O assentamento do Juma é um microcosmo da Amazônia. Em um sobrevoo de duas horas de helicóptero com fiscais do Ibama, sobre a vastidão de seus 12 mil km², o repórter do Estado viu as florestas fechadas e intocadas que caracterizam praticamente todo o Estado do Amazonas, a mata "brocada" pelo corte seletivo e ilegal da madeira, novas áreas queimadas, pasto com gado e até um garimpo clandestino de ouro.
Depois de quatro anos em queda, o desmatamento na Amazônia
teve ritmo 28% maior entre agosto de 2012 e julho de 2013 do que no período
anterior. Dos Estados em que o desmatamento aumentou, o Amazonas foi o que teve
o menor crescimento: 7%. No Mato Grosso foi 52%, em Roraima, 49%, Maranhão, 42%
e Rondônia, 21%. Mas a pressão sobre o sul do Estado tem um imenso peso
simbólico. Depois de esgotar os estoques de madeira e de degradar as pastagens
ou serem expulsas pela soja no Mato Grosso, Pará e Rondônia, as atividades
madeireiras e pecuárias são atraídas para o último grande território preservado
no País.
Aqui, como em outras partes da Amazônia, os problemas
ambientais e fundiários se confundem. Fazendeiros e madeireiros com os quais o
Estado conversou na vila de Santo Antonio do Matupi, no município de Manicoré,
nas margens da Transamazônica, reclamaram que não conseguem aprovar planos de
manejo da madeira e obter licença para desmatar 20% das propriedades, conforme
prevê a lei na Amazônia, porque não têm títulos de suas terras.
"O grande problema do Amazonas é a regularização
fundiária", define Samuel Martins, presidente da Associação dos
Madeireiros de Matupi. "O documento da terra desencorajaria o desmatamento
ilegal. Com o cadastro, o sujeito não vai querer ficar correndo do Ibama."
Martins considera que quem desmata é o pecuarista. O madeireiro faz o corte
seletivo e mantém a floresta de pé, argumenta ele e, com o manejo, volta apenas
25 anos depois ao mesmo lugar, quando as árvores já cresceram de novo. "O
madeireiro é o guardião da floresta", enaltece. "Não temos um
incentivo, só repressão."
Fiscais do Ibama e ambientalistas observam que os
pecuaristas se capitalizam vendendo a madeira e, com o dinheiro, desmatam para
formar pastos. Em poucos anos, o pasto se degrada no solo pobre da Amazônia.
Fica muito mais barato desmatar novas áreas do que recuperar o solo. Paranaense
de Campo Mourão, com 53 anos, Samuel Martins foi em 1977 para Manaus, onde fez
curso técnico de agropecuária. De lá desceu para Rondônia, onde "a madeira
era muito forte na época", recorda. "O madeireiro vai aonde tem
madeira." Matupi é o maior polo madeireiro do Estado. A associação reúne
30 madeireiras. Martins acredita que, no ano que vem, 80% das madeireiras terão
seus manejos próprios, legalizados, em vez de comprar madeira dos fazendeiros.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o
programa de regularização fundiária Terra Legal fez o georreferenciamento de 47
propriedades, numa área de 6.048 hectares, em Apuí, e de outras 465 no
município de Manicoré, somando 118.948 hectares. Mas ainda falta as empresas
entregarem todos os trabalhos. Rezoli Cazarin, contratado pelo programa no
Matupi, que pertence a Manicoré, afirma que lá 700 propriedades aguardam a
emissão do título, o que começará a ocorrer em abril. "O problema é que a
cultura da ilegalidade prevalece na Amazônia", lamenta Cazarin. "As
pessoas querem trabalhar sem cumprir a lei."
"Infringimos a lei porque precisamos sustentar nossos
filhos", defende-se Maximiano Carreta, da Associação dos Produtores e
Pecuaristas de Santo Antonio do Matupi. Capixaba de Santa Teresa, ele morou 12
anos em Nova Lacerda (MT), onde foi prefeito, antes de vir há 8 anos para o sul
do Amazonas. "Não tenho escritura da terra", diz Carreta, que tem
1.500 hectares, dos quais afirma ter desmatado menos de 10%. "Tenho
direito de abrir 20%. É muito pouco, mas vamos respeitar a lei. Como conseguir
licença sem documento da terra?"
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