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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

a serviço da resistência

Não fosse a resistência dos servidores, a situação estaria bem pior, diz ex-chefe da Resex Chico Mendes

 

Perseguido e ameaçado por seu trabalho numa das áreas protegidas mais pressionadas pelo agronegócio, Flúvio Mascarenhas fala sobre a atuação do ICMBio na região durante os 4 anos do governo Bolsonaro

 

Flúvio: a gente só queria sair do inferno (Foto: Fabio Pontes)

O analista ambiental Flúvio Mascarenhas, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), pode ser definido como uma das melhores personificações do que foi a vida dos servidores ambientais durante os quatro anos do governo Jair Bolsonaro (PL). Há 13 anos exercendo a função no Acre, Flúvio foi perseguido pelos superiores, demitido duas vezes da chefia da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes – uma delas diretamente por Ricardo Salles – e também ameaçado de morte por infratores ambientais insatisfeitos com o seu trabalho, numa das unidades de conservação da Amazônia mais desmatada no período 2019-2022: 305 km2, segundo o INPE. 

Ele e os colegas sofreram perseguições e assédios morais por parte de seus chefes, muitos deles policiais militares indicados pelo ex-ministro do Meio Ambiente. “A missão deles lá dentro, não falo de todos, era perseguir, desmobilizar e desaparelhar. Essa era a missão que eles tinham. Era ligar para o servidor para passar recado”, diz Flúvio.

Ele viu colegas serem demitidos pelas questões mais simples possíveis, no exercício legal de suas funções, e que retornaram aos cargos graças a sentenças judiciais. Muitos deles, afirma, ficaram traumatizados, enfrentaram perrengues, ficaram desmotivados e doentes, necessitando de ajuda psicológica. “Eu costumo dizer que a gente não queria estar no paraíso, mas só sair do inferno mesmo. A sensação de normalidade dentro do serviço após as eleições já te deu até um ganho de qualidade de vida.”  

Formado em engenharia florestal pela Universidade Federal do Acre (Ufac) e mestrado em Gestão de Áreas Protegidas da Amazônia, pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Flúvio conhece como poucos a realidade da Resex Chico Mendes. Demarcou a reserva com seus quase um milhão de hectares de ponta a ponta. Foi o chefe da UC por duas ocasiões: entre novembro de 2018 a julho de 2019, e abril a julho do ano passado. Em todos os casos, demitido por pressões políticas.

Após quatro anos de anonimato e falando sempre em off com jornalistas, enfim Flúvio se sente à vontade e seguro para mostrar a cara e conversar com ((o))eco, em Rio Branco. Ele faz uma análise do que foi ser um servidor ambiental no Brasil durante o governo Bolsonaro, e o que espera, agora, com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência da República.


((o))eco: O que foram, ou o que representaram, estes últimos quatro anos de governo Jair Bolsonaro para os servidores ambientais do Brasil?

Flúvio Mascarenhas: Representaram um pesadelo que se acabou no dia 30 de outubro de 2022, com a eleição do presidente Lula, ganhando as eleições declarando apoio a todos os servidores que realmente lutaram e que foram de resistência no combate aos ilícitos ambientais; não fomos poucos. A gente tinha uma noção que os quatro anos de governo Bolsonaro iam ser um inferno, iam ser um deus-nos-acuda, e de fato foram. Perseguição com achincalhamento, personalização e perseguição de servidores. Os servidores eram tolhidos de falar. Então, os servidores ambientais foram os que mais sofreram porque estavam na linha de frente no combate ao desmatamento, ao garimpo ilegal. Não podia destruir equipamento, não podia fazer notificação de saída para os invasores de terras públicas. Foi uma série de sofrimentos que esses funcionários passaram. Teve muita gente que adoeceu, muita gente que passou por perrengues. Teve muita gente que foi demitida e que voltou graças à Justiça, mas ficaram traumatizadas. Teve muito assédio. Foram quatro anos de lutas, mas houve muita entrega também. Muita entrega por parte dos servidores que têm a causa ambiental, que reconhecem as populações tradicionais lá dentro [das unidades de conservação], e colocaram isso na linha de frente. Nessa época, as pessoas mais humildes dentro das reservas extrativistas não tinham voz, elas ficaram invisíveis. Elas não existiam para essas pessoas que ficaram no poder durante esses quatro anos. Eu costumo dizer que a gente não queria estar no paraíso, mas só sair do inferno mesmo. A sensação de normalidade dentro do serviço após as eleições já te deu até um ganho de qualidade de vida.   


Leia a entrevista completa em ((o)) eco

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