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quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

O agro é pop, o Acre é agro

Governador do Acre, Gladson Cameli (de blusa branca) conhece plantio de soja pioneiro no estado (Foto:Odair Leal/Secom)




O governador do Acre, Gladson Cameli (Progressistas), está com sangue nos olhos para tirar do papel a sua principal bandeira eleitoral de 2018: escancarar as portas do estado para o agronegócio. O sucessor dos 20 anos de petismo vê no agrobusiness o carro-chefe para tirar o Acre de seu atual marasmo econômico.

No final da década de 1960 e início da de 1970, o governo militar brasileiro (1964-1985) também via no setor rural a única opção para salvar uma Amazônia que sofria com a decadência da economia extrativista, sobretudo a da borracha.

O resultado imediato foram os conflitos agrários (muitas das vezes com mortes), o inchaço das periferias das cidades com famílias inteiras expulsas dos seringais e o início do desmatamento descontrolado que perdura até hoje.

Aqui não se faz um discurso radical contra o agronegócio. No caso do Acre em particular, podemos dizer que, em partes, essa política deu certo (para alguns poucos). Passadas mais de quatro décadas desde o começo da “colonização” do estado pelos “paulistas” (como ficaram conhecidos os novos donos dos seringais transformados em pasto), o Acre mantém intacta 86% de sua cobertura florestal.

A pecuária é o grande indutor da economia rural; preferiu-se investir bem mais na criação de animais ao plantio de grãos. É possível encontrar boi nos cantos mais remotos do Acre (sendo transportados em embarcações boiadeiras). O exemplo mais clássico deste antagonismo floresta/pecuária é a Reserva Extrativista Chico Mendes, onde é possível encontrar o gado pastando em qualquer colocação.

A partir de agora, o boi terá um novo concorrente: a soja. Por conta dos governos petistas, o plantio do grão resistiu o quanto pode. Oriundo da militância ambiental da década de 1980 liderada por Chico Mendes e Marina Silva, o PT do Acre sempre fez da defesa da floresta em pé sua principal vitrine para inglês ver.

Tanto assim, que Jorge Viana criou a chamada “florestania”, modelo político-econômico que pretendia fazer do Acre uma referência planetária quando o assunto fosse desenvolvimento sustentável. O plano não deu certo e seu irmão, Tião Viana, viu-se obrigado a abrir mão dela caso quisesse sobreviver nas urnas.

Por mais que fizesse um governo que pretendia alavancar o crescimento do Acre por meio da economia rural, Tião Viana nunca deixou de lado os princípios ambientais. Afinal de contas, o governo tinha compromissos com organismos internacionais que exigem a preservação da floresta para o envio de recursos.

O governo Gladson Cameli parece não estar disposto nem a aparentar certa simpatia pela causa ambiental num dos estados mais bem preservados da Amazônia, mas que agora corre o sério risco de ver seu protagonismo como uma das referências no combate às mudanças climáticas ir para a lata do lixo.

Ainda sob o governo petista de Tião Viana, o Acre ficou como o líder de desmatamento em 2018 entre os estados da Amazônia Legal; segundo o Inpe, na comparação com o levantamento anterior, o aumento da área de floresta destruída foi de 80%.

Com um governo que agora brilha os olhos quando se fala em setor rural, a tendência de elevação e pressão sobre a floresta são ainda maiores. Neste fim de semana, Gladson Cameli cumpre agenda em Rondônia para conhecer modelos de plantio de soja no Norte do país.

Rondônia sempre foi usado - pela outrora oposição e agora poder - como modelo a ser seguido pelo Acre quando o assunto é crescimento econômico. O discurso era de que, enquanto o Acre estava parado no tempo com a “florestania”, Rondônia dava saltos gigantescos exportando soja para o mundo; era defendida a “rondonização” do Acre.

Uma das prioridades do novo governador é atrair para o estado, sobretudo, os grandes grupos do agrobusiness, donos de milhões de hectares em Mato Grosso e em Rondônia e com lucro anuais bilionário graças a exportações para grandes mercados (leia-se China).

Somente o Grupo Amaggi, ligado ao rei da soja Blairo Maggi, quer comprar 20 mil hectares de terra no Acre. Essas corporações que até o ano passado jamais cogitariam investir um único real no estado governado pelos “xiitas ambientais do PT”, agora estão com a faca e a soja na mão com o governo do Progressistas.

Gladson Cameli tem dado como principal garantia àqueles de olho em plantar grãos no Acre a segurança jurídica. Por segurança jurídica, o leitor pode entender a não atuação dos órgãos de fiscalização ambiental em suas propriedades, o vista-grossa para eventuais crimes contra o meio ambiente.

Para tanto, o governador colocou para ser seu secretário de Meio Ambiente um pecuarista sem a mínima capacidade técnica para atuar na área ambiental e, ao que aparenta, sem histórico de simpatia pela preservação e conservação da floresta.

No Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac), responsável pelas fiscalizações e aplicação de punições, o perfil é semelhante - e ainda por cima responde a processo de improbidade administrativa por conta de sua passagem por uma prefeitura do interior.

Portanto, os grandes investidores da soja estão com aliados no comando da política (des) ambiental do Acre. O governo Gladson Cameli, vale sempre a pena ressaltar, avaliou fundir as secretarias de Agricultura e Meio Ambiente, nos moldes do que queria Jair Bolsonaro para os ministérios congêneres.

Um erro aparente do novo governador é de priorizar apenas os grandes, esquecendo de um dos principais motores da economia rural: a agricultura familiar. Ao querer solucionar um problema (a economia estagnada), Gladson pode criar outro: os conflitos agrários, algo bem longe da nossa realidade atual.

Uma das consequências do agronegócio é a superconcentração de terras nas mãos dos grandes grupos. Ao chegar a determinada região, vão comprando e arrendando terras no entorno. Pagando, em alguns casos, valores bem abaixo aos pequenos e médios agricultores.

Portanto, escancarar o Acre para o agronegócio sem a devida responsabilidade socioambiental pode ser um erro grave do recém-empossado governo. A única garantia ambiental que Gladson Cameli tem dado é o respeito ao Código Florestal, reformulado recentemente para beneficiar o setor rural.

O Acre tem, sim, toda a capacidade de ser uma potência no campo. Temos quase 13% de terra desmatada que pode ser muito bem aproveitada para isso, sem a necessidade de derrubar uma única árvore. Em suma, o estado tem plenas condições de possuir uma economia rural pujante com o respeito à floresta e às populações que moram em seu interior - algo q    ue não vem sendo sinalizado pelo governo que aí chega.

Gladson Cameli precisa seguir os bons exemplo e atraí-los para cá. É possível de se encontrar corporações do agronegócio que adotam boas práticas de produção em larga escala com a sustentabilidade ambiental.

Afinal, de nada adianta derrubar a floresta para colocar boi ou grão, comprometendo o abastecimento de água; são as florestas que regulam as chuvas que vão garantir o crescimento da soja.   


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