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domingo, 27 de setembro de 2020

A rodovia da destruição (mais uma)

Cruzeiro do Sul/Pucallpa: uma rodovia de resultados econômicos duvidosos, mas de  danos sociais e ambientais concretos 



Parque Nacional da Serra do Divisor: UC será impactada por rodovia e é alvo de PL que o transforma em APA (Foto: Fabio Pontes/2019)


@fabiospontes 

A semana que passou foi de muita ambiguidade e confusão no governo acreano de Gladson Cameli (partido indefinido, outra confusão) no que diz respeito à questão ambiental. Aliás, ambíguo e confuso são os dois atributos da atual gestão em todos os setores. Enquanto na quarta Cameli recebia a visita do vice-presidente, Hamilton Mourão, para mostrar as ações desenvolvidas pelo Acre no combate ao desmatamento que não para de crescer, no fim de semana a agenda com ministros de Jair Bolsonaro (sem partido) foi para tratar de projeto que pode ser visto como um dos mais desastrosos para a proteção da Amazônia - não só a brasileira. 

Ao lado do ministro caçador de unicórnios Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e de Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), Cameli cumpriu agenda em sua cidade natal, Cruzeiro do Sul, para tratar do projeto de interligação rodoviária da capital do Juruá - como é conhecida - com a cidade peruana de Pucallpa, departamento de Ucayali.  

Caso de fato saia do papel, a rodovia terá seu traçado passando dentro daquela que pode ser considerada uma das últimas áreas mais bem preservadas da Amazônia no continente. E isso não é uma hipérbole. Na Bacia do Rio Juruá também está concentrada uma das maiores concentrações em biodiversidade do Planeta Terra, como atestam estudos científicos. Por ali há espécies ainda desconhecidas pela Humanidade. 

Aquela densa selva amazônica dos dois lados da fronteira é a casa para dezenas de povos indígenas contactados e daqueles que optaram por viver em isolamento voluntários. Ao se olhar de cima por imagens de satélite toda a região de rios, serras e floresta que separa Cruzeiro do Sul de Pucallpa, tem-se uma dimensão do impacto que uma rodovia pode ocasionar. Como sabemos, as estradas são o principal vetor de expansão da destruição da Amazônia - e não importa em qual lado da fronteira elas estejam. 

Até agora não se tem o projeto concreto do traçado da rodovia, prometido para ser entregue até o fim do ano pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit). A rodovia tem como principal entusiasta o líder da bancada da motosserra, o senador bolsonarista e ex-marxista Márcio Bittar (MDB). Junto com a deputada federal Mara Rocha (PSDB), Bittar é autor do Projeto de Lei 6024 que transforma o Parque Nacional da Serra do Divisor em Área de Proteção Ambiental (APA), cujas regras de preservação são bem mais brandas do que um parque. 

A unidade de conservação está justamente no caminho da rodovia. O PL foi apresentado com a justificativa de eliminar a barreira legal para a construção da rodovia. Todavia, o decreto de criação do parque (de 16 de junho de 1989) já previa a possibilidade da passagem de uma estrada por aquelas bandas. 

O verdadeiro interesse em rebaixar a Serra do Divisor para APA é a de explorar as suas riquezas da superfície e subterrâneas, incluindo o gás xisto. Bittar também é entusiasta da atividade minerária e extrativa das pedras que compõem aquele cenário de serras que separam o Brasil do Peru.  

Ao que tudo indica, o entusiasmo pela estrada Cruzeiro do Sul/Pucallpa se dá de forma mais intensa muito mais (e talvez apenas) do lado de cá da fronteira. Pucallpa não precisa nem um pouco desta interligação com o Acre, por já possuir rodovias que a conectam com todo o Peru. E, sejamos sinceros, não temos nada a oferecer para o mercado de Ucayali.   

Até o momento não se sabe qual seria o empenho do governo peruano em também tocar o projeto. A agenda do chanceler Ernesto Araújo aqui foi o sinal da disposição de Brasília em iniciar as negociações diplomáticas com Lima. A dúvida é saber até onde os vizinhos estariam dispostos a tirar alguns milhões de soles de seu orçamento para bancar o empreendimento. 

A rodovia da integração entre Acre e Peru construída na primeira década dos anos 2000 teve praticamente toda a sua construção arcada pelo governo brasileiro. Estaria o posto Ipiranga com disposição para liberar alguns milhões e até bilhões de reais para um empreendimento de resultados econômicos questionáveis? 

Lá de cima percebe-se que os peruanos estão totalmente de costas para a fronteira amazônica com o Brasil, muito mais voltados para sua relação histórica com o oceano Pacífico. Para Cruzeiro do Sul a estrada também não demonstra trazer grandes benefícios, pois o município está conectado ao restante do Brasil pela BR-364. 

A interligação com o Pacífico é o principal argumento dos atuais líderes acreanos para defender a ligação rodoviária de Cruzeiro do Sul com Pucallpa, apresentando como a grande redenção econômica do estado. Apresentam tal argumento como se fosse a descoberta da pólvora, a invenção da roda. Contudo, o Acre já tem uma conexão com os portos peruanos por meio da Rodovia Interoceânica, ou a Carretera del Pacífico, que até hoje também não nos trouxe a redenção econômica tão prometida por seus idealizadores (os petistas). 

Portanto, não existe nenhum argumento lógico do ponto de vista ambiental, econômico e logístico para uma rodovia cujo único legado seria a devastação de um dos últimos santuários da Amazônia. Já não bastasse as consequências de uma política desastrosa para a proteção da maior riqueza acreana, o governo Gladson Cameli atua para bancar uma estrada que ligaria o nada a lugar-nenhum. 

“Vai ser uma esculhambação total. Não vai ter controle de nada. A expansão das margens de desmatamento vai ocorrer de maneira intensa. Se hoje o órgão ambiental [ICMBio] não tem controle, imagine com uma estrada. Vai ser pura especulação fundiária. Isso vai servir para facilitar a invasão de terras públicas”, disse Miguel Scarcello, secretário da SOS Amazônia em entrevista ao blog em julho. 

O governo Gladson Cameli proporcionaria muito mais desenvolvimento e garantiria a “comida na boca dos amazônidas” - como ele próprio afirmou essa semana - se investisse em políticas públicas de valorização dos produtos florestais tão abundantes no Vale do Juruá e tão subestimados. Garantir mercado e preço a estes produtos é assegurar renda e qualidade de vida para milhares de acreanos que vivem na floresta sem ser preciso destruí-la para colocar boi ou soja. 

Ao invés de querer privilegiar o grande agronegócio que beneficia apenas um punhado de ruralistas, Cameli deveria centrar esforços para fortalecer a agricultura familiar, que é quem realmente coloca comida na boca dos amazônidas. Indo no sentido contrário, prefere deixar como legado projetos que contribuem para acelerar a devastação da mais importante floresta tropical do Planeta. 



Imagem de satélite mostra a separação entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, formada por uma selva intocada - até agora (Fonte: Google Earth)



quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Uma resposta à altura

Temos o cuidado para o fogo não entrar na floresta, diz liderança indígena 


Desde que os biomas brasileiros passaram a sofrer com o desmatamento e as queimadas recordes a partir de sua chegada ao Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem preferido transferir a responsabilidade pelo caos para os outros. Enquanto ele e seu ministro da destruição do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atuam para desmontar a estrutura dos órgãos ambientais do país, a estratégia é responsabilizar setores da sociedade pela atual tragédia ambiental brasileira. 

Em 2019 a opção foi culpar as ONG’s; agora em 2020 os povos indígenas e as demais populações tradicionais da Amazônia e do Pantanal passaram a ser alvo dos discursos presidenciais. De acordo com Bolsonaro, as atuais queimadas registradas nos dois biomas é resultado do fogo feito em roçado por indígenas e pequenos produtores que sai do controle e adentra na mata fechada. 

Não é novidade para ninguém que os povos indígenas fazem uso do fogo para limpeza de seus roçados. Detentores de uma relação ancestral com o fogo, eles sabem como poucos fazer o uso controlado para evitar, justamente, aquilo de que são acusados agora. 

“Ele não conhece a realidade da população indígena. Não conhece o trabalho que a gente faz no roçado. Nunca esteve numa aldeia para saber como nós queimamos um roçado”, diz Ismael Shanenawa, agente agroflorestal indígena da aldeia Shane Kaya, da Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, no município de Feijó (AC). 

“A gente vem aprendendo isso de geração em geração. O meu avô, o meu pai, que derrubam um roçado, a gente faz uma queimada controlada. A gente sabe queimar, não deixa o fogo espalhar. A gente tem o maior cuidado quando vai tocar fogo para ele não se espalhar pela floresta”, ressalta ele. 

A pedido do blog, Ismael gravou este vídeo com o depoimento sobre como o povo Shanenawa faz o uso da queima para preparo do solo, além de comentar as atuais afirmações do presidente da República. 


Assista: 





Nota: Dos 151 mil hectares de áreas queimadas no Acre entre o fim de julho até o dia 19 de setembro, apenas 1% está dentro de terras indígenas, conforme levantamento do Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (Labgama), da Universidade Federal do Acre. Já dos 6.553 focos de queimadas detectados pelo Inpe entre agosto e 24 de setembro, somente 179 foram dentro de terras indígenas, que correspondem por 14,56% do território acreano. Ou seja, o impacto dos indígenas no ambiente é mínimo.    


terça-feira, 22 de setembro de 2020

Análise

 Os governos militares são um desastre para a Amazônia 


As falas e as práticas dos integrantes do alto escalão (todos oriundos dos quartéis) do atual governo brasileiro atestam: os militares na condução dos rumos políticos do Brasil representam um verdadeiro desastre na proteção da Floresta Amazônica. Foi assim no passado durante os 20 anos de ditadura resultante de um golpe em 1964, e agora no governo democraticamente eleito de Jair Bolsonaro, que não tem muita afeição pela democracia. 

Desde o retorno dos militares ao Palácio do Planalto no início do ano passado, a Amazônia - e todos os demais biomas - voltou a registrar níveis recordes de desmatamento e queimadas. Não que os comandantes das Forças Armadas sejam os responsáveis diretos pela atual devastação ambiental do Brasil, mas sim seu comandante-em-chefe, o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, um militar dono de uma carreira bastante questionável nos quadros do Exército. 

Bolsonaro tem uma posição claramente contrária à proteção dos recursos naturais do país, bem como das populações tradicionais que vivem nestes biomas. Sua visão é a do desenvolvimento a todo e qualquer custo, nem que para isso tenha que passar a boiada. 

A sua eleição e consequente chegada ao Planalto foi a libertação tão desejada por aqueles que se sentiam reprimidos pelos órgãos ambientais durante os governos passados, e se sentem à vontade para cometer os mais variados crimes aqui na região - da grilagem de terras públicas à ampliação dos garimpos -  convictos de que têm o respaldo do líder máximo da nação. 

Tanto assim que uma das principais práticas do governo Bolsonaro é o desmonte de órgãos como Ibama e ICMBio. O resultado está aí para o mundo todo ver e se aterrorizar. As duas atitudes do governo para lidar com a situação são a de 1) colocar a culpa pelo caos nas costas das comunidades tradicionais e 2) recorrer aos militares para tentar amenizar os prejuízos e mostrar à comunidade internacional que algo está sendo feito para não prejudicar seu principal avalista político-econômico: o agronegócio. 

O mesmo agronegócio que por aqui chegou e se expandiu durante a ditadura militar (1964-1985) da qual Bolsonaro é um saudosista. A política de “ocupação” e “desenvolvimento” adotada pelo regime foi a de entregar vastas áreas da Amazônia para produtores do centro-sul do país para a transformarem em pasto. Em contrapartida, o Estado abria estradas cujos efeitos são sentidos até hoje. 

O resultado dessa política do “integrar para não entregar” e da “terra sem homem para homens sem-terra” foi a expulsão de milhares de famílias que moravam no interior da floresta para formar grotões de miséria nas periferias das cidades, além de criar confrontos pela posse da terra que resultaram em dezenas, centenas, de assassinatos. 

É essa mesma política destruidora que agora ganha corpo no Brasil, passados 30 anos do fim da ditadura militar - e com o retorno dos militares ao poder. Enquanto um capitão com a faixa presidencial abre a porteira para a boiada passar, um general no cargo de vice tenta (sem sucesso) proteger a Amazônia de seu próprio governo. 

Como os dados atestam, nesta disputa o general está sem muito poder de fogo diante de um capitão que não está nem um pouco preocupado em proteger a maior riqueza natural brasileira da qual os militares tanto dizem se orgulhar: a Amazônia Os militares precisam entender que os maiores inimigos da Amazônia não estão fora, mas dentro do próprio quintal. 

Ao que tudo indica, se a devastação continuar no ritmo que está, nem mais uma floresta as Forças Armadas terão para defender da “cobiça internacional”. Os próprios militares podem entrar para a história como os principais responsáveis pela perda da Floresta Amazônica por meio de políticas desastrosas quando governavam o país nos anos de chumbo e agora nesta nossa cambaleante democracia.    


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quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Cicatrizes

Áreas queimadas no Acre estão 17% superiores às registradas em 2019  




O total de áreas de vegetação atingidas pelo fogo entre os meses de julho e agosto de 2020 é o maior já registrado dos últimos três anos no Acre. De acordo com o  Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (LabGama), da Universidade Federal do Acre (Ufac), foram identificados 64.367 hectares de cicatrizes de queimadas em todo o território do estado neste período. O número está 17% acima do registrado em igual intervalo de 2019, e 126% ao de 2018. 

Cicatrizes de queimadas são as áreas tomadas pelo fogo e que deixam como vestígio todo material orgânico carbonizado, sendo captadas pelos satélites da Nasa. Agosto foi o mês mais crítico deste triênio em áreas devastadas pelos fogo no Acre, com mais de 50 mil hectares de vegetação transformados em cinzas. O dado se alinha com o registro recorde de focos de queimadas detectados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), quando o Acre ficou na terceira posição entre os nove estados da Amazônia Legal. 

O estado registrou, entre 1 e 31 de agosto, 3.578 focos de queimada. Já Mato Grosso, que tradicionalmente ocupa as manchetes ao lado do Pará, como um dos estados que lideram as estatísticas de desmatamento e incêndios, teve detectado 3.336 focos. O vizinho Rondônia ficou com 3.086 focos.  No acumulado de 2020 o Acre tem 5.953 focos captados pelos satélites do Inpe - 17% a mais do que 2019. 

Os dados do Labgama ainda não constam a área queimada de setembro. Apesar de muitas previsões nada otimistas para o clima - como a ocorrência de uma seca severa -, em alguns pontos do estado têm caído chuva, o que contribui para reduzir o impacto do fogo. 

Segundo o estudo da Ufac, as categorias fundiárias que mais registraram áreas queimadas em 2020 são as terras públicas e os projetos de assentamento. Cada uma delas teve uma média de vinte mil hectares afetados pelo fogo. Chama a atenção o fato de terras públicas ocuparem o topo do ranking, o que demonstra o avanço do desmatamento nestas áreas para fins de grilagem. 

A invasão de terras de propriedade da União ou do estado passou a ser o problema ambiental mais grave enfrentado pelo Acre de 2019 para cá. Além de aumento recorde de queimadas, o estado agora figura com níveis recordes de desmatamento. Ano passado atingiu a maior marca da última década: 700 quilômetros quadrados. 

Entre 1 de janeiro e 31 de agosto deste ano, o Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Inpe, já emitiu 3.316 alertas para o território acreano, somando uma área de 331 quilômetros quadrados de desmatamento.    

Entre as unidades de conservação mais impactadas pela ação humana a Reserva Extrativista Chico Mendes lidera tanto no quesito derrubadas quanto queimadas. O Deter captou 34 quilômetros quadrados de desmatamento dentro da reserva em 2020, enquanto as cicatrizes de queimadas já somam 2.431 hectares. De janeiro até a segunda quinzena de setembro a UC apresenta focos de queimadas.      


sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Projeto concretizado

Áreas protegidas alvos da bancada da motosserra estão no topo do ranking do fogo no Acre 



A Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes e o Parque Nacional da Serra do Divisor estão entre as unidades de conservação federais no Acre com maiores registros de queimadas no acumulado de 2020. É o que aponta o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Estas são, justamente, as duas áreas de proteção visadas pela bancada da motosserra liderada pela deputada federal Mara Rocha (PSDB) e o senador Márcio Bittar (MDB). 

Por meio do Projeto de Lei 6024, a bancada quer reduzir o tamanho da Resex Chico Mendes para beneficiar um pequeno grupo de moradores formado pelos maiores desmatadores, e reduzir a categoria da Serra do Divisor de parque para área de proteção ambiental (APA). 

Conforme o blog mostrou no primeiro semestre, a simples apresentação do projeto poderia acarretar em impactos imensuráveis para estas duas UC’s, em especial para a Serra do Divisor, onde está concentrada uma das mais ricas regiões de floresta e biodiversidade da Amazônia. Os dados do Inpe agora atestam a problemática, com o parque ocupando a terceira posição no ranking do fogo no Acre até o dia dez de setembro, com 70 focos detectados. 

A unidade, localizada no Vale do Juruá, registrava entre 1 de janeiro e ontem 70 focos de queimadas, ficando atrás apenas da Resex do Alto Juruá e da Resex Chico Mendes, que já há muito tempo ocupa a primeira posição nas análises de fogo e desmatamento. No acumulado de 2020 a Resex Chico Mendes tem 240 focos captados pelos satélites de monitoramento.  

Apesar de os números serem alarmantes, o que chama a atenção e preocupa é o crescimento do impacto da ação humana nas duas mais importantes áreas protegidas do Vale do Juruá: o Parque Nacional da Serra do Divisor e a Resex Alto Juruá, que são vizinhas. Juntas, elas concentram 155 focos, ou 27,4% do total das queimadas observadas nas unidades de conservação federais do Acre. 

Os dados atestam a mudança dos impactos causados na devastação da Amazônia acreana de 2019 para cá, mostrando que nem mesmo áreas protegidas por lei passam incólumes por este processo. A “migração da destruição” é preocupante por ir para a região que mais concentra floresta em pé no Acre, e possuir uma das mais ricas biodiversidade do planeta. 

Outra ameaça para a região do Juruá e que aos poucos vai se concretizando em ações práticas é o projeto da construção de uma rodovia entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, no Peru, cujos impactos nos dois lados da fronteira são inestimáveis. Essa semana o vice-governador do Acre, Major Rocha, irmão da deputada Mara Rocha, anunciou que ainda em 2020 o Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit) lança o edital de licitação para o projeto da rodovia internacional. O anúncio foi feito após reunião com um dos diretores do Dnit.   


Entenda mais sobre os efeitos do PL 6024, apresentado em novembro do ano passado pela deputada  Mara Rocha na Câmara dos Deputados.  


Vai ser uma destruição insana da natureza, diz secretário-geral da SOS Amazônia ao analisar impactos do PL 6024 no Juruá 

terça-feira, 8 de setembro de 2020

O GT que mais dá trabalho

Atrasado e atrapalhado, governo do Acre tenta lidar com pandemia entre povos indígenas 



Entre indígenas de aldeias e moradores das cidades, Acre tem quase 2 mil casos da Covid-19 (Foto: Divulgação/Governo AC)



O governo do Acre passou os últimos cinco meses de pandemia do novo coronavírus sem dar a mínima atenção para os impactos que ela provocou - e ainda provoca - entre os 16 distintos povos indígenas do estado. Impactos estes não só na saúde, mas também econômicos e de segurança alimentar de comunidades que precisam se isolar nas aldeias para evitar ainda mais mortes e casos da Covid-19. Ao invés de adotar alguma medida, a gestão Gladson Cameli preferiu deixar tudo nos ombros do governo federal. 

Sobre a atuação deste não é necessário fazer comentários. Mas vale lembrar: primeiro foi preciso o Congresso aprovar uma lei obrigando Jair Bolsonaro a colocar em prática medidas eficazes para amenizar dos impactos da pandemia. Com sua caneta, o presidente vetou os artigos mais importantes. O movimento indígena precisou recorrer ao Supremo Tribunal Federal para evitar o completo genocídio. 

O fato de termos 24 mil indígenas acreanos que também sentiam os efeitos da pandemia não sensibilizou os atuais burocratas do governo local. Foi somente após cinco meses e quase 2.000 casos confirmados da Covid-19 entre a nossa população indígena que o governo Cameli decidiu criar, no dia 18 de agosto, um Grupo de Trabalho (GT) para acompanhamento e elaboração de estudos sobre a propagação do vírus nos territórios indígenas. 

Quem atua na área indigenista do estado muito pouco ou nada entendeu sobre o que de fato pretende fazer o GT. Se a proposta é primeiro levantar informações para depois ter alguma atitude, é possível que elas venham a ocorrer quando a vacina já esteja sendo aplicada. Ou seja, o grupo de trabalho teria um trabalho em vão. 

A confusão começa pela sua própria composição, que deixou de fora os dois principais órgãos que atuam diretamente na questão: a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, e a Fundação Nacional do Índio (Funai). A Sesai está na linha de frente por meio de seus dois Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei’s) no Acre: o do Alto Rio Purus e do Alto Rio Juruá. 

Tanto assim que, na semana passada, o Ministério Público Federal (MPF) precisou intervir, recomendando uma reformulação no grupo para que ocorra a inclusão de representantes da Funai e dos Dsei’s. No dia 13 de julho, o MPF já tinha emitido recomendação para que a Secretaria Estadual de Saúde incorporasse os dois órgãos federais no Comitê de Acompanhamento Especial da Covid-19, algo que não aconteceu até agora, conforme destaca o procurador da República Lucas Costa Almeida Dias no parecer que pede mudanças no GT. 

Para ele, a ausência de membros da Funai e dos distritos especiais “compromete a implementação de qualquer plano governamental efetivo que respeite o diálogo e a interlocução como lugar-comum para a solução de problemas”. “A interlocução com tais órgãos mostra-se como medida imprescindível para a correta implementação de ações imediatas e urgentes, notadamente diante da expertise de seus servidores (que atuam na linha de frente) e diante da diversidade de povos indígenas existentes no Acre”, ressalta ele. 

O procurador ainda aponta a pouca quantidade de indígenas em número e de diversidade de povos no grupo criado por Cameli. Ao todo o GT conta com 14 membros do governo e três lideranças indígenas. Todos os trabalhos estarão centralizados em Rio Branco, quando os maiores impactos da Covid-19 acontece nas comunidades das bacias do Purus e do Juruá.  

As trapalhadas do governo Gladson Cameli no trato da questão indígena não são novidades. Tanto a pauta dos povos tradicionais do estado quanto as questões ambientais foram colocadas em terceiro plano diante da agenda voltada para o setor rural e do agronegócio, bandeiras políticas do atual governador. 

Um de seus primeiros atos ao assumir o cargo em 2019 foi extinguir a Assessoria Especial dos Povos Indígenas, ligada à Casa Civil, e que era a única representação destas comunidades no governo estadual. Após críticas, a assessoria foi recriada, mas colocada bem longe do gabinete do governador, na Secretaria de Assistência Social. 

E dessa forma os povos indígenas do Acre vão resistindo aos desprezos do governo Gladson Cameli e às ofensivas do governo Jair Bolsonaro aos seus direitos de sobrevivência e de posse de seus territórios tradicionais - além da pandemia do coronavírus.   

sábado, 5 de setembro de 2020

Análise - Dia da Amazônia

 Acre: do governo da floresta ao governo sem floresta 


Com 87% de floresta intacta, Acre passa de mocinho para vilão na proteção da Amazônia



Na semana que celebramos o Dia da Amazônia, neste cinco de setembro, o Acre recebeu uma das piores notícias quanto à preservação de sua maior e insubstituível riqueza natural: em agosto ocupamos a deplorável terceira posição no ranking das queimadas entre os nove estados que formam a Amazônia Legal. Deixamos comendo fuligem Mato Grosso e Rondônia, que por muito tempo ocupam as manchetes sobre a devastação do bioma dentro de seus territórios. 

Em julho já tínhamos batido outro recorde: também superamos Mato Grosso no quesito desmatamento. Usando aquele velho bordão político, nunca antes na história deste estado sua cobertura florestal na casa dos 87% esteve tão ameaçada como agora. O momento político vivido pelo Acre e pelo Brasil é o grande responsável por essa devastação num estado que por muito tempo nem merecia nota de rodapé quando se falava em incêndios ou desmatamento na Amazônia. 

Saímos de um período consagrado como “governo da floresta” - ou também a florestania - durante os 20 anos de gestões petistas para uma época que agora podemos chamar de o governo sem floresta”. Tinha minhas críticas aos governos do PT no Acre, mas não podemos negar que foi naqueles tempos que o estado detinha uma certa vanguarda nas políticas de proteção da floresta, servindo até de exemplo para outros estados da região. De repente, da noite para o dia, tudo mudou e hoje não somos o melhor dos exemplos.   

Culpar apenas Jair Bolsonaro por este avanço da devastação da Floresta Amazônica já virou clichê e motivo para se ganhar curtidas nas redes sociais. Sabemos que o presidente do Brasil atua no sentido inverso de assegurar a proteção do meio ambiente, não só aqui da Amazônia. Se é capaz de boicotar as medidas sanitárias para se evitar o contágio por coronavírus que já matou mais de 120 mil brasileiros, o que dirá a proteção da floresta. 

Tão ou quão responsável por essa omissão criminosa de proteção da Amazônia estão os governadores da região. Afinal, são suas decisões e falas que influenciam diretamente o comportamento da população local, de quem eles estão mais próximos, diferente de um presidente que prefere ficar no Palácio da Alvorada falando porcarias para seus fiéis. 

Assim é no pequeno estado do Acre, onde é possível se esbarrar com o governador em qualquer esquina. 


E, sim, as falas e práticas (e até a ausência de ambas) do atual mandatário do Palácio Rio Branco são os grandes responsáveis pelo atual cenário de destruição da Amazônia aqui nestas bordas. Situação que se agrava com as mesmas atitudes vindas de Brasília. Tanto Gladson Cameli quanto Jair Bolsonaro acionaram o gatilho para a destruição do bioma. A eleição de parlamentares com visões retrógradas (a maioria) também contribui para o cenário devastador.  

 

Aqueles que por muitos anos estavam contidos por fiscalizações e punições que ainda existiam saíram do armário com as eleições, em 2018, de Cameli e Bolsonaro. O resultado disso é uma devastação jamais vista no Acre em tempos recentes, chegando até aos locais mais remotos e de difícil acesso. É assustador ver municípios como Jordão e Marechal Thaumaturgo no topo do ranking do fogo no mês passado.   

A prova disso estão nos dados do Inpe. Em 2019, primeiro ano de Gladson Cameli, o desmatamento da Amazônia no Acre bateu todos os recordes dos últimos 11 anos: 700 km2. Perdemos não apenas floresta (vida), mas também investimentos internacionais por meio do programa de compensação por redução do desmatamento. 

De uma certa forma, desde sua campanha para governador, Gladson Cameli já dava sinais de que ia colocar em prática aquilo que hoje chamamos de “passar a boiada” - trágica frase proferida pelo ministro da destruição do Meio Ambiente, cujo nome - para nossa paz de espírito - é melhor nem ser aqui citado. 

Se eleito, falava Cameli, ia flexibilizar as normas ambientais para facilitar a vida de quem queria produzir, incluindo fragilizar as fiscalizações ambientais por meio do Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac). “Tirar o Imac do pescoço do produtor”, era o que ouvíamos nos debates e programas eleitorais. 

Seu mote era fazer do agronegócio o grande carro-chefe da economia acreana, em detrimento de uma política de valorização dos recursos florestais.  Quando assumiu a cadeira de governador, vivia mais em Rondônia do que aqui em busca de se inspirar no modelo de desenvolvimento do estado vizinho. 

Modelo este cujos efeitos sociais e ambientais conhecemos bem. Como governador fez aquilo que poucos políticos costumam fazer; cumprir suas promessas para atender ao setor rural. A primeira atitude foi deixar de pagar o subsídio dos produtores de borracha, alegando revisão dos contratos deixados pela gestão anterior. 

Somente em agosto último, após 20 meses de calote, o governo decidiu repassar o dinheiro para as pequenas famílias extrativistas que tanto dependiam do subsídio para melhorar sua renda. Outra medida foi extinguir o Instituto de Mudanças Climáticas (IMC), vista como herança petista. O problema é que esta herança é responsável por gerenciar 25 milhões de euros enviados pela Alemanha e Reino Unido para o Acre conter o desmatamento, investindo justamente em acesso a tecnologias aos pequenos produtores rurais. Vendo a trapalhada que cometera, recriou o órgão.  

Depois veio a trágica fala de num palanque em Sena Madureira desmoralizando a atuação do Imac, dizendo que ninguém mais precisava pagar as multas aplicadas “porque agora quem está mandando sou eu”.  

A consequência de tudo isso vivemos hoje: desmatamento e queimadas recordes. Queimadas que expelem para o ar uma fumaça tóxica que somos obrigados a respirar quase todos os dias neste período de estiagem severa. Diante de tantas lambanças, não houve outra opção senão decretar emergência ambiental. 

E assim chegamos a mais um cinco de setembro tendo muito mais a lamentar do que comemorar. Vale deixar o alerta para toda a sociedade acreana: proteger a floresta não é coisa de petista, de comunista; é garantir a sobrevivência desta e das futuras gerações. Proteger a Amazônia é proteger a vida em todas as suas formas, inclusive a nossa.     


sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Fogo na floresta

Acre registra primeiros focos de incêndios florestais em Xapuri e em Rio Branco 



@fabiospontes


O mês de setembro nem bem começou e o Acre já tem registrado os dois primeiros focos de incêndios florestais em 2020; ou seja, aqueles que ocorrem dentro da floresta em pé. Se até aqui o fogo estava restrito a queimadas em áreas de agricultura e pecuária - além para limpeza de desmatamentos recentes - aos poucos os satélites vão registrando sua presença no interior da floresta, cujos danos ambientais são irreparáveis. 

Segundo dados do  Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (LabGama), da Universidade Federal do re (Ufac), um dos focos de incêndio florestal foram detectados no município de Xapuri, mas fora da Reserva Extrativista Chico Mendes; segundo o monitoramento, a área da unidade de conservação com registro de incêndio florestal fica em seus limites no território de Rio Branco. 

A situação é preocupante após o Acre bater recorde no registro de queimadas em agosto, ocupando a terceira posição entre os estados da Amazônia Legal. Com as condições climatológicas favoráveis à propagação do fogo dentro da floresta em pé ainda se mantendo ao longo de setembro, a tendência é a ocorrência de incêndios florestais aumentar. 

Se agosto já foi um mês crítico, pesquisadores também se preocupam com setembro, tradicionalmente o mês do fogo no estado, em especial na região Leste. Desde 2019 o Acre também acumula aumentos recordes dos níveis de desmatamento - se mantendo este ano - o que cria muito material combustível para queimar nestes meses de “verão amazônico” que, conforme a Nasa, tende a ser mais severo e prolongado. 

Em maio, a agência espacial dos Estados Unidos divulgou estudo apontando que, entre os estados da Amazônia brasileira, o Acre é o que tem a maior probabilidade de ser atingido por incêndios florestais: 85%. O principal motivo para isso é o aquecimento das águas do Oceano Atlântico, que tem como efeito a redução da umidade na parte mais sul da Amazônia e uma concentração maior ao norte. O fenômeno é conhecido pela sigla em inglês AMO, cuja tradução é Oscilação Multidecadal do Atlântico. 

Este foi o mesmo fenômeno que levou o Acre a ter queimada uma área de 350 mil hectares de floresta no ano de 2005, sendo a Resex Chico Mendes a mais afetada A anomalia se repetiu em 2010, também causando grandes prejuízos ambientais. 

O baixo volume de chuvas típico desta época do ano fica ainda mais reduzido com o AMO, cujo outro efeito é retardar o início do período chuvoso que se inicia em outubro, o chamado inverno amazônico. O reduzido volume de pluviosidade (que consequentemente provoca a queda na umidade do ar) e as altas temperaturas criam o que cientistas definem como “estresse hídrico”. 

“Quando falamos em estresse hídrico nós estamos, em tese, falando direta ou indiretamente da redução de umidade no solo que vai causar um prejuízo para o bom funcionamento das plantas, das árvores. Ou seja, teremos um estresse por falta de água”, explica o professor William Flores,  professor da Ufac e doutor em Ciências das Florestas Tropicais pelo Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa).  

Diante das projeções científicas sérias e do já conhecimento tradicional de setembro ser marcado por bastante fogo, as ações de repressão às queimadas se mostram ainda mais necessárias para se evitar a repetição da tragédia de 15 anos atrás. 

terça-feira, 1 de setembro de 2020

O recorde do fogo

Acre foi o terceiro estado que mais queimou na Amazônia em agosto 


Estado superou, em registro de queimadas, Mato Grosso e Rondônia; em julho desmatamento também já tinha superado MT; focos de calor em 2020 estão 18% acima e governo decreta emergência ambiental


Uma entre as mais de 3.000 queimadas registradas no Acre apenas em agosto (Foto: Fabio Pontes)


@fabiospontes

O Acre fechou o mês de agosto ocupando a terceira posição entre os estados que mais registraram focos de queimada, superando os tradicionais recordistas Mato Grosso e Rondônia em termos de impactos causados à Floresta Amazônica. No ranking do fogo do mês passado, o Acre só ficou atrás do Pará e do Amazonas, cujas áreas territoriais são até quatro vezes superior. 

Segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o estado registrou, entre 1 e 31 de agosto, 3.578 focos de queimada. Já Mato Grosso, que tradicionalmente ocupa as manchetes ao lado do Pará, como um dos estados que lideram as estatísticas de desmatamento e incêndios, teve detectado 3.336 focos. O vizinho Rondônia teve 3.086 focos. 

Após apresentar um certo controle e até redução no registro de queimadas em 2020 - quando comparado com o ano passado - o Acre parece ter sofrido um boom de incêndios nos últimos dias de agosto. Entre 1 de janeiro e o dia 28 de agosto, por exemplo, o estado tinha uma redução de 12% na quantidade de focos detectados pelo monitoramento do Inpe quando se fazia um comparativo com o mesmo intervalo de 2019. 

Já no acumulado dos oito meses deste ano - diante de igual período do ano passado - há um acréscimo de 18%: 4.044 contra 3.426. Quase 90% desta detecção de queimadas ocorreu em agosto, mês marcado na região pelo uso indiscriminado do fogo para a limpeza ou abertura de roçados e pastagens, além do emprego para limpar áreas recentemente desmatada.   

Diante da aparente perda de controle das ações para conter o fogo, o governo decidiu decretar nesta terça, 1, situação de emergência ambiental. A medida também se fez necessária diante do atual nível crítico dos rios, com destaque para o Acre, responsável pelo abastecimento de água de 70% da população. 

Em maio, a agência espacial dos Estados Unidos, a Nasa, divulgou estudo apontando que, entre os estados da Amazônia brasileira, o Acre pode ser um dos mais impactados por uma estiagem mais rígida.  O principal motivo para isso, segundo a Nasa, é o aquecimento das águas do Oceano Atlântico, que tem como principal efeito a redução da umidade na parte mais sul da Amazônia. 

Essas condições ambientais mais a elevada área de floresta que foi desmatada tornam o Acre o mais propício a sofrer com os grandes incêndios florestais, assim como em 2005. Segundo projeções da Nasa, a chance de isso se repetir é de 85%. 

Em julho o Acre já tinha superado o Mato Grosso também quanto à detecção do desmatamento pela análise do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). De acordo com o monitoramento SAD, o Acre desmatou 140 km2 de floresta em julho, enquanto Mato Grosso perdeu 98 km2. Entre agosto de 2019 e julho passado o estado teve um desmatamento acumulado de 476 km2 - alta de 28% ante o período anterior. 


O fogo no interior 

Conforme o blog já tinha antecipado em 24 de agosto, o interior do Acre era a região do estado que mais apresentava focos de queimada, tendência que se manteve até o dia 31. Os municípios do Vale do Tarauacá/Envira, Purus e Juruá estão entre os recordistas de fogo. Dos 10 municípios que mais queimaram, apenas Rio Branco não está nestas regiões. 

O topo do ranking dos incêndios é ocupado por Feijó (1.067 F), Tarauacá (684), Manoel Urbano (275) e Sena Madureira (240). Logo após aparece Cruzeiro do Sul, município do Vale do Juruá que até alguns anos atrás estava bem na traseira dos dados do fogo no Acre. No último dia 24 estava na terceira colocação. 

O município registrou no mês passado 231 pontos de calor dentro de seu território; 68 a mais do que Rio Branco, conhecido por ter altas taxas de incêndios por seu entorno já ter perdido boa parte da vegetação nativa, sendo ocupada por áreas de pecuária e agricultura.  Cruzeiro do Sul, por sua vez, ainda possui uma região rural com muita floresta nativa. 

Abaixo da capital (no ranking do fogo) surgem três dos quatro municípios isolados: Jordão, Marechal Thaumaturgo e Porto Walter. Essa interiorização do fogo para as áreas mais bem preservadas e remotas do estado chama a atenção para dois fatores; 1) o avanço do desmatamento para uma região ainda bastante intacta da Amazônia e 2) o risco deste fogo se transformar em grandes incêndios florestais pelas atuais condições climatológicas. 

Essa interiorização da destruição não fica apenas às margens de rodovias ou ramais; as margens de rios e igarapés nestes municípios também passam a concentrar grandes áreas queimadas. Com a previsão de um ano mais quente e seco no Acre, a concentração do fogo próximo a área de florestas em pé preocupa.

Após agosto já ter sido marcado por temperaturas perto da casa dos 40 graus, baixíssima precipitação pluviométrica e umidade relativa do ar na casa dos 30%, a tendência é de setembro também apresentar as mesmas condições ambientais. Com isso, um pequeno fogo feito num roçado pode adentrar na floresta em pé, cujas consequências seriam inestimáveis.