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terça-feira, 26 de julho de 2016

Opiniões históricas

Família da fazenda Yvu, onde morreu um índio Guarani-Kaiowá, diz que “terra é nossa”

FABIO PONTES 
Amazônia Real 


(Foto: CGV)
Passado um mês do ataque de fazendeiros e homens encapuzados que matou um índio Guarani-Kaiowá e deixou outros seis gravemente feridos em Caarapó, a família que se diz proprietária da fazenda Yvu, onde aconteceu o conflito, quebra o silêncio e fala sobre a iminente ação de reintegração determinada pela Justiça Federal para expulsar os índios da Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá 1, no Mato Grosso do Sul.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) reconheceu que a área da fazenda Yvu está dentro dos limites da Aldeia Tey Kuê, de ocupação tradicional dos índios Guarani-Kaiowá, e disse que está recorrendo da decisão de reintegração de posse.

À Amazônia Real, o advogado especializado em direito ambiental, José Armando Amado, disse que a fazenda Yvu está em nome da sua irmã, Silvana Raquel Cerqueira Amado Buainain, mulher do fazendeiro Nelson Buainain Filho.

Silvana Amado Buainain é a autora da ação de reintegração de posse determinada pelo juiz Jânio Roberto dos Santos, da 2º Vara Federal de Dourados. Ele deu prazo de 20 dias para que a Funai cumpra a sentença sob pena de multa diária no valor de R$ 50 mil, de R$ 1 mil para o presidente nacional da fundação e de R$ 500 para seu representante em Dourados. O prazo acaba na próxima semana.

O advogado José Armando Amado disse que a decisão do juiz Roberto dos Santos foi um “alento” para a família. “Essa decisão é um reconhecimento da Justiça de que aquela terra é nossa, pertence a nossa família. Se o governo quer aumentar a reserva indígena que adote as medidas cabíveis, que são a desapropriação e a indenização.”

Segundo José Armando Amado, a fazenda tem uma área de 482 hectares e foi adquirida pelo seu pai, Sylvio Mendes Amado, em 1961. Na fazenda, conforme o advogado, há criação de gado numa parte e em outra, arrendada, tem cultivo de soja. Ele disse que as 360 cabeças de boi que tinham na propriedade foram retiradas após a ocupação dos índios Guarani-Kaiowá.

Amado contou que, desde que sua família chegou a Caarapó, vinda de Minas Gerais, nunca enfrentou problemas com os índios Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul.

“Até essa invasão [que os Guarani-Kaiowá chamam de retomada] nós nunca tivemos problemas com os índios aqui. Sempre tivemos uma boa conversa com os caciques, meu pai sempre os ajudou. Meu pai sempre dava carona para eles entre a fazenda e Caarapó. Nós não podemos querer corrigir um erro histórico prejudicando só um lado”, afirmou José Armando Amado.
Conforme publicado pela Amazônia Real, o fazendeiro Nelson Buainain Filho, marido de Silvana Amado Buainain, foi apontado pelo Ministério Público Federal por arregimentar pessoas para o ataque aos índios Guarani-Kaiowá, no dia 14 de junho.

Em entrevista, o procurador da República Marco Antônio Delfino de Almeida disse que a nota do Sindicato Rural de Caarapó prova que o próprio proprietário Nelson Buainain Filho arregimentou voluntariamente pessoas para se reunir e retirar os índios da fazenda Yvu.

“Na nota, o sindicato aponta o próprio proprietário [Nelson] como a pessoa que arregimentou voluntariamente pessoas para se reunir e retirar os índios, então isso é um ponto. Obviamente que há muitos vídeos que a comunidade [Guarani-Kaiowá] nos passou. Em depoimentos várias pessoas foram identificadas. Entendemos que há vários elementos ali que permitem que avancemos para identificar as pessoas que deliberaram e conduziram com mais relevância essa ação”, afirmou o procurador.

O Sindicato Rural de Caarapó diz em nota oficial que Nelson Buainain pediu apoio a alguns produtores do município (distante 286 quilômetros de Campo Grande) para “inibir” a presença dos índios Guarani-Kaiowá na fazenda no dia 14 de junho.

“Ao chegar em Caarapó, Nelson pediu apoio a alguns produtores, no intuito os  mobilizarem a ir para sua propriedade – a intenção era inibir a presença dos poucos índios que haviam na fazenda.” disse

No ataque dentro da fazenda Yvu morreu, atingido por dois tiros (um no abdômen e outro no peito), o agente de saúde Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, de 26 anos, da Secretaria Especial de Saúde Indígena de Dourados. A Polícia Federal abriu inquérito para investigar o ataque aos Guarani-Kaiowá, mas não prendeu ninguém pela morte de Souza. A polícia também apura a denúncia de que os índios torturaram três policiais militares durante o conflito.

Os seis feridos no conflito da fazenda Yvu foram Josiel Benites, 12 anos, com um tiro no estômago, Valdilho Garcia, 26, atingido com um tiro no tórax, Jesus de Souza, 29 anos, baleado na barriga, Libésio Marques, 43 anos, que teve ferimentos leves na cabeça, tórax, ombro e barriga, Norivaldo Mendes, 37 anos, atingido por tiro no peito, e Catalina Rodrigues de Souza, 50 anos, que teve o braço atingido de raspão por um dos tiros.

Perguntado sobre o conflito dentro da fazenda Yvu, o advogado José Armando Amado negou que sua família tenha arregimentado pistoleiros para atacar os indígenas, mas não cita o nome do cunhado Nelson Buainain Filho.

“Quando a minha irmã chegou lá [na fazenda Yvu] havia muita gente por lá. Ela foi na casa dela. Nunca teve tiros, nunca teve arma. O pessoal soltou foguete [fogos de artifício]. Minha irmã não usa arma. Não houve tiros dentro da nossa fazenda, os tiros foram dentro da reserva. Não houve tiro nem sangue na nossa fazenda. Agora, quem fez isso ninguém sabe”, disse o advogado.

Amado declarou à reportagem que o procurador da República em Dourados, Marco Antônio Delfino de Almeida, tem que provar que seu cunhado arregimentou pessoas no ataque aos índios.

“O doutor Marco Antônio, antes de se formar em direito e prestar concurso para procurador, ele se formou em antropologia. Ele é antropólogo. Ele já declarou algumas vezes que, antes de ser procurador, ele é antropólogo. Se ele diz que o [Nelson] Buainain  [marido de Silvana] arregimentou, ele tem que provar”, disse o advogado da fazenda Yvu.


O conflito com os Guarani-Kaiowá em Caarapó explodiu um mês depois que a Funai reconheceu a Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá 1, com 55.590 hectares, em 12 de maio, dia em que a presidente Dilma Rousseff (PT) foi afastada do cargo para responder ao processo de impeachment que tramita no Senado Federal.

O processo de regularização da terra indígena ainda precisa passar pela demarcação dos limites e a homologação, a cargo da Presidência da República. Mas os índios estão temerosos com uma possível revisão dos atos no governo do presidente interino Michel Temer (PMDB). Os Guarani-Kaiowá retomaram cerca de nove propriedades, entre fazendas e sítios, que estão dentro do território tradicional da Dourados-Amambaipeguá 1.

Ao ser questionado sobre o reconhecimento da TI Dourados-Amambaipeguá 1 como território Guarani-Kaiowá pela Funai, onde está a área da fazenda Yvu, o advogado diz que “há uma tentativa de se corrigir um erro histórico cometendo outro”.

“Se o governo entende que a sociedade brasileira tem uma dívida para com os índios, nós não podemos cometer um erro para corrigir um erro histórico. Você não pode tirar a terra do produtor rural comprada legitimamente. Nós não podemos querer corrigir um erro histórico prejudicando só um lado. Se o estado quer corrigir um erro do passado que ele próprio fez, que o faça de forma adequada”, defende o advogado José Armando Amado.  

Leia a reportagem completa sobre o conflito com os Guarani-kaiowá 

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