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terça-feira, 8 de setembro de 2020

O GT que mais dá trabalho

Atrasado e atrapalhado, governo do Acre tenta lidar com pandemia entre povos indígenas 



Entre indígenas de aldeias e moradores das cidades, Acre tem quase 2 mil casos da Covid-19 (Foto: Divulgação/Governo AC)



O governo do Acre passou os últimos cinco meses de pandemia do novo coronavírus sem dar a mínima atenção para os impactos que ela provocou - e ainda provoca - entre os 16 distintos povos indígenas do estado. Impactos estes não só na saúde, mas também econômicos e de segurança alimentar de comunidades que precisam se isolar nas aldeias para evitar ainda mais mortes e casos da Covid-19. Ao invés de adotar alguma medida, a gestão Gladson Cameli preferiu deixar tudo nos ombros do governo federal. 

Sobre a atuação deste não é necessário fazer comentários. Mas vale lembrar: primeiro foi preciso o Congresso aprovar uma lei obrigando Jair Bolsonaro a colocar em prática medidas eficazes para amenizar dos impactos da pandemia. Com sua caneta, o presidente vetou os artigos mais importantes. O movimento indígena precisou recorrer ao Supremo Tribunal Federal para evitar o completo genocídio. 

O fato de termos 24 mil indígenas acreanos que também sentiam os efeitos da pandemia não sensibilizou os atuais burocratas do governo local. Foi somente após cinco meses e quase 2.000 casos confirmados da Covid-19 entre a nossa população indígena que o governo Cameli decidiu criar, no dia 18 de agosto, um Grupo de Trabalho (GT) para acompanhamento e elaboração de estudos sobre a propagação do vírus nos territórios indígenas. 

Quem atua na área indigenista do estado muito pouco ou nada entendeu sobre o que de fato pretende fazer o GT. Se a proposta é primeiro levantar informações para depois ter alguma atitude, é possível que elas venham a ocorrer quando a vacina já esteja sendo aplicada. Ou seja, o grupo de trabalho teria um trabalho em vão. 

A confusão começa pela sua própria composição, que deixou de fora os dois principais órgãos que atuam diretamente na questão: a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, e a Fundação Nacional do Índio (Funai). A Sesai está na linha de frente por meio de seus dois Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei’s) no Acre: o do Alto Rio Purus e do Alto Rio Juruá. 

Tanto assim que, na semana passada, o Ministério Público Federal (MPF) precisou intervir, recomendando uma reformulação no grupo para que ocorra a inclusão de representantes da Funai e dos Dsei’s. No dia 13 de julho, o MPF já tinha emitido recomendação para que a Secretaria Estadual de Saúde incorporasse os dois órgãos federais no Comitê de Acompanhamento Especial da Covid-19, algo que não aconteceu até agora, conforme destaca o procurador da República Lucas Costa Almeida Dias no parecer que pede mudanças no GT. 

Para ele, a ausência de membros da Funai e dos distritos especiais “compromete a implementação de qualquer plano governamental efetivo que respeite o diálogo e a interlocução como lugar-comum para a solução de problemas”. “A interlocução com tais órgãos mostra-se como medida imprescindível para a correta implementação de ações imediatas e urgentes, notadamente diante da expertise de seus servidores (que atuam na linha de frente) e diante da diversidade de povos indígenas existentes no Acre”, ressalta ele. 

O procurador ainda aponta a pouca quantidade de indígenas em número e de diversidade de povos no grupo criado por Cameli. Ao todo o GT conta com 14 membros do governo e três lideranças indígenas. Todos os trabalhos estarão centralizados em Rio Branco, quando os maiores impactos da Covid-19 acontece nas comunidades das bacias do Purus e do Juruá.  

As trapalhadas do governo Gladson Cameli no trato da questão indígena não são novidades. Tanto a pauta dos povos tradicionais do estado quanto as questões ambientais foram colocadas em terceiro plano diante da agenda voltada para o setor rural e do agronegócio, bandeiras políticas do atual governador. 

Um de seus primeiros atos ao assumir o cargo em 2019 foi extinguir a Assessoria Especial dos Povos Indígenas, ligada à Casa Civil, e que era a única representação destas comunidades no governo estadual. Após críticas, a assessoria foi recriada, mas colocada bem longe do gabinete do governador, na Secretaria de Assistência Social. 

E dessa forma os povos indígenas do Acre vão resistindo aos desprezos do governo Gladson Cameli e às ofensivas do governo Jair Bolsonaro aos seus direitos de sobrevivência e de posse de seus territórios tradicionais - além da pandemia do coronavírus.   

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