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domingo, 4 de outubro de 2020

Uma história de resistência

Pandemia e os povos indígenas sete meses depois


Ti Kampa do Rio Amonea, do povo Ashaninka; isolamento e modo tradicional de vida evitam chegada do coronavírus (Foto: Agência Acre) 



@fabiospontes


O Brasil chega ao sétimo mês de efeitos da pandemia do novo coronavírus. Até este começo de outubro são mais de 145 mil vidas perdidas para a Covid-19. O número poderia ser bem menor se o país tivesse contato com uma política e estratégia nacionais de enfrentamento ao problema. Porém, desde o começo, lá em março, o governo de Jair Bolsonaro atuou para boicotar todas as medidas sanitárias adotadas por governos estaduais e prefeituras para conter o contágio. 

Preferiu tratar a doença como uma “gripezinha” cujas mortes não iam passar de 800. Ultrapassamos mais de 100 mil em seis meses, com o genocídio podendo ter sido bem maior caso as lideranças locais tivessem seguido o mesmo caminho do presidente da República.  

A pandemia não fez distinção de raça, credo, condições financeiras ou localização geográfica. O coronavírus chegou até as comunidades mais isoladas e remotas da Amazônia, como as aldeias indígenas. Os índios brasileiros ficaram ainda mais vulneráveis diante de uma política claramente anti-índigena adotada pelo governo desde janeiro do ano passado. 

Não sabemos ao certo quantos deles perderam a vida ou foram contaminados pela nova doença. O governo deixa de fora da contabilidade oficial os casos de indígenas que moram nas cidades, considerando em suas estatísticas apenas os aldeados. Mesmo assim, também se trata de um dado impreciso diante da incapacidade do estado levar atendimento de saúde de qualidade às comunidades em locais de difícil acesso, esquecidas do restante do país.    

De acordo com dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em todo o país estima-se em 837 índios mortos pela Covid-19, com 34.816 contaminados. São 158 diferentes povos afetados. Destes números, segundo a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), 670 mortes ocorreram aqui na região. O número se explica por a Amazônia ter a maior população indígena do país. 

No Acre, ainda conforme a entidade, são 27 mortes e 2.161 casos confirmados. Há registros de casos entre 14 das 16 etnias do estado. Desde o começo acompanhei o impacto do coronavírus entre os 24 mil indígenas acreanos que, além de sofrerem com a ineficiência do governo federal, ainda sentem o desprezo do governo local, deixando para agir apenas em agosto, e mesmo assim de forma atabalhoada. 

Para relembrar toda essa situação de março para cá, fiz uma seleção das principais reportagens publicadas aqui no blog sobre o tema. Foi e tem sido uma cobertura desafiadora. Toda apuração ocorre a distância, via telefone, conversando com as lideranças via WhatsApp desde suas aldeias nas localidades mais distantes do estado. Foi assim com a liderança Bira Yawanawa. Das cabeceiras do rio Gregório, em Tarauacá, ele contou como os Yawanawa adotaram um lockdown da floresta, construindo uma cerca no rio para controlar a entrada e a saída das embarcações.  

Não fossem essas medidas simples de autoisolamento adotadas pelos líderes, o impacto da Covid-19 entre as comunidades indígenas teria sido bem maior em toda a Amazônia. Outra medida de resultado foi recorrer à medicina tradicional, produzindo chás a partir das infinitas folhas e raízes da floresta. Muitos daqueles que apresentaram sintomas da doença foram tratados apenas com os chás e as rezas dos pajés. 

A preservação das tradições e conhecimentos seculares destes povos da Amazônia nunca se mostrou tão importante como agora. Infelizmente, parte desta memória foi perdida com a morte dos mais velhos e velhas. Agora, aos jovens cabe a missão de manter vivo tudo aquilo que aprenderam. Somente assim vão ter a sabedoria necessária para estes tempos de resistência a ataques promovidos por aquele que deveria protegê-los.   


Confira    


Coronavírus leva indígenas do Acre a "fechar aldeias" e interromper turismo


Sem assistência, Jaminawa que vivem nas cidades voltam para aldeias sem fazer exames





























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