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domingo, 30 de agosto de 2020

A fumaça e o vírus

Fumaça das queimadas aumenta risco de doenças respiratórias no Acre 


Nos dias mais críticos de incêndios, ar respirado pelos moradores da capital Rio Branco apresentava níveis de contaminação até 10 vezes superior recomendado pela OMS; falta de chuvas também ameaça abastecimento de água para 70% da população  


Bombeiro combate fogo em área de vegetação numa manhã de Rio Branco; já são mais de 3 mil ocorrências do tipo (Foto: Sérgio Vale/Amazônia Real)



@fabiospontes

Na noite do dia 16 de agosto, a taxa de poluição no ar respirado pela população em Rio Branco, capital do Acre, foi de 160.3 ug/m3 (microgramma por metro cúbico). O recomendado à saúde humana pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 25 ug/m3; ou seja, os rio-branquenses inalaram um ar seis vezes mais poluído. Dez dias depois, na madrugada de quinta-feira, 27, o sensor que mede a qualidade do ar instalado na região central de Rio Branco registrou uma máxima concentração de material particulado PM2.5 (material particulado fino ou, em inglês, particulate matter) de 386,11 ug/m3. 

A causa para um ar tão contaminado é a fumaça das queimadas que tem entre os seus componentes o monóxido de carbono e o dióxido de nitrogênio, além de micropartículas conhecidas como PM2.5. Estudos apontam que uma exposição prolongada a estes componentes pode levar ao desenvolvimento de doenças cardíacas por também entrarem na corrente sanguínea.

A “temporada de queimadas” começou no mês de julho e acontece em áreas de pecuária e agricultura após os desmatamentos, inclusive em áreas de floresta nativa. Em 2020 os efeitos da poluição da fumaça ficaram mais críticos diante da pandemia do novo coronavírus, decretada em 11 de março pelo OMS. Os sintomas da Covid-19 são semelhantes ao de problemas de saúde causados pela exposição a um ar poluído. Dessa forma, todos os casos de problemas respiratórios - seja por conta da infecção pelo Sars-CoV 2 ou por inalar fumaça -  vão para as estatísticas oficiais como SRAG: Síndrome Respiratória Aguda Grave.

A jornalista Angélica Paiva é o exemplo de como a saúde humana pode ser afetada pela fumaça das queimadas em tempos de coronavírus. No começo de agosto ela foi diagnosticada com Covid. Apresentou sintomas leves e fez o tratamento em casa. O principal problema, lembra ela, era ter que conviver com o vírus, mais as consequências de um ar tomado pela fumaça das queimadas.

 “Houve um dia em que o cheiro de fumaça estava tão forte que fiquei sem ar, e precisei fazer nebulização. Eu tive a sorte de a Covid não afetar os meus pulmões, mas o estrago que ela não fez, as queimadas completaram”, define Angélica Paiva.

Essa maior presença de material poluente no ar está relacionada diretamente com o aumento no registro das queimadas urbanas e rurais. Quanto mais vegetação é incendiada, mais partículas são emitidas e inaladas pela população, afetando, sobretudo, o sistema respiratório.

“Quando acontece a queimada ela vai emitir material particulado no ar. Essas partículas, dependendo do tamanho, causam problemas que vão desde algo simples como uma tosse, uma irritação no nariz ou nos olhos, até se desenvolver uma infecção pulmonar, a depender do tempo de exposição a esse ar poluído”, explica William Flores, professor da Universidade Federal do Acre (Ufac) e doutor em Ciências das Florestas Tropicais pelo Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Flores lidera a equipe do Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (LabGama), responsável pela produção e análise de dados sobre a qualidade do ar no Acre. De acordo com ele, a maior presença de material particulado no ar agrava o quadro de saúde de pessoas infectadas pelo coronavírus, cujos efeitos principais é o ataque ao sistema respiratório. Pessoas portadoras de doenças respiratórias crônicas como a asma integram o chamado grupo de risco da Covid-19, e também são prejudicadas pela fumaça. 

 “Há estudos publicados nos Estados Unidos mostrando que em regiões onde o nível de poluição do ar é muito elevado você aumenta significativamente a probabilidade de morte por Covid”, comenta Flores.  

“Historicamente a Amazônia não é vista como uma região com ar poluído como são os grandes centros urbanos do país. Mas aqui temos esta atipicidade entre agosto, setembro e outubro que é o uso do fogo como uma tecnologia para a conversão de biomassa florestal para fins de adubação do solo”, diz. Porém, como o pesquisador ressalta, essa queima da biomassa também tem como efeito a liberação de gases poluentes que é absorvido pelo sistema respiratório. 

De acordo com o boletim epidemiológico desta sexta-feira (28) da Secretaria de Saúde do Acre (Sesacre), o estado tem registrado, desde o dia 17 de março, 24.462 pessoas foram infectadas pelo coronavírus, com 608 mortes.   

Ainda de acordo com dados da Sesacre, 1.316 pessoas foram hospitalizadas em Rio Branco, capital do Acre, durante este ano por SRAG. O pico das internações aconteceu em maio, quando a capital do estado estava em curva crescente nos casos da Covid-19, e as queimadas ainda eram uma realidade distante do cotidiano dos acreanos, como passou a ser desde meados de julho. 

Em junho e julho a quantidade de pessoas hospitalizadas por SRAG foi reduzido após o pico de maio. Foi exatamente neste período que o Acre começou a apresentar redução nos casos de infectados pelo coronavírus. Os dados da secretaria apontam uma expressiva diminuição de SRAG em agosto, quando o estado atingiu o maior nível na redução de contaminados e mortos por Covid-19, mas está no pico do registro de queimadas. 

De 274 pessoas internadas em julho, o número caiu para 71 até o dia 18 de agosto. Enquanto a Covid-19 parecia estar sob controle, o ar nas cidades ia ficando sem condições de respirar pela fumaça das queimadas que não paravam de aumentar nos meses mais secos e quentes.

Estimativa de estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), aponta que, em 2019, 2.195 pessoas moradoras dos estados que formam o bioma Amazônia foram hospitalizadas por problemas respiratórios causados pela fumaça oriunda do desmatamento. A maioria dos pacientes (1.080) era composta por pessoas acima de 60 anos, que também integram o grupo de risco da Covid-19.

Dos 3.325 focos de calor registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no acumulado deste ano, 2.098 ocorreram entre 1 e 28 de agosto. Este pico se justifica por agosto ser o mês que apresenta as condições ideais para o uso do fogo: longos dias sucessivos sem chuva, baixa umidade e temperatura elevada. E é também em agosto que o ar respirado pelos acreanos está em suas piores condições. A situação é ainda mais preocupante por os 30 dias de setembro também apresentarem as mesmas caraterísticas. 

Em relação a 1o. de janeiro a 28 de agosto de 2009, quando o Inpe registrou 3.009 focos de calor no Acre, em 2020 o aumento de queimadas é de 10,5% em relação ao mesmo período do ano passado. 

As queimadas típicas desta época do ano na Amazônia - seja para fins de limpeza de roçados e pastagens ou para a queima de floresta recém-desmatada - representam a principal contribuição do Brasil para a emissão de gases do efeito estufa. Além de causar impactos diretos para o meio ambiente e a saúde da população local, estes incêndios causam desequilíbrio no clima de todo o planeta. 


Leia a reportagem completa na agência Amazônia Real  

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