Páginas

terça-feira, 12 de julho de 2016

Exclusão

Relator da “Lei da Tilápia” liga para governador e tenta impedir ação da polícia ambiental em Manacapuru

FABIO PONTES
ELAIZE FARIAS,  da Amazônia Real 

O relator da polêmica “Lei da Tilápia”, que regulamentou a atividade da aquicultura no Amazonas, deputado Orlando Cidade (PTN), tentou impedir na manhã de domingo (10) uma apreensão de mais de meia tonelada do peixe pirarucu pelo Batalhão Ambiental da Polícia Militar, por estar sendo comercializado sem a devida comprovação de origem e de recolhimento de impostos. Ele pediu, por telefone, a interferência do governador José Melo (Pros) na ação policial em uma feira de Manacapuru, a 80 quilômetros de Manaus.

“Eu sou uma autoridade que nem você [o militar]. Eu vou falar a verdade e vou provar que estou falando a verdade. Fale com ele [Melo] aqui”, ameaçou o parlamentar dizendo aos policiais que estava conversando com o governador. Toda a cena foi filmada por uma testemunha e postada pelo site de notícias Radar Amazônico (o vídeo pode também ser visto aqui).

O deputado Orlando Cidade foi o relator do projeto que regulamentou a legislação do cultivo de peixes exóticos nos rios do Amazonas, a chamada “Lei da Tilápia”. A legislação foi criticada por ambientalistas e pelo Ministério do Meio Ambiente, que pediu a revogação, mas o governador José Melo ainda não atendeu. A criação de peixes exóticos (não-nativos) na bacia hidrográfica pode causar danos irreversíveis ao ecossistema de lagos e rios do estado, segundo especialistas.

A ação do Batalhão Ambiental de combate à pesca ilegal do pirarucu, espécie ameaçada de extinção nos rios da Amazônia, começou por volta das 7h30, em Manacapuru. Sete militares iniciariam uma operação na Feira da Liberdade e apreenderam um total de 588 quilos do pescado. Em uma barraca, eles apreenderam 498 quilos de pirarucu. Aos policiais, o feirante João Monteiro da Silva apresentou três notas fiscais falsas no valor de R$ 12.061,00 emitidas pela Cooperativa dos Piscicultores, Agricultores, Produtores Rurais e Extrativistas (Cooperpeixe, também chamada de Cidade do Pirarucu), empresa “idealizada” pelo deputado Orlando Cidade.

O feirante João Silva foi preso em flagrante por crime ambiental e estelionato, mas passou mal e está internado em um hospital de Manacapuru. Em outra barraca da feira, os militares apreenderam mais 90 quilos de pirarucu. O vendedor Raimundo Nonato Brito de Souza apresentou uma nota fiscal da compra de pirarucu no valor de R$ 5.930,00 e emitida com data de 21 de julho deste ano pela Cooperpeixe. Alertado da irregularidade pela polícia, Souza disse que iria buscar as notas fiscais referentes à compra do produto que estava vendendo no domingo  e fugiu do flagrante, segundo informou o Batalhão Ambiental.

Quem apareceu na feira para explicar a procedência do pescado apreendido foi o deputado Orlando Cidade. Ele tentou usar sua influência política com o governador José Melo para impedir a apreensão do peixe pelos policiais, segundo as associações que representam os policiais do Amazonas.

Testemunhas gravaram imagens de Cidade falando com o governador José Melo ao telefone. O governador, em nota à imprensa, confirmou a conversa com o parlamentar.

“O senhor [José Melo] tem que ver de perto a humilhação, isso é uma humilhação que está acontecendo nesta questão, é uma humilhação”, disse o deputado.

O policial rebateu: “Fale a verdade para ele [ o governador ]”.

Cidade iniciou um bate boca com o policial: “Eu sou uma autoridade que nem você. Eu vou falar a verdade e vou provar que estou falando a verdade. Fale com ele [Melo] aqui”, ameaçou o parlamentar.

O policial denunciou: “A nota fiscal está errada”.

Cidade disse, sem tirar o telefone do ouvido: “Ele está justificando que a nota fiscal está errada, não tem nota fiscal errada. O peixe veio lá da fazenda [da Cooperpeixe], governador! Esse é o nosso único fornecedor, tá entendeu. Eu vim aqui e só me humilhei.”

O policial voltou a interpelar o deputado: “A nota fiscal precisa ser apresentada antecipadamente”.

Orlando Cidade retrucou o militar: “Tu não entende de fiscalização”, e finalizou o telefonema com José Melo dizendo, inclusive, que acordou o governador:

“Mas é isso governador, é que a coisa é ‘gravilíssima’ (sic) aqui em Manacapuru com referência a essa apreensão de peixe lá da nossa piscicultura. Desde que chegou aqui ele [o feirante] é o nosso representante. Era só isso governador. Me desculpe por ter lhe acordado. Amanhã conversaremos melhor” disse o parlamentar.


Em nota, a assessoria de imprensa do governador José Melo negou que tenha ocorrido alguma interferência para interferir na ação do Batalhão Ambiental de apreensão do peixe.

“O governador esclarece que em nenhum momento interferiu no andamento da operação e confia no trabalho dos policiais no uso de suas atribuições para defesa irrestrita do cidadão e do meio ambiente. Quanto à queixa do deputado, esta será apurada junto ao Comando da PM do Amazonas”, diz a nota.

A Amazônia Real não localizou o deputado Orlando Cidade para ele falar a respeito das denúncias do Batalhão Ambiental envolvendo ele e a Cooperpeixe; todas as chamadas feitas para seu celular deram na caixa de mensagem. Sua assessoria de imprensa não emitiu nota. Em declaração ao portal A Crítica nesta segunda-feira (11), o parlamentar afirma que a denúncia se tratou de uma “invenção de blogueiro”, que teria filmado “incentivado pelo Batalhão Ambiental”. Em entrevista, ele afirmou que fez um boletim de ocorrência e representou contra três policiais por desacato, e disse também que as notas fiscais eram legais.


Leia reportagem completa aqui 

Nenhum comentário:

Postar um comentário