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terça-feira, 5 de novembro de 2019

Juruá sob ameaça


Vale do Juruá: a região mais rica em biodiversidade do mundo ameaçada por projetos de rodovia e ferrovia (Foto: Sérgio Vale)

Em mais uma de suas ofensivas contra a preservação da maior floresta tropical do mundo, o governador do Acre, Gladson Cameli (PP), vai aos poucos dando vida a um dos projetos de infraestrutura mais devastadores para a Amazônia. Concebido já há alguns anos, o projeto visa a construção de uma rodovia entre as cidades de Cruzeiro do Sul, no Acre, e Pucallpa, capital do departamento peruano de Ucayali.

A rodovia rasgaria uma das áreas mais bem preservadas da Amazônia - dos dois lados da fronteira - passando por territórios indígenas e unidades de conservação. A região é reconhecida como a detentora da maior biodiversidade do planeta Terra. Portanto, os impactos ambientais na região seriam incalculáveis.

A rodovia também poderia agravar outro problema bastante grave na fronteira entre Brasil e Peru: o tráfico internacional de drogas. Os rios do Vale do Juruá já estão quase todos dominados pelas facções criminosas do centro-sul do país que usam as vias fluviais para transportar a cocaína produzida no país vizinho. A estrada facilitaria este intercâmbio criminoso, piorando (ainda mais) a situação da violência no Acre.   

No último domingo (3), o governador Gladson Cameli usou suas redes sociais para anunciar e comemorar o início dos trabalhos de topografia as obras da rodovia, que primeiro começará como uma trilha no meio da selva. Seria uma espécie de teste para ver qual é a ração da opinião pública. 

“A Seinfra [Secretaria de Infraestrutura] já começou o levantamento topográfico da AC-405 em direção ao Peru. A equipe já adentrou na mata para mapear o eixo da rodovia que nos ligará definitivamente com o Pacífico”, escreveu o governador.

A proposta do governo é fazer a abertura da trilha até o marco denominado Boqueirão da Esperança, na fronteira entre os dois países. O fim da rodovia AC-405 seria o início para a abertura do “caminho da integração”.

“Nossa intenção é chegar ainda este ano na divisa com o Peru e deixar as marcações prontas para trabalhar durante o inverno com a parte de licenciamento ambiental e, ano que vem, já tentar abrir um pequeno ramal que dá acesso até a divisa”, disse em entrevista à TV Juruá.

O problema é que o licenciamento ambiental não precisa ser feito apenas pelos órgãos estaduais. Como a eventual rodovia terá que passar por dentro de uma terra indígena (dos Poyanawa) e unidades de conservação (Parque Nacional da Serra do Divisor), outros atores entrarão em cena. São eles: a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Portanto, o sinal verde - caso venha a ser dado - para a construção de uma rodovia numa das regiões mais bem preservadas da Amazônia tende a levar muito tempo. Com as atenções planetárias voltadas para esta parte do mundo por conta das políticas de desmonte da proteção ambiental do governo Jair Bolsonaro (PSL), o risco de a estrada ficar apenas no imaginário de Gladson Cameli é alto.


Um trem na floresta
Quem também se apresenta como entusiasta de obras estruturais no Vale do Juruá é o próprio presidente da República. Após sua agenda pela Arábia Saudita na semana passada, Bolsonaro afirmou que poderia usar parte dos US$ 10 bilhões prometidos pelos sauditas para a construção de uma ferrovia até o porto dos Pacíficos, no Peru, partindo do Acre.

Esta mesma ferrovia já tinha sido prometida pelos chineses, mas acabou no esquecimento. Em sua postagem no domingo, o governador Gladson Cameli apresentou essa possível interligação terrestre com o Peru como algo inédito. Contudo, o Acre já tem uma estrada que o conecta ao país vizinho, a Rodovia Interoceânica.

Desde segunda (4) o Blog entra em contato com o secretário Thiago Caetano (Seinfra) para obter mais detalhes sobre o projeto de rodovia, bem como os processos de licenciamento ambiental. Não houve retorno até agora. A Secretaria de Meio Ambiente também foi procurada, mas não há respostas até o presente momento.   


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