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sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Proximidade estratégica

 De olho em recursos internacionais, governo Cameli busca aproximação com movimento indígena


Governador Gladson Cameli reunido com lideranças do movimento indígena; proximidade tenta desfazer imagem negativa na área ambiental (Foto: Governo do Acre)


Após quase dois anos ocupando o Palácio Rio Branco, enfim o governador do Acre, Gladson Cameli (partido indefinido), busca uma aproximação com o movimento indígena do estado. Isso depois de ele ter extinguido* a Assessoria dos Povos Indígenas - ligada à Casa Civil até o fim das gestões petistas - e de pouco ou quase nada ter feito por estas comunidades durante o período mais crítico da pandemia do novo coronavírus. 

Essa proximidade, todavia, não é resultado de uma mudança de paradigma do atual governo, eleito em 2018 com o discurso de destravar os mecanismos de proteção ambiental para fazer do agronegócio o grande carro-chefe da economia acreana. O resultado desta política tem sido o Acre alcançar níveis recordes em desmatamento e queimadas desde o ano passado. 

A guinada do governo Cameli de receber o movimento indígena no Palácio Rio Branco é estratégica; enfrentando um déficit orçamentário e diante das previsões de um 2021 nada positivo para a economia, o governo vai bater à porta de investidores e governos internacionais em busca de recursos. A contrapartida dos estrangeiros, lógico, é a manutenção da Amazônia em pé. 

Como não tem sido capaz de controlar o desmatamento, o governo Cameli busca colocar ao seu lado aqueles que melhor preservam a floresta: os indígenas. O desmatamento dentro das 34 terras indígenas acreanas - que respondem por 14% do território - chega a menos de 1%. E essa abertura de área está relacionada ao uso dos roçados, de onde é tirada a subsistência das comunidades. 

O governo afirma ter R$ 15 milhões para aplicar em projetos de gestão e monitoramento das terras indígenas. Este dinheiro é oriundo de projetos iniciados ainda nos governos petistas em parceria com o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). O Acre ainda dispões de alguns outros milhões de euros enviados pelos alemães por meio do banco de fomento KFW. Como o estado não tem conseguido ficar abaixo da meta de desmatamento estabelecida pelos europeus, o governo pode perder a grana. 

Ao buscar essa aproximação com o movimento indígena e executar projetos que levem benefícios para as aldeias, Gladson Cameli sinaliza ao BIRD, KFW e outros investidores internacionais que o Acre respeita o meio ambiente e seus povos tradicionais, sendo um lugar seguro para se aplicar dinheiro em projetos que proporcionem o chamado desenvolvimento sustentável. 

Enquanto faz estes acenos verdes, o governo também patrocina obras de infraestrutura que contribuem para o avanço do desmatamento, colocando em risco a manutenção de ao menos 87% de Amazônia que cobrem o território acreano. 

Uma delas é a rodovia entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, no Peru, cujos danos ambientais são irreversíveis. Por sorte o Ministério Público Federal entrou em campo para conter a tentativa do governo de abrir a estrada sem a devida consulta aos povos indígenas - os mesmos recebidos por Cameli em seu gabinete palaciano.  

Um dia após receber as lideranças indígenas, Cameli postou em suas redes sociais fotos da abertura de uma estrada entre Feijó e Envira, no Amazonas, que terá como efeito imediato a grilagem de terras públicas, crime que está em ascensão no Acre, justamente nestas áreas vizinhas à BR-364 entre Rio Branco e o Vale do Juruá. Não se sabe se essa rodovia de 90 km conta com estudo de impacto ambiental. 

Como já escrevi aqui, confusão e ambiguidade são as marcas da atual gestão, e na área ambiental não poderia ser diferente. Enquanto prega uma coisa para tranquilizar os gringos, na prática atua de forma inversa. Os dados do Inpe objeto de incontáveis artigos neste blog estão aí como prova disso. Após um 2019 recorde em desmatamento, 2020 também entra para a história como o pior em registro de queimadas na última década. 

Deste jeito não tem visita a aldeias ou recepção honrosa de lideranças indígenas no Palácio Rio Branco que convença os investidores estrangeiros de que o Acre está cumprindo a lição de casa na proteção da mais importante floresta tropical do mundo. 

Menos discursos e fotografias, e mais prática, governador!     


*(Obs: A Assessoria dos Povos Indígenas foi recriada ainda no passado, mas colocada na Secretaria de Assistência Social, numa clara visão do atual governo de que política indígena é assistencialismo)


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