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segunda-feira, 12 de junho de 2023

A Política na Floresta

Um (des) governo sub judice



 

Fabio Pontes

Dos Varadouros de Rio Branco 


As cenas de viaturas da Polícia Federal ocupando as rampas de acesso ao Palácio Rio Branco, na manhã de 16 de dezembro de 2021, deflagrando a maior operação de combate à corrupção da história do Acre, poderia ser motivo de revolta e indignação para qualquer cidadão de bem, patriota, conservador, defensor da moral e dos bons costumes. Poderia, mas não o foi. Tanto assim, que o principal investigado, o governador Gladson Cameli (PP), foi eleito para mais quatro anos de mandato - em primeiro turno e numa votação folgada. A reeleição aconteceu menos de um ano após a operação Ptolomeu ganhar o mundo. Poderíamos recorrer à velha máxima de que o eleitor tem memória fraca, mas este não é o melhor dos argumentos. Mesmo se a Ptolomeu tivesse ocorrido um mês antes das eleições, Cameli seria reeleito.


E isso não é resultado da atual gestão ser um exemplo de eficácia. Talvez até se justificaria o êxito eleitoral de Cameli, em meio a incontáveis denúncias de desmandos com a coisa pública, se o seu governo fosse sinônimo de muitíssima competência, com um Acre pujante, economia a mil, qualidade de vida para o povo, serviços públicos de fazer inveja a qualquer estado, obras por todos os cantos (SQN) - o famoso e repugnante “rouba, mas faz”. Porém, esta não é, nem de longe, a nossa realidade.

Muito pelo contrário. Como costumo falar, desde 2019 o Acre vive um estado de desgoverno. Não temos projetos de políticas públicas, o governo não tem um norte, metas, objetivos. Não há grandes obras em execução. Quando há, precisam ser interrompidas por suspeitas de corrupção. Em quatro anos, o desgoverno Cameli deixou a única ligação rodoviária entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul (sua terra natal) ficar destruída. Isso, mesmo com todo o apoio político que lhe era assegurado pelo também desgoverno de Jair Bolsonaro (PL) em Brasília. Todos os ventos lhe eram favoráveis naquele momento, mas a incompetência saltou mais alto.

A situação ficou ainda pior a partir daquele dezembro de 2021, quando mais de 300 agentes da PF cumprindo mandados judiciais expedidos pela ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), desarticularam a organização criminosa, instalada na alta cúpula do governo do Acre, acusada de desviar quase R$ 1 bilhão dos cofres públicos. Nas quase mil páginas do inquérito, a Polícia Federal define o governador Gladson Cameli como o chefe desta organização criminosa. As investigações ficaram não apenas na figura de Cameli, como também em parentes (pai e irmãos), além das empresas da família, servidores públicos por ele nomeados e empresários.        

De lá para cá, a única obsessão do governador é se ver livre da Justiça. O que ele já não fazia com muito afinco - a administração de um Estado -, ficou ainda pior. Num certo momento, achávamos que a operação Ptolomeu tivesse virado pizza. Afinal, foram quase 15 meses sem “nada acontecer” entre a primeira e a terceira fase da operação. Neste ínterim, o político bolsonarista foi reeleito. A sensação era de total impunidade diante de denúncias tão graves. Até que, em 9 de março passado, mais uma penca de agentes federais voltaram às ruas de Rio Branco para a terceira fase da operação Ptolomeu.

A proposta aqui não é fazer uma cronologia para refrescar a memória do acreano. Como falei acima, este não é o problema. A questão é que, mesmo com o atual governo e o próprio governador mergulhados em suspeitas de corrupção, este mesmo eleitor acreano que adora chamar em praça pública o PT e o presidente Lula de “ladrões”, é o mesmo que finge não enxergar a corrupção, e nem sentir o odor de podridão em volta do Palácio Rio Branco, garantindo mais quatro anos a uma gestão desastrosa e incomptente.

Não há a menor dúvida de que o Acre vive hoje uma grave crise política, social e econômica por conta do desgoverno Cameli. Um desgoverno que está sub judice, na berlinda. Gladson Cameli pode acordar, a qualquer momento, afastado das funções de governador, e até mesmo preso. Lógico que a prisão é uma medida extrema, mas ela já foi pedida pela Polícia Federal, e negada pela ministra do STJ. A situação é tão grave, que Nancy Andrighi acatou os pedidos da PF e do MPF de prorrogação, por mais 180 dias, das medidas cautelares contra o governador acreano e os demais investigados. Entre elas, a retenção do passaporte de Cameli. A medida foi adotada para evitar uma possível fuga.   

Gladson Cameli até pode fazer viagens ao exterior em agendas oficiais, mas também deve ter o salvo-conduto de Nancy Andrighi. Ele não está autorizado a dar um passo em falso, sem consultar a ministra. Assim, foi quando em maio viajou aos Estados Unidos para agendas na área ambiental - logo Cameli, responsável por uma política de desmonte ambiental que levou o Acre a taxas recordes de desmatamento da Amazônia nos últimos quatro anos. (Leia Passaporte Verde)

A decisão da ministra de acatar os pedidos feitos pela Procuradoria da República e Polícia Federal mostra que as provas obtidas no inquérito da operação Ptolomeu são robustas. Se houvesse falhas ou ilegalidades no decorrer das apurações, a magistrada já tinha anulado o processo. Aliás, este foi um dos argumentos dos advogados ao tentar anular processo, alegando que a PF teria investigado o filho (uma criança) do governador.

Todos os recursos impetrados pela milionária defesa do governador acreano foram rejeitados, não só em decisão monocrática de Nancy Andrighi, como das turmas do STJ. A única exceção é para que Gladson possa novamente conversar com o pai, o senhor Eládio Cameli - desde que seja comprovado o estado de saúde grave dele. Pai e filho estão impedidos de ter contato como uma das medidas cautelares pedidas pela polícia. Nunca antes na história do Acre nós vivemos situações deste tipo. O Palácio Rio Branco ocupado pela PF e a primeira-família do Estado num quadro tão vexatório.    

Mesmo com todo o estado de inércia em que nos encontramos, o bolsonarismo e o antipetismo reinante no Acre garantem sobrevida a tudo isso. É aquela velha coisa: não sendo do PT, está tudo certo. A elevada rejeição ao que se pode definir como “pensamentos da esquerda” é consequência do domínio religioso das igrejas evangélicas, que, como bem sabemos, é uma das principais bases do bolsonarismo reacionário - tudo em nome de seus valores e crenças religiosas.

Valores estes que têm dois pesos e duas medidas. Ao mesmo tempo em que crucifica qualquer suspeita de corrupção ou deslizes do endemonizado PT, afaga-se as claras evidências de malversação praticadas por políticos inescrupulosos identificados com tais princípios conservaidor-religioso. Isso vale tanto para o próprio Bolsonaro, quanto para Gladson Cameli.


A democracia corrompida

Junto a isso, pesa o fato de um dos principais mecanismos de vigilância e defesa da democracia, uma espécie de fiscal dos governos, que é a imprensa, no Acre estar lambuzada com tantos recursos públicos da verba de mídia. O grupo político (também conhecido como balaio de gatos)  que hoje ocupa o poder, passou 20 anos na oposição acusando os governos petistas de usar o dinheiro da propaganda oficial para “comprar” a linha editorial dos veículos de comunicação. Agora no poder, fazem-o pior. O governo Gladson Cameli usa dinheiro do contribuinte para calar a imprensa, impedindo-a de trazer à luz - ou não se aprofundar mais - os incontáveis casos de corrupção de seu governo. Em outras palavras, o governo Gladson Cameli corrompe a democracia ao impedir o exercício de uma imprensa livre.

Ainda bem que hoje as redes sociais furam essa censura estatal. É graças ao trabalho alternativo feito por este jornalista, em parceria com o Portal do Rosas, do colega Leonildo Rosas, que destrinchamos o robusto inquérito da operação Ptolomeu. Foi por conta deste trabalho que pautamos a imprensa nacional, mostrando os desmandos que acontecem no Acre. Aquilo que tentavam ocultar aqui, era exposto para todo o país. (Leia o Especial Esquemão Azul)

Vivemos uma crise sem precedentes na nossa história. Temos um desgoverno paralisado. Uma gestão desastrosa. Um governo suspeito e sub judice. Abarrotada de propaganda governamental (o que às vezes torna a visita a alguns sites até desconfortável), nossa imprensa vive num universo paralelo.  

E, assim, infelizmente, o Acre caminha a passos largos rumo ao retrocesso. E o pior: sem perspectiva de encontrar uma luz no fim do túnel. Enquanto este bolsonarismo extremista vigorar como principal força política da região (sem data para expirar), o Acre continuará a eleger políticos do quilate do que temos hoje. Pessoas que, além de representarem o que há de mais arcaico e reacionário no pensamento político, mostram-se verdadeiros incompetentes no trato da gestão administrativa - como bem define o cientista político Israel Souza em seu artigo no Varadouro.

O Acre já teve dias bem melhores.
Que possamos, o mais rápido possível, voltar aos bons tempos.           

 

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