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terça-feira, 18 de junho de 2019

Um pacifista numa Amazônia em conflito

‘Criador’ de Chico Mendes e Marina Silva, Dom Moacyr ajudou a organizar resistência pacifista durante a ditadura 


No momento em que a preservação da floresta e os direitos de suas populações tradicionais passam por uma das maiores ofensivas e ameaças das últimas décadas, a Amazônia perdeu na noite da última segunda-feira, 17, Dom Moacyr Grecchi.

Ele é um dos principais símbolos da organização dos seringueiros acreanos contra sua expulsão de dentro da floresta pelos “paulistas”, como ficaram conhecidos os grandes proprietários de terra do centro-sul do país que chegavam à região incentivados pela ditadura militar (1964-1985). 

Entre as principais criações do então bispo da diocese de Rio Branco estava o líder seringueiro Chico Mendes e a futura ministra do Meio Ambiente nos governos Lula, Marina Silva, duas referências mundiais quando o tema é preservação da maior floresta tropical do planeta.

Entusiasta das comunidades eclesiais de base, ala mais à esquerda e progressista da Igreja Católica brasileira naquele período, Dom Moacyr contribuiu não apenas para organizar as organizações sociais que surgiam na Amazônia acreana - como o acesso à alfabetização de seringueiros e seus filhos - como também garantindo a proteção aos líderes em meio à perseguição promovida pelo regime ditatorial da época.

Barriga-verde de Turvo, assumiu a diocese de Rio Branco em 1972, auge da estratégia adotada pelos militares de ocupar a Amazônia por meio da política do “terra sem homem para homem sem-terra” e do “integrar para não entregar”. A ordem era colocar a floresta abaixo e transformá-la em grandes pastos para a pecuária ou o cultivo de grãos.

Nessa floresta, contudo, estavam gerações de seringueiros que resistiam em meio à falência da economia extrativista. O resultado não poderia ser outro: expulsão destas famílias que resultava em conflitos com mortes. Uma outra consequência foi a ida destes seringueiros para as periferias das cidades, formando grotões de pobreza.

Uma das estratégias das comunidades extrativistas era se organizar por meio do sindicato dos trabalhadores rurais, sendo os de Brasileia e o de Xapuri os mais conhecidos. Os protagonistas de ambos os sindicatos, Wilson Pinheiro e Chico Mendes, foram assassinados por conta de suas militâncias.

Em meio a este momento conturbado, Dom Moacyr atuava para pacificar e apaziguar os ânimos, usando de sua influência como líder da mais importante instituição religiosa na região.

“Dom Moacyr percebeu, como visionário que era, as consequências que poderiam ocorrer nesta região com este desalojar de seringueiros, de colonos de suas áreas. Ele transformou a Igreja num ponto de acolhimento dessa luta social. Ele ajudou como Igreja comprometida com o Evangelho, portanto com os mais pobres, a formar líderes que foram atuar nos movimentos sociais e fortalecer essa resistência”, diz o deputado estadual Edvaldo Magalhães (PCdoB).

“O Dom Moacyr é símbolo disso. A presença dele impediu uma destruição, e a presença dele abriu caminhos para um pensamento progressista, democrático e para a luta social de nosso estado.”

“Ele é um pastor que veio para cá, enraizou-se aqui e entendeu o sentimento de nosso povo, entendeu as disputas políticas que ocorriam naquele momento, e se posicionou ao lado dos mais pobres”, ressalta o parlamentar.

Os principais líderes da esquerda acreana que estiveram na hegemonia política do estado nos últimos 20 anos passaram por essa formação protagonizada por Dom Moacyr. 

Para o ex-senador e ex-governador Jorge Viana (PT), o histórico de luta do religioso o coloca como uma das pessoas mais importantes da Amazônia das últimas décadas. De acordo com Viana, o bispo tinha uma preocupação especial com os seringueiros, ribeirinhos, indígenas e com a questão ambiental como um todo.

“Dom Moacyr é uma espécie de Chico Mendes da igreja, ou um São Francisco de Assis da Amazônia. Ninguém pode substituir essas pessoas numa hora como essas que estamos precisando tanto. A Amazônia perde uma pessoa que é insubstituível”, analisa ele.

Jorge Viana ressalta que a resistência organizada por Dom Moacyr no meio da Floresta Amazônica não se baseava na violência pela violência, mas era uma “resistência pacifista no sentido de valorização do ser humano”. ”Ele conseguiu fazer muito isso com as comunidades de base.”

A ex-ministra Marina Silva usou sua conta no Twitter para lamentar a morte de um de seus mais importantes mentores, lembrando o papel que ele desempenhou com as populações tradicionais. “Fui testemunha de seu apoio aos seringueiros e povos indígenas vítimas de injustiças na floresta e depois, mais ainda, nos períodos de grandes desmatamentos, em que eram expulsos para as periferias das cidades”, escreveu ela.

“Dom Moacyr era incansável na defesa daquela gente sofrida e de seus líderes ameaçados pela violência. Chico Mendes e todos os sindicalistas e ambientalistas encontraram nele um forte aliado.”

Dom Moacyr morreu aos 83 em Porto Velho (RO), onde era arcebispo emérito desde 2011. Em 1998 ele assumiu a Arquidiocese da capital de Rondônia, mas sempre mantendo vínculos com seu passado de atuação no Acre.

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