessoas, espalhando-se de Assis Brasil, no Alto Rio Acre, a Porto Walter, no Alto Rio Juruá. 

Os Ashaninka, de Francisco Piyãko, estão no município de Marechal Thaumaturgo, Vale do Juruá, na Terra Indígena Kampa do Rio Amônia.
   

Blog: Qual sua análise sobre o atual momento da conjuntura política nacional, em especial aquela voltada para a questão indígena? Desde o início da campanha de 2018 o presidente Jair Bolsonaro faz declarações que sinalizam ameaças aos direitos dos índios, em especial a demarcação de terras. Qual sua avaliação destes cenários?

Francisco Piyãko: Eu nunca tive dúvidas de que íamos viver momentos muito difíceis para nós indígenas, para nós povos da floresta e outros segmentos da sociedade. Mas falando só das populações indígenas, há aí uma postura de violação de direitos já conquistados, que estão na Constituição, como ter o direito a nossas terras e a preservação de nossas tradições. Isso tudo está sendo afetado. Acreditamos que a Justiça está acima de tudo, e por isso temos acionado o Ministério Público Federal por acreditarmos que ele é um garantidor de nossos direitos.


Quais as ameaças mais evidentes neste momento e quais outros meios pretendem usar para contê-las?


Piyãko: O que está no papel e o que está decidido pelo governo já é uma afronta muito grande. Estamos recorrendo aos meios legais para frear essas situações, mas de qualquer maneira já fica dentro das aldeias indígenas um clima muito tenso. É como se você estivesse trazendo de volta uma questão que já estava superada. Aqueles [os brancos] que saíram das terras indígenas e que estavam esperando um momento de retornar, encontram no governo um aliado para fortalecer esse movimento de acirrar conflitos. Quando você vê o desmonte da Funai, que é o órgão oficial do governo, a Funai não é uma ONG, sendo desestruturada, é para ficar em alerta. A Funai é hoje tratada como a responsável por tudo o que o aconteceu, e não o Estado brasileiro. As terras indígenas são terras da União. Os direitos indígenas estão na Constituição. Agora, o governo pega a Funai, que é responsável pelas demarcações e pelos licenciamentos de obras que afetam nossos territórios, e coloca num ministério [da Agricultura] que sempre teve conflito com a pauta indígena.

Quais as consequências desta política?


Piyãko: Isso é tentar acabar com um processo reconhecido nacional e internacionalmente como uma agenda de grande contribuição que essas terras indígenas dão para o país. Elas agora estão sendo tratadas como uma ameaça, um risco para o país. Se você pega uma imagem aérea do Parque do Xingu é possível ver que, mesmo com toda a pressão do agronegócio, o quanto ele contribui para a preservação da floresta que, é essencial para o equilíbrio das chuvas que irrigam o pasto do gado e o plantio dos grãos das fazendas no entorno. Não se pode olhar a Amazônia apenas pela possibilidade de transformá-la em pasto, para o plantio  de soja, para explorar minério, construir hidrelétrica. Tem que olhar para Amazônia com a diversidade de povos que há aqui dentro, com a sabedoria que há aqui dentro, de riquezas não exploradas e devidamente valorizadas. O Brasil só tende a ganhar com a Amazônia a partir do momento em que ela for olhada com outro olhar.

Qual o futuro da demarcação de terras no Brasil nestes próximos quatro anos?


Piyãko: O presidente da República tem uma estratégia hoje que é de não demarcar terras indígenas. Ele deixou isso bem claro. Ele sinaliza até em rever demarcações já feitas. Então, está mais do que claro que não podemos contar com este governo para a questão indígena. Agora, nós vamos trabalhar para aquilo que é nosso, direito já conquistado e queremos um diálogo com o governo para mostrar que não estamos trabalhando contra o desenvolvimento do país.



(Foto: Gleilson Miranda/Secom/AC)


Você acha que o governo está disposto a um diálogo com o movimento indígena?

Piyãko:
Acho que não, mas nós vamos buscar isso. Nós não podemos virar as costas. O governo tem suas obrigações. Um presidente ou o governador de um estado não pode achar que pode fazer tudo. São nestes espaços, nestes diálogos, que nós vamos começar a trabalhar. Se o presidente diz: ‘não vamos demarcar terras indígenas’, nós vamos lutar para que haja demarcação. Se o governo diz: ‘vamos rever as demarcações já feitas, vamos desmanchar a Funai’, nós vamos continuar resistindo. Nós queremos que o Estado proteja as nossas terras, assegure os nossos direitos, cuide da nossa saúde. Nós não somos estrangeiros dentro do Brasil. Somos povos indígenas dentro do Brasil. A terra é da União. O Estado tem a obrigação constitucional de proteger nossos direitos. Podem mexer no que quiser, mas vamos recorrer às instâncias que forem necessárias.


O novo governo do Acre ainda não deu sinais se manterá indígenas ocupando cargo de assessoramento direto, após a existência desta função nos 20 anos de gestão petista. Você próprio foi secretário dos Povos Indígenas com Jorge Viana (1999-2006). Qual sua perspectiva para as políticas indígenas no governo de Gladson Cameli?

Piyãko: O que estamos vendo é que a situação não é muito diferente do que ocorre no plano nacional, que o governo do Acre segue um pouco do arranjo adotado pelo governo federal.  O primeiro ponto de nossa pauta é pedir uma audiência com o governador para saber como ficará essa agenda indígena. A partir dessa reunião, ou da recusa em nos receber, vamos decidir como agiremos com este novo governo. É bom ficar claro que não se pode partidarizar as causas do movimento indígena. Se há pessoas que concorreram nas últimas eleições, independente do partido, ou que ocupam espaço no governo ou nas prefeituras, elas não são donas, responsáveis pelo processo interno do movimento indígena. Todas as conquistas que obtivemos não foram dadas por um partido; foi uma luta do movimento. A nossa relação com a Frente Popular aqui no Acre teve altos e baixos. Nós não temos uma lógica de que pertencemos a um partido. Se este governo tiver uma proposta e uma pauta para trabalhar a questão indígena, para nós será ótimo. Melhor do que ficar administrando conflitos e o governo virar as costas para a gente.

Após 20 anos da chamada “florestania”, que em partes beneficiava as populações indígenas do Acre, o novo governo tem como meta investimentos pesados no agronegócio. Qual sua avaliação sobre essa nova política econômica para o estado?

Piyãko: Eu tive a oportunidade de assessorar o presidente da Funai em Brasília de 2011 a 2013, e andei por quase todos os estados para discutir as questões indígenas, conhecendo também outras questões. Onde está instalado o agronegócio ele tem como base a geração de lucro, ele não tem o foco de melhorar a qualidade de vida da população. Quando você acha que isso vai trazer progresso, ele tem uma relação muito grande com a política de exclusão. É preciso ter muito cuidado com isso. Tendo um recorte que não deixe de atender às necessidades dos povos indígenas, de que ela não vai impactar as comunidades indígenas, não haverá conflito algum. O que a gente não quer é que essa política do agronegócio se sobreponha ao nosso território, às nossas terras, nem que ela seja a única política para se relacionar com os povos indígenas. Eu acho que isso não será feito, porque essa atitude não garante mercado para a produção agrícola. O mercado internacional tem critérios para comprar a produção. Ele não compra carne nem soja de área desmatada de forma ilegal. O mercado lá fora é exigente. Queremos no Acre um governo que tenha a capacidade de dialogar com outros segmentos, com outros estilos de vida. Não dá para achar que o agronegócio é a única salvação econômica do Acre; há outros projetos interessantes em andamento e que precisam do apoio do governo. Nós não podemos ser vistos como atraso, mas talvez como o ponto de equilíbrio para garantir que essa produção [do agronegócio] tenha o valor agregado de que ela não está impactando a questão socioambiental.  



(Foto: Gleilson Miranda/Secom/AC)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

O agro é pop, o Acre é agro

Governador do Acre, Gladson Cameli (de blusa branca) conhece plantio de soja pioneiro no estado (Foto:Odair Leal/Secom)




O governador do Acre, Gladson Cameli (Progressistas), está com sangue nos olhos para tirar do papel a sua principal bandeira eleitoral de 2018: escancarar as portas do estado para o agronegócio. O sucessor dos 20 anos de petismo vê no agrobusiness o carro-chefe para tirar o Acre de seu atual marasmo econômico.

No final da década de 1960 e início da de 1970, o governo militar brasileiro (1964-1985) também via no setor rural a única opção para salvar uma Amazônia que sofria com a decadência da economia extrativista, sobretudo a da borracha.

O resultado imediato foram os conflitos agrários (muitas das vezes com mortes), o inchaço das periferias das cidades com famílias inteiras expulsas dos seringais e o início do desmatamento descontrolado que perdura até hoje.

Aqui não se faz um discurso radical contra o agronegócio. No caso do Acre em particular, podemos dizer que, em partes, essa política deu certo (para alguns poucos). Passadas mais de quatro décadas desde o começo da “colonização” do estado pelos “paulistas” (como ficaram conhecidos os novos donos dos seringais transformados em pasto), o Acre mantém intacta 86% de sua cobertura florestal.

A pecuária é o grande indutor da economia rural; preferiu-se investir bem mais na criação de animais ao plantio de grãos. É possível encontrar boi nos cantos mais remotos do Acre (sendo transportados em embarcações boiadeiras). O exemplo mais clássico deste antagonismo floresta/pecuária é a Reserva Extrativista Chico Mendes, onde é possível encontrar o gado pastando em qualquer colocação.

A partir de agora, o boi terá um novo concorrente: a soja. Por conta dos governos petistas, o plantio do grão resistiu o quanto pode. Oriundo da militância ambiental da década de 1980 liderada por Chico Mendes e Marina Silva, o PT do Acre sempre fez da defesa da floresta em pé sua principal vitrine para inglês ver.

Tanto assim, que Jorge Viana criou a chamada “florestania”, modelo político-econômico que pretendia fazer do Acre uma referência planetária quando o assunto fosse desenvolvimento sustentável. O plano não deu certo e seu irmão, Tião Viana, viu-se obrigado a abrir mão dela caso quisesse sobreviver nas urnas.

Por mais que fizesse um governo que pretendia alavancar o crescimento do Acre por meio da economia rural, Tião Viana nunca deixou de lado os princípios ambientais. Afinal de contas, o governo tinha compromissos com organismos internacionais que exigem a preservação da floresta para o envio de recursos.

O governo Gladson Cameli parece não estar disposto nem a aparentar certa simpatia pela causa ambiental num dos estados mais bem preservados da Amazônia, mas que agora corre o sério risco de ver seu protagonismo como uma das referências no combate às mudanças climáticas ir para a lata do lixo.

Ainda sob o governo petista de Tião Viana, o Acre ficou como o líder de desmatamento em 2018 entre os estados da Amazônia Legal; segundo o Inpe, na comparação com o levantamento anterior, o aumento da área de floresta destruída foi de 80%.

Com um governo que agora brilha os olhos quando se fala em setor rural, a tendência de elevação e pressão sobre a floresta são ainda maiores. Neste fim de semana, Gladson Cameli cumpre agenda em Rondônia para conhecer modelos de plantio de soja no Norte do país.

Rondônia sempre foi usado - pela outrora oposição e agora poder - como modelo a ser seguido pelo Acre quando o assunto é crescimento econômico. O discurso era de que, enquanto o Acre estava parado no tempo com a “florestania”, Rondônia dava saltos gigantescos exportando soja para o mundo; era defendida a “rondonização” do Acre.

Uma das prioridades do novo governador é atrair para o estado, sobretudo, os grandes grupos do agrobusiness, donos de milhões de hectares em Mato Grosso e em Rondônia e com lucro anuais bilionário graças a exportações para grandes mercados (leia-se China).

Somente o Grupo Amaggi, ligado ao rei da soja Blairo Maggi, quer comprar 20 mil hectares de terra no Acre. Essas corporações que até o ano passado jamais cogitariam investir um único real no estado governado pelos “xiitas ambientais do PT”, agora estão com a faca e a soja na mão com o governo do Progressistas.

Gladson Cameli tem dado como principal garantia àqueles de olho em plantar grãos no Acre a segurança jurídica. Por segurança jurídica, o leitor pode entender a não atuação dos órgãos de fiscalização ambiental em suas propriedades, o vista-grossa para eventuais crimes contra o meio ambiente.

Para tanto, o governador colocou para ser seu secretário de Meio Ambiente um pecuarista sem a mínima capacidade técnica para atuar na área ambiental e, ao que aparenta, sem histórico de simpatia pela preservação e conservação da floresta.

No Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac), responsável pelas fiscalizações e aplicação de punições, o perfil é semelhante - e ainda por cima responde a processo de improbidade administrativa por conta de sua passagem por uma prefeitura do interior.

Portanto, os grandes investidores da soja estão com aliados no comando da política (des) ambiental do Acre. O governo Gladson Cameli, vale sempre a pena ressaltar, avaliou fundir as secretarias de Agricultura e Meio Ambiente, nos moldes do que queria Jair Bolsonaro para os ministérios congêneres.

Um erro aparente do novo governador é de priorizar apenas os grandes, esquecendo de um dos principais motores da economia rural: a agricultura familiar. Ao querer solucionar um problema (a economia estagnada), Gladson pode criar outro: os conflitos agrários, algo bem longe da nossa realidade atual.

Uma das consequências do agronegócio é a superconcentração de terras nas mãos dos grandes grupos. Ao chegar a determinada região, vão comprando e arrendando terras no entorno. Pagando, em alguns casos, valores bem abaixo aos pequenos e médios agricultores.

Portanto, escancarar o Acre para o agronegócio sem a devida responsabilidade socioambiental pode ser um erro grave do recém-empossado governo. A única garantia ambiental que Gladson Cameli tem dado é o respeito ao Código Florestal, reformulado recentemente para beneficiar o setor rural.

O Acre tem, sim, toda a capacidade de ser uma potência no campo. Temos quase 13% de terra desmatada que pode ser muito bem aproveitada para isso, sem a necessidade de derrubar uma única árvore. Em suma, o estado tem plenas condições de possuir uma economia rural pujante com o respeito à floresta e às populações que moram em seu interior - algo q    ue não vem sendo sinalizado pelo governo que aí chega.

Gladson Cameli precisa seguir os bons exemplo e atraí-los para cá. É possível de se encontrar corporações do agronegócio que adotam boas práticas de produção em larga escala com a sustentabilidade ambiental.

Afinal, de nada adianta derrubar a floresta para colocar boi ou grão, comprometendo o abastecimento de água; são as florestas que regulam as chuvas que vão garantir o crescimento da soja.   


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terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Índios sem eco

Após 20 anos, indígenas podem ficar sem voz no governo do Acre



O então candidato Gladson Cameli tem o rosto pintado (Foto: Assessoria Candidato)

As populações indígenas do Acre, que assim como a do restante do país vêm sofrendo uma série de ameaças a seus direitos e conquistas, podem não mais ter participação nas principais decisões políticas do estado nos próximos anos.

Após 20 anos tendo suas vozes ouvidas – em menor ou maior grau - nas gestões petistas, os índios não sabem qual e nem se terão algum nível de participação no governo de Gladson Cameli (PP), eleito com a promessa de abrir o Acre para o agronegócio.

No governo de Jorge Viana (199-2006), eles chegaram contar até com uma secretaria própria: a dos Povos Indígenas. A partir de seu sucessor, Binho Marques, ela foi transformada numa assessoria especial ligada diretamente ao gabinete do governador, assim permanecendo até o fim do ano passado com Sebastião Viana.

Até o momento não se sabe como Gladson Cameli procederá em relação às populações tradicionais do Acre. Na eleição de 2018, as lideranças indígenas ficaram divididas entre aqueles que apoiavam Gladson e o petista Marcus Alexandre Viana.

Muitos deles estavam insatisfeitos pela forma como os governos do PT lidavam ou deixavam de lidar com suas reinvindicações; para esse grupo, os petistas usavam a causa indígena apenas como máquina da propaganda para obter reconhecimento internacional.

“O fortalecimento de políticas públicas voltadas aos povos indígenas de todo Acre está previsto no nosso plano de governo”, disse Gladson Cameli, em agosto do ano passado, durante ato de campanha com lideranças indígenas em Tarauacá.  Após ter o rosto pintado, ele participou de rituais de dança com os indígenas.

“Nós respeitamos todos os povos. O momento de hoje diz respeito a um novo tempo que queremos para os povos indígenas do nosso Acre e do nosso Brasil. Temos o compromisso de tratá-los com respeito, dignidade e igualdade”, afirmou.

Procurada para comentar a questão, a assessoria de imprensa do governo informou que ainda não está definido se a assessoria dos povos indígenas será mantida ou extinta por Gladson Cameli. Segundo a assessoria, a definição será dada pela Casa Civil, comandada por Ribamar Trindade.

Essa não é a primeira sinalização de enfraquecimento das políticas ambientais e indígenas do amazônico estado do Acre. O governador nomeou para a secretaria de Meio Ambiente um ruralista, cuja experiência com o setor, como atesta seu currículo, é nula. Durante a transição, a equipe de Gladson chegou a cogitar a extinção da pasta ambiental para ser fundida com a Agricultura.  

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

A necessária petização de Gladson

O recém-empossado governador Gladson Cameli (PP) vem sendo colocado na fogueira santa (não se sabe se de Israel ou daqui mesmo) por muitos nomes ligados ao PT e a outros partidos da Frente Popular estarem sobrevivendo no governo da antiga oposição. Ora, nada mais natural do que uma gestão com menos de uma semana no poder ter em seus quadros pessoas do extinto governo.

Por sinal, estivesse eu no lugar de Gladson Cameli manteria todo esse pessoal por mais tempo; é a velha máxima de não poder trocar a roda com o carro em movimento. Não faço aqui essa defesa por ter parentela ou amigos petistas que estão nesta situação, ou por eu estar de olho em um lugar à sombra do onipotente (governo).

Aqui, vou me reportar apenas aos fatos, somente aos fatos. Não seria louco de defender o emprego de petistas, pois, afinal de contas, ser filiado ao PT hoje representa a mesma heresia de jogar pedra na cruz.

Por que Gladson Cameli deveria manter pessoas ligadas à Frente Popular em seu governo? Em primeiro lugar, porque lá estão as pessoas mais bem qualificadas do Acre quando o assunto é gestão e administração públicas.

Não à toa, o grupo ficou 20 anos no poder, aliada ao fato de o petismo ter usado como ninguém da intimidação para usar essa força que representa a dependência dos empregos no governo para obter votos no período eleitoral.

E aqui vale um parêntese: a grande maioria destas pessoas não está filiada ao PT ou a outros partidos malvados da esquerda porque simpatizam com seus programas; a filiação era a moeda de troca intransigente usada pelos comandantes da Frente Popular caso elas quisessem permanecer com seus empregos.

Elas conhecem como ninguém o funcionamento da máquina graças ao tempo que estão lá e a sua formação técnica. Caso Gladson queira um pouco de sucesso nestes primeiros meses de gestão, o ideal seria manter um excelente corpo técnico no governo. E onde está esse corpo técnico? Pasmem, filiado a partidos da esquerda vermelha. Que absurdo!

Enquanto integrantes da Frente Popular faziam cursos superiores e especialização em administração pública no Brasil e no exterior, os militantes da antiga oposição só sabiam passar o dia nas redes sociais chamando os petistas disso ou daquilo. Agora, cobram Gladson Cameli para ocupar espaços cuidando da gestão do Tesouro Estadual ou do futuro da educação pública. Acham que cuidar do presente ou do futuro do Acre é o mesmo que espalhar baboseiras eleitorais pelo celular.

Aqui não generalizo afirmando que este é um cenário de toda a outrora oposição. É claro que no grupo há pessoas muito bem qualificadas e que podem substituir os petistas – mas são ampla minoria. Outra constatação bem clara: nestes 20 anos de peia, grande parte da oposição nunca se qualificou para ser governo e saber governar.

Tanto assim, que surpreendeu a indicação dos secretários do novo governador. Quem acompanha a vida política do Acre – e em particular do grupo que ficou 20 anos fazendo oposição ao PT – se surpreendeu com os nomes que vão para as secretarias mais técnicas, como Fazenda, Planejamento e Administração, por exemplo.

Ao invés de escolher as velhas raposas oposicionistas que ficavam dia e noite praguejando contra o PT, Gladson optou por acatar a sugestão de nomes técnicos. Estes secretários, talvez, nunca tenham ido para rua balançar bandeira de Flaviano Melo, Tião Bocalom ou Márcio Bittar e até do próprio Gladson, mas são donos de currículos invejáveis a qualquer petista desqualificado.

Gladson prometeu fazer um governo pautado em resultados e cobrança de metas. Para isso, desagradou muita gente de partidos aliados, colocando no comando de importantes secretarias pessoas desconhecidas para a grande maioria da população.

O mesmo se dá agora no andar de baixo, nos chamados segundo e terceiro escalões. O governador terá que ter a postura de estadista e sangue frio para não se deixar levar pela pressão de aliados. Caso queira de fato um governo de resultados, o critério mais importante na hora das nomeações não deve ser (apenas) o de ter balançado a bandeira do 11, mas o da capacidade técnica.

Aquilo que a oposição tanto condenava dos governos petistas – de só colocar os amigos e militantes para ocupar cargos com gordos salários sem nada oferecer à população – não seja adotado pelo governo Gladson Cameli, eleito com a promessa de fazer diferente de tudo isso que está aí.

Neste momento, portanto, a petização da gestão que se inicia é necessária, até que ocorra uma “pepezização” (traduzindo: filiados ao PP) lenta, gradual e segura para o bom funcionamento da máquina estatal em benefício de quem mais importa: o contribuinte.