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terça-feira, 23 de maio de 2023

notícias da floresta

 Andorinhas voltam todo ano; Varadouro faz o voo do retorno

Varadouro: jornalismo em defesa da Amazônia

 

Montezuma Cruz* - dos Varadouros de Porto Velho

Desde que o jornalista Fábio Pontes começou a publicar textos encimados pelo fortalecimento do logotipo original, cresce a expectativa pela volta do jornal Varadouro, o mais notável mensário em circulação em bancas do Acre e em diversas capitais brasileiras entre maio de 1977 e dezembro de 1981 (edição nº 24). O rico e inesquecível conteúdo desse jornal abriu verdadeiramente os olhos dos governantes, e os influenciou para aceitar a construção do Estado do Acre com a participação da consciência popular. Na conhecida fase da bovinização, a grilagem massacrou antigos seringais, quando trabalhadores defendidos na mente, no peito e na raça pelos saudosos Wilson Pinheiro e Chico Mendes organizaram-se sob sua emblemática liderança.


Varadouro deixou de circular há pouco mais de três décadas carregando o legado de impulsionar a própria Justiça, pois nascera durante a proliferação do jaguncismo armado. Apenas um juiz federal atendia às demandas do Acre e de Rondônia.


Muita gente não acredita, mas existem histórias que se repetem: tempos atrás, mesmo sob o novo “império do boi”, o Acre voltou a extrair o látex para atender à indústria brasileira. E em Rondônia, silenciosamente, empresas do Rio Grande do Sul, da França e do Irã (!) vêm buscá-lo há alguns anos.
Daqui posso afirmar que raríssimas pessoas conhecem atualmente o preço do quilo da borracha. Seu Osvaldo Castro de Oliveira, maior apoiador da classe dos seringueiros, morreu aos 65 anos em maio de 2021, deixando órfãos nesse delicado comércio.


Contou-me a pesquisadora Rosalina Dias naquela ocasião: “Olha, quando éramos jovens na década de 1990 abraçamos o movimento social ambiental; foi um tempo de muita luta para a criação das reservas extrativistas e pela melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem nessas áreas preservadas, este foi o grande legado de Oswaldo.”


Em 2008, quando a Polícia Federal apurava a “legalização” de cerca de cem mil hectares dentro de áreas ambientais na região do Guaporé, inclusive as fronteiriças à Bolívia, o saudoso defensor dos seringueiros denunciava declarações fraudulentas de posse e títulos de domínio de terras.


Em tempos de crédito de carbono, velhos seringais remanescentes dos anos 1930 até 1970 são ainda invisíveis nas pautas e nos observatórios econômicos do capital mantidos por governos lá e cá. No entanto, eles dão sinais de ressurreição após o chamado ciclo das hidrelétricas. Notável, né?


No embalo da propaganda exaustiva do televisivo “agro pop e tec”, os governos criam câmaras de grãos, da pecuária, do leite, e enxergam de novo a existência de suas imensuráveis reservas de metais, pedras, minérios e gases. Cadê as câmaras do minério e do látex?


Isso só acontece porque o rebuliço em Brasília é crescente no sentido de a Agência Nacional de Mineração (ANM) ter condições de fato para fiscalizar as atividades de exploradores de minérios comuns e estratégicos. Para criá-la de maneira capenga, mais no papel do que na prática, o ex-presidente Michel Temer acabou com o antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).


Em síntese, o setor mineral brasileiro vive a esculhambação.  E olhe que empresas multinacionais voltaram a Rondônia, sendo recebidas com tapetes vermelhos em palácios!


Acredito que o Varadouro digital irá desenterrar caveiras e opinar a respeito dos rumos econômicos de estados amazônicos, auxiliando sua gente a ser reconhecida no direito a ter água potável e todo saneamento básico que merece.


O Senado Federal rediscute o papel da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). O que ela fez por essa gente, senão encher os pastos de bois? 


O jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto lembra que no II Plano Nacional de Desenvolvimento, entre 1975 e 1979, os 18 bilhões de cruzeiros de incentivos fiscais comprometidos pela Sudam com 561 projetos aprovados por seu Conselho criariam menos de 92 mil empregos. As 326 fazendas contempladas incrementariam o êxodo rural, aumentando a disputa por empregos nas cidades.
 

“Esses projetos absorveriam 11 bilhões dos 37 bilhões de cruzeiros de investimento total e 7,5 bilhões dos 18,5 bilhões de incentivos fiscais comprometidos, mas ficariam com quase metade dos oito bilhões que foram efetivamente liberados até então. Dos 10,8 bilhões de investimentos públicos programados para o quinquênio, 8,5 bilhões eram destinados a projetos agropecuários”, ele assinala.


Nada contra a exportação brasileira de carne, mas a realidade nos revela dolorosamente: ainda temos gente esquálida, à míngua e analfabeta, das capitais até o Lago do Ceará, em Marechal Thaumaturgo (AC), por exemplo. 


Os IDHs palpitam nossos corações. A floresta e o asfalto precisam muito mais do que o incentivo ao seu artesanato.


Microsoft Bing nos informa que, a cada ano, o trajeto de milhões de andorinhas-azuis é o mesmo. Elas saem do hemisfério norte, do Canadá e Estados Unidos, se encontram no rio Mississipi e atravessam o Golfo do México rumo ao hemisfério sul, quando chegam ao nosso território. 


No Brasil, elas entram pela Amazônia. Assim, aproxima-se o momento de o jornal Varadouro ressurgir a partir da alimentação de bravas asas digitais capazes de mostrar ao mundo o cotidiano amazônico descrito por profissionais que aqui vivem e trabalham.


Anos a fio abnegados jornalistas do Acre, entre os quais os fundadores daquele jornal – Elson Martins à frente – vislumbraram o momento de ele deixar o repouso nas bibliotecas para novamente circular. O fator custo do impresso e a total modificação do modo de leitura das novas gerações derrubaram sonhos e projetos.


Oxalá, antigos e novos tenham saúde e memória suficientes para oferecer o melhor a tão importantes leitores destes anos 2000. É preciso desnudar certas histórias e trazê-las a limpo com seus ingredientes públicos ou acadêmicos. Nada substitui os olhos do repórter. Vivemos, apesar do “envenenamento” sofrido entre 2018 e 2022. E resistiremos.



(*) Jornalista desde 1969. Chegou ao extinto Território Federal de Rondônia em 1976. Em sua trajetória trabalhou nos estados do Amazonas, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo e Maranhão. Incursionou ainda à Argentina, Bolívia e Paraguai.

 

 

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