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quarta-feira, 8 de junho de 2016

Projetos exóticos

No Amazonas, projeto que regulamenta criação de peixes exóticos cria polêmica 


Por Elaíze Farias, Fábio Pontes e Kátia Brasil, da Amazônia Real

A Lei nº. 4330/2016, que autorizou o cultivo de peixes exóticos em rios e lagos da Bacia Amazônica, sancionada pelo governador José Melo (PROS) na última segunda-feira (30), foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) depois do projeto ter sido alterado com respaldo das pastas do Meio Ambiente e da Produção Rural e contou com sugestões de assessores da Confederação Nacional de Agricultura (CNA). A aprovação pelos deputados estaduais, sem ressalvas ou emendas, aconteceu dia 5 de maio sem chamar atenção para a produção de espécies não-nativas.

O relator do Projeto de Lei nº. 79/2016, que disciplina a atividade de aquicultura no Amazonas e proposto pelo Governo do Estado, foi o deputado Orlando Cidade (PTN), advogado e ligado ao comércio de madeira, juta e idealizador de uma cooperativa de piscicultura. Partiu dele o convite para que técnicos da CNA participassem da única audiência pública, que aconteceu em 20 abril, e definiu a liberação do cultivo de espécies exóticas, o barramento de igarapés e autorização de empreendimentos em Áreas de Preservação Permanente (APPs), entre outros interesses do setor comercial da pesca.

A CNA atua na defesa dos interesses dos produtores rurais e da agropecuária, inclusive apoiou iniciativas do cultivo de espécies não-nativas nos estados do Acre e Rondônia. Em 20 de abril, estiveram em audiência pública na Aleam o presidente da Comissão Nacional de Aquicultura da CNA, Eduardo Ono, e o assessor técnico e especialista no Código Florestal, João Carlos D´Carli, também da entidade.

Procurado pela reportagem para saber das alterações do projeto original, o deputado Orlando Cidade negou que tenha feito alterações. Ele é amigo de Melo e teve participação importante na campanha da reeleição, em 2014, no município de Manacapuru, sua base política. “Nós não incluímos nada, nós aprovamos na íntegra o projeto como foi enviado pelo governo”, disse. Veja aqui as alterações no projeto.

Diante da repercussão nacional da nova legislação da aquicultura, o Ministério do Meio Ambiente anunciou que quer a revogação da lei argumentando que a introdução de espécies exóticas nos rios e lagos do Amazonas podem degradar o ecossistema de toda a bacia. Com autorização dos órgãos ambientais do estado os comerciantes poderão produzir, por exemplo, a tilápia, o acará africano, ambos nativos da África, espécies consideradas predadoras e invasoras do ambiente nativo.

O governador José Melo fez um anúncio tímido na última quinta-feira (02) dizendo que vai retirar os artigos que ele mesmo avalizou, conforme mostra o trâmite do projeto na Aleam. Melo está com o mandato cassado por acusação de compra de votos nas eleições de 2014, mas foi mantido no cargo por decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (leia aqui). Também enfrenta uma reação da população, com manifestação nas ruas, depois que reduziu os gastos com a saúde pública.

A agência Amazônia Real teve acesso ao relatório do deputado Orlando Cidade, aprovado pelo plenário da Aleam em 5 de maio. No documento, ele diz que “os assessores da CNA apresentaram sugestões de mudanças e adequações ao texto apresentado pelo Poder Executivo demonstrando que a grande maioria já estava contemplada em legislações pertinentes, sendo desnecessária sua permanência no texto original, além das adequações à legislação vigente, tendo como base o Código Florestal”.

Cidade também descreve no relatório a opinião do assessor João Carlos D´Carli sobre entraves no setor. “A orientação do Ministério [do Meio Ambiente] é transferir para os Estados a autonomia para legislar em matéria ambiental por isso sugerimos que esta legislação seja flexível para permitir a produção de pescado com sustentabilidade sem entraves que prejudiquem principalmente ao pequeno produtor”.

O projeto original, que foi enviado em 11 de abril pelo Executivo à Assembleia Legislativa do Amazonas, e que recebeu a numeração de 79/2016, sofreu alterações em 16 artigos, sendo que 12 foram suprimidos. O presidente da Federação de Agricultura do Estado do Amazonas, Muni Lourenço, também acompanhou as discussões do projeto. No relatório de Cidade não há menção da participação de especialistas de instituições de pesquisas do Amazonas ou de representantes do Conselho do Meio Ambiente do Amazonas (Cemaam).

Uma das alterações do Projeto de Lei 79/2016 foi justamente no capítulo que trata dos impactos ambientais e das penalidades. Antes, o projeto dizia no Artigo 27 que “é proibida a introdução de espécies exóticas, alóctones, híbridas e organismos geneticamente modificados para aquicultura, em qualquer estágio de desenvolvimento no Estado do Amazonas, sem autorização expressa do órgão ambiental competente”.

No projeto aprovado pela Aleam, e que foi sancionado pelo governador José Melo, esse artigo foi renumerado para o número 24 e ganhou nova redação, ficando o texto sem tratar de penalidades, apesar destas serem previstas no título do Capítulo correspondente: “O órgão ambiental competente autorizará a introdução de espécies exóticas, alóctones, híbridas e organismos geneticamente modificados para aquicultura, em qualquer estágio de desenvolvimento no Estado do Amazonas, com base no grau de risco de escape do sistema produtivo, dos sistemas de prevenção de fugas e do grau de risco da espécie ao meio ambiente natural”.

A autorização de criação de peixe exótico também é mencionada no artigo de número 7 inciso II, onde diz que o cultivo será considerado irregular “sem prévia autorização do Órgão Ambiental Estadual competente”. Esta condição foi questionada por especialistas, pois a competência sobre o assunto é exclusiva da União.

Também no projeto inicial, era proibida a construção de barragens em igarapés (cursos de rios) sem aprovação e autorização do órgão ambiental, tendo como exigência estudos técnicos. Na nova versão, o projeto sancionado pelo governador Melo diz que as barragens podem ser construídas com área para viveiros escavados, sem previsão de penalidade dos impactos ambientais.

Nas duas versões dos projetos é mantida a construção de empreendimento em Área de Preservação Permanente privadas. Na versão anterior, o órgão ambiental tinha mais poder de fiscalização, regulamentação e controle; estes itens foram suprimidos no projeto sancionado.

O deputado estadual Orlando Cidade, que se autointitula idealizador da Cooperativa dos Piscicultores, Aquicultores, Produtores Rurais e Extrativistas do Amazonas (Cooperpeixe), é conhecido por posições políticas antiambientalistas. Usa o plenário da Casa para criticar as ações de combate a crimes ambientais feitas pelo Instituto de Proteção do Meio Ambiental (Ipaam). Em 2014, a Cooperpeixe foi multada em R$ 500 mil por crimes ambientais e enfrenta nova ação por irregularidades, como queimadas e desmatamento em áreas de proteção e terra indígena (leia aqui).

Procurado pela Amazônia Real, Orlando Cidade, presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Assembleia Legislativa do Amazonas, afirmou que o projeto original do governo não foi alterado e que, durante sua tramitação no parlamento, o assunto foi discutido com o presidente da Comissão de Agricultura e de Pesca, deputado Dermilson Chagas (PDT), e com o presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, deputado Luiz Castro (Rede). Ambos negaram à reportagem que tenham participado das discussões.

“O projeto é de elaboração da Secretaria de Meio Ambiente, houve reunião com outras secretarias interessadas, no caso Secretaria Executiva da Pesca e Secretaria de Produção do Amazonas, e com as comissões da Assembleia Legislativa. Foram quatro comissões que aprovaram essa matéria. Foi para o plenário e aprovado”, afirmou o parlamentar.

Leia reportagem completa 

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