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sábado, 30 de novembro de 2019

Uma tragédia climática

Enquanto os mais respeitados e conceituados cientistas de todo o mundo estão cada vez mais preocupados com o acelerar dos efeitos das mudanças climáticas - sendo o aumento da temperatura o mais grave deles - o amazônico estado do Acre vai se apequenando neste debate e criando uma vergonha alheia.

Tão grave quanto as consequências de um clima desequilibrado, é saber que aqueles que deveriam adotar políticas públicas para mitigar os efeitos das atuais e futuras mudanças climáticas do planeta, usam de recursos dos cidadãos para patrocinar a vinda de ditos “cientistas” que negam a crise climática e, de quebra, afirmam ser a terra plana.

Esta semana o Acre teve o desprazer de receber o negacionista  Luiz Carlos Baldicero Molion, cujo currículo foi bastante destacado pelos seus simpatizantes, mas tratado com desdém pela comunidade científica séria do Brasil e do mundo. Ele é professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas.

Na plateia estavam os entusiastas da tese de que as mudanças climáticas não são efeitos das ações humanas, mas algo natural, fruto dos ciclos climáticos do planeta. Para abrilhantar ainda mais, entre os presentes estavam os ruralistas acreanos, os mais interessados em colocar em descrédito o atual debate ambiental planetário.

Outro que não poderia faltar é o governador Gladson Cameli (PP), que teve total responsabilidade no aumento do desmatamento e das queimadas no Acre em 2019. (Leia postagens abaixo). Suas falas incendiárias sobre a questão ambiental foram o combustível para o desmatamento aumentar mais de 50% em 2019.

O convite para a vinda do “prestigiado cientista” foi do líder da bancada da motosserra no Senado, Márcio Bittar (MDB). Ele é o autor do projeto que quer acabar com a reserva legal e não tem a mínima simpatia com a questão ambiental. É um bolsonarista (até que este não tenha o mesmo fim melancólico de Aécio Neves) e olavista de carteirinha. Como faz parte desta turma e defende suas ideias, também deve ter descoberto (sozinho) que a terra é plana.

Mas certamente os custos desta viagem não foram bancados pelo bolso de Márcio Bittar. Entre os apoiadores do evento, acredite, está o Instituto de Mudanças Climáticas do Acre. Não é piada, caro leitor. O órgão do governo do Acre responsável por gerenciar e executar as políticas de mitigação dos efeitos das mudanças do clima figura entre os apoiadores do evento.

O que vão pensar os alemães e os ingleses que colocam recursos no IMC por meio do programa de pagamento por redução do desmatamento? A saber.

Nos últimos anos o Acre tem sido um exemplo perfeito e trágico do desequilíbrio do clima. Temos tido cheias cada vez mais intensas e num espaço de tempo mais curto. A mesma coisa com o período seco. As temperaturas estão se elevando e a quantidade de dias sem chuva maior. O impacto não é só para árvores ou animais na selva. 

Em 2016 por muito pouco não tivemos um colapso no abastecimento de água em Rio Branco por conta do nível crítico do rio Acre. Sem chuvas há meses, o manancial secou de uma forma jamais vista em tempos recentes. Já nas cheias centenas de famílias precisam deixar suas casas – algumas vezes perdendo seus bens. Nada disso, contudo, é efeito de uma mudança do clima causada pela ação humana.

Já há alguns séculos estamos degradando o planeta com nossas ações. Despejamos toneladas e mais toneladas de gases poluentes na atmosfera. O solo está contaminado com bilhões de toneladas de lixo e veneno. Os rios estão poluídos, a floresta está virando pasto. Mas é melhor acreditar numa terra plana.

E, não, a natureza jamais daria uma resposta, recebendo todas estas agressões de forma passiva. Quem tem um mínimo de estudo e leitura sabe que a situação é grave. Esta semana novo relatório de cientistas (de verdade) da ONU mostra que os pactos do Acordo de Paris não são mais suficientes para amenizar os impactos das alterações do clima. Na próxima semana, autoridades de todo o mundo volta a se reunir em mais uma conferência do clima, agora em Madri, para debater a situação e propor soluções. 

O Acre, com mais de 80% de cobertura florestal amazônica poderia ser um dos protagonistas na proposição de soluções e servir de exemplo para conciliar desenvolvimento econômico com sustentabilidade ambiental. Nossa maior riqueza é a floresta, não precisamos destruí-la para colocar boi. Esta é uma ideia retrógrada defendida por pessoas de ideias arcaicas. A floresta tem valor em pé.


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