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domingo, 1 de dezembro de 2019

Uma cultura ressuscitada

Povo Yawanawa durante celebração ancestral em festival, que celebra recuperação de identidade perdida


Esta semana que passou um dos temas que mais repercutiram no meio socioambiental do Acre foi a reportagem produzida por um site local “detonando” a realização de festivais indígenas dentro das aldeias. Segundo este texto - que não teve autoria identificada e a fonte ficou no anonimato - estas festas que atraem dezenas de turistas para dentro das comunidades têm impactado de forma negativa, até contribuindo para a perda da cultura dos povos.

Cada um tem seu ponto de vista, mas causou estranheza tal afirmação. Há pelo menos uma década as mais distintas etnias indígenas do Acre realizam festivais culturais dentro de suas aldeias. A prática fomentou o turismo em todo o Acre, movimentando alguns milhares de reais, e sendo uma boa alternativa econômica para comunidades muitas das vezes em completo abandono por parte do poder público.

Este ano, pela primeira vez, pude participar de um destes eventos. Fui ao Festival Mariri, do povo Yawanawa. A festa de quatro dias aconteceu na aldeia Sete Estrelas, da Terra Indígena do Rio Gregório, em Tarauacá. Muito mais do que a destruição do modo de vida e a perda da identidade ancestral deste povo, pude testemunhar o completo inverso.  E não há gringos se esbarrando dentro das aldeias; o número de turistas é limitado.

Recentemente, a agência britânica BBC até produziu reportagem mostrando a recuperação da identidade ancestral do povo da queixada. Até bem pouco tempo os Yawanawa tinham perdido por completo os costumes, as celebrações, os rituais e o modo de vida dos antepassados. Colonizados pelos brancos nos tempos da extração da borracha, foram obrigados a se converter ao cristianismo, deixando de lado suas crenças e práticas espirituais. Até mesmo a língua tinha sido esquecida.

Entre estas práticas espirituais está a bebida ayahuasca, chamada por eles de uni. Produzida a partir de raízes da floresta, sua ingestão representa a conexão dos povos indígenas com as forças naturais da floresta e seus ancestrais. Quem participa do festival não é obrigado a fazer a ingestão do chá; é um ato voluntário. Os caciques e lideranças mais antigas dão a devida explicação sobre o uso, orientando que não pode ser feito de forma banalizada. Afinal, para eles, há o forte sentido espiritual neste ritual.

Uma das coisas que mais chamam a atenção é o envolvimento dos jovens na organização da festa, liderando os rituais dos cantos e das brincadeiras celebradas ao longo de todo o dia. É esta juventude que manterá viva para as futuras gerações a ancestralidade do povo Yawanwa.

A reportagem passou a impressão de que estes festivais são um verdadeiro anto para a prática de orgias com drogas, sexo e rock’n’ll. Tal postura só serve para aumentar ainda mais a visão preconceituosa e racista da “gente civilizada” contra os povos indígenas. Quem não conhece a verdadeira riqueza destas celebrações pode acreditar em tudo o que está posto ali.

Nestes últimos 20 anos, os Yawanawa vêm conseguindo recuperar todo o modo de vida construido ao longo dos séculos vivendo na e da floresta. E isso não acontece apenas com eles, mas com todos os 16 povos indígenas do Acre. E a realização destes festivais culturais é uma forma de celebrar o novo momento.

Os festivais, vale ressaltar, não foram criados para gringo ver. As festas dentro das aldeias existiam desde sempre como momento de celebração e união. Agora, nos tempos modernos, o turismo foi visto pelos povos como uma forma de levar para fora estes momentos, e também de atrair renda para as comunidades. E por lá não vai só gente loira do olho azul. Os indígenas das comunidades vizinhas também são convidados.

Na que estive presente, os Katukina da Terra Índígena Campinas, localizada às margens da BR-364, já em Cruzeiro do Sul, estavam presentes. Portanto, não se pode fazer reducionismo de um momento tão importante e engrandecedor para as populações indígenas do Acre, que são os principais defensores da floresta em pé.     

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