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domingo, 24 de novembro de 2013

O moderno e o arcaico



A menina de cabelos pretos amarrados e com roupas de menino sentada numa banco de cimento se diverte ao ver um imponente pastor alemão ser treinado por seu policial. A pequena bola verde (talvez recheada com cocaína) que quica num vai e vem na mão daquele homem com uma farda rajada, parece ser o último tesourou para o cão disciplinado e treinado para encontrar drogas.

Logo mais ele verá aquela bolinha ser escondida entre as bagagens descarregadas de um moderno Airbus-A319, que pousou há poucos minutos no Aeroporto Capitão Aníbal Arab Fadul, em Cobija, a capital do departamento boliviano de Pando.

Num espaço de poucos metros quadrados e coberto com telhas, onde a única refrigeração pode ser a fina chuva que começa a cair na Amazônia boliviana, os passageiros daquela confortável aeronave ficam num empurra-empurra por suas malas, colocando os pés na lama. Mas antes, o pastor alemão precisa farejar algo suspeito nelas.

Aquelas onde ele para é um sinal, o policial as retira e coloca naquele mesmo banco de cimento onde estava sentada a menina.. O obediente cachorro é como as máquinas de raio-x em aeroportos mais modernos, e a esteira onde as bagagens perambulam é a capacidade do passageiro de furar o bloqueio daquelas pessoas que não desgrudam o olho da mala.

Esta é a rotina no aeroporto de Cobija. O pouso daquele moderno avião que opera nos céus dos mais ricos países do mundo é o mesmo onde ali crianças disputam a chegada dos carros.

Ajudar o passageiro a carregar a mala pode render algumas moedas de pesos bolivianos ou de real dos brasileiros que a cada fim de ano vão buscar seus filhos estudantes de medicina em Santa Cruz de la Sierra ou Cochabamba.

Vigiar o carro também rende a estes “chicos” um trocado que certamente vai servir no sustento da família. O aeroporto de uma das cidades mais pobres do mais pobre dos países da América do Sul não é simples, não oferecendo nenhum luxo. Os ventiladores no teto substituem o ar-condicionado. Na parede uma caixa de som serve como o aviso sonoro para a chegada ou a partida do voo.

O homem que usa o banheiro masculino para urinar é facilmente visto do lado de fora. Ao lado, três caixas d´água estilo Brasilit garantem o abastecimento. No estacionamento, o outdoor patrocinado por um banco recepciona o visitante: Bienvenido a Cobija (Gracias a Ti somos El banco que une toda Bolívia).

Logo colado está outra placa, esta com uma foto do presidente Evo Morales anunciando a construção do novo aeroporto, este com arquitetura moderna e certamente acabando com aquele desconforto no desembarque.

As malas no carro e o regresso se faz necessário. O trânsito é confuso, os semáforos por pouco não colidem com os aviões tamanha a altura. O motorista brasileiro desatento certamente passará o sinal vermelho. Se não causar um acidente pode ser flagrado por um policial e ter que desembolsar uma nota de R$ 50 para pagar a propina.

É hora de atravessar a ponte e voltar para o Brasil. Do lado de cá os buracos permanecem nosso cartão de visita, e haitianos continuam a perambular por Brasileia, no Acre.

A Impressão é que a miséria não escolhe nacionalidade, cor, credo ou convicção política. Nos buracos da estrada brasileira outra certeza: a corrupção e a incompetência fazem suas vítimas nos dois lados da fronteira.
            

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