Páginas

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Uru-Eu-Wau-Wau

“Tem grileiro invadindo nossas terras”, denunciam índios Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia

Fabio Pontes, para AMAZÔNIA REAL

Alvo da pressão das frentes de exploração ilegal de madeira no sul de Rondônia, a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau está invadida por ao menos 5.000 pessoas, responsáveis pela intensificação nos últimos quatro meses dos desmatamentos, garimpos e da pesca predatória dentro do território dos índios autodenominados Jupaú, os que usam jenipapo.

De acordo com relatos de defensores da questão indígena, que acompanham a situação, a invasão começou quando grileiros (pessoas que tomam posse de terras ilegalmente) abriram lotes de 100 hectares dentro da reserva indígena e passaram a comercializar por até R$ 20 mil com os invasores.

Áreas de floresta intactas, antes protegidas pelos índios Uru-Eu-Wau-Wau, estão sendo desmatadas e transformadas em cultivos de milho e soja, ou virando pasto para gado com apoio e financiamento de fazendeiros e políticos locais.

Com medo de confrontos, já que muitos dos invasores usam armas de fogo, os índios evitam se aproximar dos lotes abertos dentro da reserva, alguns distantes apenas 20 km das aldeias. Mas é constante o risco de conflitos.

O cacique Djurip Uru-eu-wau-wau é presidente da Associação Jupaú, que representa as seis aldeias dentro do território tradicional: Alto Jamari, Limão, Aldeia Nova, Alto Jaru, Linha 621 e Linha 623. Em entrevista à Amazônia Real, ele disse que as lideranças denunciaram no mês de janeiro deste ano a invasão do território na Superintendência da Polícia Federal, mas o órgão que é responsável por fiscalizar e garantir a integridade das terras indígenas não agiu ainda no sentido de expulsar os invasores da reserva.

“Tem grileiro invadindo nossas terras. Estão demarcando com estacas, retiram a madeira e depois arrendam as terras. Estamos precisando de ajuda. Já procuramos o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e Fundação Nacional do Índio mas ninguém procura resolver o problema”, afirma Djurip Uru-eu-wau-wau.

A reportagem teve acesso a uma carta circular enviada no dia 8 de dezembro pela Associação Jupaú ao Ministério Público Federal em Porto Velho. Nela, são relatados os problemas ocasionados pela ação dos invasores, intensificada desde o mês de outubro de 2016.

Os índios afirmam que espécies de árvores protegidas por lei como a castanheira e a itaúba são derrubadas e retiradas. “Os invasores usam motos para chegar até o local, mas sempre retornam para a cidade de Monte Negro após as práticas ilícitas na floresta”, diz trecho da carta.

LEIA TAMBÉM:

Cansados de esperar por PF e Funai, índios Uru-Eu-Wau-Wau decidem investigar grilagem de terra

O documento informa que pelo menos 100 km de ramais (estradas vicinais) foram abertos dentro do território indígena, com o principal acampamento dos invasores estando a pouco mais de 20 km da aldeia Alto Jamari. “Também há boatos da existência de um garimpo ilegal nas proximidades, além da movimentação de caminhões de madeira e tratores na área.”

Segundo os Uru-Eu, além da invasão das terras e exploração ilegal de madeira, entram na reserva caçadores e pescadores. Estes aproveitam a fartura de peixes de rios e igarapés dentro do território para praticar a pesca comercial.

Homologada em 1991 pelo ex-presidente Fernando Collor, a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau tem 1.867.117 hectares e abrange 12 municípios. É sobreposta ao Parque Nacional de Pacaás Novos, a maior unidade de conversação de Rondônia.

Levantamento realizado em 2014 pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) identificou 209 índios Uru-Eu-Wau-Wau vivendo no território tradicional, que abriga também os povos Amondawa e os Oro Win. Ainda há referências sobre a presença de índios não-contactados. Os Japaú falam a língua Tupi-Kawahib.


Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), três grupos isolados já foram identificados no território Uru-Eu, entre eles os Yvyraparakwara e os Jururcy.

Como a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau está localizada numa das regiões de maior influência do agronegócio de Rondônia, após a exploração das espécies de árvores protegidas os invasores desmatam e usam o fogo para limpeza do terreno na reserva. Depois plantam milho, soja ou preparam o pasto para a entrada do gado.

 “Obtivemos informações de que há pessoas plantando milho dentro da terra indígena. A coisa já está bem avançada. Os índios estão preocupados com essa situação”, afirma Vicente Ferreira, técnico indigenista da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, que tem atuação com as populações indígenas de Rondônia.

Segundo Vicente Ferreira, as invasões são observadas desde 2014, mas em 2016 houve uma intensificação. “Agora a coisa está mais escancarada. Agravou-se uma coisa que era ruim diante da inoperância do Estado. Há tempos os índios vêm denunciando a situação e o Estado não toma providências”, diz o técnico da Associação Kanindé.

Vicente Ferreira diz que ainda não existe relatos de confrontos entre invasores e indígenas, até porque os próprios índios evitam contato.

“Por enquanto não há registro de mortes, de conflito armado. Mas há a situação de a qualquer momento ocorrer um encontro entre invasores e índios, e aí pode acontecer alguma coisa”, afirma ele.

A grande ameaça é para o grupo de índios isolados. Por conta do não contato e a não convivência com o homem branco, eles acabam por ficar mais suscetíveis à contaminação por doenças.

“Há várias referências da existência de índios não-contactados dentro da [terra] Uru-eu-wau-wau. Eles correm risco porque não têm contato nem com os não-índios e tampouco com os próprios uru-eu-wau-wau”, avalia Vicente Ferreira.

Ele diz que a destruição da floresta dentro da terra indígena ocasionará danos não somente para as populações indígenas, mas como também para as populações das 12 cidades, que ficam no entorno da reserva: Alvorada D’Oeste, Cacaulândia, Campo Novo de Rondônia, Costa Marques, Governador Jorge Teixeira, Guajara-Mirim, Jaru, Mirante da Serra, Monte Negro, Nova Mamoré, São Miguel do Guapore e Seringueiras. “São 23 nascentes de grandes rios de Rondônia dentro da terra indígena. Há as referências da existência de índios isolados e nós temos um parque nacional sobreposto à TI.” A unidade de conservação é o Parque Nacional de Pacaás Novos.

A Amazônia Real apurou junto aos comerciantes da cidade de Governador Jorge Teixeira, em Rondônia, que nos lotes de terras abertos ilegalmente na reserva dos índios Uru-Eu-Wau-Wau há posseiros usando arma de fogo, o que trouxe um clima de insegurança para o território indígena. A estratégia dos invasores, segundo os comerciantes, é ocupar os lotes por um tempo, realizar alguma benfeitoria, e depois revender, criando um comércio clandestino no território dos Jupaú.

A agência Amazônia Real procurou o Ministério Público Federal em Rondônia para que o órgão falasse sobre as providências tomadas para expulsar os invasores da TI Uru-Eu-Wau-Wau. Por meio da assessoria de imprensa, o procurador da questão indígena Daniel Lobo disse que já tinha conhecimento da situação, mas que não poderia prestar mais informações pois o caso está sob sigilo.

A Funai também foi procurada para comentar o assunto, mas não respondeu às solicitações de entrevista da reportagem, assim como a assessoria de imprensa da Superintendência da Polícia Federal


terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Volta Grande do Xingu

Barragem de Belo Monte agravou seca na Volta Grande do Xingu, no Pará


FABIO PONTES, para a Amazônia Real 

A barragem da Usina Hidrelétrica Belo Monte tem agravado o período da seca do rio Xingu e causado mais impacto socioambiental para as comunidades ribeirinhas e indígenas que habitam a região da Volta Grande do Xingu, nos municípios de Altamira e Anapu, no sudoeste do Pará. Ao longo de 2016, com a forte estiagem que atingiu a região, comunidades ficaram isoladas devido ao baixo volume do manancial, impossibilitando a navegação, o que não acontecia antes do barramento.

Além dos impactos para as populações tradicionais, a barragem tem ocasionado problemas para todo o ecossistema da região.  Áreas que antes ficavam alagadas e serviam para a reprodução de peixes e quelônios, agora passam a maior parte do ano secas. Essa alteração tem comprometido a segurança alimentar e econômica das populações da Volta Grande do Xingu, que encontram na pesca uma de suas principais fontes de sobrevivência.

O rio Xingu é um afluente da margem direita do rio Amazonas. A região da Volta Grande do Xingu está localizada abaixo da barragem de Belo Monte numa extensão de 100 quilômetros. A área é conhecida como o “trecho seco” da usina e fica entre a barragem e a casa de força principal. Neste perímetro estão duas terras indígenas onde vivem as etnias Jurunas, Araras e Paquiçambas.

O período mais seco nesta parte do sudoeste do Pará costuma ocorrer entre os meses de julho a novembro. As chuvas mais intensas acontecem entre dezembro e junho.

De acordo com a bióloga Cristiane Costa Carneiro, pesquisadora e doutoranda em Ecologia Aquática e Pesca da Universidade Federal do Pará (UFPA), o barramento na época seca não poderia ter ocorrido já que o rio Xingu se encontrava em um baixo nível por conta da falta de chuvas.

 “O rio Xingu foi barrado num período bem seco. Isso [o barramento] já foi um pouco irresponsável. Em ano de El Niño os impactos foram gigantescos”, diz Cristiane Carneiro, que passou o último ano estudando os impactos na Volta Grande do Xingu. Segundo ela, os efeitos do fenômeno climático El Niño que afetou toda a Amazônia entre 2015 e 2016 foram agravados na região pelo represamento do rio.

A estiagem do ano passado, afirma a bióloga também pesquisadora colaboradora do Instituto Socioambiental (ISA) em Altamira, deixou algumas comunidades da Volta Grande do Xingu completamente isoladas. Sem água suficiente, até mesmo as pequenas embarcações ficavam encalhadas nos bancos de areia. O isolamento colocou em risco a segurança das famílias, já que em caso de emergência médica, por exemplo, elas não teriam condições de chegar aos hospitais mais próximos.

Outro problema foi a perda da produção agrícola, pois a falta de navegabilidade impossibilitou o transporte dos alimentos para serem comercializados nas cidades.

“O rio neste trecho não ficou mais navegável. Encontramos ribeirinhos totalmente isolados por não conseguirem mais navegar. Eles não conseguem mais escoar a produção. O efeito é cascata: é social, é econômico e é ambiental. Você acaba com o peixe e acaba com a fonte de renda do ribeirinho. Você compromete a segurança alimentar destas famílias”, afirma Cristiane Carneiro.


De acordo com a Defesa Civil do Pará, quatro comunidades rurais de Anapu ficaram parcialmente isoladas, impactando 280 famílias. Segundo o subtenente Marcelo Alberto da Silva, do Corpo de Bombeiros, uma das consequências da estiagem foi o comprometimento do acesso à água potável, já que muitos poços secaram.

O militar, que está em diligência na região, afirmou que a Defesa Civil distribuiu galões de água mineral para as famílias. Assim como toda a região amazônica que teve um 2016 de “ressaca” do grande El Niño de 2015, o sudoeste paraense também foi bastante impactado. O baixo volume de chuvas reduziu o nível dos rios de forma a causar alterações significativas para as populações tradicionais.

A vazão para a Volta Grande do Xingu é gerenciada por um programa que integra a direção da usina, o Ibama e agências reguladoras como a de água (ANA) e a de energia elétrica (Aneel).

“Quem ‘comanda’ a Volta Grande é um programa de consenso, um programa ecológico. Ele estabelece a vazão média que vai passar para aquele trecho de 100 quilômetros”, explica a pesquisadora, Cristiane Carneiro.

Após o barramento, a região teve uma redução considerável na vazão do rio Xingu, conforme análises de Cristiane Carneiro. Segundo ela, em novembro do ano passado a vazão foi de 800 metros cúbicos por segundo (m3/s). Antes da obra, a média era de 1.800 m3/s. O mês de abril será o de maior vazão pós-barramento, quando o período de chuvas estiver mais intenso: 8.000 m3/s; mesmo assim, bastante abaixo do que ocorria antes: 20 mil m3/s.

Os efeitos para o ecossistema da região passaram a ser evidentes, conforme mostram os estudos da pesquisadora. O principal deles foi a perda da capacidade de espécies aquáticas se reproduzirem por já não haver o ambiente natural. Até mesmo a piracema (período de reprodução dos peixes) não ocorreu ao longo de 2016 na Volta Grane do Xingu.

Áreas conhecidas como Sarabau – que ficam inundadas em boa parte do ano e abrigam vegetação que fornecem alimento para os peixes – sofreram redução. “Este ambiente não está resistindo à vazão reduzida. Ela não foi suficiente para alagar o ambiente. A falta de alimento para essas espécies acarreta impacto no processo reprodutivo. Eles [peixes] precisam se alimentar para ter reserva energética para desovar. O tamanho e quantidade dos ovos estão relacionados com o período que a fêmea conseguiu se alimentar”, afirma Cristiane Carneiro.

Para ela, o grande questionamento neste momento é saber como ficarão os impactos na Volta Grande do Xingu agora que a usina está oficialmente em operação e gerando energia. De acordo com Cristiane Carneiro, todas estas alterações observadas entre 2015 e o ano passado se deram quando Belo Monte ainda não estava em plena atividade. “Nosso grande questionamento é como isso vai acontecer agora que [Belo Monte] está gerando energia,” disse a pesquisadora da UFPA.

 Veja a reportagem completa AQUI