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domingo, 11 de outubro de 2020

A mudança para pior

 Mudanças climáticas e políticas comprometem futuro da Amazônia - e dos amazônidas 


A cada dia que se passa, nós moradores da Amazônia, sentimos os efeitos das mudanças climáticas em nosso cotidiano. As temperaturas que já são altas de janeiro a dezembro estão cada vez mais elevadas. Para piorar, as chuvas ficam mais raras. É um clima quase de sertão na maior floresta tropical do mundo. Isso, por si só, desequilibra todo o ecossistema da região, agravada pela intensificação da ação humana. As alterações do clima, aliadas às políticas que fragilizam a proteção ambiental, fazem aumentar as dúvidas sobre a sobrevivência da Amazônia e seus 25 milhões de habitantes nas próximas décadas.

E aqui, neste canto do planeta chamado Acre, temos sentido muito os impactos das mudanças do clima e da aceleração  do processo de destruição da floresta ocasionado por um novo grupo político que assumiu os rumos do estado em 2019, carregando o que há de mais velho no pensamento político-econômico. Enquanto sofremos com um clima mais quente e seco em pleno período de transição para o “inverno amazônico”, os satélites do Inpe não deixam de captar o crescimento dos focos de queimadas. 

Este é o pior ano em uma década no registro de fogo em território acreano. Já superamos até 2010, visto como o mais crítico no período. Assim como agora, há dez anos enfrentávamos os efeitos de uma alteração do clima ocasionado pelo aquecimento do oceano Atlântico. Conhecido pela sigla em inglês AMO, seu efeito é reduzir a quantidade de chuvas na região sul da Amazônia. 

Entre 1 de janeiro a 10 de outubro de 2010, o estado teve 8.338 focos de queimadas. Agora, em mesmo intervalo de tempo, são 8.673. O que mudou de lá para cá? Quem ocupa a cadeira de governador. Naquele 2010 o Acre era governado por Arnóbio Marques de Oliveira Júnior, o Binho Marques (PT). Militante petista dos tempos de Chico Mendes e Marina Silva nos seringais, Binho deu continuidade à política de florestania implementada pelo antecessor, Jorge Viana (PT). 

Entre um dos objetivos dessa política estava a proteção da floresta contra o avanço da ação humana. Uma década depois, o Acre é governado por Gladson de Lima Cameli, cujo endereço partidário atual é desconhecido. Em 2018 foi eleito pelo Progressistas prometendo fazer do agronegócio a locomotiva da economia acreana, sepultando a florestania dos tempos petistas. 

Sua principal promessa para o setor era flexibilizar as regras ambientais do estado e tirar a fiscalização realizada pelo Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) do pescoço de quem queria produzir no campo. Em março de 2019, já como governador, Cameli declarou - em um ato público - que ninguém mais precisava pagar as multas do Imac “porque agora quem está mandando sou eu”. 

O resultado está aí: o Acre passou a quebrar recordes atrás de recordes quanto ao desmatamento e as queimadas. Em 2019 a área de floresta que veio a chão foi a maior da década. Em 2020, o rastro do fogo em solo acreano também já é o pior. Os efeitos das modificações no comportamento do clima ficaram agravadas pela mudança do ambiente político que estimula e deixa na impunidade quem agride a natureza. 

O governo nega que estimule tais práticas. Mostra que atua no combate aos crimes contra o meio ambiente. Apresenta até um centro integrado de gerenciamento, o Cigma. Ao mesmo tempo recebe em seu gabinete parte do setor ruralista insatisfeito com a atuação do Imac, cobrando a flexibilização da lei ambiental prometida na eleição de 2018. Cameli responde que trabalha para reduzir a burocracia, e o fogo vai ardendo pela zona rural.     

Todo este componente também é piorado com o cenário político em Brasília, cujo presidente e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, trabalham para a boiada passar sem o mínimo pudor. O desmonte do Ibama e ICMBio tem impacto devastador para a proteção da Amazônia, incluindo até as unidades de conservação que, em tese, deveriam estar livres desta degradação. 

A Reserva Extrativista Chico Mendes, no sudeste acreano, é a que mais queima hoje na região. Já são mais de mil focos dentro da unidade, fragilizada por falta de políticas do governo estadual e federal para o fomento à economia de base florestal. 

Enquanto a borracha e a castanha se desvalorizam, o boi fica a cada dia mais competitivo. O resultado é a transformação   dos seringais em pasto.  E ainda tem o efeito do projeto de lei (PL 6024) da deputada Mara Rocha (PSDB) e do senador Márcio Bittar (MDB) que desafeta áreas da Resex para beneficiar seus maiores desmatadores. 

O clima está mudando. Não me lembro de ter passado por um outubro com temperaturas tão quentes como nestes dias. Nesta época deveríamos estar convivendo com as primeiras chuvas de nosso inverno. Contudo, elas estão raras. As chuvas estão caindo em quantidade cada vez menor e num intervalo de tempo mais curto. Com isso, a floresta perde umidade; os rios ficam em níveis críticos. 

Na contramão, o fogo não para de se expandir. Fogo que, diga-se, é resultado não da ação da natureza, mas do homem. O homem que agora se sente respaldado pelo governador e pelo presidente para transformar a floresta em pasto, crente de que não será punido.  A “punição” passou a ser um tal Programa de Regularização Ambiental (PRA) que, na prática, não é cumprido pela grande maioria dos produtores. Ninguém quer saber de recompor a floresta desmatada, reduzir o pasto.

Com estes dois fatores atuando ao mesmo tempo - um clima diferente e a política de “passar a boiada” - aumenta-se o ceticismo sobre o futuro da maior floresta tropical do mundo, essencial para se manter a sobrevivência humana. Para justificar sua política do agronegócio, o governador do Acre disse que é fácil falar em preservação da Amazônia “quando se tem que colocar comida na boca de 26 milhões de amazônidas”. 

A se manter este ritmo de devastação da floresta, caro governador, não saberemos quantos amazônidas vão entrar em sua contabilidade para garantir comida nos próximos anos. Não dá para sobreviver sem as chuvas que alimentam nossos rios e irrigam o grão plantado pelo homem do campo. Sem floresta não há vida. Essa é a equação.     

        


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