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domingo, 19 de abril de 2020

Um povo, uma estrada, várias ameaças

Localizada às margens de rodovia, território dos Katukina é o mais exposto ao coronavírus no Acre

 

Aldeia do povo Katukina localizada às margens da BR-364; rodovia e proximidade com cidade deixam indígenas mais vulneráveis a contato com vírus (Foto: Fabio Pontes/2019)

@fabiospontes


Se a grande maioria dos indígenas acreanos está relativamente protegida da contaminação pelo coronavírus por estar “confinada” dentro de suas aldeias em locais distantes e de difícil acesso, o mesmo não se pode dizer do povo Katukina. Por ter toda a extensão leste-oeste de seu território tradicional cortado pela BR-364 - no trecho em Cruzeiro do Sul - os Katukina estão sujeitos a todo tipo de impacto causado por uma rodovia, incluindo contato com pessoas portadoras do novo vírus.

Com uma área de 33 mil hectares, a Terra Indígena Campinas/Katukina está localizada a pouco menos de 60 km da sede urbana de Cruzeiro do Sul, a segunda maior cidade do Acre. Se em tempos passados essa proximidade poderia ser vista como vantajosa pelos próprios Katukina, neste momento de pandemia ela se mostra perigosa para um povo já marcado por uma história de violências e deslocamentos forçados - chegando bem perto do quase desaparecimento.

Para evitar que os Katukina sejam vítimas de contágio pelo coronavírus, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) afirma desenvolver um plano de contingência específico para a TI Campinas/Katukina. Essa atenção maior ocorre por causa da maior exposição provocada pelo traçado da BR-364, que conecta a região à capital Rio Branco. Ao todo, 18 km da rodovia cortam o território dos Katukina, com as aldeias estando bem próxima das margens.

Segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA), 700 pessoas vivem dentro da TI. Para garantir mais segurança aos moradores, no trecho da rodovia em seu interior foram construídos vários quebra-molas para que os motoristas sejam obrigados a não exceder na velocidade. Em tempos de não isolamento social, é possível encontrar os Katukina andando às margens da rodovia em deslocamento entre as aldeias, sobretudo as que dispõem de escolas e postos de saúde.


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Por estarem próximos da cidade, os Katukina também costumam ir a Cruzeiro do Sul com frequência para sacar seus benefícios sociais nos bancos, e fazer as compras do mês nos supermercados.  

O Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Alto Juruá é o responsável por garantir os atendimentos de saúde ao povo. Segundo Iglê Monte, coordenadora do Dsei Alto Juruá, por conta da pandemia essa mobilidade precisou ficar restrita para evitar contágios. Oficialmente, Cruzeiro do Sul tem apenas dois casos confirmados da Covid-19. De acordo com dados da Secretaria Estadual de Saúde, até este sábado, 18, a cidade tinha 62 casos notificados, sendo 37 descartados e outros 23 em análise.

“A Campinas/Katukina é uma de nossas maiores preocupações e prioridades. Estamos tendo um monitoramento rigoroso. Temos um profissional nosso na barreira sanitária na saída da cidade onde está o pessoal da secretaria de Saúde e o Exército. Nós temos uma equipe todos os dias dentro da terra indígena com médico, enfermeiros e técnicos”, diz Iglê Monte, coordenadora do Dsei Alto Juruá.

Os Katukina que de fato mais precisam ir a Cruzeiro do Sul para a compra de alimentos recebem orientações e são supervisionados. Aqueles que ficam muito tempo longe das aldeias ficam em quarentena de sete dias e são consultados por uma infectologista antes de voltar para casa.

O povo Katukina e a BR-364

A história mais recente dos Katukina está intrinsecamente ligada à da BR-364. Eles próprios ajudaram na construção da rodovia no início da década de 1970. Era neste período que o regime militar brasileiro (1964-1985) iniciava sua política de desenvolvimento para a Amazônia, sendo a abertura de estradas uma das principais dela. A mais emblemática é a Rodovia Transamazônica, que tinha como promessa integrar a região ao restante do país, proporcionando “progresso” em meio à falência da economia extrativista.

Além do Acre, na Amazônia Legal, a BR-364 também passa por Rondônia e Mato Grosso. São 4.230 km entre Limeira (SP) e Mâncio Lima, a cidade no extremo Oeste do Brasil, localizada ao lado de Cruzeiro do Sul. Sua construção dentro do Acre foi feita pelos militares do 7o Batalhão de Engenharia de Construção (BEC), do Exército; hoje o batalhão está sediado em Rio Branco.

Após passarem por vários seringais dos Vales do Juruá e Tarauacá oferecendo sua mão-de-obra aos seringalistas entre a primeira e o início da segunda metade do século passado, os Katukina foram trabalhar na abertura da BR-364, fazendo a derrubada das árvores que estavam no traçado. Foi a forma de sobrevivência que eles encontraram à época. Como uma espécie de recompensa, eles foram autorizados pelo Exército a fixar moradia às margens da rodovia.

Para a antropóloga Edilene Conffaci de Lima, que assinou, em 2001, a Revisão do Componente Indígena do Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) da BR-364, ao ocupar aquela área os Katukina apenas regressaram para uma terra que tinham morado no passado, de onde foram expulsos nos tempos das “correrias”.

Assim ficou conhecida a violenta expulsão dos indígenas de suas terra pelos seringalistas, que os vinham como ameaça e empecilho em seu processo de exploração da borracha na Amazônia. Indígenas eram torturados e mortos pelos capatazes dos seringalistas. Os Katukina - assim como todos os outros povos indígenas - também morriam por causa de doenças contraídas neste contato com os não índios.

Os que sobreviveram, fugiram para áreas mais remotas, longe da violência do homem branco. Uma delas foi a região do rio Gregório, em Tarauacá. Até hoje os Katukina têm aldeias por lá, formando, junto com os Yawanawa a Terra Indígena do Rio Gregório.

Quando escolheram ocupar as margens da rodovia, diz o estudo de Conffaci, os Katukina tinham como objetivo vender sua produção na cidade, além de poder ir a Cruzeiro do Sul comprar os alimentos industrializados. No começo moravam em uma única aldeia localizada mais para dentro da mata, próximo ao rio Campinas. Com a falência completa dos seringais no início da década de 1980, eles se dividiram em aldeias mais próximos da rodovia passando a desenvolver atividade mais agrícola.

Foi por este tempo que se iniciou o processo de demarcação da terra indígena, sendo ela homologada apenas em 1993. Também durante a década 1990 teve começo as obras de pavimentação da BR-364 entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul. Esta obra foi concluída por completa durante os 20 anos dos governos petistas no Acre. Estima-se que mais de um R$ 1 bilhão foi gasto na obra, com algumas denúncias de corrupção. Outras duas TIs estão sob área de influência da rodovia: a Kaxinawá da Colônia 27, em Tarauacá, e a Katukina Kaxinawá, em Feijó.

Dos mais de 600 km entre as duas maiores cidades do estado, só restou floresta intacta justamente no trecho onde está a Terra Indígena Campinas/Katukina. No restante o que antes era mata nativa agora são grandes fazendas de gado. Na Amazônia, as estradas são apontadas como as grandes propulsoras do desmatamento. Os Katukina do Acre, contudo, mantiveram protegido seu território mesmo com as ameaças constantes proporcionadas por uma rodovia pavimentada. A entrada de invasores para a prática da caça ilegal é a mais comum delas.

Após um longo período de sofrimento e direitos violados ao longos das últimas décadas, que o governo brasileiro, agora, em meio a uma pandemia, consiga garantir a proteção e saúde do povo Katukina. Para eles, esta proteção é mais do que uma garantia, é um dever do Estado.


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domingo, 12 de abril de 2020

Povo Jaminawa: ameaças sem fim

Sem assistência, Jaminawa que vivem nas cidades voltam para aldeias sem fazer exames


Outros indígenas ainda continuam morando em situação de vulnerabilidade em bairros da periferia de cidades acreanas, com maioria das aldeias em áreas não demarcadas, Jaminawa vão para cidades evitar conflitos com invasores.



Jaminawa moradores da TI da Cabeceira do Rio Acre partem após consultas médicas em aldeia; área de 79 mil ha é uma das poucas demarcadas. Maioria vive em aldeias sem reconhecimento pelo governo (Foto: Jardy Lopes/2019)

@fabiospontes

Ao menos 100 pessoas do povo Jaminawa que vivem na cidade de Sena Madureira (distante 143 km da capital do Acre, Rio Branco) voltaram para suas aldeias de origem sem passar por exames que detectassem a presença do novo coronavírus. Com medo de serem infectados, os Jaminawa decidiram fazer este movimento de retorno por iniciativa própria, praticando o isolamento social dentro das comunidades localizadas às margens dos rios Yaco, Purus e Caeté. A única ajuda oficial foi por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai), que forneceu recursos para a compra do combustível das embarcações; a verba, porém, foi insuficiente.

O problema é que, sem os indígenas terem passado por avaliação médica ou ficado em quarentena antes das viagens, não se sabe se algum deles está com o vírus, vindo a desenvolver a Covid-19, infectando os demais nas aldeias. Oficialmente, pelos dados da Secretaria Estadual de Saúde, Sena Madureira não tem casos confirmados de contaminação; houve 19 notificações, sendo 16 descartadas; outras três ainda estão em análise.  Segundo o IBGE, o terceiro maior município do Acre tem uma populaão estimada de 45,8 mil pessoas.

“A nossa preocupação é que as pessoas estão indo [para as aldeias] sem nenhum diagnóstico, se estão indo com o vírus ou não. Se chegar alguém lá infectado vai atingir as outras pessoas”, diz José Correia Jaminawa, 65 anos, liderança do povo Jaminawa em Sena Madureira. Ele conversou com a reportagem por telefone. 

Como a maioria dos indígenas que retornou não tem mais casa nas aldeias por morarem na cidade já há algum tempo, eles vão dividir espaço nas moradias dos “parentes”. Por se tratar de famílias numerosas – com muitos filhos -, manter a regra do distanciamento social para evitar possíveis contágios será quase impossível. Pessoas recém-chegadas das cidades estão dividindo o mesmo espaço de quem escolheu morar nas aldeias.

A liderança diz saber dos riscos que este retorno em massa sem passar por avaliações médicas representa, mas que é a única solução necessária no momento antes que o coronavírus se propague pela cidade. Ao ir ao polo do Dsei pedir ajuda, a única orientação dada foi para que eles fossem embora, ou seja, retornassem para as aldeias.

“A nossa preocupação é essa, mas eu não tenho outra solução. Aqui o polo [do Desei] não tem médico. Já há os médicos em Sena Madureira são poucos para atender tanto o público geral quanto nós. O meu medo é esse, que eu estou carregando esse pessoal para esconder e se no meio for alguém infectado? Aí vai acabar com o nosso povo”, afirma a liderança Jaminawa.

Para agravar a situação, os Jaminawa não terão assistência médica dentro das comunidades neste período de isolamento por o polo do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Alto Purus estar praticamente parado. “Só há os enfermeiros que a única coisa que fazem é encaminhar o pessoal para o hospital da cidade”, diz José Correia.

Os Deis são coordenados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que, por sua vez, está subordinada ao Ministério da Saúde.  A liderança Jaminawa também é o coordenador técnico regional da Funai em Sena Madureira, cujo escritório está em processo de fechamento. A região é de responsabilidade da Coordenação Regional do Alto Purus, sediada em Rio Branco.

A situação dos indígenas acreanos que estão sob a coordenação do Alto Purus contrasta com os da Coordenação Regional do Alto Juruá, responsável pelas populações que vivem nos municípios dos Vales do Envira/Tarauacá e Juruá. Além de ter levado os indígenas que estavam nas cidades de volta para suas aldeias, o Dsei obriga aqueles que estavam fora a passar por uma quarentena antes do retorno.


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Sem demarcação, sem segurança 

O recurso que ele obteve para levar seu povo de volta às aldeias (R$ 3,5 mil) foi repassado pelo órgão indigenista. O dinheiro não foi suficiente por causa da distância das comunidades, o que demanda uma grande quantidade de gasolina. Em Sena Madureira o preço médio do combustível é de R$ 5 o litro. Nas comunidades ribeirinhas da Amazônia, a gasolina é tão valiosa quanto o ouro. Ter alguns litros – em casos emergenciais – faz a diferença entra a vida e a morte.

Outra demanda apontada por ele é o envio de cestas básicas, já que a produção de alimentos nos roçados não é suficiente para atender toda a demanda. Até o momento não há sinalização para o envio deste auxílio para as aldeias.

Nos centros urbanos, os Jaminawa se encontram em situação de alta vulnerabilidade social, morando em bairros carentes de qualquer tipo de infraestrutura, sobretudo saneamento básico. Outro problema é a violência marcada pela guerra entre as facções criminosas. A maior parte depende de programas de transferência de renda - como o Bolsa Família - ou as aposentadorias do INSS. Outros obtêm renda com trabalhos provisórios (os bicos). 

O principal motivo a empurrar os Jaminawa para a cidade é a não demarcação das terras onde ficam as suas aldeias, o que provoca conflitos com invasores. Entre elas está a Terra Indígena Jaminawa do Rio Caeté e a Caiapucá, que se encontram em fase de identificação desde 2007, segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA). “Nenhuma terra aqui é demarcada, e com essa política do governo brasileiro de não demarcar mais nenhum pedaço de terra piorou ainda mais”, lamenta a liderança.

O não reconhecimento destes territórios faz com que os indígenas entrem em conflitos com invasores, em especial madeireiros de olho nas imensas áreas de floresta preservada. A região de Sena Madeireira é bastante rica em madeiras nobres. Nos mais de 100 quilômetros da BR-364 até Rio Branco é intenso o tráfego de caminhões com toras.

Os Jaminawa se espalham pela parte leste do Acre e vivem em outras duas áreas já demarcadas. São elas a Terra Indígena Cabeceira do Rio Acre e a Terra Indígena Mamoadate. Esta última é a maior em extensão do Acre, com 314 mil hectares. Eles a dividem com outro povo, os Manxineru.

As duas TIs estão em outro extremo de onde ficam os Jaminawa de Sena Madureira. Mamoadate e Cabeceira do Rio Acre ficam no município de Assis Brasil, fronteira com o Peru. O acesso entre as duas cidade (Sena Madureira e Assis Brasil) se dá pelo rio Yaco, manancial que fica em péssimas condições de navegação nos seis meses de estiagem.



Vulneráveis nas cidades 

“Os Jaminawa se dividem entre Assis Brasil, Brasileia, Sena Madureira e Rio Branco porque eles têm um intenso trânsito entre os centros urbanos e as suas aldeias. Até já chegaram a ser vistos como problemáticos, viviam em situação de mendicância. Eles não têm a mesma organização dos índios do Juruá, em torno de uma associação como é o caso dos Ashaninka ou dos Yawanawa. Eles têm uma grande divergência interna. Cada aldeia tem uma liderança”, explica a antropóloga Fátima Ferreira, que trabalhou por três anos com os Jaminawa.

Historicamente, diz ela, José Correia Jaminawa é a principal liderança do povo, que está em maior quantidade na região de Sena Madureira. Há outras famílias que vivem em bairros da periferia de Rio Branco, Brasileia e Assis Brasil. Em Brasileia, fronteira com a Bolívia, há dois bairros formados pelos Jaminawa.

A principal preocupação dela é justamente com os que ainda estão nas cidades, mais expostos à contaminação pelo coronavírus. Quanto mais tempo eles ficam nos centros urbanos, mais dificultoso será o processo de retorno para as comunidades sem antes fazer os testes da Covid-19.

Apesar da grande densidade populacional indígena em Sena Madureira, Fátima diz que a falta de estrutura do Dsei Alto Purus e o fechamento do escritório da Funai representam a completa ausência do poder público em auxílio a estas populações. “O Estado abandonou os Jaminawa à própria sorte. Eles não têm política nenhuma de assistência na Saúde.”

Com este vácuo do poder público, comenta ela, pastores evangélicos passaram a ser referência para os indígenas. O problema é que os líderes religiosos da cidade negam a existência do coronavírus, enquanto outros dizem ter a cura para doença provocada por ele.

José Correia Jaminawa agora busca ajuda para conseguir comprar combustível e levar as 12 famílias que ainda estão em Sena Madureira, além da compra das cestas básicas. Ele próprio conta os dias e as horas para voltar à aldeia. A liderança espera apenas por recursos para a compra da gasolina e a saída de sua filha de um hospital de Rio Branco.  José Correia também quer ter a garantia de que “todos os parentes” possam retornar em segurança para as comunidades de origem.

Desassistidos pelo governo brasileiro, os próprio Jaminawa tiveram que agir para escapar da contaminação do novo coronavírus. Estar longe dos centros urbanos e voltar para as aldeias é, neste momento, a melhor opção. A incapacidade do Estado de realizar um simples exame pode, contudo, transformar uma solução em problema.    

A reportagem não conseguiu contato com as coordenações regionais da Sesai e da Funai do Alto Purus. 


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terça-feira, 7 de abril de 2020

Aldeias protegidas

Exame para Covid-19 dá negativo em indígena Huni Kuin do Acre


Indígenas em embarcação às margens do rio Tarauacá; exame descartou Covid-19 em Huni Kuin que esteve no México (Foto: Fabio Pontes/2014)

@fabiospontes


A Secretaria de Saúde do Acre confirmou na manhã desta terça-feira, 7, que o resultado do exame para detecção do coronavírus em um indígena da etnia Huni Kuin deu negativo. Ele era apontado como o primeiro caso suspeito entre a população indígena do estado por ter feito uma viagem recente ao exterior e ter apresentado sintomas da Covid-19, como a falta de ar.

O caso chamou a atenção no fim de março por a prefeita de Tarauacá, Marilete Vitorino (PSD), ter exposto a situação do Huni Kuin, queixando-se das autoridades de Saúde de Rio Branco por ter permitido a viagem de uma pessoa suspeita de estar infectada, e por não ter feito a quarentena. Segundo a prefeita, ele  teria saído fugido da UPA de Rio Branco, o que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) nega.

O Huni Kuin de 44 anos mora em uma aldeia no município de Jordão.  Sua etnia também é conhecida como Kaxinawá, sendo a mais populosa entre os povos indígenas do Acre.

A Sesai e a Fundação Nacional do Índio (Funai) reprovaram a forma como a prefeita tratou a situação, expondo o indígena a uma situação de constrangimento. Para as duas instituições, o comportamento estigmatiza e provoca ainda mais atitudes preconceituosas contra a população indígena.

De acordo com Iglê Monte, coordenadora do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Alto Juruá, ele deixou a UPA do Segundo Distrito (unidade indicada pela Secretaria de Saúde como referência para os casos da Covid-19), em Rio Branco, após receber o atestado médico de que não possuía sintomas da doença causada pelo novo coronavírus. A declaração foi assinada no dia 20 de março.

O Kaxinawá saiu de sua aldeia em Jordão no começo de fevereiro. Entre o dia 5 de fevereiro e 3 de março ficou no México. Ao voltar para o Brasil, esteve por quase 15 dias entre Santa Catarina e o Paraná, onde sentiu dores de cabeça e falta de ar por ser asmático. No dia 20 de março chegou a Rio Branco, procurando atendimento médico na UPA.

O indígena seguiu os procedimentos corretos ao procurar a unidade hospitalar por ter feito uma viagem ao exterior. Após receber a alta médica, ele seguiu viagem para Tarauacá (distante 408 km da capital) e, de lá, pretendia ir para Jordão, cujo acesso só é possível via fluvial ou aérea. Porém, por recomendação da Sesai, precisaria ficar em quarentena antes de voltar para a comunidade.

Enquanto cumpria seu isolamento social no hotel, o indígena voltou a sentir falta de ar, o que o levou a procurar o hospital de Tarauacá. Ao expor seu histórico de viagem mais a dificuldade de respirar, foi logo colocado como suspeito da Covid-19. O resultado do exame, porém, deu negativo. Segundo a coordenadora do Dsei Alto Juruá, a falta de ar foi provocada pela asma.

Entre os povos indígenas da Amazônia brasileira, já há quatro casos confirmados de contaminação pelo novo coronavírus. Segundo a agência Amazônia Real, o primeiro teste positivo ocorreu no primeiro dia de abril. Trata-se de uma indígena de 20 anos da etnia Kokama, do Amazonas, que teve contato com um médico da Sesai que estava infectado. Ela é Agente Indígena de Saúde.De acordo com o jornal O Globo, outros três familiares dela também contraíram a a Covid-19.

No Acre, os povos indígenas decidiram ficar numa espécie de autoisolamento dentro de suas comunidades para evitar o contágio. As aldeias estão fechadas para a entrada de não-indígenas. A Funai também proibiu este acesso. A ordem das lideranças indígenas é que ninguém entra e ninguém sai até que a pandemia passe.


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