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quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Ribeirinhos convertem-se ao ouro e desafiam contaminação por mercúrio no rio Madeira

 

Entre os garimpeiros que congestionavam o baixo rio Madeira até o fim de novembro, estavam centenas de homens e mulheres que nasceram e se criaram ao longo de suas margens. Os ribeirinhos são uma novidade no cenário do garimpo na Amazônia, antes dominado por forasteiros de todas as regiões do país. Tradicionalmente dedicados à pesca, à agricultura de subsistência e à produção de farinha de mandioca, as comunidades ribeirinhas começaram a voltar seus olhos para as fagulhas de ouro que as dragas sugam do fundo lamacento do Madeira.


 “Pessoas que nunca se interessaram pelo garimpo, motivadas pela alta da cotação do ouro e pela crise econômica; sem incentivo à agricultura e com a pesca restrita a alguns meses do ano, viram no garimpo uma alternativa lucrativa e fácil, onde uma cozinheira pode ganhar R$ 1,5 mil por semana, ainda mais nesta época de pandemia e alta do custo de vida”, diz a geógrafa Lucileyde Feitosa, da Universidade Federal de Rondônia (Unir).

A professora – doutora em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) – é criadora e apresentadora de uma série em podcast intitulada “Amazônia Ribeirinha”, um programa que faz parte de seu projeto de doutoramento, onde ouve moradores e acompanha seu cotidiano na tradicional comunidade de Calama, nas margens do Madeira, em Porto Velho, capital de Rondônia.

Segundo Lucileyde, esta recente corrida ao ouro no rio Madeira não foi causada só por uma ‘fofoca’, como os garimpeiros costumam denominar a notícia da descoberta de uma grande jazida. Ela acredita que outra das razões pode ter sido a assinatura de um decreto pelo governador de Rondônia, coronel Marcos Rocha (PSL), regulamentando o garimpo nos rios do Estado – com impactos mais diretos no rio Madeira. O decreto foi assinado em 29 de janeiro de 2021 liberando a atividade, desde que autorizada pelos órgãos ambientais.

“Foi uma percepção coletiva de que ‘liberou geral’ em todo o rio Madeira”, comenta a pesquisadora. O decreto, que ainda é questionado na Justiça, teria validade nas águas dos rios amazônicos em seus trechos no território de Rondônia. Mas a região onde as balsas atracaram está no Amazonas, no município de Autazes, a 200 km de Manaus.  A região está próxima do encontro do Madeira com o Amazonas.  

Cerca de 300 balsas (aproximadamente duas mil pessoas) invadiram o rio, das quais 131 foram queimadas até 29 de novembro em operação da Polícia Federal com apoio da Força Nacional de Segurança, Marinha e do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

A pesquisadora lembra que as dragas, ao sugarem os fundos do rio, causam graves impactos além da contaminação das águas por mercúrio. “Afetam o leito do rio e as margens, causando desbarrancamento, engolindo peixes e triturando animais como botos e jacarés. As condições de trabalho são insalubres, é difícil o acesso à água potável e o custo de vida é ainda mais alto”, descreve Lucileyde.

Apesar do impacto ambiental e social do garimpo no rio Madeira, pesquisadores da temática ouvidos por ((o)) eco avaliam que a simples repressão policial da atividade não vai solucionar o problema. Para eles, a questão é muito mais delicada e sensível, já que muitas comunidades carentes ao longo do rio Madeira encontram no garimpo a sua principal e, às vezes, única fonte de sobrevivência.

“De que adianta incendiar as balsas, destruir o patrimônio destas pessoas que apenas buscavam a sobrevivência, sem oferecer uma alternativa? Não recebem incentivos à agricultura e têm limitações para a pesca. É preciso discutir uma política pública que garanta renda para estas comunidades no ano inteiro”, avalia ela. 


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