Páginas

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Emergência climática

 A mudança climática é agora 


O mês de outubro vai caminhando para o seu final, e nada das chuvas chegarem com a sua devida intensidade comum para a época do ano. Afinal de contas, era para estarmos vivendo o começo do “inverno amazônico” nesta porção mais sul da Amazônia. A realidade que estamos vivendo aqui, todavia, é outra. A água que cai do céu está demorando cada vez para dar as caras; quando vem não tem a mesma força de outros tempos, e vai embora mais cedo do que o normal. 

Com menos chuvas, os rios ficam em níveis críticos por um período maior - comprometendo o abastecimento das cidades - e a floresta perde mais água. Sem umidade, ela deixa de ter a capacidade natural de se autoproteger das queimadas feitas em roçados, pastagens ou áreas de desmatamento recente nas bordas. É a maior concentração de água no solo, subsolo e na vegetação que impede o fogo das queimadas de avançar floresta adentro. 

Com menos dias de chuva e com mais dias de muito sol e elevadas temperaturas, o processo de evaporação realizado pela floresta se acelera, ficando seca. Com menos umidade na atmosfera, as árvores vão “sugar” toda a água no seu entorno, seja no subsolo ou nas folhagens. Com isso, cria-se o que os cientistas chamam de “estresse hidríco”. 

As queimadas feitas apenas em roçados passam, a cada ano, a ter mais chances de se transformarem em incêndios florestais, já que haverá muito material combustível dentro da mata pronto para pegar fogo. Os argumentos palacianos de que há histeria com o fogo na Amazônia por ele ocorrer apenas em áreas agricultáveis caminham para ser mais uma, entre tantas falácias proferidas pelo atual governo brasileiro. 

O sul da Amazônia - onde está o Acre, Rondônia, parte do Amazonas, além dos departamentos de Pando (Bolívia) e Madre de Dios (Amazônia) - é a mais vulnerável a sofrer com os impactos das mudanças climáticas. Alterações que já passamos a viver no nosso dia. Como apontam os especialistas, a tendência é de estas secas severas passarem a ser mais comuns, acompanhadas de enchentes também expressivas. 

A última grande cheia vivida no Acre foi em 2015, quando milhares de famílias em diferentes municípios ficaram desabrigadas pelo transbordamento do rio Acre, com impactos ainda na Bolívia e no Peru. De lá para cá houve cheias, mas nada de transbordos assustadores. Por se tratar de um rio que depende exclusivamente das chuvas para manter seu nível alto ou baixo, as enchentes estão mais raras com menos água vinda dos céus. 

Em contrapartida, o período que ele passa com volume crítico fica estendido. O rio Acre é responsável pelo abastecimento de 70% da população do estado. Sua condição fica ainda mais crítica pelo fato de já ter perdido grande parte de sua mata ciliar para o desmatamento ao longo das últimas 40 décadas, além do esgoto das cidades jogado com pouco ou nenhum tratamento. 

Em pleno "inverno amazônico" o nível do rio Acre chegou bem perto do volume mais crítico já registrado, em setembro de 2016, ano de El Niño. Faltaram apenas dois centímetros para a quebra de recorde em outubro. Os tempos estão mudando. E boa parte dos principais rios do estado (incluindo as bacias do Juruá e Purus) está ou em situação de alerta ou atenção em fins de outubro, quando já deveria estar num nível seguro. 

Enquanto o Acre passa a sentir cada vez os efeitos das mudanças climáticas, o governo local nada faz para amenizá-los. Ao contrário. Desde 2019 o Acre vem tendo níveis recordes de desmatamento e queimadas impulsionada pela atual política de fazer do agronegócio o carro-chefe da nossa economia, transformando em cinzas toda uma floresta que pode gerar muito mais recursos do que um boi por hectare.

O ano de 2020, definitivamente, consagra-se como o mais trágico da década em registro de queimadas. No dia 26 deste mês, segundo o Inpe, o Acre superou os nove mil focos detectados. Até o dia 18 já tínhamos 248 mil hectares de cicatrizes de queimadas, também a maior área em 10 anos.     

E, sim, o aumento do desmatamento aqui tem efeitos diretos não apenas nas chuvas do sul maravilha, mas sobretudo em nós, amazônidas. Com menos floresta temos menos água sendo mandada para a atmosfera, o que reduz a quantidade de chuvas tão necessária para a nossa sobrevivência, do gado e da soja nas fazendas. Essa é a lógica. 

Os atuais mandatários do Acre e dos demais estados do Norte precisam entender que já vivemos uma emergência climática. Os sinais estão aí. É preciso garantir a proteção da floresta para o clima retomar seu equilíbrio. O Acre já tem sua potencialidade para a economia do campo. Não é preciso mais desmatar um único hectare. Precisamos de políticas de valorização da economia de base florestal - assegurando valor e mercado - para garantir renda às famílias da floresta. 

Essa não é a economia do futuro, é a economia do agora, assim como são as mudanças climáticas.  


Nenhum comentário:

Postar um comentário