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sexta-feira, 27 de março de 2020

Elogiar não presta

Até o início desta semana, o governador do Acre, Gladson Cameli (PP) vinha sendo bastante elogiado nas redes sociais - até por seus adversários políticos e críticos (incluindo eu) - por conta das medidas adotadas para conter o avanço do coronavírus no estado. Mas bastou elogiar demais para vir as primeiras lambanças. A mais óbvia foi flexibilizar o decreto que restringe a circulação de pessoas, determinando o fechamento do comércio.

A segunda foi em não garantir a estrutura necessária no sistema público de Saúde para a realização dos testes para a Covid-19. Em entrevista à TV Gazeta nesta sexta-feira, 27, o responsável pelo Laboratório Charles Mérieux, o médico Andreas Stocke, afirmou que os números oficiais divulgados pela Secretaria de Saúde sobre os casos confirmados de contaminação pelo novo coronavírus podem estar bem abaixo da realidade. Ou seja, há um elevadíssimo número subnotificações.

Estes são aquelas pessoas que se contaminaram pelo coronavírus, desenvolveram a Covid-19 mas não procuraram os hospitais da rede pública para fazer exames ou buscar um tratamento, preferindo ficar isolados em casa.

Este é o caso do jornalista Arisson Jardim, assessor de imprensa do deputado Daniel Zen (PT). O parlamentar foi o primeiro a ser infectado, retransmitindo o vírus para as pessoas de seu circulo social. É lógico que esse contágio não ocorre de forma proposital, pois quem carrega o vírus não o sabe. Os sintomas aparecem até duas semanas após ele entrar no corpo. Segundo os estudos, uma pessoa carregando o vírus contamina outras quatro – criando um ciclo de contágio.

Ao invés de ir fazer o teste na UPA do Segundo Distrito como recomendam as autoridades sanitárias, Jardim optou por ficar em casa mesmo. Assim tem acontecido com muitas pessoas. Não se sabe se com centenas, como diz o responsável por conduzir os exames.

Outro problema apontado por Stocke é a falta de material para os testes. De acordo com ele, o Acre tinha disponíveis 400 reagentes usados na realização dos exames. Nos últimos dias houve um aumento explosivo de pessoas com suspeitas da Covid-19, o que levou a uma escassez de material. Agora são feitos testes apenas nos pacientes mais graves. Até esta sexta, o laboratório tinha colhido amostras de 363 com suspeitas de portar o vírus, com 243 exames dando negativo. Outros 95 ainda aguardam resultado. 

“Estamos usando o pouco que temos apenas para os casos de emergência. Por isso os números não aumentam, mas os números estão aumentando. No momento estamos cegos porque não temos os reagentes”, afirmou ele.

Diante da gravidade, as autoridades de Saúde estão em alerta máximo. Tanto assim, o governador anunciou que buscará uma audiência de emergência com o presidente Jair Bolsonaro para buscar ajuda federal ao Acre no enfrentamento ao coronavírus. Este é um claro sinal de que as coisas não estão nada boas.

Certamente Cameli já tinha conhecimento de toda essa situação de carência e elevada subnotificação antes de assinar o decreto que flexibilizou a quarentena no comércio acreano, permitindo a abertura de determinados setores após pressão dos dirigentes da Federação do Comércio.

Ao adotar tal postura diante deste cenário gravíssimo, o governo incorreu em crime de responsabilidade.  Permitiu-se, assim, que mais pessoas – talvez algumas delas contaminadas sem saber – saíssem de suas quarentenas, entrando em contato com não-contaminadas. Pessoas em filas de lotéricas, bancos, em lojas de material de construção passaram a ser vistas em Rio Branco com o novo decreto de Cameli.

E não, o número de 25 pessoas apontadas pela Secretaria de Saúde não é o retrato fiel da situação. Este número é muito maior – não se sabe se 500. Mas como a avaliação vem de quem está na linha de frente, não é bom duvidar. Certamente o diretor do laboratório não seria imprudente de divulgar tal número apenas para fazer alarmismo.

As próximas semanas nos darão as respostas.

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