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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

forças econômicas

 Força política e econômica do garimpo em RR são desafios para desintrusão da TI Yanomami


Em duas operações de combate à lavagem de dinheiro, PF aponta que atividade movimentou quase meio bilhão de reais em cinco anos; bolsonarismo resistente faz garimpo ser bem visto por parte da sociedade 

 

A desintrusão da Terra Indígena (TI) Yanomami desencadeada há uma semana revela que os desafios do governo Lula para retirar mais de 20 mil garimpeiros que invadiram a área não estão restritos aos campos operacionais e de logística, mas também no território econômico e político roraimense, onde o bolsonarismo sobrevive com bastante força. As fortes e históricas relações de lideranças políticas e econômicas locais com o garimpo levam as operações tocadas pelo governo federal encontrar resistência não só por quem sobrevive da atividade ilegal, mas também de uma parcela da população local. 

No centro de Boa Vista, o monumento do homem com a peneira em mãos garimpando a terra em busca do precioso ouro simboliza bem a força que a mineração possui na construção de Roraima.

As votações dadas a Jair Bolsonaro (um dos maiores entusiastas da atividade garimpeira do país) nas duas últimas eleições presidenciais expõem a vitalidade não apenas do garimpo, mas também do agronegócio – e consequentemente uma agenda antiambiental – entre os cidadãos roraimenses. No segundo turno das eleições de 2022, Bolsonaro obteve 76% dos votos válidos em Roraima.

A reeleição folgada em primeiro turno do governador Antônio Denarium (PP) é outro claro sinal disso. Nos primeiros quatro anos de mandato, Denarium adotou medidas pró-garimpo, como a sanção ao projeto de lei que impedia as forças estaduais de segurança de destruírem maquinários durante as operações ambientais.

Com ou sem a lei, é pouco difícil saber se agentes estaduais teriam disposição para queimar equipamentos de garimpeiros. Em dezembro do ano passado, o secretário de Segurança Pública de Roraima, o coronel da PM Edison Prola, foi acusado de vazar uma operação de desintrusão na TI Yanomami. Já naquela época, ((o))eco mostrava que a retirada de garimpeiros da região seria o primeiro desafio do então presidente eleito Lula numa Amazônia bolsonarista.

Desde agosto de 2022, aliás, ((o))eco acompanha de perto o processo eleitoral na região, mostrando que em Roraima, até mesmo candidato do PV ao governo apresenta projetos simpáticos à mineração. 


Os lucros do garimpo

Já agora no poder, o presidente Lula precisa ter muito mais do que bases militares para garantir a retomada do território Yanomami pelo Estado brasileiro, mas também bases políticas locais sólidas. Apenas a força do aparato federal parece ser insuficiente. A divulgação de áudios mostrando a disposição de garimpeiros para voltar à TI tão logo a poeira baixe retrata o desafio para que Brasília não fique apenas a enxugar gelo.

Os elevados lucros proporcionados pela extração criminosa de ouro em terra indígena alimenta a indústria garimpeira – que se baseia desde a venda de combustível, comida, ferramentas, até o aluguel de aeronaves e retroescavadeiras.

Nesta terça-feira (14), a Polícia Federal voltou a fazer operações cujo alvo é o sistema financeiro que fomenta o comércio ilegal de ouro roubado da TI Yanomami. Ao todo, segundo as investigações, a quadrilha é suspeita de movimentar R$ 422 milhões nos últimos cinco anos. A Justiça expediu 16 mandados de busca e apreensão cumpridos em Roraima, São Paulo e Goiás. A PF ainda pediu o bloqueio de bens dos investigados.

Na sexta passada, dia 10, a PF tinha deflagrado a primeira operação cujo objetivo era o combate ao esquema de lavagem de dinheiro envolvendo o ouro extraído da TI Yanomami. Entre os investigados estão a irmã do governador de Roraima, Vanda Garcia de Almeida, e um sobrinho de Denarium. Segundo a polícia, a organização movimentou outros R$ 64 milhões em dois anos. Os valores divulgados dão uma dimensão do capital proporcionado pelo garimpo dentro do território indígena.     

Já no campo do combate operacional ao garimpo, cujas operações são lideradas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), dragas, aeronaves e maquinários são destruídos. De acordo com balanço divulgado na segunda-feira (13), até agora quatro aeronaves, seis balsas e um trator de esteira foram inutilizados – ou seja, queimados. Embarcações, combustíveis (seis mil litros) e geradores foram apreendidos.

Essa uma semana de operações de desintrusão da TI Yanomami é apenas o começo para a retomada de uma vasta área do bioma amazônico controlado pelo crime. A outra frente é a recuperação do estado de saúde das crianças e adultos Yanomami afetados pela desnutrição e malária, cujas imagens chocaram todo o mundo.

A retomada do território Yanomami está apenas no começo, assim como o governo Lula e suas promessas de reconstrução da política ambiental brasileira. A herança do governo Bolsonaro para a gestão ambiental ainda precisa de muito tempo e articulações políticas com as forças locais para ser desfeita.  


Reportagem produzida para ((o)) eco

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