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sábado, 29 de junho de 2019

Faroeste amazônico (novas ameaças)

Famílias do Acre em área de conflito no Amazonas voltam a receber ameaças 

Casa de agricultor queimada em março durante ação de pistoleiros em seringal no AM (Foto: Cedida)


As quase 40 famílias acreanas de pequenos e médios agricultores que estão em uma área de conflito no município de Lábrea, no Amazonas, voltaram a receber ameaças de morte após voltarem a ocupar suas propriedades. No dia 30 de março, elas foram expulsas de forma violenta pela ação de seis pistoleiros. À época, um morador foi assassinado e casas incendiadas.

Há quase dois meses, elas decidiram voltar para a área mesmo sem garantias de segurança. Quando da expulsão em março, os criminosos fizeram fotografias dos moradores e disseram que, caso retornassem, seriam mortos.

Conforme informações repassadas ao blog, as ameaças foram feitas por homens em duas motos, que passaram o “recado” a um dos moradores. Uma das famílias, inclusive, já saiu do seringal São Domingos, como é conhecida a região. “O clima é de muito medo neste fim de semana lá”, disse uma fonte.

O temor é de que ocorram conflitos já que parte dos moradores decidiu se armar como defesa caso ocorra a ação de jagunços. Como forma de enfrentar uma ação da pistolagem, os homens só trabalham em grupos e armados. Outra estratégia foi deixar o ramal que dá acesso ao seringal em condições de tráfego para uma fuga mais rápida.

A ação da polícia na região é um impasse por ser uma área do Amazonas. As polícias do Acre e de Rondônia têm efetivos mais próximos para uma eventual resposta, mas alegam não poder atuar por uma questão territorial. A polícia do Amazonas mais próxima está na sede de Lábrea, distante 500 quilômetros do São Domingos; não há acesso terrestre da cidade para o seringal. 

A agência Amazônia Real publicou reportagem especial mostrando o clima de medo na região da tríplice divisa do Acre com o Amazonas e Rondônia. A região, por conta do histórico de assassinatos e da impunidade, ganhou o nome de “faroeste amazônico”.


Leia a Reportagem Especial 

sexta-feira, 28 de junho de 2019

O isolacionismo de Salles

Em aldeia no Acre, Ricardo Salles defende fim de ‘isolacionismo’ e ‘integração’ dos povos indígenas 

(Foto: Agência de Notícias do Acre)

Após passar parte da manhã da última quinta, 27, sofrendo para subir os barrancos do rio Acre – debaixo de um Sol escaldante - na capital Rio Branco para ver e sentir o odor de esgoto despejado sem tratamento no manancial - e culpar Marina Silva por tal situação - o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, reuniu-se com lideranças indígenas do Vale Juruá durante a tarde.

A região, localizada no extremo oeste do Acre, é uma das mais bem preservadas da Amazônia e concentra uma das maiores biodiversidades do planeta. E é no Vale do Juruá que lideranças políticas do estado defendem a construção de uma rodovia que, literalmente, rasgaria a floresta para uma “integração econômica” com o departamento peruano de Ucayali.

E os principais impactados por tal empreendimento seriam as comunidades indígenas e ribeirinhas do Juruá, hoje já amedrontadas pela ação de facções criminosas que controlam os rios para o tráfico da droga produzida no Peru.

Para passar uma imagem de preocupação com os impactos que a construção da rodovia causará, Ricardo Salles cumpriu sua agenda na aldeia Ipiranga, do povo  Puyanawa. Sua terra indígena abrange o município de Mãncio Lima, o mais ocidental do Brasil.

A Terra Indígena Poyanawa seria uma das mais afetadas, já que o traçado da rodovia passaria a pouco mais de cinco quilômetros de distância. Desmatamento para grilagens e a entrada do gado são os resultados mais imediatos da construção de estradas na Amazônia. 


Os Puyanawa até se mostraram simpáticos ao ministro que integra um governo defensor da não demarcação de novas terras indígenas e a revisão daquelas já existentes. De um governo que transferiu a demarcação de terras da Funai para a mão dos ruralistas no Ministério da Agricultura - mas que por uma decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, voltou para o órgão indigenista.

Apesar do clima de paz e amor transmitido pela nota oficial, a liderança Fernando Katukina, do povo Katukina, deu um recado à visão preconceituosa que domina a extrema direita no controle político do país.

“Nunca fomos preguiçosos e sempre quisemos trabalhar com a floresta organizada, mas nunca tivemos o apoio do [Ministério do] Meio Ambiente. Sempre derramamos o nosso suor para receber da terra e só recebemos o nome de índios preguiçosos e violentos. Nós não somos [preguiçosos]”, disse ele.

“Nós não criamos sistemas florestais ou formamos os nossos jovens a ter o controle da terra. Apenas usá-la e respeitá-la, porque queremos construir nosso mundo melhor, para termos nossa qualidade de vida. Entendam que medicamento não é ter saúde. Queremos apenas qualidade de vida.”

A declaração ressalta a relação diferenciada dos povos tradicionais com a sua terra, e a importância delas para a sobrevivência das atuais e futuras gerações.

Como resposta, o ministro do Meio Ambiente voltou a falar sobre um dos pontos mais defendidos pelo governo Jair Bolsonaro: integrar os indígenas, acabando com o que chamam de “isolacionismo”. Para eles, os índios brasileiros vivem em situação de miséria dentro de suas aldeias, sendo massa de manobra de ativistas e organizações internacionais.

O fim deste isolacionismo na visão bolsonarista passa por acabar com as terras indígenas e permitir a exploração de minerais dentro daqueles já existentes, cujos danos seriam irreparáveis. Para os governistas, as grandes porções de territórios indígenas poderiam estar sendo usados para a criação de boi ou o plantio de soja.

“O isolacionismo não é desejável para o nosso governo. Ele não é o caminho para isso. Pelo contrário, é de harmonia. Vocês e nós somos todos brasileiros. E o tempo é de integração [...] não pode mais ficar no isolacionismo, porque este é um modelo fracassado, que leva ao atraso social e econômico às comunidades, como já comprovado em outras partes do mundo”, afirmou Salles.

“A história tem demonstrado que o Brasil é o país da união. E isso decorre do respeito às diferenças sociais, de cor e de raça. Esse é o momento do Brasil se ajudar. Não é fácil, nem muito corriqueiro, vermos um ministro numa aldeia, reconhecendo os valores, a cultura e a história dessas pessoas. Mas quando o presidente foi eleito, um dos grandes compromissos foi ajudar a todos.”

Não se sabe de qual ajuda e respeito às diferenças o ministro fala. Para a grande maioria das lideranças indígenas do país, este representa um dos momentos de maior retrocesso de suas conquistas. Fatiar uma Funai já sucateada entre um ministério dominado por ruralistas e outro por evangélicos não é a melhor das ajudas e nem respeito à diversidade.

Defender a construção de rodovias numa das regiões mais bem preservadas da Amazônia também não parece ser o melhor dos auxílios à população local. O passado e o presente mostram que estradas são os principais vetores para o aumento do desmatamento na região e da concentração de terras nas mãos dos grandes. Tal quadro só se agrava com um governo não muito preocupado com as questões socioambientais do Brasil.

O ministro do Meio Ambiente e seu notório despreparo precisa entender que, em alguns casos, o isolacionismo não é sinônimo de atraso, mas de sobrevivência. Que o modo de vida de quem está dentro da floresta é bem diferente de quem que, como ele, é oriundo dos grandes centros urbanos.

As populações indígenas da Amazônia são detentoras de uma grande riqueza construída não com o modo devastador adotado pela dita “civilização branca”, mas com o verdadeiro respeito às diferenças e o uso racional dos recursos naturais.


(Como moro em Rio Branco e estou bastante longe do Vale do Juruá, não pude acompanhar a agenda de Ricardo Salles. As aspas aqui citadas foram tiradas da reportagem oficial produzida pela assessoria de imprensa do governo do Acre.)

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Herança verde (ou vermelha?)

Ricardo Salles diz que Marina deixou Acre em situação vergonhosa na área ambiental 


Ministro faz esforço hercúleo para subir barranco do rio Acre (Foto: Luciano Tavares) 


Após as polêmicas declarações dadas sobre Chico Mendes durante entrevista no começo do ano - afirmando desconhecer a história do líder seringueiro e até chamando-o de “grileiro” - o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cumpre agenda nesta terça-feira, 27, no Acre.

Ao lado de políticos da direita conservadora que agora domina a política na terra de Chico Mendes, Salles fez críticas aos 20 anos de governos petistas no estado (1999-2018) e também à sua antecessora no Ministério do Meio Ambiente, a acreana Marina Silva.

De acordo com ele, os problemas enfrentados em Rio Branco com o despejo de esgoto sem tratamento nos rios é resultado de uma política voltada muito mais para a questão florestal do que para os problemas urbanos.

“Embora toda essa campanha da esquerda tente voltar a discussão para o tema da floresta, foi o descaso dessas administrações que fez com que se chegasse a essa situação. Uma administração que permaneceu aqui no poder do estado por 20 anos, que teve aqui uma representante que se diz o grande ícone da defesa do meio ambiente, e que deixou o estado nesta situação vergonhosa”, disse Salles. 

Ricardo Salles subiu os barrancos do rio Acre na capital Rio Branco para ver o esgoto que é despejado no manancial sem tratamento. Os dejetos percorrem parte do perímetro urbano da cidade por meio de um canal, onde foi construído o Parque da Maternidade às suas margens durante o governo do petista Jorge Viana (1999-2006).

Apesar da urbanização feita, não houve a construção de uma estação de tratamento de esgoto. Para o ministro, este seria o maior exemplo do descaso das políticas ambientais implementadas pela esquerda no Acre. 

domingo, 23 de junho de 2019

Conciliação

Dom Moacyr cumprimenta o ex-coronel Hildebrando Pascoal no julgamento do crime da motosserra, em 2009 (Foto: Divulgação)



Conciliador, Dom Moacyr evitou derramamento de mais sangue no período do esquadrão


Além de ter tido um papel essencial na organização dos movimentos sociais e na pacificação dos conflitos pela disputa da terra durante suas três décadas de episcopado no Acre, Dom Moacyr Grechi também foi uma figura-chave durante a atuação do esquadrão da morte entre as décadas de 1980 e 1990.

Liderado pelo ex-coronel da Polícia Militar Hildebrando Pascoal, o esquadrão da morte era formado por policiais e ficou famoso pela sua ação violenta, ao fazer justiça com as próprias mãos, executando desafetos ou criminosos comuns como exemplo para que os demais não desafiassem suas ordens ou atrapalhassem seus planos.

O caso mais emblemático deste período foi o “crime da motosserra”, quando um dos suspeitos de participar da morte do irmão de Hildebrando Pascoal, Itamar Pascoal, teve pedaços de seu corpo jogado em via pública da capital. Baiano, como era conhecido o suspeito, foi capturado pelos homens de Hildebrando, torturado e teve o corpo esquartejado - segundo a denúncia - com o uso de uma motosserra. O crime ocorreu em 1996.

Em meio a este período de violência praticada pelos próprios agentes do Estado, a Igreja servia como um refúgio para as famílias das vítimas e para aqueles que estavam com sua sentença de morte decretada pelo grupo.

O deputado Edvaldo Magalhães (PCdoB) lembra que foi dentro da casa do bispo, localizada ao lado da catedral central de Rio Branco, que se organizaram os primeiros movimentos para enfrentar a atuação do crime organizado. Membros de organizações de direitos humanos, associações e sindicatos fundaram, ali, o comitê contra a impunidade.

“O papel do Dom Moacyr foi evitar mais derramamento de sangue. Muitas pessoas fazem uma leitura errada do papel dele. Ele não incentivava o conflito e nem o confronto. Ele não permitia que os mais fracos fossem atropelados, que os injustiçados fossem injustiçados. Ele pregava o diálogo. Era o ponto de equilíbrio.”, diz Magalhães.

“A presença dele evitou mais mortes, evitou mais conflitos.”  Ainda na noite da última segunda, 17, quando foi anunciada a morte de Dom Moacyr aos 83 anos em Porto Velho, o advogado Sanderson Moura - que defendeu Hildebrando Pascoal no julgamento do crime da motosserra - usou sua rede social para destacar este papel conciliador e de equilíbrio do religioso. 

Uma das cenas que marcaram o julgamento (realizado em 2009) foi o momento em que, encerrada sua participação como testemunha de acusação, o bispo foi cumprimentar Hildebrando sentado no banco dos réus. Naquele ano, havia uma década que o ex-coronel cumpria prisão em regime fechado. Juntas, suas sentenças ultrapassavam um século. 

“Fiz poucas perguntas a ele [Dom Moacyr], pois seu testemunho foi comedido e sem os excessos partidários da época, decepcionando um pouco a acusação, pois se esperava dele um depoimento-bomba”, escreveu Moura. Para o advogado, aquele aperto de mãos foi “caloroso e conciliatório”.

“Quando quiseram negar benefícios legais a Hildebrando, Dom Moacyr falou: ‘Se ele tem direito, que seja dado o direito a quem tem. Quem somos nós para julga?’”, lembrou o criminalista.

Na história política-policial daquele período, diz-se até que Dom Moacyr sabia de muitos dos atos praticados pelos membros do esquadrão da morte, pois era com ele que iam confessar seus pecados. Dom Moacyr foi leal ao seu sacerdócio, sempre deixando estas confissões onde deveriam ficar: no confessionário.

E é lá que ainda está registrada uma parte daquele período da história recente do Acre. 

sábado, 22 de junho de 2019

Ponta do Abunã, um faroeste na Amazônia

Atividade madeireira - sendo grande parte dela ilegal - puxa a economia numa região marcada pela violência (Foto: Sérgio Vale)



Esquecida no extremo oeste do estado de Rondônia, a Ponta do Abunã é um lugar emblemático e representativo de conflitos agrários, apropriação de terras públicas (grilagem), invasões e saques a unidades de conservação e desmatamento na Amazônia Ocidental. Fazendo divisa com as cidades de Acrelândia, no Acre, e Lábrea, no Amazonas, é também palco de disputa violenta e assassinatos envolvendo diferentes personagens: madeireiros, pequenos agricultores, fazendeiros, pistoleiros e, mais recentemente, de facções criminosas, o que faz a região ser conhecida como “Faroeste Amazônico”.

As mortes de lideranças de trabalhadores sem-terra, pequenos agricultores e de defensores da Floresta Amazônica se intensificaram desde 2011, quando foi assassinado o líder Adelino Ramos, o Dinho, assentado do Projeto de Assentamento Florestal (PAF) Curuquetê, localizado no município de Lábrea. Ele foi morto enquanto vendia frutas no distrito de Vista Alegre do Abunã, na divisa de Rondônia com o Amazonas. Daí em diante o clima tenso na região não cessou.

Recentemente, em 30 de março último, o agricultor Nemes Machado de Oliveira, morador do Seringal São Domingos, no Amazonas, foi executado durante uma ação de pistoleiros.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), no episódio que resultou na morte de Oliveira, também ocorreram os crimes de sequestro, cárcere privado, ameaça e tentativa de homicídio. Casas foram queimadas e bens das famílias destruídos.

Com a ausência do poder público na tríplice divisa entre Acre, Amazonas e Rondônia, a força econômica de grandes madeireiros e fazendeiros é o que prevalece na região. Nos distritos de Nova Califórnia e Extrema, ambos em Rondônia, as pessoas têm medo de se expor para falar. “Aqui é uma terra de ninguém, uma terra sem lei. O que prevalece é só a lei do silêncio”, diz um morador que pediu anonimato à reportagem da Amazônia Real, que percorreu a região no fim de abril.

Outro agravante é que a Ponta do Abunã está na fronteira com a Bolívia, grande produtora de drogas, como cocaína. Com isso, a região passou a ser também palco de ação de facções criminosas dos grandes centros urbanos do Brasil. Elas brigam pelo controle da rota do tráfico da droga produzida no país vizinho. Até as populações indígenas estão ameaçadas pela atuação dos traficantes nos rios da bacia amazônica.

Leia a reportagem especial completa na Amazônia Real 

terça-feira, 18 de junho de 2019

Um pacifista numa Amazônia em conflito

‘Criador’ de Chico Mendes e Marina Silva, Dom Moacyr ajudou a organizar resistência pacifista durante a ditadura 


No momento em que a preservação da floresta e os direitos de suas populações tradicionais passam por uma das maiores ofensivas e ameaças das últimas décadas, a Amazônia perdeu na noite da última segunda-feira, 17, Dom Moacyr Grecchi.

Ele é um dos principais símbolos da organização dos seringueiros acreanos contra sua expulsão de dentro da floresta pelos “paulistas”, como ficaram conhecidos os grandes proprietários de terra do centro-sul do país que chegavam à região incentivados pela ditadura militar (1964-1985). 

Entre as principais criações do então bispo da diocese de Rio Branco estava o líder seringueiro Chico Mendes e a futura ministra do Meio Ambiente nos governos Lula, Marina Silva, duas referências mundiais quando o tema é preservação da maior floresta tropical do planeta.

Entusiasta das comunidades eclesiais de base, ala mais à esquerda e progressista da Igreja Católica brasileira naquele período, Dom Moacyr contribuiu não apenas para organizar as organizações sociais que surgiam na Amazônia acreana - como o acesso à alfabetização de seringueiros e seus filhos - como também garantindo a proteção aos líderes em meio à perseguição promovida pelo regime ditatorial da época.

Barriga-verde de Turvo, assumiu a diocese de Rio Branco em 1972, auge da estratégia adotada pelos militares de ocupar a Amazônia por meio da política do “terra sem homem para homem sem-terra” e do “integrar para não entregar”. A ordem era colocar a floresta abaixo e transformá-la em grandes pastos para a pecuária ou o cultivo de grãos.

Nessa floresta, contudo, estavam gerações de seringueiros que resistiam em meio à falência da economia extrativista. O resultado não poderia ser outro: expulsão destas famílias que resultava em conflitos com mortes. Uma outra consequência foi a ida destes seringueiros para as periferias das cidades, formando grotões de pobreza.

Uma das estratégias das comunidades extrativistas era se organizar por meio do sindicato dos trabalhadores rurais, sendo os de Brasileia e o de Xapuri os mais conhecidos. Os protagonistas de ambos os sindicatos, Wilson Pinheiro e Chico Mendes, foram assassinados por conta de suas militâncias.

Em meio a este momento conturbado, Dom Moacyr atuava para pacificar e apaziguar os ânimos, usando de sua influência como líder da mais importante instituição religiosa na região.

“Dom Moacyr percebeu, como visionário que era, as consequências que poderiam ocorrer nesta região com este desalojar de seringueiros, de colonos de suas áreas. Ele transformou a Igreja num ponto de acolhimento dessa luta social. Ele ajudou como Igreja comprometida com o Evangelho, portanto com os mais pobres, a formar líderes que foram atuar nos movimentos sociais e fortalecer essa resistência”, diz o deputado estadual Edvaldo Magalhães (PCdoB).

“O Dom Moacyr é símbolo disso. A presença dele impediu uma destruição, e a presença dele abriu caminhos para um pensamento progressista, democrático e para a luta social de nosso estado.”

“Ele é um pastor que veio para cá, enraizou-se aqui e entendeu o sentimento de nosso povo, entendeu as disputas políticas que ocorriam naquele momento, e se posicionou ao lado dos mais pobres”, ressalta o parlamentar.

Os principais líderes da esquerda acreana que estiveram na hegemonia política do estado nos últimos 20 anos passaram por essa formação protagonizada por Dom Moacyr. 

Para o ex-senador e ex-governador Jorge Viana (PT), o histórico de luta do religioso o coloca como uma das pessoas mais importantes da Amazônia das últimas décadas. De acordo com Viana, o bispo tinha uma preocupação especial com os seringueiros, ribeirinhos, indígenas e com a questão ambiental como um todo.

“Dom Moacyr é uma espécie de Chico Mendes da igreja, ou um São Francisco de Assis da Amazônia. Ninguém pode substituir essas pessoas numa hora como essas que estamos precisando tanto. A Amazônia perde uma pessoa que é insubstituível”, analisa ele.

Jorge Viana ressalta que a resistência organizada por Dom Moacyr no meio da Floresta Amazônica não se baseava na violência pela violência, mas era uma “resistência pacifista no sentido de valorização do ser humano”. ”Ele conseguiu fazer muito isso com as comunidades de base.”

A ex-ministra Marina Silva usou sua conta no Twitter para lamentar a morte de um de seus mais importantes mentores, lembrando o papel que ele desempenhou com as populações tradicionais. “Fui testemunha de seu apoio aos seringueiros e povos indígenas vítimas de injustiças na floresta e depois, mais ainda, nos períodos de grandes desmatamentos, em que eram expulsos para as periferias das cidades”, escreveu ela.

“Dom Moacyr era incansável na defesa daquela gente sofrida e de seus líderes ameaçados pela violência. Chico Mendes e todos os sindicalistas e ambientalistas encontraram nele um forte aliado.”

Dom Moacyr morreu aos 83 em Porto Velho (RO), onde era arcebispo emérito desde 2011. Em 1998 ele assumiu a Arquidiocese da capital de Rondônia, mas sempre mantendo vínculos com seu passado de atuação no Acre.

domingo, 16 de junho de 2019

Integración

Após PT, governo Gladson também busca parcerias com o Peru para ‘salvar’ economia do Acre  


Se os governos petistas que dominaram a política do Acre nos últimos 20 anos buscaram na criação de relações econômicas com os países vizinhos uma das principais estratégias de desenvolvimento para o estado, o mesmo agora se repete com a gestão progressista de Gladson Cameli.

Além de defender o agronegócio como o grande indutor da economia acreana, Gladson vê na proximidade com os mercados da Bolívia e do Peru uma alternativa para o Acre vender sua produção agropecuária. Na semana que passou, o governador esteve em Lima para reuniões bilaterais com autoridades peruanas para destravar barreiras alfandegárias e sanitárias visando facilitar o comércio entre os dois lados da fronteira.

A busca por fortalecer essa relação não é de hoje. O Peru, com seus mais de 30 milhões de habitantes, é um dos países que mais crescem na América do Sul, tornando-se um dos mercados mais desejados por investidores de todo o mundo.

Vizinho a esse potencial andino, o Acre buscou na construção de uma rodovia a principal estratégia para pegar carona no “boom peruano”. A Estrada do Pacífico teve sua construção bancada pelo governo brasileiro, à época liderado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB). 

O então governador petista do Acre Jorge Viana (1999-2006) foi o grande entusiasta do projeto. O objetivo era fazer com que a rodovia encurtasse o caminho das exportações brasileiras para a Ásia, o grande mercado mundial emergente puxado pela gigante China.

Ao invés de sair dos portos do Atlântico, mercadorias brasileiras produzidas no centro-sul poderiam ir por estrada até os portos peruanos do Pacífico, o que representaria redução de gastos e do tempo de viagem. Concluída, a Interoceânica se mostrou inviável por conta da logística provocada pelas Cordilheiras.

Por questão de segurança, caminhões teriam que trafegar com carga reduzida em uma rodovia que serpenteia os Andes. Tal cenário a fez perder competitividade, levando os grandes exportadores brasileiros a permanecer nos portos do litoral Atlântico. Agora, a rodovia é mais usada pelos acreanos para explorar as belezas e as riquezas culturais do Peru.


Uma rodovia e ferrovia na Amazônia 

Desde então, outras ideias surgiram para não deixar o “sonho da integração” morrer. A principal delas agora é uma ligação rodoviária entre as cidades de Cruzeiro no Sul, no Acre, e Pucallpa, capital do departamento de Ucayali. Ambas estão no meio da Floresta Amazônica, uma região praticamente intocada pela ação humana – ao menos na porção brasileira.

Os impactos ambientais de uma rodovia em tal cenário seriam imensuráveis, sobretudo com o aumento do desmatamento. A estrada teria que atravessar unidades de conservação e terras indígenas em ambos os lados da fronteira. Além disso, a região concentra a maior produção de drogas na selva peruana, e é motivo de disputa por facções do lado de cá.

Anos atrás, a discussão era sobre uma ferrovia que seria financiada pela China, saindo do litoral do Brasil até o do Peru, cruzando a Amazônia dos dois países para driblar as Cordilheiras. O projeto, no momento, parece estar em ponto morto.

A interligação via aérea também foi explorada por alguns meses. Em 2010 era possível embarcar de Rio Branco com destino a cidades peruanas, mas o pouco interesse dos acreanos pela rota deixava os voos vazios e economicamente inviáveis.

Após essa experiência não bem-sucedida, agora Gladson Cameli tenta viabilizar uma nova ligação aérea com o país vizinho por meio da empresa Latam, a maior em operação na América do Sul. A proposta é que o voo venha para o Acre, Amazonas e Rondônia, garantindo um bom número de passageiros a bordo.

Como contrapartida, o governo do Acre promete oferecer subsídios para reduzir o preço do combustível de aviação. Gladson Cameli também tentará ajuda do governo federal para diminuir as tarifas aeroportuárias e outras barreiras para voos internacionais.

“Quando o governo abre mão de arrecadar imposto é porque acreditamos no sucesso desta nova rota que tanto sonhamos e não podemos mais perder tempo indo até o Sul do país pegar um avião com destino ao Peru ou a outros países. Somente na Amazônia, são mais de 20 milhões de habitantes que têm total interesse que essa rota comece logo a funcionar”, disse ele em reunião com os diretores da Latam em Lima.



segunda-feira, 10 de junho de 2019

Novos e velhos desafios

Rio Moa, no município de Mâncio Lima (AC) (Foto: Fabio Pontes)


Essa semana o blog completa sete anos no ar, e ganha uma cara nova. Do título inicial de “Política na Floresta”, passa a levar o nome de seu autor, Fabio Pontes. Do objetivo de sua criação lá em 2012 de focar mais na cobertura e análise da política no Acre, o blog passa a ter textos mais centralizados nas questões ambientais e sociais do Acre e dos estados e países amazônicos vizinhos.

Lógico que a política também estará presente. Afinal de contas, em tempos sombrios como estes se faz necessário e urgente fiscalizar as ações dos governos em toda a Amazônia. “Nunca antes na história deste país” as populações tradicionais - como os extrativistas, indígenas, ribeirinhos e quilombolas - tiveram seus direitos tão ameaçados como agora.
 
No caso específico do Acre, também vale incluir os pequenos produtores rurais. Em nome de um tal progresso puxado pelo agronegócio, o governo acreano fomenta a chegada de grandes grupos empresariais do campo para investir no estado, com destaque para o plantio da soja.

Tal modelo tem como uma de suas características a concentração de grandes áreas de terra nas mãos destes grupos, muitas das vezes por meio da compra das propriedades dos pequenos produtores, quando não da expulsão à força destas famílias. Diante disso, a vigilância do bom e velho jornalismo é mais do que essencial para denunciar a violação dos direitos humanos. 

Os tempos são novos, os desafios são velhos - e muito velhos. A velha prática do coronelismo tende a voltar numa região que ficou conhecida pelos seus “coronéis de barranco” - os donos dos antigos seringais que impunham suas vontades a ferro e a fogo contra indígenas e seringueiros. 

Este retrocesso é fomentado por mandatários com visões políticas as mais obscuras possíveis. Com tantos desafios à frente, o blog estará in loco acompanhando tudo bem de perto, dando voz e rosto àqueles que, neste governo, são excluídos de qualquer processo de “desenvolvimento ecologicamente correto, socialmente justo e economicamente viável”. Aliás, tais práticas são o que menos interessa aos governantes de plantão.

A Amazônia é gigantesca, diversa e rica. Essa riqueza não está em destruí-la para, no lugar, colocar o boi ou a soja. Já temos áreas suficientes desmatadas para fortalecer nossa produção rural. Há tecnologias disponíveis para ampliar os resultados sem a necessidade de derrubar uma única árvore.

Defender a preservação da floresta é um dever de qualquer cidadão - independente de sua ideologia. Manter a Amazônia em pé é a garantia de sobrevivência para essa e futuras gerações (e isso não é mero clichê de ambientalista).

Daqui, desde o Acre, na ponta mais ocidental da Amazônia brasileira, estarei de olho em todas essas tratativas de governos e de parlamentares que atuam para colocar em risco a vida de milhares de pessoas que vivem na e da floresta. Talvez a minha voz seja aquela que clama no deserto, mas encontrará eco.

Conto com a sua leitura.

(A nova arte do cabeçalho do blog foi elaborada pelo colega jornalista Alexandre Nunes, a quem deixo o meu muito obrigado.) 

domingo, 9 de junho de 2019

Acelerador ambiental

‘Nova política ambiental’ do Acre acelera concessão de licenças para setor rural e altera ZEE  

Governador do AC e secretário de Meio Ambiente entregam licença para criadores de porcos (Foto: Agência Acre)


A nova agenda da política ambiental implementada pelo governo do Acre vem acelerando o processo de emissão das licenças ambientais para o setor rural, seguindo a orientação do governador Gladson Cameli (PP) de tornar o agronegócio o carro-chefe da economia local, garantindo “segurança jurídica” aos grandes produtores que por aqui façam algum investimento.

Licenças que se arrastavam já há algum tempo desde o governo Tião Viana (PT) ganharam celeridade em menos de seis meses da gestão progressista. A Secretaria de Meio Ambiente - que durante o período de transição em 2018 teve sua extinção cogitada - é controlada por Israel Milani, ligado ao ruralismo acreano.

No Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) - responsável pela emissão das licenças - foi colocado André Hassem, que até então não tinha nenhuma afinidade com a questão ambiental. Ele chegou a defender, inclusive, apresentação de projeto de lei que anistiasse as multas aplicadas pelo órgão estadual. 

No começo do mês, Gladson Cameli esteve em Brasileia para entregar as licenças ambientais para mais de 30 criadores de porcos da região do Alto Acre, fronteira com a Bolívia e o Peru. Eles são os fornecedores de animais para o abate no frigorífico Dom Porquito, empresa criada no governo Tião Viana e gerenciada em parceria com o setor privado.

“O que não conseguimos em três anos, o nosso governador Gladson Cameli nos proporcionou em três meses. Isso mostra o compromisso que esta nova administração tem pelo desenvolvimento do nosso estado e com os nossos produtores”, disse Cícero Tenório, presidente da Cooperativa de Suinocultores de Epitaciolândia, a Coopersuíno.

Com o documento em mãos, os produtores terão a chamada “segurança jurídica” para aperfeiçoar e ampliar a criação de porcos, além de ter condições de solicitar financiamento junto aos bancos.

LEIA TAMBÉM: Acre vai licenciar construção de linhão até o Juruá que passará por terra indígena 


Além deste pé no acelerador para a concessão das licenças, o governo do Acre fará alterações no Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) com vistas a deixar o documento mais flexível para as atividades do agronegócio, podendo ampliar as áreas em que hoje elas não estão permitidas ou têm algum tipo de limite.

Na semana que passou, equipes da área ambiental e da produção rural do governo se reuniram na sede da Federação das Agricultura e Pecuária para debater as alterações no ZEE. A medida foi elogiada pelo presidente da entidade, Assuero Veronez. Para ele, a revisão do documento servirá para “pacificar algumas questões” e definir as “verdadeiras vocações das terras”.

Essa revisão do ZEE - que define onde e como cada atividade econômica pode ser desenvolvida no Acre - foi iniciada ainda no governo Tião Viana, quando o Instituto de Proteção Ambiental da Amazônia (Ipam) foi contratado por R$ 800 mil  para realizar os trabalhos.

A reunião na sede da federação da pecuária - realizada na semana mundial do Meio Ambiente - contou com a presença do vice-governador do Acre, Major Rocha (PSDB). Na avaliação do tucano, a nova administração da Sema “está alinhada com a visão do governo”, que é de não causar embaraços para escancarar o estado do Acre - com 87% de cobertura florestal - para o agronegócio.

“Percebemos claramente que a discussão sobre preservação ambiental está sendo feita com uma lógica produtiva. Não temos como separar o Meio Ambiente da produção porque esse é o caminho para o desenvolvimento do nosso Estado”, declarou Rocha.   
 

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Aqui não é o quintal de Bolsonaro


Piyãko: Nós não estamos no quintal de um presidente (Foto: Arisson Jardim)


A liderança indígena acreana Francisco Piyãko, do povo Ashaninka, rebateu as declarações do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), que na noite da última quinta-feira, 6, voltou a criticar a questão ambiental, afirmando que as unidades de conservação (UCs) e as terras indígenas (TIs) seriam um entrave para o desenvolvimento econômico do país.

Bolsonaro reclamou que, por decreto, não consegue revogar a criação de unidades de conservação feitas em governos passados, dizendo que no Brasil há um excesso de parques, reservas e terras indígenas. “O Brasil todo com essas reservas enormes, terras indígenas, quilombolas, área de proteção ambiental, parques nacionais, parques estaduais. É um absurdo isso aí”, afirmou ele 

O presidente citou estados do Norte, incluindo o Acre, como exemplos daqueles que enfrentam atraso em seu desenvolvimento econômico por conta da grande quantidade de áreas protegidas.

“Nós temos que fazer o casamento de meio ambiente e progresso. Roraima está um estado quase inviabilizado, Rondônia tem esse problema, Acre tem esse problema, Amapá.”

“Se for o desenvolvimento que ele quer, pelo o que a gente está vendo, ele não vai ter facilidade nenhuma. Nós estamos numa posição e numa postura de povo brasileiro. Nós não estamos no quintal de um presidente ou de um ministro”, rebate Francisco Piyãko.

Para a liderança indígena, a Amazônia nunca foi um entrave para o desenvolvimento do país. “Ela só precisa ser compreendida com os valores que ela tem, com a importância que ela tem. A Amazônia precisa ser olhada com outro olhar”, defende.

De acordo com ele, a floresta será, sim, um problema se na visão do governo ela deve se destruída para, no lugar, se colocar a soja ou o boi. Para Piyãko, ao fazer este tipo de declaração, Bolsonaro atua à margem da lei, querendo destruir marcos legais que consolidaram as unidades de conservação e as terras indígenas, algumas delas asseguradas pela Constituição.

“Como presidente da República ele não pode colocar o seu ódio, o seu preconceito no exercício  da função pública em que está. Se acabar com a Amazônia não vai resolver os problemas do Brasil. A Amazônia é uma oportunidade que o Brasil tem de ser visto como um país diferente.A Amazônia precisa ser traduzida em valores.” 

Para o líder Ashaninka, Bolsonaro só não conseguiu realizar seus intentos de extinguir direitos ambientais e indígenas por conta das barreiras legais. Qualquer alteração neste sentido precisa ter o aval do Congresso Nacional. Eventuais mudanças também podem ser anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

“Eu não acredito que ele vai mudar de opinião. Agora, fazer o que está dizendo, que vai acabar, que vai diminuir [UCs e TIs], ele vai fazer a gente [povos indígenas] gastar muita energia, mas fazer ele não vai fazer porque vamos resistir”, afirma Piyãko.