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segunda-feira, 9 de março de 2020

Resex Chico Mendes 30 anos


Esta semana - precisamente no dia 12 de março - a Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes completa 30 anos de existência. Ao contrário do que disse um senador da República bastante ignorante sobre as questões do Acre (Márcio Bittar), a primeira unidade de conservação do país no modelo reserva extrativista não foi criada pelos governos petistas, mas sim por um decreto de 1990 do então presidente José Sanrey, do MDB, mesma sigla do parlamentar. 

E a Resex, podemos dizer, chega a suas três décadas de existência sem muito o quê comemorar. É justamente neste momento que ela passa por uma das maiores ofensivas contra seus marcos legais e contra as políticas públicas que garantem sinal de vida ao extrativismo. Se aprovado, o projeto de lei da deputada federal Mara Rocha (PSDB) - uma das principais vozes da bancada da motosserra no Congresso - que exclui áreas dos mais de 970 mil hectares abrirá as porteiras para alavancar ainda mais o desmatamento.

Portanto, posicionar-se contra a proposta é garantir a proteção de uma das últimas áreas de floresta na região do Acre mais impactada pela agropecuária, onde milhares de hectares de mata viraram pasto ao longo dos últimos 40, 50 anos. Com a política do atual governo local de fomentar o agronegócio, afrouxando a legislação ambiental, deixar a Reserva Chico Mendes intocável dentro da legislação é essencial para garantir a manutenção de um pedaço da Amazônia em pé.

Desde 2012 escrevo sobre esta emblemática unidade de proteção natural. Por ter sido idealizada e levar o nome de um dos maiores símbolos mundiais da causa ambiental, a Reserva Chico Mendes chama a atenção por conta do debate da relação (conflituosa) pecuária e Amazônia. Nos últimos anos a grande questão é sobre a viabilidade econômica do extrativismo. A extração do látex e a coleta de castanha são as principais atividades de base florestal, com o manejo madeireiro comunitário vindo bem depois.

Para muitos, porém, elas sozinhas não são capazes de garantir uma fonte segura de renda para as famílias, o que as empurra para a retirada ilegal de madeira e a criação de boi. A pecuária é, sim, hoje a principal atividade econômica dentro da unidade de conservação. O extrativismo - que deveria ser a fonte principal de renda - está em segundo plano. Uma complementação de renda.  Essa dualidade entre economia de base florestal e a agropecuária pode ser entendida melhor numa reportagem que fiz em 2018 para a Veja. 

Vários projetos foram desenvolvidos nos últimos 20 anos pelos governos petistas para garantir algum fôlego à economia extrativista. O mais importante foi a fábrica de preservativos Natex, sediada em Xapuri. O empreendimento estatal chegou a ter muito sucesso nos primeiros anos de vida, indo à falência não muito tempo depois. A falta do insumo principal (o látex natural) mais as ingerências políticas dentro do empreendimento são apontadas como as causas de sua bancarrota.

Houve a construção de uma fábrica que trabalharia com a madeira retirada de manejo sustentável. Numa parceria público-privada, ela também teve vida curta, sendo ressuscitada mais recentemente por uma indústria de São Paulo que opera com as toras retiradas a partir de um manejo de base comunitária - que vem dando certo até aqui.

Para garantir mercado aos produtos da floresta, os governos passados criaram uma política de subsídio, sobretudo para a borracha. Desde 2019, com a chegada do Partido Progressista ao poder, o governo vem dando um calote nos extrativistas, deixando de pagar o incentivo. Isso, mesmo com o recurso assegurado, já que é proveniente do programa de pagamento por redução do desmatamento, financiado pelo banco alemão KFW e o governo britânico.

Com a falta de incentivo, sem políticas de apoio ao extrativismo e ancorados pelos discursos de Jair Bolsonaro e do governador Gladson Cameli, alguns moradores (muitos deles invasores) da Reserva Chico Mendes aceleram seu processo de degradação ambiental. O lobby dos moradores que já transformaram estradas de seringa em grandes fazendas junto à bancada da motosserra também agrava a situação.

A efeméride desta importante unidade de conservação é o momento de chamar a atenção do Brasil e do mundo para o que vem acontecendo aqui nesta parte da Amazônia. Muitas pessoas morreram para garantir a proteção desta porção de floresta - incluindo Chico Mendes.

Ao invés de capangas com espingardas de tocaia esperando suas vítimas, hoje a maior ameaça vem de representantes eleitos pela sociedade, que usam mecanismos legais apenas para atacar seus adversários políticos. O PL da dupla Mara Rocha e Márcio Bittar nada mais é do que isso. Para eles, a desafetação da reserva é apenas uma forma de atingir o petismo acreano e sua florestania. Uma patética guerra ideológica que alimenta a eles e seu eleitorado. Eles não estão nem um pouco preocupado com o desenvolvimento do Acre, como tanto pregam.

O que está em jogo não é apenas a manutenção de uma unidade de conservação que leva o nome de Chico Mendes, mas uma enorme área de floresta rica em biodiversidade. Uma floresta que assegura o equilíbrio das chuvas tão essenciais para o agronegócio. Defender a fragilização de mecanismos legais para privilegiar um grupo de desmatadores é defender o ilegal, o criminoso. É colocar em risco a sobrevivência desta e das futuras gerações.

Vida longa à Reserva Extrativista Chico Mendes. 
Vida longa à Amazônia.           

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