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segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Riscos ambientais (evitáveis)

Governo mantém atraso nos subsídios do extrativismo e compromete política ambiental  


Seringueiro leva produção de látex para beneficiamento (Foto: Agência Acre)


O governo Gladson Cameli (PP) continua a não pagar o subsídio que assegura melhor valor aos produtos do extrativismo acreano, com destaque para a borracha e o murmuru. O atraso ocorre mesmo com os recursos estando assegurados em conta por meio de transferências internacionais do programa de compensação financeira por redução do desmatamento, o REM (REDD+ Early Movers).

No caso do Acre, o principal investidor é o banco alemão de fomento KFW. Desde 2017, quando houve a renovação do contrato, o governo do Reino Unido também passou a injetar recursos, que podem chegar a 25 milhões de euros até 2021.

A gestão Cameli alega que está revisando todos os contratos de pagamentos de subsídios celebrados pela gestão passada, o que tem provocado os atrasos. A revisão é feita pela Controladoria Geral do Estado (CGE). O problema já chegou aos ouvidos dos alemães e britânicos, que cobram do governo a regularização da situação.

As consequências do atraso já são refletidos na fragilização das políticas de proteção ambiental do Acre, com impactos, principalmente, na Reserva Extrativista Chico Mendes. É no interior da unidade federal que se concentra a maior parte da produção de borracha nativa do estado. 

Sem o subsídio, muitos moradores da reserva abandonaram, de vez, a retirada do látex como fonte de renda, voltando suas atenções (ainda mais) para a pecuária. Os resultados são o aumento do desmatamento e das queimadas. Assim como em todo o Acre, a reserva registrou números recordes de incêndios em 2019, liderando o ranking entre as unidades federais em toda a Amazônia Legal.

Do começo do ano até ontem, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou 843 focos de queimadas na Reserva Chico Mendes.  A Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, por exemplo, mesmo sofrendo com pressões maiores, registrou, no período, 708 pontos de calor. 

No começo de outubro, o embaixador do Reino Unido no Brasil, Vijay Rangarajan, esteve no Acre para checar os resultados dos investimentos de seu país no programa REM, e cobrou do governo acreano o pagamento dos subsídios. Em novembro será a vez de uma comitiva da Alemanha aqui desembarcar com a mesma tarefa.

Será a segunda vez em 2019 que os dirigentes do KFW vêm ao Acre. Os alemães veem com preocupação os rumos da política ambiental acreana bem como o futuro da parceria com Acre. A área ambiental é desdenhada pelo governo Gladson Cameli, que aposta apenas no agronegócio como o carro-chefe da economia local.

Fontes afirmam que o governo até cogitou mudar o destino de aplicação dos recursos do REM/KFW. Ao invés de parte do dinheiro ir para o subsídio da borracha e do murmuru, ela seria investida em ações de extensionismo rural para levar assistência aos agropecuaristas. A mudança foi rejeitada pelos financiadores. 

Especialistas da área ambiental ouvidos pela reportagem avaliam que há grandes chances de britânicos e alemães romperem o contrato do REM por o Acre não cumprir com suas obrigações. Além de não realizar o pagamento do subsídio às comunidades extrativistas, o governo não tem adotado mecanismos para a redução do desmatamento.

A tendência é que este ano o estado supere o teto de 330 km2 de floresta desmatada estabelecido de forma contratual para que o estado receba os recursos.Os números oficiais do desmatamento só serão divulgados no início de 2020 pelo Inpe.

Redução dos danos 

Para quem acompanha a atual situação ambiental do Acre o diagnóstico é simples: a situação estaria bem pior se os seringueiros da Reserva Chico Mendes não tivesse vendendo a produção de borracha para a empresa francesa de calçados Vert.
A empresa usa a borracha dos seringais nativos do Acre para a produção dos solados de seus sapatos, agregando uma marca ecológica ao produto. Sozinha, a Vert chega a pagar R$ 8 pelo quilo da borracha tipo CVP - (Cernambi Virgem Prensado. Caso a gestão Cameli estivesse pagando os subsídios, o valor a que cada seringueiro teria direito seria de R$ 12,50.

Outro Lado 
A gestão dos recursos estrangeiros do subsídio da borracha e do murmuru é de responsabilidade da Secretaria de Estado de Produção e Agronegócio (Sepa). Procurado, o secretário Paulo Wadt afirmou estar apenas esperando chegar ao seu gabinete o parecer autorizando o pagamento do benefício. Segundo ele, a intenção é que isso ocorra o mais rápido possível.

Questionado sobre os valores, Wadt disse não ter um número preciso já que se trata de “dezenas de processos individuais”, com cada caso analisado em separado. Fontes consultadas pela reportagem estimam em meio milhão de reais a dívida do governo com os extrativistas.

Com relação ao subsídio do murmuru, o secretário afirmou que os processos ainda estão sob análise da CGE, sem previsão de pagamento.       

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