Páginas

sábado, 2 de março de 2019

Um governo terceirizado


Em agosto do ano passado, durante o prazo de registro das candidaturas junto à Justiça Eleitoral, o então candidato a governador do Acre pelo Progressistas, Gladson Cameli, enviou seus advogados para realizar o ato, ao invés de ir pessoalmente.

Confesso que desde que acompanho a vida política do estado como jornalista, foi a primeira vez que vivenciei tal ato. Os outros candidatos de eleições anteriores da antiga oposição, como Tião Bocalom e Márcio Bittar, sempre fizeram questão de ir ao fórum eleitoral  registrar suas candidaturas e entregar o plano de governo.

O registro da candidatura é um ato exigido pela legislação. A ida do próprio candidato ou candidata não é obrigatória, podendo ele ou ela ser representado por uma indicado seu. Porém, o valor simbólico e político do ato é muito grande, representando um gesto de respeito ao jogo democrático pela corrida aos votos que ali se inicia.

É uma oportunidade dos candidatos estarem com a cara na mídia, já que geralmente a imprensa vai em peso. É a chance de se colocar a cara na televisão antes da propaganda eleitoral, falando um pouco sobre o que pensa, como será sua campanha e quais as propostas.

Gladson Cameli perdeu essa oportunidade e enviou seus advogados. Quando menos se esperava, os jornalistas foram informados de que o candidato líder nas pesquisas de intenção de voto já tinha registrado a candidatura, e entregado o plano de governo num pen-drive.

Tal gesto foi tudo o que os petistas queriam para iniciar a campanha de desgaste da imagem de Cameli, tentando reduzir seu favoritismo entre os eleitores. À época, Marcus Alexandre (PT), adversário direto do hoje governador, disse que Gladson terceirizou um importante momento da campanha eleitoral. O ex-prefeito tinha plena razão.

E o mais interessante é que essa terceirização progressista continuou na campanha, na transição e agora no Palácio Rio Branco. Passados dois meses com Gladson Cameli à frente do governo, a impressão é que a atual gestão está terceirizada, com o governador sendo uma figura meramente ilustrativa, e tendo  o poder exercido de forma real por seus supersecretários tidos como técnicos,  além dos aliados partidários de quem ele parece ser refém. 

Estamos vivendo uma espécie de parlamentarismo em nossa selva amazônica que quer ser “sojeira”. Temos a figura do chefe de Estado e a do chefe de governo. Gladson Cameli é o chefe de Estado que exerce um poder simbólico: apenas assina os decretos e diz amém para tudo o que seu corpo técnico determina - sem, aparentemente, fazer questionamentos. A chefia de governo parece estar terceirizada.

Para tentar demonstrar algum sinal de força, foi colocado por seu vice, o Major Rocha (PSDB) - que transformou Segurança Pública em seu feudo para mandar e desmandar - para tirar uma foto carregando um fuzil, dando palavras de ordem que soaram muito mais como chacotas do que um comando.

Gladson Cameli transparece não estudar a fundo a real situação fiscal, social e econômica do Acre. Apenas se emprenha pelos ouvidos por tudo aquilo que a santíssima trindade (formada pela Casa Civil, Fazenda e SGA) lhe diz: que não tem dinheiro e que as contas - num português chulo - estão “arrombadas”.

Sabemos que a situação financeira do Acre não é a das melhores, mas querer paralisar o funcionamento da máquina pública em nome de uma tal austeridade vem trazendo sérios prejuízos à população e à economia. A demissão em massa de cargos comissionados e terceirizados ampliou nossa legião de desempregados A economia está estagnada. .

Num estado pobre como o nosso, o setor público é o principal carro-chefe da economia. Se ele vai mal, todo o resto vai mal. Nosso setor privado é incipiente para absorver toda a mão-de-obra; não temos grandes empresas e as raras que existem estão ruim das pernas.

Um dos maiores exemplos da ausência de poder do governador foi a decisão (não dele) de não contratar professores da rede pública que já tinham tido passagens pela Educação. Ora essa, onde já se viu isso no mundo? O estado carece de mestres na sala de aula, e o governo quer abrir mão de contratá-los?

Será isso fruto das medidas de austeridade ou da malfadada despetização? Vendo a lambança em que lhe meteram, Gladson Cameli precisou voltar atrás; afirmou que vai, sim, chamar os professores.

O jovem governador precisa mostrar a que veio e, sobretudo, que a população outorgou a ele e não a seus influenciadores o direito de exercer o poder em nome deste mesmo povo - como diz a Constituição. O progressista precisa dar sinais de segurança para a população - não a segurança de carregar um fuzil que claramente não sabe manusear. 

Mas a segurança de que ele é o governador, de que não pode dizer sim a todos que lhe procuram ou dizem, a assumir as consequências de suas escolhas e demonstrar que sabe muito onde está e o que está fazendo. Se ele não se investir desta autoridade que lhe foi concedida pelo voto, a imagem que continuará a passar é a de que, sim, o Acre está desgovernado e sem direção.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário