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sábado, 14 de dezembro de 2019

Sem lei, sem floresta (Opinião)

Revogação de decreto fragiliza, sim, proteção ambiental no Acre, que volta a ter nível recorde de destruição da Amazônia (Foto: Sérgio Vale)



A tentativa do governo Gladson Cameli (PP) de dizer que a revogação de decretos da lei ambiental estadual não prejudica as ações de fiscalizações de combate a crimes contra o meio ambiente não é tão verdadeira assim.

Ao abrir mão de uma legislação própria para regulamentar esta atividade, o governo cria duas situações: 1) deixa um vácuo para a segurança jurídica dos agentes do Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) e 2) transfere para a União a responsabilidade de fiscalização no estado.

Ora, em tempos de desmonte das estruturas de órgãos ambientais pelo governo Jair Bolsonaro não se pode esperar muita eficácia neste sentido. No Acre, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) estão com deficiência de pessoal e estrutura. Além disso, as frequentes intimidações que os fiscais são vítimas (muitas delas vindas do próprio governo) os impede de fazer um trabalho mais amplo. 

A revogação destes artigos é um desejo antigo do setor ruralista acreano, que quer ver os fiscais do Imac bem longe de suas propriedades. A atitude do governador Gladson Cameli sepulta a legitimidade de inspecionar e aplicar multas por parte dos agentes estaduais, por mais que se tenha uma lei maior, a federal.

Porém, estes fiscais não são dos quadros do Ibama. É lógico que a legislação nacional respalda o trabalho dos fiscais estaduais. Contudo, se o Acre tiver uma lei própria tão melhor seria para que, em discussões no Judiciário, eventuais processos não venham a ser anulados pela falta de uma lei própria.  Quanto mais amparo legal, maior a garantia de quem comete crimes contra o meio ambiente não ficarão impunes.

O governo afirma que uma nova legislação será apresentada até junho de 2020. Neste período, o Imac ficará praticamente de mãos atadas, operando apenas a partir de resoluções elaboradas pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente e Floresta (Cemaf). Como qualquer leigo sabe, resolução não está acima de leis.

Se fosse para valer o argumento de esperar aprovar uma nova legislação ambiental por parte do Congresso Nacional, o melhor seria esperar ela entrar em vigor para, daí, revogar o que é considerado como “arcaico” e apresentar algo moderno.

O secretário de Meio Ambiente, Israel Milani, diz que a lei ambiental do Acre é obsoleta. A Lei 1.117 foi aprovada em 1994. Nestes seus 25 anos de existência, nem mesmo os governos da florestania do PT tentaram modernizá-la, alterá-la. Não se entende como que em 20 anos no poder os petistas – em tese mais simpáticos à causa da floresta - não notaram este obsoletismo.

Pelo pouco que li da legislação original, não me pareceu nada retrógrada. É claro que alguns pontos precisam ser modificados, não extintos. Afinal, em um quarto de século muita coisa muda. Este F5 que o governo Cameli deu na legislação foi, a meu ver, no sentido de fragilizá-la, atendendo a interesses do ruralismo local, tirando o Imac “do pescoço de quem quer produzir”.

A partir de agora, diante do crescimento recorde do desmatamento que marcou este seu primeiro ano de gestão, Gladson Cameli vai dizer que não tem nenhuma responsabilidade até 2022. Afinal, só existe uma lei federal e, portanto, é dever do Ibama combater a destruição da floresta. Para quê melhor? Assim, ele não precisa se explicar com os ambientalistas e fica de bem com os ruralistas.

Como já escrevi aqui, desde a campanha eleitoral Gladson Cameli tinha como um de seus alvos preferenciais o Imac. Desde o começo mostrou intenções de desmontar e até acabar com a autarquia. Não o fez pois sabia que a pressão seria grande. Aqui nem preciso (pela enésima vez) reproduzir seu discurso de que ninguém mais precisa pagar as multas do seu Imac pois quem “está mandando agora sou eu”.

Gladson Cameli não tem a mínima simpatia pela questão ambiental. Quando do debate da reforma administrativa do governo, ainda durante o período de transição em 2018, tinha como proposta acabar com a Secretaria de Meio Ambiente, fundindo-a com a de Agronegócio - nos mesmos moldes defendidos por Jair Bolsonaro em Brasília.

Em seu afã de acabar com a herança petista da política ambiental, extinguiu o Instituto de Mudanças Climática. Vendo a burrice (entre tantas) que cometeu, viu-se obrigado a ressuscitá-lo, pois é o IMC quem gerencia os milhões de euros do programa de pagamento por redução do desmatamento.

Mesmo não sendo amigo do meio ambiente, Gladson Cameli adora ganhar umas diárias do erário e viajar pelo mundo em eventos que discutem a preservação da Amazônia e a adoção de medidas para reduzir o desmatamento. Exemplo disso foi sua ida para a Conferência do Clima em Madri, a COP-25.

Se de fato quer se apresentar como simpatizante da causa amazônica, o governador acreano deveria vetar partes do artigo oitavo do projeto de lei enviado por ele para a Assembleia Legislativa na quarta, e aprovado na noite de quinta. Vetar o artigo que extingui importantes partes da Lei 1.117, sobretudo a que se refere à atuação de fiscalização ambiental.


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