Páginas

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Fronteira seca - muito seca

Vazante do rio Acre torna ineficaz fechamento da tríplice fronteira entre Brasil, Bolívia e Peru


Fronteira Brasil/Bolívia entre os estados do Acre e Pando, separada pelo igarapé Bahia (Foto: FPontes/2020)



O rio Acre é a demarcação natural da tríplice fronteira entre Brasil, Bolívia e Peru. Contudo, o acesso de um lado ao outro não se dá por via fluvial, mas por uma rodovia - a BR-317 -, as pontes e os ramais, que são as nossas estradas de terra. Essa interligação terrestre entre os países é conhecida como fronteira seca. Com a intensificação do “verão amazônico”, que reduz de forma significativa as chuvas na região, e, consequentemente, o nível dos rios, a fronteira fica ainda mais seca. 

No caso do rio Acre - manancial que depende diretamente da água que cai do céu para ficar num volume seguro para a navegação - nesta época do ano é possível ir de um lado ao outro da fronteira cruzando-o a pé. O nível é tão baixo que as praias às margens quase se conectam ao bancos de areia no leito do manancial. Tal comportamento ocorre com mais frequência nas regiões de cabeceira do rio, onde fica a tríplice fronteira.

Desde 20 de março as fronteiras brasileiras com os vizinhos estão fechadas por conta da pandemia do novo coronavírus. O trânsito de pessoas e veículos está proibido. Nas pontes que conectam um país ao outro apenas barricadas e soldados dos exércitos de ambos os países são vistos. A presença deles é o que impede o fluxo, sobretudo, de pessoas.

Com o nível crítico do rio Acre neste mês de agosto, brasileiros, bolivianos e peruanos conseguem se reconectar atravessando a pé o manancial - longe dos olhos dos guardas. Esta facilidade é também aproveitada pelos imigrantes que há meses esperam pela oportunidade de entrar ou sair do Brasil. Um grupo de venezuelanos mora em barracas montadas na ponte binacional Brasil-Peru, no município de Assis Brasil.

Atingidos em cheio pelo fechamento das fronteiras, traficantes de drogas também aproveitam a conexão geográfica facilitada pelo clima seco para fazer circular suas “mercadorias”. Não à toa a quantidade de drogas apreendidas nos últimos tempos no Acre disparou, após a escassez observada logo nas primeiras semanas após o fechamento das fronteiras. À época escrevi uma reportagem para a piauí relatando o caso.

O fechamento da tríplice fronteira causa muitos transtornos para os moradores da região conhecida como MAP, que é a sigla para Madre de Dios (Peru), Acre (Brasil) e Pando (Bolívia). Cobija, a capital do departamento de Pando, é a mais afetada por depender diretamente das integração econômica com as cidades acreanas de Brasileia e Epitaciolândia. Parte dos alimentos consumido na cidade de 100 mil pessoas sai dos mercados do outro lado da fronteira. 

A fronteira Pando-Acre também depende do turismo para movimentar sua economia. Muitos brasileiros vão a Cobija para comprar bugigangas baratas em Cobija, além de buscar atendimento médico mais em conta. Na capital de Pando também há faculdades de medicina onde estudam dezenas de brasileiros.

Com os guardas impedindo o vaivém de pessoas pelas passagens oficiais da fronteira, muitos se arriscam a atravessar o rio Acre e igarapés que separam um país do outro. Com a escassez de chuvas típica de agosto, é possível fazer a travessia internacional como a “água nas canela”, como diz o bom acreanês.

Segundo o boletim desta segunda-feira, 6, da Sala de Situação mantida pelo governo para acompanhar o nível dos rios e a quantidade de queimadas no estado, o rio Acre, em Brasíleia, atingiu a marca de 1,30m, o que o deixa em situação de alerta máximo por conta da vazante. O boletim não apresenta a medição em Assis Brasil, onde está a cabeceira do manancial.

A previsão para o trimestre julho-agosto-setembro do Instituto Nacional de Meteorologia (inmet) aponta uma probabilidade de chuvas abaixo do normal para o período na região da Bacia do Rio Acre; ou seja, com menos chuva o nível do rio vai descer ainda mais. Sinal nada bom, já que ele é a única fonte de abastecimento de água para 70% dos moradores do estado.

Se houver um colapso no fornecimento de água por aqui, bom seria que o governo brasileiro liberasse as fronteiras para sairmos por aí em busca de uma fonte. Aliás, creio ser muito difícil algum de nossos vizinhos aceitar a presença de pessoas oriundas de um país que é um dos epicentros do coronavírus no mundo.

Só nos resta fazer a dança da chuva para não morrermos de sede na pandemia...
    

Leia também: Destruição da Resex Chico Mendes ameaça acesso à água potável de quase 70% dos acreanos 

Nenhum comentário:

Postar um comentário