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sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Análise

Mudanças climáticas e degradação do rio Acre são ameaças ao abastecimento, não a privatização 


Com margens desmatadas e impactado por poluição, rio Acre é a única fonte de água para 70% dos acreanos (Foto: Sérgio Vale)


O deficiente sistema de abastecimento de água em Rio Branco está no topo das questões debatidas entre os sete candidatos a prefeito da capital acreana. A estratégia é bater com frequência no tema da falta de água nas torneiras dos mais de 400 mil moradores da cidade para enfraquecer a candidatura à reeleição de Socorro Neri (PSB), apoiada pelo governador Gladson Cameli (partido incerto). Vamos tentar entender a situação como de fato ela é. 

Não é de hoje que o sistema de fornecimento de água deixa muito a desejar em Rio Branco e em todas as outras 21 cidades acreanas. Desde 2012, o serviço foi tirado das mãos das prefeituras, transferido para o governo estadual. A iniciativa foi do então governador Tião Viana (PT), que vendo a possibilidade de a oposição assumir a prefeitura da capital, decidiu “estadualizar” tanto a distribuição de água como a coleta de esgoto. 

Foi criado o Departamento de Pavimentação e Saneamento, o Depasa. Com a eleição de Gladson Cameli para o governo, o que já era ruim ficou pior. O governador loteou os órgãos do estado entre os aliados, entregando o Depasa ao MDB. Este ano a polícia descobriu um esquema de corrupção na estrutura da autarquia, ocupada por indicados do senador Márcio Bittar (MDB). 

Com muitos bairros ficando dias sem receber água potável, o tema não poderia ficar de fora da campanha municipal. Os adversários do governo - sobretudo o PT - acusam Gladson Cameli de querer privatizar o Depasa, o que tornaria o serviço ainda mais precário. Fazem uma analogia com a venda da antiga Eletroacre, comprada pela Energisa. Na avaliação dos críticos, além de não garantir melhorias, a privatização da água traria o mesmo efeito da luz: o aumento da tarifa ao gosto da empresa. 

Neste ponto eles estão certos. Porém, a maior ameaça a um colapso no sistema de fornecimento de água potável para os moradores de Rio Branco é outro: o longevo processo de degradação da Bacia do Rio Acre, única fonte de abastecimento para a capital e todos os demais municípios às suas margens. A perda de quase toda a mata ciliar do manancial - mais o despejo de toneladas de esgoto in natura - podem deixar o rio sem condições de garantir água para 70% da população acreana num futuro nem tão longínquo.  

A isso se soma o acelerado efeito das mudanças climáticas que afetam essa porção sul da Amazônia. Em pleno "inverno amazônico", o nível do rio Acre chegou bem perto do volume mais crítico já registrado desde 1970, em setembro de 2016, ano de El Niño. Em outubro último, quando já deveríamos ter chuvas constantes, faltaram apenas dois centímetros para a quebra do recorde. 

Os tempos estão mudando. As chuvas estão ficando cada vez mais escassas, caindo em quantidade menor. O período de chuvas está ficando cada vez mais curto, e a estiagem mais severa e longa.  E o rio Acre depende exclusivamente da água que cai do céu para ter condições de “alimentar” as estações de captação. 

Mesmo com todas essas ameaças, a questão ambiental não é debatida entre os candidatos a prefeito de Rio Branco. Aos petistas, é melhor atacar os adversários com o discurso da privatização do que reconhecer sua omissão de duas décadas de nada fazer para amenizar a degradação do rio Acre. Enquanto os candidatos fazem falsas promessas de solucionar a questão da água, nada é proposto para garantir que a principal fonte do líquido não entre em colapso de vez daqui alguns poucos anos. 

De nada fará diferença se o sistema for privado ou estatal se não houver água a ser captada. Essa é a lógica que não é apresentada ao eleitorado de Rio Branco. Muito mais do que uma questão político-ideológica, o futuro da garantia de água na torneira dos rio-branquenses passa pelo debate ambiental, da nossa capacidade de recuperar o rio Acre e adotar medidas para mitigar os efeitos das mudanças do clima. 

E na minha modesta opinião de observador político, os candidatos que mais representam ameaças à questão ambiental são Minoru Kimpara (PSDB), Tião Bocalom (PP) e Roberto Duarte (MDB). Minoru Kimpara é oficialmente o candidato da familiocracia Rocha, que tem um projeto familiar de poder liderado pelo vice-governador Major Rocha (PSL). 

Neste grupo está a deputada federal Mara Rocha, que no Congresso é uma parlamentar bolsonarista e de postura altamente antiambiental. Portanto, ao se acercar de tais pessoas, Minoru Kimpara também se torna uma ameaça ao meio ambiente. 

Roberto Duarte tem como padrinho político o senador Márcio Bittar, cuja visão de retrocesso ambiental nem precisamos comentar. Tião Bocalom é o candidato do setor rural. Sua visão está sempre voltada em fortalecer o campo, o que representa fragilizar as políticas de proteção da floresta que sobrou no entorno de Rio Branco. A atual prefeita Socorro Neri é a candidata do governador Gladson Cameli, cuja gestão leva o Acre a bater recordes nas taxas de desmatamento e queimadas.  

Portanto, este é o quadro nem tão sustentável para a capital do Acre na eleição municipal de 2020, e que será refletido pelos próximos quatro anos. Infelizmente a questão ambiental não está entre as prioridades de nossa classe política, muito menos do eleitorado. As consequências desta nossa omissão podem ser desastrosas num futuro nem tão distante assim. 

Afinal, a mudança do clima é algo que já vivemos hoje. Será nossa capacidade de resiliência que vai assegurar ou não a água nas nossas casas - e a nossa consequente sobrevivência. 


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