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sexta-feira, 21 de agosto de 2020

A violência e o terror se espalham

Facções criminosas ameaçam integridade dos povos indígenas do Acre 


Essa semana, dois jovens Huni Kuin de Feijó foram executados de forma bárbara por integrantes da facção que domina a região do Tarauacá/Envira 


Porto do rio Envira, em Feijó, local de intenso movimento de indígenas no caminho entre cidade e aldeias (Foto: Fabio Pontes/2020)


@fabiospontes 

Além da invasão de seus territórios para retirada de madeira, pesca e caça ilegais, a pressão do desmatamento no entorno para expansão da pastagem e grilagem, as comunidades indígenas do Acre passaram a se ver ameaçadas por outro grave problema: o assédio das facções criminosas. A morte cruel de dois jovens Huni Kuin menores de idade essa semana no município de Feijó é o exemplo da infiltração destas organizações do crime entre uma parcela da população indígena acreana. 

Desde 2016, o Acre enfrenta uma crise de segurança pública por conta da atuação das facções oriundas de São Paulo e do Rio de Janeiro pelo controle da rota internacional do tráfico da droga produzida pela Bolívia e o Peru. Por ter uma extensa faixa de fronteira com estes dois países, o Acre se tornou estratégico para a entrada, no Brasil, da cocaína produzida pelos vizinhos. 

Com a quase ausência das forças policiais nesta faixa de fronteira formada por uma densa selva, os traficantes usam os rios e as trilhas na floresta para o transporte da droga. Outra estratégia de escoamento são os ramais (estradas de terra) que vão de um país a outro. Assim, comunidades ribeirinhas, indígenas e assentamentos passaram a ser assediadas pelas organizações criminosas. 

Cooptar jovens indígenas é visto como estratégico por eles dominarem o modo de sobrevivência no meio de uma floresta hostil. Com as habilidades de quem nasceu e foi criado na mata, eles sabem como poucos andar por dias em caminhos longe dos olhos da polícia.  

Dessa forma se tornam “soldados do crime”, podendo integrar uma das duas principais facções atuantes no Acre: o Comando Vermelho e o B13, grupo local aliado ao Primeiro Comando da Capital (PCC). 

Ao se alistarem neste exército do crime, os jovens indígenas precisam seguir as suas regras de conduta. Desrespeitá-las tem como punição o pagamento com a própria vida - e geralmente uma morte bárbara. É o que pode ter ocorrido com os dois jovens Huni Kuin encontrados mortos na manhã de quinta, 20, às margens do igarapé do Diabinho, entre Feijó e Tarauacá. 

Um deles estava sem a cabeça; o outro com as orelhas cortadas. Os corpos foram encontrados por uma pessoa que passava pelo local e chamou a polícia. De acordo com o comandante da PM de Feijó, tenente Mendonça, as primeiras investigações apontam que os jovens foram mortos por quebra das regras da facção a que pertenciam, o Comando Vermelho. 

Eles foram retirados de suas casas na cidade às nove horas de terça-feira, 18, e achados mortos dois dias depois. Segundo o comandante, dois suspeitos foram presos por participação na execução, entre eles um menor; outros dois estão foragidos, incluindo também um menor de 16 anos. 

Em dezembro, o Comando Vermelho tomou de assalto o município de Tarauacá após, dias antes, ter conquistado 100% o território de Cruzeiro do Sul, a segunda maior cidade do Acre. Tarauacá e Feijó são cidades vizinhas, separadas menos de 50 km pela BR-364. Antes dessa invasão a região era controlada pelo B13/PCC. Ter seu domínio é estratégico para o tráfico de cocaína peruana, por os seus rios nasceram no país vizinho.  

É nesta região dos Vales do Juruá e Tarauacá/Envira que se concentram 90% das terras indígenas do Acre e, consequentemente, da população indígena. Por suas aldeias passam os rios mais estratégicos para o tráfico de drogas, deixando-os expostos a atuação destas organizações do crime. 

Em março do ano passado a agência Amazônia Real publicou reportagem mostrando as ameaças a que comunidades indígenas do Acre estavam expostas diante do avanço das facções pela zona rural, após deixar um banho de sangue pelas periferias das cidades acreanas. A reportagem citava a Terra Indígena Katukina/Kaxinawá - de onde eram os jovens executados  - como uma das mais expostas. 

A situação é grave e mostra a necessidade de proteger as populações indígenas e seus territórios da influência destes grupos criminosos que tanto mal têm feito ao Acre nos últimos anos, matando cruelmente centenas de jovens e aterrorizando a população. Que esta chaga urbana não se expanda para as comunidades ribeirinhas e indígenas onde ainda há um pouco de paz. O mal precisa ser cortado pela raiz. 


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